Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0983/08
Data do Acordão:03/19/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
PRAZO
INCONSTITUCIONALIDADE
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário:I - O n.º 2 do artigo 146.º do CPPT, afrontando o disposto nos artigos 100.º da LGT e 205.º n.º 2 do CRP, é material e organicamente inconstitucional.
II - A obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge logo com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa do processo para o serviço de finanças competente, a requerimento do contribuinte.
III - A falta desse requerimento no prazo indicado no n.º 2 do artigo 146.º do CPPT, não preclude o direito do contribuinte exigir à administração tributária e os tribunais a execução do julgado.
Nº Convencional:JSTA00065616
Nº do Documento:SA2200903190983
Data de Entrada:11/06/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO.
Área Temática 2:DIR CONST - GARANTIAS ADM.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART146 N2.
CCIV66 ART8 N3.
LGT98 ART100.
CONST76 ART165 N1 I ART103 N2.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART51 N1 C.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC570A/08 DE 2008/12/03.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG1047.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- A…, Lda., com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que indeferiu liminarmente a petição de execução de julgados, formulando as seguintes conclusões:
I. A Recorrente entende, com o devido respeito, que na douta decisão recorrida houve manifesto erro sobre os pressupostos de direito da decisão no que se refere à contagem do início de prazo para a execução espontânea pela administração tributária.
II. A administração tributária está obrigada, em caso de procedência (total ou parcial) da decisão a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão, nos termos do art. 100° da LGT.
III. Tal prazo deverá ser contado, nos termos do n.° 1, do art. 162.° do CPTA, a partir do trânsito em julgado da decisão, e não a partir da remessa dos autos à administração tributária, como entendeu o douto tribunal a quo ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 146.°do CPPT.
IV. O nº 2, do art. 146°, do CPPT, é orgânica e materialmente inconstitucional, por violação do art. 100° da LGT e do n° 2 do art. 205° da CRP, uma vez que todas as decisões, devidamente transitadas em julgado, são imediatamente obrigatórias para todas as entidades, não podendo ficar a aguardar qualquer requerimento do próprio interessado.
V. A sentença objecto de execução de julgados transitou já em julgado, ainda que parcialmente, em 11-06-2007, e uma vez que o recurso interposto para o TCA da parte da sentença com a qual a Recorrente não se conformou tem efeito meramente devolutivo, tal facto não obsta à execução imediata da decisão da parte procedente proferida pelo tribunal de 1ª instância transitada em julgado.
VI. Pela omissão ilegal de um acto administrativo legalmente devido de conteúdo vinculado por parte da Administração, deverá esta ser condenada a pagar à ora Recorrente indemnização moratória, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
2- A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
«Os fundamentos do recurso são as inconstitucionalidades orgânica e material do art. 146º, nº 2 do CPPT.
A norma não é organicamente inconstitucional pois não dispõe sobre nenhuma das matérias reguladas nos arts. 165º, nº 1 al. i) e 103º, nº 2 da Constituição da República, na verdade, limita-se a operacionalizar o art. 100º da LGT, sendo certo que a administração tributária não pode proceder “à imediata e plena reconstituição da legalidade”, sem que lhe tenha sido remetido o processo que, no caso dos autos, estão em recurso no TCA.
Quanto à inconstitucionalidade material, não se vê nem o recorrente demonstra nas suas alegações a medida em que o art. 146º, nº 2 do CPPT viola a regra constitucional consagrada no art. 205, nº 2 da Constituição da República, pois que, como acima se disse, a A.T. só está em condições de poder proceder à imediata e plena reconstituição da legalidade depois do processo ter “sido remetido ao órgão da A.T. competente para a execução”.
Aliás, foi certamente por essa razão que o ora recorrente não usou da faculdade prevista na última parte do nº 2 do art. 146º do CPPT: não requereu a remessa da sentença, na parte transitada, ao órgão competente para a execução, no prazo de 8 dias, após trânsito.
Termos em que sou de parecer que se deve manter o julgado, não se dando provimento ao recurso.»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A decisão recorrida, constatando que os autos em causa ainda não tinham sido remetidos à administração tributária por se encontrarem em recurso no TCA, na parte relativa ao parcial improcedimento da impugnação judicial deduzida, indeferiu liminarmente a petição de execução de julgados por entender que «(…) no Código de Procedimento Tributário existe norma que dispõe sobre a execução espontânea de julgados (artigo 146.º n.º 2), a norma invocada pelo exequente (artigo 162.º, n.º 1 do CPTA) apenas começa a contar a partir do momento em que os autos são remetidos à administração tributária, conforme dispõe o artigo 146.º n.º 2 do CPPT,(…)» e daí que «ainda nem sequer começou a contar o prazo para a execução espontânea da sentença objecto dos presentes autos, não há qualquer inexecução da sentença por parte da administração tributária para que, nos termos do disposto no nº 3 do artº 157º do CPTA, o exequente possa lançar mão da execução de julgados prevista nos arts. 157º e ss do CPTA.»
5- A questão que vem colocada no presente recurso prende-se em apurar da conformidade constitucional da previsão normativa constante do n.º 2 do artigo 146.º do CPPT ao dispor que «o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para execução, podendo interessado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito da decisão».
Essa questão foi apreciada e decidida neste STA em data recente por acórdão de 3/12/08, no processo n.º 570A/08, subscrito pelo presente relator, pelo que se acompanhará a argumentação jurídica aí aduzida tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC).
Escreveu-se nesse aresto:
«Dispõe o art.º 100.º da LGT que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir de termo do prazo da execução da decisão”.
Estabelece, porém, o artigo 146°, n° 1 do CPPT que é admitido, no processo judicial tributário, além do mais, o meio processual de execução dos julgados, que será regulado “pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos”. Acrescenta, contudo, o n.º 2 do mesmo preceito normativo que “o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos Tribunais Tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de oito dias após o trânsito em julgado da decisão”.
Ora, face a esta falta de harmonia entre os preceitos legais citados, parece que o predito art° 146°, n° 2 é inconstitucional por não se compatibilizar com o teor da LGT.
Escreve, a este propósito, o Ilustre Conselheiro Jorge Sousa, in CPPT anotado, vol. 1, 5 ed., pág. 1.047: “Na verdade, no art. 100.º desta Lei estabelece-se que, em caso de procedência da pretensão do contribuinte, a administração tributária fica obrigada «à imediata e plena reconstituição de legalidade do acto ou situação objecto do litígio».
O regime que resulta deste n.° 2 do art. 146.°, consubstanciando-se, por um lado, em fazer depender de requerimento do interessado a obrigação da administração tributária executar o acto e, por outro, em criar uma dilação para a constituição da obrigação da administração tributária dar execução ao julgado, não se harmoniza com o carácter imediato e incondicional que naquele art. 100.º é atribuído a essa obrigação.
Por isso, em face da supremacia da LGT sobre este Código, reconhecida no art. 1.º deste, e do sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar este Código, que é o da compatibilização das normas do CPT com as da LGT e regulamento das disposições desta dela carecidas [alínea c), do n.° 1 do art. 51º da Lei n.° 87-B/98, de 31 de Dezembro], parece não ser admissível que neste Código se estabeleça um regime incompatível.
Por outro lado, as normas relativas ao regime de execução de julgados reportam-se às garantias dos contribuintes, pelo que o Governo não podia legislar nesta matéria em sentido diferente ao da referida autorização legislativa, pois tal matéria integra-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Na verdade, embora no art. 165.°, n.° 1, alínea i), da CRP, em que se define esta reserva, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.° 2 do art. 103.° da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.
Tratando-se, assim, de matéria englobada naquela reserva relativa de competência legislativa, o Governo não podia legislar sobre ela em sentido divergente com o indicado na lei de autorização legislativa em que se baseou [arts. 112.°, n.° 2, e 198.°, n.° 1, alínea b), da CRP], pelo que, não respeitando tal obrigação, o referido n.° 2 do art. 146.° do CPPT, na parte referente em que condiciona o dever de execução de julgados a pedido do interessado e em que difere o momento da contagem do prazo será organicamente inconstitucional...
De qualquer forma, o que importa é concluir que a obrigação da administração tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial, que não é necessário requerimento do interessado para existir essa obrigação e que a falta de tal requerimento no prazo indicado no n.° 2 do presente art. 164.°, não faz precludir o direito deste de a exigir perante a administração tributária e os tribunais a execução do julgado”.
Sendo assim e como bem anota o Exm° Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, “a interpretação adequada dos referidos preceitos é pois a de que o prazo para que a Administração Fiscal dê cumprimento espontâneo às decisões dos tribunais se inicie com o trânsito em julgado e não com a remessa do processo para o serviço de finanças competente.
E que, citando mais uma vez Jorge Lopes de Sousa, obra referida pág. 1.052 «numa situação em que por deficiência na redacção da lei, não é viável atingir soluções congruentes, a opção adequada, para quem está preocupado com administrar justiça, será a de optar pela solução que melhor se compagine com os princípios constitucionais»”.
Certo é ainda que o n.º 2 do artigo 146.º do CPPT, como defende a recorrente, patenteia uma dimensão materialmente violadora do n.º 2 do artigo 205.º da CRP [“As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades publicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outra autoridades”], posto que à face deste imperativo constitucional, uma vez transitadas, as decisões são de imediata execução obrigatória, não dependendo de qualquer requerimento do interessado.
Por último, na conclusão VI. da sua alegação, a recorrente pede a condenação da Administração no pagamento de uma indemnização moratória, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Acontece que este pedido exorbita de forma evidente do objecto do recurso, confinado este como está apenas ao conhecimento da decisão de indeferimento liminar da petição da execução de julgado.
Improcede, deste modo, a conclusão VI.
Temos em que se acorda conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que não seja de indeferimento pela invocada extemporaneidade.
Sem custas, uma vez que a Fazenda Pública não contra-alegou.
Lisboa, 19 de Março de 2009. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do ValeLúcio Barbosa.