Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01053/23.9BEPRT
Data do Acordão:04/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MACHETE
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CAUSAS DE EXCLUSÃO
CONCORRÊNCIA
INDÍCIOS SÉRIOS
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
ACTO DE ADJUDICAÇÃO
Sumário:I - As entidades jurídicas especialmente relacionadas entre si, mesmo que constituam uma única empresa para efeitos do regime jurídico da concorrência, não estão impedidas de apresentar propostas no âmbito de procedimentos pré-contratuais.
II - Contudo, caso a atuação dessas entidades no procedimento ou a análise das propostas que tenham apresentado justifiquem suspeitas quanto à existência de interações relativas à respetiva participação, devem as entidades adjudicantes (ou os júris do procedimento), com base no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP e prevenindo o risco de concertação ou coordenação das propostas e do consequente falseamento da concorrência no procedimento em causa por via da criação de vantagens relativamente aos demais concorrentes: (i) avaliar, na sequência de audição dos visado, se existem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações referentes a uma influência concreta da relação especial entre esses concorrentes no conteúdo das propostas que apresentaram; e (ii) em caso afirmativo, excluir tais propostas.
III - Assim, os referidos indícios de que as propostas de concorrentes especialmente relacionados entre si não foram elaboradas com total autonomia e independência, mesmo que as interações em causa não possam corresponder a práticas proibidas pelo regime jurídico da concorrência nem respeitem a aspetos do contrato submetidos à concorrência, são condição suficiente para que tais propostas não devam ser consideradas pela entidade adjudicante, uma vez que a distorção da concorrência que o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, visa prevenir é justamente a de alguns concorrentes coordenarem ou concertarem as respetivas propostas de modo a aumentarem as possibilidades de adjudicação, em prejuízo dos demais e da própria entidade adjudicante.
IV - Para efeito das suspeitas iniciais e da avaliação dos referidos indícios, serão de considerar, entre outros, os sinais de alerta referidos na “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01).
V - A avaliação dos “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos, competindo ao júri do procedimento e à entidade adjudicante também apenas comprovar a existência daqueles “fortes indícios” e não a prática efetiva de uma conduta anticoncorrencial.
VI - A avaliação feita pelo júri do procedimento ou entidade adjudicante quanto aos “fortes indícios” pode ser infirmada pelo tribunal em caso de erro manifesto.
VII - Anulada judicialmente a adjudicação feita ao concorrente cuja proposta foi ordenada em primeiro lugar, e não podendo a mesma ser considerada em virtude da existência de fortes indícios de ter sido coordenada com outra falseando a concorrência no procedimento, a adjudicação, enquanto ato legalmente devido, tem de ser feita à proposta ordenada em segundo lugar, uma vez que a possibilidade de não adjudicação ficou precludida pela anterior decisão de adjudicar e, por conseguinte, só desse modo se pode reconstituir a situação que existiria no caso de não ter sido cometida a ilegalidade de não excluir as propostas não autónomas nem independentes.
Nº Convencional:JSTA000P32069
Nº do Documento:SA12024040401053/23
Recorrente:MUNICÍPIO DO PORTO E OUTROS
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

1. Nos presentes autos de recurso de revista per saltum vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Juízo de Contratos Públicos) (“TAF Porto”), vêm o MUNICÍPIO DO PORTO e a contrainteressada B..., LDA., recorrer da sentença daquele tribunal, de 23.11.2023, que julgou procedente a ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual intentada por A..., S.A., relativa a um procedimento de ajuste direto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do Código dos Contratos Públicos (“CCP”) promovido pelo aqui recorrente em vista da aquisição de quiosques com sanitários, e, em consequência:
– Anulou o ato de adjudicação, com todas as consequências legais;
– Condenou a entidade demandada a excluir do procedimento pré-contratual as propostas apresentadas pelas concorrentes B... e C...;
– Condenou a entidade demandada a retomar o procedimento pré-contratual, e, no contexto do dever de reconstituição da situação jurídica, a adjudicar o procedimento à proposta da autora;
– Condenou a entidade demandada e a contrainteressada, ora recorrente, no pagamento das custas do processo.

2. Na primeira instância, as partes defenderam as seguintes posições:

2.1. No que se refere à autora, ora recorrida:
A C... é uma sociedade unipessoal e tem como sócio único e gerente (único) AA. A B... é uma sociedade por quotas detida pela C... (15%) e por AA (85%), que também é seu gerente único.
As propostas relativas ao procedimento pré-contratual em causa da B... e da C... foram submetidas e assinadas pelo gerente único de cada uma delas –e que, por isso, é o respetivo representante legal –, AA, e apresentam muitos aspetos comuns. Para além de as Memórias Descritivas da B... e da C... serem praticamente idênticas, palavra por palavra, vírgula por vírgula, resulta evidente que: na Memória Descritiva e Justificativa da C... é feita referência expressa à B... («a própria execução dos ramais depende de Entidades Externas à B..., e por isso podem acontecer derrapagens de prazos na execução destes trabalhos»); padecem dos mesmos erros ortográficos; ambas terminam o mesmo parágrafo com uma vírgula (pág. 7 de ambas as Memórias); ambas padecem do mesmo “erro de escrita”. Ademais, ambos os concorrentes usam as mesmas imagens/cenários de fundo para ilustrar as simulações tridimensionais dos quiosques; os símbolos utilizados por ambos os concorrentes são iguais/têm o mesmo design. E a formatação dos documentos é exatamente a mesma. Acresce que as propostas destas concorrentes apresentam o mesmo preço (ao cêntimo) para os serviços de manutenção preventiva e corretiva e para os serviços de remoção, desinstalação e reinstalação.
A partir destes dados, pode concluir-se que a confidencialidade daquelas propostas nunca esteve assegurada, pois que, o sócio-gerente de ambas as concorrentes conhecia as propostas antes mesmo da sua submissão na plataforma. Impõe-se, por isso, a exclusão de ambas as propostas, por forma a garantir que não se defraude a concorrência por via da dupla participação de empresas que não atuam no mercado com autonomia e independência, violando, assim, as regras da livre a sã concorrência.

2.2. Quanto à entidade demandada, ora recorrente:
Na sequência da análise das propostas, o júri do procedimento constatou que as propostas apresentadas pela B... e pela C... foram ambas assinadas e submetidas pela mesma pessoa, AA, o qual assume a qualidade de sócio e gerente (único) de ambas as entidades, tendo-as questionado sobre a autonomia e independência de ambas as propostas.
A B... e a C... responderam ao pedido de esclarecimentos, referindo, em síntese, que as propostas apresentadas por ambas as concorrentes correspondiam a propostas autónomas e distintas, apresentando especificidades, desenvolvimentos técnicos e preços distintos, sendo, por isso, propostas independentes.
Em sede de Relatório Final, o júri do procedimento, considerou que existiam diferenças relevantes entre as duas propostas, sendo tal diferença ainda mais evidente após a ordenação de todas as propostas submetidas no procedimento, porquanto, após aplicação do critério de adjudicação, a proposta da B... ficou graduada em 1º lugar e a proposta da C... em 4.º lugar.
Deste modo, face às propostas apresentadas e às respostas das concorrentes sobre a respetiva independência e autonomia, é de considerar que não se verificam “indícios” suscetíveis de violar o princípio da concorrência.

2.3. Relativamente à contrainteressada B..., ora recorrente:
A aferição da existência de fortes indícios violadores das regras da concorrência depende de um juízo concreto, a partir das circunstâncias de facto e dos elementos da proposta. No caso concreto, as propostas apresentadas pelas duas concorrentes, assinadas pelo mesmo sócio-gerente e representante legal, têm necessariamente de ser analisadas como propostas perfeitamente autónomas, podendo a sua apresentação num mesmo procedimento ser, em si mesmo, um indício da existência de práticas restritivas da concorrência. Mas o que deve ser aferido em concreto é se as propostas apresentadas são, ou não, “autónomas e distintas”. Só se o não forem, será motivo de exclusão de ambas.
Da leitura conjugada do artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP com o artigo 9.º da Lei da Concorrência é possível concluir que a exclusão está pensada para os concorrentes que se concertam para obter uma vantagem mútua, na esmagadora maioria das vezes para a celebração de contratos com melhores condições contratuais do que se estivessem efetivamente a competir entre si – com prejuízo para o interesse público – ou para afastar outros operadores económicos do mercado. O facto de as concorrentes partilharem do mesmo sócio-gerente e representante legal não implica qualquer impedimento, falseamento ou restrição da concorrência, antes tendo trazido ao concurso mais opções, quer de preço, quer de conceitos e soluções formais e construtivas, o que apenas beneficia a entidade adjudicante.
Competia ao júri do procedimento verificar se a relação societária influenciou o normal desenvolvimento do procedimento, tendo o mesmo concluído in casu em sentido negativo. O que se compreende, na medida em que dos esclarecimentos prestados pelas contrainteressadas, e especialmente do teor das propostas apresentadas, pode extrair-se que as mesmas não foram apresentadas com a intenção de subverter o procedimento e/ou falsear a concorrência.

3. A sentença recorrida, analisou o fundamento jurídico invocado pela autora para a exclusão das propostas – o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP –, seguindo a jurisprudência do Ac. TCAS, de 4.03.2021, P. 123/17.7BELSB, também referida pelo júri do procedimento no Relatório Preliminar para justificar a admissão das mesmas propostas: o citado preceito remete para as regras do direito da concorrência, nomeadamente para a Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, que aprovou o novo regime jurídico da concorrência (p. 54). Nesse quadro, e relativamente aos comportamentos que têm por objetivo e efeito falsear a concorrência, escreveu-se no mencionado acórdão do TCAS:
«[A] jurisprudência do TJUE e no seu seguimento a jurisprudência e doutrina nacionais, consideram que a apreciação do comportamento que tem por objetivo e efeito o falsear da concorrência deve basear-se numa análise casuística do conjunto de circunstâncias que envolvem a situação, para assim se verificar se tal comportamento afetou ou é suscetível de afetar a concorrência. Entende-se, que só perante as circunstâncias concretas da atuação dessas empresas no procedimento e perante a análise das propostas que apresentem, o júri poderá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo tal juízo fundar-se numa mera presunção, decorrente de uma dada posição societária […]» (transcrito na p. 56).

Com efeito, uma vez reunidos pelo júri do concurso indícios de práticas que visem objetivamente, ou que possam, falsear a concorrência, deve ser dada oportunidade aos concorrentes de rebaterem aqueles indícios, fazendo prova procedimental que não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, o indicado falseamento. A decisão do júri do concurso só deve ser tomada após a análise de todos os elementos, incluindo a resposta dos concorrentes. Mas, para chegar a uma decisão que aponte para a ocorrência de práticas concertadas que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, não se exige à entidade adjudicante - ou ao júri do concurso - uma prova firme, direta ou irrefutável, bastando para o efeito a recolha de indícios sérios, seguros, congruentes, de tais práticas (p. 57). Assim:
«[A]tendendo à jurisprudência comunitária, nacional e ao que vem defendido pela doutrina, o preenchimento do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos. À entidade adjudicante cumpre também apenas comprovar a existência de fortes indícios, não da prática efetiva da conduta anti-concorrencial.
[…]
É também no procedimento administrativo que cumpre fazer tal prova, gozando a entidade administrativa de alguma discricionariedade na integração do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência” […].
Por seu turno, aos concorrentes visados cumpre ilidir procedimentalmente a presunção do júri, provando no indicado procedimento administrativo que apresentaram propostas autónomas e independentes. Cumpre aos concorrentes provar, que não obstante a sua estrutura societária, não poderiam ter conhecimento mútuo das propostas e não o fizerem concertando preços.
Se não ficar ilidida a presunção inicial do júri, este pode decidir pela exclusão dos concorrentes visados, nos termos do art.º 70.º, n.º 2, al. g) e 146.º, n.º 2, do CCP.
Uma vez tomada tal decisão, as empresas visadas podem, depois, questioná-la judicialmente, mas nesta sede a apreciação jurisdicional não pode versar sobre os aspetos discricionários da decisão administrativa. Isto é, não competirá às instâncias judiciais discutir acerca do juízo relativo aos indicados indícios para além do que decorra da existência de um erro manifesto, de facto, ou grosseiro. Identicamente, se for manifesto que as empresas visadas não lograram ilidir a presunção em sede procedimental, não cumpre ao Tribunal substituir-se à Administração e a esse (anterior) momento procedimental e verificar, ex novo, acerca da questão.» (pp. 59-61).

Na sequência da análise dos factos dados como provados, concluiu o tribunal a quo o seguinte:
«Se a concorrente C... é uma Sociedade Unipessoal por quotas, que tem como sócio único e gerente (único) AA; e se, por outro lado, a concorrente B... é uma Sociedade por Quotas detida pela C..., em 15% (que tem como sócio único e gerente (único) AA), e por AA, em 85%, que também é gerente único da referida sociedade, para nós, apesar de serem empresas juridicamente distintas, é inegável e resulta da factualidade trazida aos autos que a estrutura de ambas as empresas apela, pois, a uma forte pessoalidade e que, no mínimo, se tratam, também, de empresas que mantêm entre si fortíssimos laços de interdependência e que é AA que detém todo o poder de orientar e gerir toda a atividade das duas empresas.
Nessa mesma medida, fazendo apelo aos considerandos acima descritos (e ao Acórdão do TCAS invocado pelo júri) tendo presente que “em matéria da concorrência, para a noção de empresa há que atentar sobretudo na sua capacidade de autodeterminação económica e não tanto no respetivo estatuto jurídico ou no seu modo de funcionamento”, o que “pode implicar considerar a existência de uma só empresa para estes efeitos”, é de concluir que, para este estrito efeito, as empresas B... e C... são uma só empresa, pelo que é de presumir que não poderia deixar de ser do conhecimento da B... a proposta que a C... fez no procedimento em apreço e vice-versa. Sendo que, para além dessa presunção, adveniente da estrutura pessoal das referidas empresas, no caso, pelo objeto das empresas, verifica-se, também, que ambas as empresas atuam na mesma área de negócios, ainda que a sua história assente em diferentes origens e que se admita que comercializem marcas diferentes.
Mas o que se passa nestas duas propostas é muito mais do que isto. É muito mais que uma questão de gerência (de facto e de direito) pela mesma pessoa relativamente às duas concorrentes.
São as propostas que foram apresentadas pelas duas empresas, traduzidas em concretos factos, são as circunstâncias concretas de atuação das empresas neste concreto procedimento e, como referido, da análise das propostas por elas apresentadas, que nos levam a concluir que, de facto, no caso, ocorre a violação deste preceito [– o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP –] e que o júri incorreu em erro ostensivo ao assim não entender.» (pp. 69-70; itálicos acrescentados).

A sentença recorrida justifica a seguir esta sua conclusão com uma análise crítica do Relatório Final elaborado pelo júri, salientando (pp. 70-83):
– A autonomia do procedimento concretamente em causa (embora o procedimento em causa tenha como antecedente um prévio concurso público internacional, o certo é que o presente procedimento é um procedimento pré-contratual novo, com uma nova decisão de contratar: é um procedimento de ajuste direto, lançado ao abrigo de critérios materiais, em que foram convidadas a apresentar proposta quatro concorrentes, ou seja, a concorrência é mais limitada e joga-se entre estas quatro concorrentes);

– Quanto à classificação final das concorrentes, o júri deveria ter classificado a concorrente C... em terceiro lugar, só não o tendo feito por erro. Com efeito, esta concorrente apresentou o segundo melhor preço de instalação para cada quiosque (€ 58 050,00/unidade + iva), depois da B..., que propôs o melhor (€ 48 270,00/unidade), sendo que os preços para os serviços de manutenção (€ 336,00/quiosque/mês) e de remoção (€ 2964,00/quiosque) são exatamente iguais. Por outro lado, pontuações das concorrentes no fator Qualidade Técnica (com uma ponderação de 40%) estão muito próximas. Portanto, não se justifica concluir estar-se perante propostas completamente diferentes, fazendo apelo para isso ao suposto lugar (tão) díspar alcançado na lista de ordenação final por aquelas concorrentes (B... em primeiro lugar e C... em quarto); pelo contrário, dada a constituição das empresas e os termos das propostas, é caso para concluir que estas e a factualidade que delas se extrai permitem inferir que houve um conhecimento mútuo (prévio) das mesmas;

– Embora o júri diga que a solução técnica apresentada pelas duas concorrentes, apesar de todas as “semelhanças” apontadas e por ele reconhecidas, seja distinta, nomeadamente quanto à singularidade do design, isso não é suficiente para afastar todos os fortes indícios quanto ao conhecimento mútuo/prévio e de articulação das propostas (e isso mesmo em relação à aludida solução técnica).

Para a juiz a quo, o circunstancialismo fáctico que enuncia, juntamente com a interligação das duas empresas concorrentes, aponta para uma acomodação/articulação dessas mesmas empresas na participação no procedimento em causa nos autos (com convite, em que estão apenas em causa quatro concorrentes), que permitiu ampliar as suas chances de o vencerem (p. 80), existindo por isso uma comunhão de interesses que faz perigar a exigida transparência, igualdade e sã competição, permitindo falsear a concorrência:
«Na verdade, tendo em conta a estrutura de ambas as empresas, é a mesma pessoa e representante legal (quem submeteu as propostas e quem as assinou) que detém todo o poder de orientar e gerir toda a atividade das duas empresas, o que é bastante para se concluir pela existência de uma comunhão de interesses nociva à concorrência, que é suscetível de a falsear, que, só por si, constitui um indício forte de uma situação que pode levar ao falseamento da concorrência quando estas duas empresas concorrem a um mesmo procedimento (com convite) com duas diferentes propostas.
Mas neste caso este indício não surge isolado, mas acrescentam-se muitos outros indícios verdadeira e absolutamente consistentes (que, no caso, são muitos), acima referenciados, que foram alegados pela Autora e que, pela apreciação dos documentos que integram a proposta das CI, se confirmam nesta ação, que as CI não lograram afastar com os esclarecimentos prestados (que repisam nesta sede), e que o júri desvalorizou em sede própria quando invocados, centrando-se na autonomia jurídica das empresas, na ordenação das propostas e na solução do design que foi apresentado» (p. 81).

Assim, tendo presente a conclusão alcançada no Ac. STA, de 13.07.2021, P. 123/17.7BELSB (que confirmou o já referido Ac. TCAS, de 4.03.2021), conclui-se na sentença recorrida:
«[N]o caso sub judice, o modo de apresentação destas duas propostas, que se traduzem em concretos factos, aqui escalpelizados, todos eles aliados, apontam não só para a existência de um conhecimento prévio das propostas, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/articulação/coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes, com todos os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de estarmos perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estarem em efetiva concorrência.
Donde, tudo visto, é de concluir que as propostas das CI B... e C... deveriam ter sido excluídas do procedimento, nos termos previstos nos artigos 70.º, nº 2, al. g), do CCP. Razão pela qual o ato de adjudicação do procedimento à proposta apresentada pela CI B... não se pode manter na ordem jurídica, devendo, em consequência, ser anulado» (p. 83; sublinhados no original).

Relativamente ao pedido condenatório, considerou-se na mesma decisão:
«Não se ignora que a apreciação e valoração das propostas constitui uma tarefa do júri do procedimento. Acontece que, no caso, a proposta da concorrente A..., ora Autora, foi já apreciada e avaliada pelo júri, por aplicação do critério de adjudicação fixado no PP. Pelo que, sendo a proposta apresentada pela concorrente, ora CI, B... excluída deste procedimento, como resulta dos relatórios de apreciação de propostas, segue-se, na graduação das propostas, a proposta apresentada pela concorrente A..., ora Autora.
Tendo presente que esta é a única atuação legalmente possível, sopesando que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cf. artigos 36.º e 76.º do CCP), salvo as exceções previstas no artigo 79.º do CCP, no âmbito da reconstituição da situação jurídica que advém desta sentença anulatória do ato de adjudicação e de condenação da ED a excluir as propostas apresentadas pelas concorrentes, ora CI, B... e C..., deve a ED adjudicar o procedimento à proposta da Autora.» (p. 84).

4. Inconformados com esta sentença, o Município do Porto e a contrainteressada B... apelaram para o TCAN, tendo a contrainteressada A... contra-alegado.

4.1. O Município do Porto concluiu as suas alegações do seguinte modo:

«A. O presente Recurso é interposto da douta Sentença, de 23.11.2023, proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a ação de contencioso pré-contratual proposta pela A, na qual está em causa o fornecimento de quiosques com sanitários, com a respetiva instalação e manutenção.

B. A douta Sentença recorrida estriba-se essencialmente em dois argumentos que entendemos errados: (i) o facto de ser a mesma pessoa a representante legal e gerente, presumivelmente encarregue de toda a atividade nas duas empresas; e (ii) deste facto anterior e da existência de algumas similitudes nas duas propostas presumir que a B... e a C... teriam tido conhecimento mútuo das respetivas propostas.

C. A douta Sentença recorrida refere outro facto não totalmente correto, na medida em que refere que o procedimento de consulta prévia é de acesso condicionado (convite) apresentando uma concorrência mais diminuída, não relevando, porém, o facto de a consulta prévia ter sido antecedida da aberta de um concurso público que ficou deserto, por todas as propostas terem sido excluídas.

D. Ao contrário do sustentado na douta Sentença recorrida, o facto de a mesma pessoa ser a representante legal e poder orientar e gerir toda a atividade de ambas as duas empresas, não conduz à necessária exclusão das propostas, não tendo ficado provado factualmente que a B... e a C... tinham conhecimento mútuo das propostas.

E. A douta Sentença recorrida condena ainda a Recorrente a adjudicar, a proposta da A..., substituindo-se à Recorrente e invadindo os seus poderes e reserva de administração, não obstante reconhece que não pode invadir os poderes próprios condidos por lei ao Júri do procedimento e à Recorrente, a não ser em caso de erro grosseiro ou manifesto.

F. Lida com a profundidade e atenção devidas a douta Sentença recorrida e o PA, nada conseguimos vislumbrar de erros ostensivos do Júri.

G. Nas duas fases em que o Júri do procedimento se pronunciou ao longo do procedimento, quer em sede de Relatório Preliminar, quer em sede de Relatório Final, entendeu não se verificar qualquer causa legal de exclusão das propostas apresentadas pela B... e pela C..., tendo utilizado da faculdade que a lei lhe dá (art. 72.º CCP) de pedir esclarecimentos aos concorrentes, e só após ter recebido as respostas, proposto a adjudicação, por entender não se verificar qualquer causa de exclusão.

H. As respostas de ambos os concorrentes foram suficientemente esclarecedoras, na medida em que, o facto de deterem o mesmo sócio-gerente em nada prejudicou a concorrência e que de facto existia um erro nas respetivas propostas, nas memórias descritivas, facilmente detetáveis pela evidente contradição com os desenhos juntos com as propostas, sendo pois erros ratificáveis [sic] pelo Júri (art. 72.º/4 CCP).

I. O Júri entendeu, de forma fundamentada, que as propostas apresentadas eram autónomas e distintas, apresentando especificidades, desenvolvimentos técnicos e preços distintos, sendo, por isso, propostas independentes.

J. Estas particularidades revelam-se na absoluta diferença da ordenação da proposta da B... - em 1.º - e da proposta da C... – em 4.º (ou 3.º) – que resultou da aplicação do critério de adjudicação (proposta economicamente mais vantajosa, determinada pela modalidade multifator), resultando numa pontuação final totalmente diferente atribuída às duas propostas em causa: 80,36 pontos à proposta da B...; e 43,10 à proposta da C... – cerca de metade dos pontos da primeira.

K. E para tal diferença de pontuação contribuiu o fator preço, na medida em que a B... teve 69,467, enquanto a C... teve apenas 43,101, sendo o preço muito diferente nas duas propostas, € 48.270,00/unidade + iva (apresentado pela B...) para os € 58.050,00/unidade + iva (apresentado pela C...).

L. As propostas apresentadas pelas concorrentes também eram distintas ao nível (i) das características técnicas das soluções, (ii) da configuração e (iii) da singularidade do design dos quiosques propostos.

M. As diferenças entre as propostas são manifestas atendendo as respetivas imagens e plantas das soluções propostas, desde logo, (i) relativamente à dimensão planimétrica e altura (inferiores na proposta da B...); (ii) à disposição de elementos transparentes e opacos; (iii) o desenho da B... resultar num paralelepípedo regular, ao contrário da proposta C..., que sugere uma inclinação das fachadas laterais; (iv) na proposta da B... existe uma divisão entre revestimentos das fachadas laterais, com transparências e opacidades, sendo que a C..., propõe revestimentos laterais sempre opacos.

N. Se as (diversas) soluções técnicas apresentadas por cada um dos concorrentes são – como erradamente configura a douta Sentença recorrida – indícios de práticas de falseamento da concorrência (!), então, se quisermos ir mais longe, também as propostas da D... e da A... mostrariam os mesmos indícios, já que os quiosques das respetivas propostas apresentam igualmente semelhanças entre si na figuração de desenhos geométricos nas fachadas.

O. Acresce que, para dar como provadas as alegadas “semelhanças” entre as soluções técnicas entre as duas propostas, a douta Sentença recorrida alega que, “as duas concorrentes usam as mesmas imagens/cenários de fundo para ilustrar as simulações tridimensionais dos quiosques”, usando para o efeito a comparação da simulação na Rua ... das propostas da B... e da C..., mas esquecendo-se de verificar que a própria A... usou as mesmíssimas imagens de fundo – da Rua ... – na apresentação da sua proposta, o que levou o Tribunal a concluir, precipitadamente – e com base em aspetos meramente marginais e não avaliáveis das propostas – que as propostas da B... e da C... não eram autónomas, nem independentes, e como tal deveriam ser excluídas.

P. Por outro lado, a análise da Memória Descritiva e Justificativa também apresenta especificidades distintas próprias no que diz respeito à cobertura das soluções propostas pelas concorrentes, sendo também apresentados desenhos dos quiosques com substanciais diferenças relativamente às plantas da cobertura.

Q. São os aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência, que devem ser aferidas eventuais distorções da concorrência, in casu, a existência de propostas autónomas e independentes, sendo à luz destes elementos diferenciadores, é possível efetuar uma diferenciação substancial entre as propostas.

R. A douta Sentença recorrida afirmar que também existia similitude entre as duas propostas nos preços de manutenção e de desinstalação/remoção dos quiosques, sendo que facilmente poderia ter verificado que todos os 4 concorrentes apresentaram valores quase idênticos para esses dois aspetos, com diferenças totalmente irrelevantes.

S. A condenação da Recorrente a adjudicar o procedimento à proposta apresentada pela A..., acaba por configurar uma nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do art. 615.º/1, al. d) do CPC e art. 95.º/1 do CPTA.

T. O Tribunal a quo imiscui-se no exercício da função administrativa e como consequência, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia acaba também por constituir uma violação do princípio da separação de poderes, tal como decorre do disposto no art. 111-º/1 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), conjugado com o art. 3.º/1 do CPTA, sendo que as valorações e decisões do Júri do procedimento são proferidas ao abrigo de poderes discricionários, só revisíveis pelo Tribunal em caso de erro manifesto ou violação de princípios jurídicos fundamentais.

U. Para existir um erro ostensivo do Júri (grosseiro/manifesto) teria de ter havido um total ignorar da situação, tratando os dois concorrentes como se nada se passasse que merecesse melhor e mais cuidada análise, o que manifestamente não foi o caso, tendo agido com toda a diligencia exigível.

V. O Tribunal a quo, face aos mesmos factos – isto é, as duas propostas – deu mais relevância a aspetos não sujeitos a avaliação, como o facto de o gerente ser o mesmo e às semelhanças que encontrou nos aspetos formais de ambas as propostas (grafia, erros e desenhos).

W. Não existindo qualquer erro ostensivo, grosseiro ou manifesto, e existindo dúvida, a solução tem de ser encontrada de acordo com (i) o princípio da competência do Júri e da reserva de administração e (ii) o princípio da participação nos concursos, não podendo o Tribunal substituir-se à administração.

X. A adjudicação ao Recorrido não é o único ato possível, nem configura um ato vinculado, desde logo pelo simples motivo de que, sempre haveria lugar à apreciação de eventuais situações de não adjudicação, nos termos do artigo 79.º CCP.

Y. Reconstituir a situação jurídica, retomando o procedimento pré-contratual, implica o exercício de poderes próprios do exercício da função administrativa, cujo expoente máximo, em sede de contratação pública, decorre da análise e avaliação das propostas, bem como a consequente proposta de decisão elaborada pelo Júri do procedimento.

Z. O Júri do procedimento, ao retomar o procedimento pré-contratual e excluindo as propostas das concorrentes B... e C..., terá necessariamente de reformular a ordenação das propostas em sede de Relatório, abrindo novo período de audiência prévia aos interessados, e elaborando-se novo Relatório Final com nova proposta de decisão para, posteriormente, ser adotada a decisão de adjudicação.

AA. Como decorre do disposto no art. 148.º/2, parte final, conjugado com o disposto na parte final do art. 148.º/1, ambos do CCP, poderá ainda o Júri do procedimento, que é a quem é atribuída a competência para proceder à apreciação e análise das propostas, nos termos do art. 69.º/1, al. b) do CCP, detetar novas causas de exclusão das propostas remanescentes, verificando-se a possibilidade, a verificarem-se os pressupostos, de existirem causas de não adjudicação, nos termos do art. 79.º do CCP.

BB. Elaborada a proposta de decisão pelo Júri do procedimento, ainda assim, não é líquido que o órgão competente para a decisão de contratar tenha de prosseguir com a decisão de adjudicação, tal como proposta pelo Júri do procedimento, na medida em que a proposta de decisão do Júri do procedimento (contrariamente ao que acontece nas deliberações do júri do procedimento nos concursos de conceção - v. art. 219.º-E/3 do CCP), não é vinculativa para o órgão competente para a decisão de contratar.

CC. Ainda, não é possível entender que o Júri ou a Recorrente tenham cometido um erro ostensivo, grosseiros ou manifesto, pelo que não poderia o Tribunal a quo ter invadido a reserva de Administração, entrando na análise da parte discricionária dos seus poderes.

DD. O mesmo é dizer que a douta Sentença recorrida deve ser declarada nula, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º/1, al. d) do CPC e art. 95.º/1 do CPTA, na medida em que o Tribunal a quo invade o espaço próprio do exercício da função administrativa, o que configura também uma violação do princípio da separação de poderes, tal como decorre do art. 111 .º/1 da CRP, conjugada com o art. 3.º/1 do CPTA.

EE. A douta Sentença errou também nos seus pressupostos de facto, ignorando totalmente a posição da Recorrente (designadamente a expressa pelo Júri nos documentos juntos com o PA) e das CI e, como consequência, o resultado é condenar a R. a pagar mais pelos mesmos quiosques, in casu, quase 116 mil euros a mais pelo contrato.

FF. Entende-se que as propostas são completamente diferentes nos elementos substanciais relevantes para efeitos de concorrência, quer a nível de preço, quer a nível das soluções técnicas apresentadas, não sendo possível concluir não ter havido autonomia e independência de ambas as propostas.

GG. Como resulta da factualidade provada, o preço de cada unidade de quiosque, bem como as soluções técnicas, são substancialmente diferentes, entre as propostas da B... e da C..., sendo estes os vetores principais que importavam para a concorrência e para a classificação de cada proposta.

HH. É à luz dos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência que devem ser aferidas eventuais distorções da concorrência, tal como decorre da jurisprudência do TJUE, vertida no Acórdão SPECIALUS AUTOTRANSPORTAS [sic], de 17.05.2018, Proc. C-531/16.

II. A douta Sentença recorrida conclui ainda que, pelo facto de as Concorrentes B... e C... serem geridas nas suas atividades, ambas, por AA, seria de presumir que existiria um conhecimento prévio ou concertado do teor das propostas.

JJ. Tal entendimento contraria a jurisprudência de que as causas de exclusão das propostas devem ser interpretadas de forma restritiva e não extensiva e muito menos analógica (v. Acórdão do TCA Norte, de 21.07.2021, Proc. n.° 00188/21.7BEAVR, disponível em www.dgsi.pt), bem como o próprio STA que sustenta o princípio da participação, com acima já visto, no seu douto Acórdão de 29 de abril de 2021.

KK. Tal facto não pode determinar uma imediata exclusão, desde logo pela razão de apenas se ter dado como provada a assinatura e submissão das propostas por AA e não a elaboração das respetivas propostas.

LL. O possível conhecimento do conteúdo de ambas as propostas, deriva exclusivamente de um juízo presuntivo do Tribunal a quo, tirado com bases factuais não suportadas.

MM. A douta Sentença recorrida contraria jurisprudência reiterada, quando afirma a sua conclusão da violação da concorrência, desde logo, no facto de existir uma mesma pessoa como gerente das duas empresas, considerando ainda que da estrutura pequena de ambas se teria de presumir que ela deteria todo o poder de orientar e gerir a atividade das duas empresas, sendo tal bastante para afirmar a existência de uma comunhão de interesses nociva à concorrência.

NN. A douta Sentença considera, ipso facto, por o gerente ser o mesmo e a estrutura de ambas as empresas ser pequena, que essa pessoa teria de deter um controle sobre ambas as propostas apresentadas, o que é um salto enorme e não fundamentado, com nefastas consequências, especialmente para as PME no âmbito de concursos públicos.

OO. A douta Sentença recorrida, não apenas retira sentido útil ao art. 53.º do CCP (o que limitaria muitas as PME em procedimentos pré-contratuais, contra o expressamente pretendido pelas Diretivas Europeias de 2014), como é contrário a toda a construção do TJUE sobre as causas de exclusão, nomeadamente a jurisprudência vertida no Acórdão LLOYDS OF LONDON, de 08.02.2018, Proc. n.º C-144/17.

PP. Por outro lado, a douta Sentença recorrida conclui é que, pelo facto de as Concorrentes B... e C... serem geridas nas suas atividades, ambas, por AA, seria de presumir que existiria um conhecimento prévio ou concertado do teor das propostas, contrariando-se, neste sentido, face à utilização abusiva de presunções, a jurisprudência do TJUE vertida no Acórdão BTA BALTIC INSURANCE COMPANY e 08.12.2022, Proc. n.° C-769/21).

QQ. Note-se que a douta Sentença recorrida nada refere ou dá por provado, que AA tenha influenciado a elaboração das propostas, não existindo factos dados como provados que permitam concluir que ambas as propostas apresentadas pelas Concorrentes B... e C... tenham sido sequer elaboradas por AA, nem que foram elaboradas pelas mesmas pessoas.

RR. A douta Sentença recorrida tenta ainda fundamentar a exclusão em indícios materiais de violação da concorrência, mas volta a basear-se em meras presunções, considerando provada a existência do uso das mesmas imagens/cenários de fundo para ilustrar as simulações tridimensionais dos quiosques (v. pág. 77 da Sentença), mas esquecendo que todas as 4 concorrentes ao procedimento apresentaram os mesmos fundos, tratando-se, na verdade, de matérias que não estavam abertas à concorrência, no sentido de que não eram avaliáveis.

SS. Tal facto levou o Tribunal a quo a concluir, precipitadamente, que as propostas não eram autónomas e independentes e como tal deveriam ser excluídas, ao abrigo do art. 70.º/2, al. g) do CCP, ou seja, destes factos o Tribunal concluiu pela existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência.

TT. Acontece que no procedimento pré-contratual em causa, a autonomia e independência das propostas deve ser considerada tendo em conta as concretas especificidades do que era pretendido pelo R, ou seja, a aquisição de quiosques com sanitários, não aspetos marginais e não avaliáveis das propostas, muito menos aspetos idênticos em todas as propostas.

UU. É à luz dos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência, que devem ser aferidas eventuais distorções da concorrência, in casu, a existência de propostas autónomas e independentes, interpretação que decorre da própria jurisprudência vertida no Acórdão SPECIALUS AUTOTRANSPORTAS, que exige que a entidade adjudicante deva examinar todas as circunstâncias relevantes que levaram à apresentação da proposta em causa para evitar, detetar e remediar os elementos suscetíveis de viciarem o procedimento de adjudicação.

VV. Assim, são irrelevantes a análise frásica, grafia e preço dos serviços de manutenção preventiva e corretiva e serviços de remoção, desinstalação e reinstalação, na medida em que, por mais que estes aspetos fossem iguais ou diferentes, desde que não violassem o CE, seria irrelevante, pois em nada diferenciariam as propostas em análise e avaliação.

WW. Já no que diz respeito à qualidade técnica, é também de ter em consideração que se trata de imagens que apresentam soluções técnicas distintas.

XX. Por outro lado, dúvidas não existem que a Concorrente B... propõe uma solução cuja estética que salienta a estrutura de suporte do quiosque, facto que não ocorre com a proposta apresentada pelo C....

YY. Importa ainda salientar que a A..., relativamente à simulação na Rua ..., também utilizou um enquadramento espacial dos quiosques idêntico ao apresentado pelas Concorrentes B... e C..., sendo os fundos iguais.

ZZ. Por outro lado, a análise da Memória Descritiva e Justificativa proposta pela Concorrente C..., também apresenta especificidades próprias no que diz respeito à cobertura da solução que propõe, não sendo idêntica à solução apresentada na proposta apresentada pela concorrente B... com a sua Memória Descritiva e Justificativa.

AAA. Foi com base em aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo CE que foi possível diferenciar as propostas apresentadas pelas Concorrente B... e C..., factos que não suscitaram dúvidas ao Júri do procedimento após as respostas aos pedidos de esclarecimentos.

BBB. O mesmo é dizer que a douta Sentença recorrida acaba por não fazer uma análise de todos os documentos das propostas apresentadas pelas Concorrentes B... e C..., acabando por cometer um erro na análise dos factos, o que contamina a subsunção aos pressupostos legais consagrados no art. 70.º/2, al. g) do CCP, razão pela qual a douta Sentença recorrida enferma também de erro de julgamento na análise dos pressupostos de direito em que baseou a sua decisão de ilegalidade da decisão de exclusão da proposta da Autora.».

4.2. A contrainteressada e ora recorrente B... formulou no final das suas alegações as seguintes conclusões:

«1.ª A Recorrente vem apresentar recurso da douta sentença de 23.11.2023 do TAF do Porto, que julgou procedente, por provada, a presente ação de contencioso pré-contratual, e, nessa decorrência:
– Anulou o ato de adjudicação, com todas as consequências legais;
– Condenou a Entidade Demandada a excluir do Concurso Público Internacional com vista à celebração de um Contrato para a “Aquisição quiosques com sanitários” as propostas apresentadas pelas concorrentes, ora CI, B... e C...;
– Condenou a Entidade Demandada a retomar o procedimento pré-contratual, e, no contexto do dever de reconstituição da situação jurídica, a adjudicar o procedimento à proposta da Autora;
– Condenou a Entidade Demandada e a Contrainteressada no pagamento das custas do processo.

2.ª Em suma, o douto Tribunal a quo, sustentou a sua decisão no pressuposto de que “no caso sub judice, o modo de apresentação destas duas propostas, que se traduzem em concretos factos, aqui escalpelizados, todos eles aliados, apontam não só para a existência de um conhecimento prévio das propostas, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes, com todos os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de estarmos perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estarem em efetiva concorrência”.

3.ª Andou mal o douto Tribunal a quo, porquanto não considerou o objeto do procedimento pré-contratual e o histórico das empresas envolvidas.

4.ª Ao analisar em conjunto o artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do Código dos Contratos Públicos (CCP) com o artigo 9.º da Lei da Concorrência, torna-se evidente que a exclusão se destina a concorrentes que colaboram para obter uma vantagem mútua. Isso ocorre na maioria das vezes para garantir a celebração de contratos em condições mais favoráveis do que as que resultariam de uma competição genuína, prejudicando assim o interesse público, ou para eliminar outros operadores económicos do mercado.

5.ª É consensual que constitui uma prática restritiva aquela que é acordada entre operadores económicos, independentemente da sua forma, e que tem como objetivo ou efeito impedir, distorcer ou significativamente restringir a concorrência no mercado.

6.ª Ora, o presente contrato tem como objeto a aquisição de quiosques sanitários com ênfase na componente criativa, avaliando a qualidade técnica das propostas com base em desenhos técnicos, simulações tridimensionais, materiais e revestimento exterior, Memória Descritiva e Justificativa e justificação.

7.ª O critério de adjudicação, conforme o Convite, combina preço (60%) e qualidade técnica (40%), visando a proposta economicamente mais vantajosa.

8.ª As propostas da Recorrente e da C..., além de divergirem em preço, apresentam diferenças substanciais em características técnicas e inovação, influenciando significativamente o resultado final.

9.ª Se as peças do procedimento limitassem a concorrência apenas ao preço, ainda se admitiria que a apresentação das propostas por ambas as empresas poderia resultar em estratégias prejudiciais à entidade adjudicante e ao erário público.

10.ª Contudo, o procedimento exige propostas que atendam a especificações, como dimensões máximas e soluções para pessoas com mobilidade reduzida, semelhante a concursos para fornecimento de outros produtos.

11.ª Embora as empresas partilhem a mesma estrutura societária e, eventualmente, algumas semelhanças de forma, as suas propostas refletem diferenças significativas naquilo que importa, isto é, nos equipamentos que estão a oferecer, demonstrando comportamentos autónomos e independentes.

12.ª A B... e a C..., embora tenham um sócio-gerente comum, são empresas independentes, apresentando propostas e marcas distintas, com preços e soluções técnicas diferentes.

13.ª A relação societária existente não influenciou negativamente o procedimento, e ambas as empresas competiram de forma legítima, beneficiando a entidade adjudicante com mais opções.

14.ª Conclui-se que a probabilidade ou desconfiança não é justificação para excluir a proposta da Recorrente, uma vez que ambas as propostas não impedem, dificultam ou alteram a participação de terceiros concorrentes, objetivos fundamentais do princípio da concorrência, nem alteram o resultado financeiro do concurso público, de forma que prejudique a entidade adjudicante.».

4.3. A contrainteressada e aqui recorrida A... concluiu as suas contra-alegações nos seguintes termos:

«A) Vêm os Recorrentes apelar da douta sentença, proferida pelo Tribunal a quo, que julgando totalmente procedente a ação intentada pela ora Recorrida, anulou o ato de adjudicação e condenou o Demandado MUNICÍPIO DO PORTO a excluir do procedimento as propostas das Contrainteressadas B... […] e C... […] e a retomar o procedimento procedendo à adjudicação do contrato à proposta da Recorrida;

B) Se duas empresas com fortes laços de interdependência apresentam duas propostas num mesmo procedimento, é de presumir que possa haver um conhecimento mútuo das propostas apresentadas;

C) In casu a Contrainteressada C... é uma sociedade unipessoal que tem como sócio único e gerente (único) AA, por outro lado, a Contrainteressada B... é uma Sociedade por Quotas detida pela Contrainteressada C..., em 15%, e pelo mesmo AA, em 85%, sendo este último gerente único de ambas as empresas, o que torna obviamente impossível que as decisões de gestão das referidas empresas sejam tomadas com autonomia ou independência – ou seja, é absolutamente inverosímil que não exista um conhecimento mútuo das propostas;

D) Tendo em conta a estrutura de ambas as empresas, é a mesma pessoa e representante legal (quem submeteu as propostas e quem as assinou) que detém todo o poder de orientar e gerir toda a atividade das duas empresas, o que é bastante para se concluir pela existência de uma comunhão de interesses nociva à concorrência, que é suscetível de a falsear, que, só por si, constitui um indício forte de uma situação que pode levar ao falseamento da concorrência quando estas duas empresas concorrem a um mesmo procedimento com duas diferentes propostas;

E) Aliado a este facto, o conhecimento mútuo das propostas resulta igualmente dos restantes factos provados, os quais não se limitam apenas à coincidência da gerência e da assinatura das propostas, uma vez que, ambas as empresas:
(i) atuam na mesma área de negócio;
(ii) oferecem no mercado o mesmo tipo de produtos;
(iii) apresentam os mesmos erros (v.g., erros ortográficos, gramaticais ou de cálculo/escrita), nas mesmas frases e nos mesmos parágrafos;
(iv) têm a mesma terminologia;
(v) têm a mesma formatação e grafia;
(vi) apresentam formulários idênticos;
(vii) apresentam simulações tridimensionais com as mesmas imagens e cenário de fundo;
(viii) apresentam símbolos iguais/com o mesmo design;
(ix) apresentam a mesma Memória Descritiva e Justificativa (palavra por palavra, vírgula por vírgula);
(x) apresentam o mesmo documento de submissão facultativa e com o mesmo teor
(palavra por palavra, vírgula por vírgula);
(xi) apresentam o mesmo preço (ao cêntimo) para os serviços de manutenção preventiva e corretiva;
(xii) apresentam o mesmo preço (ao cêntimo) para os serviços de remoção, desinstalação e reinstalação.

F) Como agravante a proposta da Contrainteressada C... faz expressa referência à Contrainteressada B...;

G) Perante estes múltiplos indícios claramente objetivos e concordantes é lícito concluir pela forte e real possibilidade de tais empresas terem um conhecimento prévio e mútuo das propostas apresentadas e terem concertado o teor das mesmas, pois apresentam a mesma formatação, frases, parágrafos e capítulos integralmente coincidentes, palavra por palavra, vírgula por vírgula, com os mesmos erros ortográficos e "erros de escrita", localizados exatamente nos mesmos parágrafos, apresentam os mesmos preços, ao cêntimo, para os serviços de manutenção preventiva e corretiva e para os serviços de remoção, desinstalação e reinstalação;

H) Estes indícios obrigam à exclusão das propostas nos termos do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, por se verificarem "fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência";

I) Atendendo à jurisprudência comunitária, nacional e ao que vem defendido pela doutrina, o preenchimento do conceito indeterminado que integra a expressão "fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência", remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos;

J) In casu resulta evidente e sobejamente demonstrado verificarem-se "fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência" que as Contrainteressadas nunca lograram justificar/afastar;

K) A condenação na adjudicação à proposta da Recorrida é a única atuação legalmente possível, sopesando que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cf. artigos 36.º e 76.º do CCP), no âmbito da reconstituição da situação jurídica que advém desta sentença anulatória do ato de adjudicação e de condenação do Recorrente MUNICÍPIO a excluir as propostas apresentadas pelas Contrainteressadas C... e B..., deve o Recorrente MUNICÍPIO adjudicar o contrato à Recorrida;

L) O artigo 79.º, do CCP tem a epígrafe "Causas de não adjudicação", sendo que, um dos pressupostos para a sua aplicação é o de que não tenha, ainda, ocorrido a adjudicação;

M) In casu, o Recorrente MUNICÍPIO já praticou o ato de adjudicação, ainda que o mesmo tenha sido anulado nestes autos, motivo pelo qual não pode lançar mão do artigo 79.º, do CCP para "não adjudicar";

N) Quando a sindicância da legalidade de um ato é apresentada perante um Tribunal administrativo, e por essa jurisdição é decidido anulá-lo com fundamento na verificação de todas ou de parte dessas causas de invalidade, na hipótese de poder reexercer a sua competência decisória, está a administração condicionada pelas parametrizações fixadas na sentença, isto é, pelo conteúdo e limites definidos na decisão jurisdicional anulatória;

O) O componente do ato administrativo que não tiver sido declarado inválido pelo Tribunal, e que, por banda da sentença, não exija da administração o reexercício dos seus poderes administrativos, não pode ser alterado, sob pena de a entidade obrigada à execução da sentença violar as determinações legais contidas no artigo 173.º, n.º 1 do CPTA;

P) No contexto do caso em apreço, no reexercício dos seus poderes administrativos, não pode o Recorrente MUNICÍPIO, vir invocar "novas causas de exclusão" na proposta apresentada pela Recorrida, quando essas "novas causas de exclusão" não são supervenientes;

Q) Ou seja, a (por mera hipótese) existirem de facto "causas de exclusão" da proposta da Recorrida – que não existem –, as mesmas já constariam dos documentos analisados pelo júri do procedimento aquando da sua primeira pronúncia e, por isso, integravam o segmento do ato administrativo apreciado na ação que não foi objeto de anulação que, por isso, havia estabilizado na ordem jurídica;

R) Não foi deduzido pedido reconvencional, assim como não foi formulado qualquer pedido impugnatório da decisão de aprovação, para efeito de adjudicação, da proposta apresentada pela Recorrida por nenhuma das partes no processo, pelo que, essa decisão administrativa firmou-se na ordem jurídica;

S) Excluídas as propostas das Contrainteressadas, atendendo à graduação das propostas constante do Relatório Final, fica a Recorrida graduada no primeiro posto, pelo que, a adjudicação à proposta da Recorrida é um ato de caráter vinculado, não estando, de forma alguma, o Tribunal a imiscuir-se em atos que envolvam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa ao condenar nessa adjudicação.

T) Donde importa concluir que bem andou o Tribunal a quo não merecendo o mínimo reparo o douto Acórdão recorrido, por alicerçado em escorreita e excelsa fundamentação e jurisprudência aplicável.»

5. Os recursos foram admitidos no TAF Porto (fls. 524), mas, depois de subidos os autos, a desembargadora relatora decidiu que ambos os recursos são da competência deste Supremo Tribunal Administrativo (recurso per saltum), porquanto incidem sobre uma decisão de mérito, neles apenas se suscitam questões de direito, o valor da causa é superior a 500.000€ e o processo não versa sobre questões de emprego público ou de segurança social (fls. 539; cfr. o artigo 151.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA). Neste Supremo Tribunal, o relator confirmou tal entendimento e admitiu o recurso como revista per saltum (fls. 547).

6. Cumprido o disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.

7. Sem vistos, nos termos do disposto no artigo 36.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, do CPTA, mas com entrega do projeto de acórdão aos Exmos. Senhores Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) De facto

8. Nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, remete-se para a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a qual se dá por integralmente reproduzida.

B) De direito

9. O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (artigos 144º, n.º 2, do CPTA e 608º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC ex vi artigo 140º, n.º 3, do CPTA), pelo que, uma vez admitida a revista, importa decidir sobre:
(i) A arguida nulidade por excesso de pronúncia (conclusões S., T. e DD. das alegações do recorrente Município do Porto);
(ii) O invocado erro de julgamento quanto à anulação da adjudicação e da consequente condenação da entidade demandada, ora recorrente, a excluir do procedimento pré-contratual as propostas apresentadas pelas concorrentes B..., também aqui recorrente, e C... (conclusões B.–D., F.–R., U.–W. e EE.–BBB. das alegações do recorrente Município do Porto; e conclusões 4.ª–14.ª da recorrente B...);
(iii) O invocado erro de julgamento quanto à condenação da entidade demandada e aqui recorrente a retomar o procedimento pré-contratual e, no contexto do dever de reconstituição da situação hipotética atual, a adjudicar o procedimento à proposta da autora A..., ora recorrida (conclusões E. e X.–CC. das alegações do recorrente Município do Porto).

§ 1.º – Quanto à nulidade da sentença recorrida

10. Segundo a síntese constante das conclusões S., T. e DD. das alegações do recorrente Município do Porto, a sentença recorrida «deve ser declarada nula, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º/1, al. d) do CPC e art. 95.º/1 do CPTA, na medida em que o Tribunal a quo invade o espaço próprio do exercício da função administrativa, o que configura também uma violação do princípio da separação de poderes, tal como decorre do art. 111 .º/1 da CRP, conjugada com o art. 3.º/1 do CPTA». A “invasão” em causa corresponde tanto à verificação do erro ostensivo na apreciação das propostas apresentadas pelas contrainteressadas B... e C..., como à condenação do recorrente a adjudicar o procedimento à proposta apresentada pela A..., aqui recorrida. Isso mesmo é confirmado pela seguinte afirmação constante do n.º 26 do corpo das referidas alegações:
«[A] douta Sentença é […] nula por ter excedido manifestamente os limites da sua pronúncia, ao ter apreciado a decisão da Recorrente sem se ter verificado qualquer erro grosseiro ou manifesto (ostensivo, nas palavras do Tribunal a quo) e ainda por ter condenado o R a adjudicar o contrato à proposta da A.»

No desenvolvimento da argumentação, esta ideia é reforçada:
«27. A douta Sentença recorrida deve ser declarada nula por manifesto excesso de pronúncia.
Em causa está o facto de a douta Sentença recorrida ter tomado conhecimento de questões das quais não podia, em violação do princípio da separação de poderes.
O mesmo é dizer que, in casu, a condenação da Recorrente a adjudicar o procedimento à proposta apresentada pela A..., acaba por configurar uma nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do art. 615.º/1, al. d) do CPC e art. 95.º/1 do CPTA.
Note-se que, o Tribunal a quo acabou por se imiscuir no exercício da função administrativa e como consequência, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia acaba também por constituir uma violação do princípio da separação de poderes, tal como decorre do disposto no art. 111 .º/1 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), conjugado com o art. 3.º/1 do CPTA.
[…]

28. Não obstante o Tribunal a quo tenha começado por considerar que a valoração das propostas constitua uma tarefa do júri do procedimento, a verdade é que não se coibiu de se substituir no exercício da função administrativa, a qual cabe exclusivamente à Administração Pública.
Também, considera, erradamente, que a adjudicação à A... seria um dever da Recorrente, um ato vinculado!
Nada de mais errado, pois até o Tribunal a quo cita o artigo 79.º CCP... Pode até a Recorrente entender não adjudicar!
O Tribunal a quo, em pleno arrepio do disposto no art. 111.º/1 da CRP, não respeita uma regra essencial num Estado de Direito Democrático e que consiste no respeito do princípio da separação de poderes, em particular entre o exercício da função jurisdicional e o exercício da função administrativa, invadindo sem pudor a reserva de administração.
As valorações e decisões do Júri do procedimento são proferidas ao abrigo de poderes discricionários, só revisíveis pelo Tribunal em caso de erro manifesto ou violação de princípios jurídicos fundamentais.
[…].».

11. É evidente o equívoco do recorrente: o eventual desacerto das pronúncias do tribunal a quo relativamente às questões suscitadas pelo pedido da autora, nomeadamente em relação à anulação do ato impugnado e à condenação da entidade demandada a adjudicar o contrato à proposta da autora, não significa que tais questões não integrem o objeto da ação a exigir uma decisão do tribunal. Com efeito, o erro de julgamento não se confunde com o excesso de pronúncia.
Tem, por isso, razão a juíza a quo quando sustenta a sua decisão nos seguintes termos (fls. 524): «na sentença recorrida este Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões e pretensões que haviam sido suscitadas e não mais do que essas questões. A ED pode não concordar com o entendimento perfilhado por este Tribunal sobre as questões que foram concretamente apreciadas, mas isso configurará eventual erro de julgamento, pelo que se entende que não ocorre a invocada nulidade».
Improcede, pelo exposto, a arguida nulidade por excesso de pronúncia.

§ 2.º – Quanto ao invocado erro de julgamento relativamente à anulação do ato de
adjudicação do contrato à contrainteressada B... e à consequente condenação do Município do Porto a excluir do procedimento pré-contratual as propostas apresentadas pela B... e pela contrainteressada C...

12. A sentença recorrida anulou a adjudicação do procedimento à proposta apresentada pela aqui recorrente B... com fundamento em erro ostensivo do júri do procedimento relativamente à não aplicação, no caso concreto, do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, tendo em conta que as propostas daquela concorrente e da concorrente C... apontam, com base em concretos factos, devidamente analisados e considerados no seu conjunto, não só para a existência de um conhecimento prévio das propostas, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes, com todos os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de se estar perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estar em efetiva concorrência (cfr. supra o n.º 3).
O preceito em causa estatui que são excluídas as propostas cuja análise revele: [alínea g)] a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência.
A sua aplicabilidade in casu implica não só a apreciação dos indícios considerados pela decisão de primeira instância, como, desde logo, a consideração das diferentes dimensões do princípio da concorrência e, à luz do mesmo, a situação de relacionamento especial entre as concorrentes B... e C..., assim como o entendimento existente ao nível da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) e deste Supremo Tribunal quanto à participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório de entidades especialmente relacionadas entre si.

13. O princípio da concorrência, enquanto princípio enformador do direito da contratação pública (cfr o artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP), articula-se, por um lado, com o princípio da igualdade – “concorrência-igualdade” –, no sentido de tutelar a igualdade de acesso aos mercados públicos (igualdade de oportunidades e abertura dos mercados) e a igualdade de tratamento dos particulares interessados (não discriminação e transparência); e, por outro, com uma ideia de eficiência e economicidade – “concorrência máxima” ou maximização da abertura à concorrência –, na medida em que a competição potencia mais-valias em termos de preço, de condições contratuais e de inovação (best value for money; cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, pp. 127-131).
Decerto que a concorrência também constitui um valor central do direito da concorrência, enquanto ordenamento que visa a promoção e defesa da concorrência qua tale (cfr o artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, que estabelece o regime jurídico da concorrência – “RJdC”). Mas, como assinala justamente Pedro Costa Gonçalves, «o “princípio da concorrência” não cumpre a mesma intenção normativa nessas duas disciplinas. A partir de uma leitura constitucional, acentua-se num caso a nota da liberdade concorrencial e, no outro, a dimensão da igualdade concorrencial» (v. Autor cit., ibidem, p. 135). Assim:
«No direito da contratação pública, o princípio da concorrência surge como expressão concretizada da primazia da igualdade, em concreto, como exigência, reclamada à Administração Pública, de um tratamento igualitário de todos os operadores económicos: o princípio da concorrência funciona aqui, na contratação, como um cânone ou critério normativo que adstringe a entidade adjudicante a usar procedimentos de adjudicação abertos a todos os operadores económicos interessados (igualdade de acesso), impondo-lhe ainda a obrigação de tratar igualmente os participantes (igualdade de tratamento). Está em causa o acesso ou a entrada no mercado, e, como se compreende, o objetivo igualitário do princípio da concorrência não consiste em igualizar os concorrentes ou os seus poderes de oferta, mas apenas em igualizar as respetivas condições de participação: o cânone da igualdade, enquanto dimensão do princípio da concorrência (igualdade concorrencial), é orientado para o plano procedimental, não para o plano material ou de resultado.» (idem, ibidem).

Daí que as previsões do CCP que se reportem diretamente à “concorrência” ou a “infrações à concorrência”, como o mencionado artigo 70.º, n.º 2, alínea g), possam ou devam ser abordadas a partir de uma perspetiva ampla do sentido da concorrência.

14. Este problema tem sido analisado com referência à participação simultânea de entidades especialmente relacionadas entre si – «as entidades que partilhem, ainda que apenas parcialmente, representantes legais ou sócios, ou as sociedades que se encontrem em relação de simples participação, de participação recíproca, de domínio ou de grupo [– sociedades coligadas –]», na formulação do artigo 114.º, n.º 2, do CCP. Embora inexista uma proibição geral da participação simultânea de tais entidades – com exceção do impedimento previsto neste último preceito do CCP relativo ao procedimento de consulta prévia –, a jurisprudência europeia e, no seguimento desta, também a jurisprudência nacional têm vindo, a propósito do impedimento e da causa de exclusão de propostas baseados em acordos que tenham como objetivo ou efeito distorcer ou falsear a concorrência (v., respetivamente, o artigo 57.º, n.º 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24/UE e o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP), a avaliar se as propostas apresentadas por entidades relacionadas indiciam práticas suscetíveis de comprometerem o valor da concorrência, entendida na mencionada perspetiva ampla de máxima concorrência e de igualdade concorrencial.
Na verdade, ainda que constituam uma única empresa ou unidade económica, à luz do direito da concorrência (cfr. o artigo 3.º do RJdC e o artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – “TFUE”; v. também o n.º 12 das “Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º TFUE aos acordos de cooperação horizontal” (2022/C 164/01), publicada no JOUE, C 164, de 19.04.2022), aquelas entidades podem participar, enquanto concorrentes autónomos, em procedimentos de formação de um contrato público, apresentando para o efeito as suas propostas (cfr. o artigo 53.º do CCP).
Nesse sentido, e seguindo a jurisprudência do TJUE (em especial, os Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C-538/07, EU:C:2009:317, n.ºs 30 e 32; e de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C-144/17, EU:C:2018:78, n.ºs 33-39), v. os Acs. STA, de 11.01.2011, P. 851/2010, e de 31.03.2011, P. 17/2011, apresentando o primeiro o seguinte sumário:
«I - Não é proibida, só por si, a participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório, com propostas autónomas, de empresas que se encontram entre si numa relação de domínio ou de grupo.
II - Só perante as circunstâncias concretas da atuação dessas empresas no procedimento concursal e da análise das propostas por elas apresentadas é que se terá de avaliar se foi falseada a concorrência, não se podendo fundar esse falseamento numa mera presunção decorrente da sua antecedente e originária relação de domínio.».

O Acórdão do TJUE, de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C-531/16, EU:C:2018:324, reiterou jurisprudência anterior no sentido de que o artigo 101.º do TFUE não se aplica quando os acordos ou práticas concertadas que prevê são executados por empresas que constituem uma unidade económica (n.º 28) – é o chamado “privilégio de grupo” –, mas, no caso de as sociedades em causa não constituírem uma unidade económica, não exercendo a sociedademãe uma influência determinante sobre as suas filiais, o princípio da igualdade de tratamento é violado, caso se admita que os proponentes interligados podem apresentar propostas coordenadas ou concertadas, isto é, não autónomas nem independentes, que sejam suscetíveis de, devido a tal circunstância, lhes conferirem vantagens injustificadas face aos outros proponentes (n.º 29). E a verificar-se tal eventualidade, não é necessário examinar se a apresentação de tais propostas constitui também um comportamento contrário ao artigo 101.º do TFUE (ibidem). O TJUE deixou claro neste acórdão que, em matéria de contratação pública, tanto a proibição de práticas restritivas da concorrência no mercado interno, como a violação do princípio da igualdade de tratamento mediante a apresentação de propostas coordenadas ou concertadas podem relevar autonomamente para efeitos de exclusão dos proponentes.
Esta jurisprudência foi aprofundada no Acórdão do TJUE, de 15 de setembro de 2022, Landkreis Aichach-Friedberg, C-416/21, EU:C:2022:689.
Desde logo, porque estabeleceu que o motivo de exclusão previsto no artigo 57.º, n.º 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 – existência de indícios suficientemente plausíveis para concluir que um operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência – «visa, de maneira geral, “acordos (celebrados) com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência”. A sua redação não menciona o artigo 101.º TFUE, e, em particular, contrariamente a este último, não exige que estes acordos sejam celebrados “entre empresas”, na aceção desta disposição, e que sejam “suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros”» (n.º 38). Ou seja, aquele artigo da Diretiva 2014/24 «remete para casos em que os operadores económicos celebram um acordo anticoncorrencial, seja ele qual for, não se limitando apenas aos acordos entre empresas a que se refere o artigo 101.º TFUE» (ibidem, n.º 39). Para além do elemento literal, aponta neste sentido igualmente o elemento teleológico:
«42. [O] o artigo 57.º, n.º 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 visa permitir às autoridades adjudicantes apreciar e ter em conta a idoneidade e a fiabilidade de cada um dos operadores económicos, a fim de poder excluir dos procedimentos de contratação os proponentes não fiáveis com os quais não poderiam manter uma relação de confiança para levar a bom termo a prestação dos serviços em questão no âmbito da execução do contrato em causa.
43. Ora, este objetivo afigura-se diferente do previsto no artigo 101.º TFUE. Com efeito, este último visa reprimir os comportamentos anticoncorrenciais das empresas e dissuadi-las de adotar tais comportamentos (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C 882/19, EU:C:2021:800, n.º 37).».

Deste modo:
«48. [E]mbora a existência de um acordo na aceção do artigo 101.º TFUE deva considerar-se abrangida pelo motivo facultativo de exclusão que figura no artigo 57.º, n.º 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, não deixa de ser verdade que esta última disposição tem um alcance mais amplo, que abrange igualmente a celebração, por operadores económicos, de acordos anticoncorrenciais não abrangidos pelo artigo 101.º TFUE. Por conseguinte, o simples facto desse acordo celebrado entre dois operadores económicos não estar abrangido por este artigo não impede que possa ser abrangido por esse motivo facultativo de exclusão.
49. Todavia, […] importa sublinhar que esta disposição da Diretiva 2014/24 visa os casos em que há indícios suficientes que permitem à autoridade adjudicante considerar que foi celebrado um acordo entre dois ou mais operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência, o que pressupõe necessariamente a existência de uma convergência de vontades de pelo menos dois operadores económicos diferentes.» (ou seja, e conforme referido no n.º 50, têm de existir, no mínimo, «duas vontades distintas que sejam suscetíveis de convergir»; itálicos acrescentados).

Depois, acrescentou relativamente ao princípio da igualdade e à sua aplicação a empresas relacionadas entre si (proponentes interligados):
«57. [O] facto de os motivos facultativos de exclusão que figuram no artigo 57.º, n.º 4, da Diretiva 2014/24 […] serem enumerados exaustivamente, não impede que o princípio da igualdade de tratamento […] possa obstar à adjudicação do contrato em causa a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes.
58. Com efeito, esta enumeração exaustiva não exclui a faculdade de os Estados-Membros manterem ou estabelecerem regras materiais destinadas, designadamente, a garantir, em matéria de contratos públicos, o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento e pelo princípio da transparência que decorre deste último, que se impõem às autoridades adjudicantes em qualquer procedimento de adjudicação desses contratos e que constituem a base das diretivas da União relativas aos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, na condição de o princípio da proporcionalidade ser observado (v., por analogia, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C 538/07, EU:C:2009:317, n.º 21, e de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C 144/17, EU:C:2018:78, n.º 30).
59. Em particular, no caso de proponentes interligados, o princípio da igualdade de tratamento […] seria violado, caso se admitisse que estes proponentes podem apresentar propostas coordenadas ou concertadas, isto é, não autónomas nem independentes, suscetíveis de lhes conferir vantagens injustificadas relativamente aos outros proponentes (v., por analogia, Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C 531/16, EU:C:2018:324, n.º 29).
60. Neste contexto, o respeito do princípio da proporcionalidade exige que a entidade adjudicante seja obrigada a examinar e a apreciar os factos, a fim de determinar se a relação existente entre duas entidades exerceu uma influência concreta no conteúdo das respetivas propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento de adjudicação pública, sendo a constatação de uma influência dessa natureza, independentemente da sua forma, suficiente para excluir as referidas empresas do procedimento (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C 538/07, EU:C:2009:317, n.º 32, e de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C 144/17, EU:C:2018:78, n.º 38).
61. Com efeito, a constatação de que as ligações entre os proponentes tiveram uma influência sobre o conteúdo das propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento basta para que essas propostas não possam ser tidas em conta pela entidade adjudicante, uma vez que tais propostas devem ser apresentadas com total autonomia e independência quando provenham de proponentes interligados (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C 531/16, EU:C:2018:324, n.º 38).
62. Estas considerações aplicam se a fortiori no caso de proponentes que não estão simplesmente interligados, mas que constituem uma unidade económica.».

Em suma: «o artigo 57.º, n.º 4, da Diretiva 2014/24 […] deve ser interpretado no sentido de que […] regula exaustivamente os motivos facultativos de exclusão suscetíveis de justificar a exclusão de um operador económico da participação num procedimento de contratação por razões baseadas em elementos objetivos relativos à sua qualidade profissional, bem como a um conflito de interesses ou a uma distorção da concorrência que resultaria da sua participação nesse procedimento. Todavia, o referido artigo 57.º, n.º 4, não impede que o princípio da igualdade de tratamento […] possa obstar à adjudicação do contrato em causa a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes.» (ibidem, n.º 64).
O Acórdão STA, de 7.12.2023, P. 275/22.4BECTB, acolheu este entendimento com referência à causa de exclusão prevista no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, podendo ler-se no respetivo sumário:
«II – Conforme resulta da jurisprudência do TJUE, a referida causa de exclusão não pressupõe a prática de um ilícito concorrencial punível nos termos da Lei da Concorrência, mas sim a violação dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento no domínio da contratação pública, como se sublinhou no recente acórdão proferido em 15/9/2022, no Proc. nº C-416/21, Landkreis Aichach-Friedberg c/ J. Sch. Omnibusunternehmen, ECLI:EU:C:2022:689: [segue transcrição do n.º 59]».

Já antes Pedro Costa Gonçalves havia defendido «a exclusão [– com base no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP –] das propostas apresentadas por entidades especialmente relacionadas entre si, embora apenas quando existam fortes indícios de que não se trata de propostas independentes, o que, por si só, é um facto que falseia as regras da concorrência, criando uma situação de “ilusão” ou de “falsa concorrência” (v. Autor cit., ob. cit. p. 654). Subjacente a tal posição encontra-se precisamente a noção de “concorrência-igualdade”:
«Não se trata, aqui, de filiar a exclusão no facto de a concertação de propostas entre sociedades coligadas constituir um ilícito jus-concorrencial. O que sucede é que, no plano dos princípios próprios do direito da contratação pública, a concertação de propostas entre concorrentes (mesmo concorrentes coligados) deve ser entendida como violação da transparência e da sã concorrência (igualdade) entre os participantes no procedimento de adjudicação. Além disso, essa ocorrência ignora uma exigência de autonomia e independência das propostas que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se deverá considerar pressuposta naqueles princípios (neste sentido, cf. Acs. Assitur, par. 22, e Lloyd’s of London v Agenzia Regionaleper ia Protezione dell‘Ambientedeila Calabria, par. 31).
[….]
[N]ão se advoga a exclusão de propostas apresentadas por entidades especialmente relacionadas por se tratar de uma prática anticoncorrencial, já que, podendo tratar-se tais entidades de uma “única empresa” para o direito da concorrência, o eventual acordo entre elas não será, pela natureza das coisas, uma concertação ilícita entre empresas.
Mas, como também já dissemos, essas entidades não são uma “única entidade” para o direito da contratação pública, razão pela qual, de acordo com a jurisprudência do TJ, não é legítima a presunção de que se trata de propostas de uma mesma empresa.
[….]
Entendendo-se que a apresentação de propostas por entidades especialmente relacionadas pode legitimar a suspeita de que não se trata de propostas independentes, o órgão adjudicante deverá procurar obter informações que lhe permitam confirmar, ou não, se a suspeita corresponde a fortes indícios de que as propostas foram concertadas, não sendo independentes ou autónomas. Neste caso, deverá excluir as propostas envolvidas com fundamento no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), por estarem em causa atos que falseiam as regras da concorrência dos procedimentos de contratação pública ou, como se estabelece nas diretivas europeias, que distorce a concorrência ou, se assim não se entende, por violação do princípio da concorrência.» (idem, ibidem, pp. 654-657).

Analisando o impacte do Acórdão Landkreis Aichach-Friedberg sobre a interpretação da causa de exclusão prevista no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, defende também Adolfo Mesquita Nunes que a fórmula ampla utilizada nesse preceito – em que, diferentemente do que sucede no artigo 57.º, n.º 4, da Diretiva 2014/24/EU, se referem não só acordos, como, também, atos, práticas e informações suscetíveis de falsear a concorrência –, conjugada com a abertura do TJUE a não circunscrever o âmbito de aplicação da causa de exclusão relativa a “acordos com o objetivo de distorcer a concorrência” aos acordos que se traduzam em ilícitos jus-concorrenciais para efeitos do artigo 101.º do TFUE, abre o espaço necessário à exclusão de propostas de empresas do mesmo grupo ou em relação de domínio sempre que da sua apresentação se retirarem sérios indícios de um comportamento suscetível de falsear a concorrência no procedimento (cfr. Autor cit., “O Acórdão Landkreis Aichach-Friedberg e o fim do ângulo morto no combate às práticas anticoncorrenciais de empresas em relação de grupo ou de domínio na contratação pública” in Revista de Direito Administrativo, n.º 19 (jan-abr 2024), p. 131 e ss., p. 138). Assim:
«[S]e, atendendo ao caso concreto, for possível concluir pela existência de acordos, práticas ou informações entre empresas do mesmo grupo ou em relação de domínios suscetíveis de falsear as regras de concorrência, pode ativar-se o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP para excluir as propostas concertadas, não havendo que recorrer ao quadro principiológico da contratação pública» (v. idem, ibidem, pp. 138-139).

Deste modo, ocorrendo a apresentação de propostas por entidades especialmente relacionadas entre si no âmbito de um dado procedimento, caso a atuação dessas entidades nesse procedimento ou a análise das propostas por elas apresentadas justificarem suspeitas quanto à existência de interações relativas à respetiva participação, devem as entidades adjudicantes (ou os júris do procedimento), por força do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, e prevenindo o risco de concertação ou coordenação das propostas e, por essa via, a criação de vantagens relativamente aos demais concorrentes, falseando a concorrência no procedimento adjudicatório em causa: (i) avaliar se existem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações referentes a uma influência concreta da relação especial entre esses concorrentes no conteúdo das propostas por eles apresentadas; e (ii) em caso afirmativo, excluir tais propostas (sobre o poder-dever das entidades adjudicantes de garantirem o respeito pelos princípios da contratação pública – referindo-se ao princípio da igualdade de tratamento, mas transponível por identidade de razão para outros princípios no mesmo âmbito –, v. o Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C-531/16, n.ºs 31-33 e 40).

15. Quanto ao critério de avaliação dos mencionados fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações relacionadas com as propostas apresentadas, é de acolher o entendimento sufragado no já citado Ac. STA, de 7.12.2023, n.º 21: «o direito [da União] não exige uma prova direta da violação das regras de adjudicação dos contratos públicos, bastando-se com a existência de indícios, conforme previsto no arº 70º, nº 2, al. g) do CCP, “desde que estes sejam objetivos e concordantes e que os proponentes interligados estejam em condições de apresentarem prova em sentido contrário”. Assim, uma adequada interpretação do que constituem os “fortes indícios” previstos na referida norma tem de reportar-se às características exigidas pelo direito e jurisprudência [da União], devendo, pois, ser considerados como tal aqueles que se mostrem objetivos e concordantes no sentido da sua incidência concreta sobre a falta de autonomia e independência das propostas.» (cfr também o Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C-531/16 n.ºs 37 a 40). Com efeito, prossegue aquele acórdão do Supremo, «o TJUE vem desde há muito referindo a existência de um poder atribuído às entidades adjudicantes de verificarem a existência de quaisquer indícios que levem a suspeitar da falta de autonomia e independência das propostas apresentadas no âmbito da contratação pública, de modo a garantir o respeito das regras da concorrência consagradas, no artº 101º do TFUE (ex artº 81 TCE), bem como no artº 57º nº 4 al. d) da Diretiva nº 2014/24/EU, relativa aos contratos públicos [pelo que importa] analisar a adequada interpretação destes preceitos […], dado que o direito nacional, por força do princípio do primado, deve ser interpretado à luz do direito da UE.» (n.º 22). Assim, socorrendo-se da “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01), publicada em 18.03.2021, considerou este Supremo Tribunal:
«Na secção nº 5. da referida Comunicação são enunciadas “as opiniões não juridicamente vinculativas da Comissão sobre a forma de aplicar o motivo de exclusão por colusão previsto no artigo […] no artigo 57º nº 4, alínea d), da Diretiva 2014/24/EU […]”, as quais se revestem de interesse significativo para a situação em causa nos autos, citando-se as seguintes passagens relevantes, apesar da sua extensão:
“5.3. Competências das autoridades adjudicantes para aplicar o motivo de exclusão: ampla margem discricionária e limites à sua margem de manobra. – O artigo 57º, nº 4, da Diretiva confere às autoridades adjudicantes uma ampla margem discricionária quanto à decisão de excluir ou não um proponente de um concurso, nos casos em que existam indícios de colusão suficientemente plausíveis. O artigo 57º, nº 4, alínea d), não especifica melhor nem deixa implícito o que pode ser classificado como um indício ou de que modo um indício pode ser considerado suficientemente plausível para excluir o proponente. Visivelmente, a intenção do legislador da UE terá sido permitir às autoridades adjudicantes apreciar, em cada caso, se são cumpridas as condições para excluir um proponente pelo motivo em apreço, sem ser demasiado prescritivo” (…)
5.4. Noção de “indício suficientemente plausível”: factos suscetíveis de serem considerados indícios, o que constitui um “indício” por oposição a “provas” e tratamento a dar aos requerentes de clemência.
(…) Outros aspetos que as autoridades adjudicantes podem avaliar (através dos métodos analíticos disponíveis ou com base nas listas dos chamados “sinais de alerta”) incluem: — O comportamento global no mercado dos proponentes que participam no concurso (por exemplo, proponentes que nunca apresentam propostas no mesmo processo de adjudicação, proponentes que apenas apresentam propostas em determinadas regiões ou proponentes que parecem revezar-se na participação em processos de adjudicação); — O texto das propostas (por exemplo, erros ortográficos ou formulações repetidos em propostas diferentes, ou comentários mantidos por lapso no texto da proposta e que indiciam um conluio entre proponentes); — Os preços propostos no processo de adjudicação (por exemplo, proponentes que oferecem um preço mais alto do que noutros concursos semelhantes ou que oferecem preços demasiado elevados ou baixos); — Pormenores de ordem administrativa (por exemplo, propostas apresentadas por um mesmo representante comercial)
(…) Relativamente a algumas questões mais específicas no tocante ao que pode ser entendido com um indício suficientemente plausível para efeitos da Diretiva:
Em primeiro lugar, atendendo à análise feita na secção 5.3, pode considerar-se que as diretivas permitem aos Estados-Membros elaborar normas ou diretrizes nacionais para definir aquilo que as autoridades adjudicantes podem considerar “indícios suficientemente plausíveis” para efeitos da aplicação do motivo de exclusão. No entanto, tal como mencionado anteriormente, as normas nacionais devem respeitar tanto a letra como o espírito da Diretiva, que exige apenas “indícios” da participação em acordos ilegais que distorçam a concorrência num processo de adjudicação e não provas formais, como um acórdão judicial que confirme essa participação. Se o legislador europeu exigisse provas para desencadear esse motivo de exclusão, a redação da Diretiva refletiria esse requisito, à semelhança do disposto no seu artigo 26º , nº 4, alínea b), e artigo 35º , nº 5. O Tribunal confirmou igualmente que uma violação das regras da UE em matéria de contratação pública, por exemplo, um comportamento anticoncorrencial, pode ser provada “[…] não apenas através de provas diretas mas também através de indícios, desde que estes sejam objetivos e concordantes e que os proponentes interligados estejam em condições de apresentarem prova em sentido contrário” ( 39-Ver o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2018 no processo C-531/16, Ecoservice projektai, n.º 37.)
Por outras palavras, na prática, as autoridades adjudicantes não são obrigadas a dispor de provas de colusão num processo de adjudicação pendente, uma vez que tal seria contrário à letra da Diretiva. (…)
5.5. Empresas filiadas que participam no mesmo processo de adjudicação: direito de os operadores sobre os quais possam recair suspeitas de colusão de demonstrarem a sua independência na apresentação de propostas:
As autoridades adjudicantes são frequentemente confrontadas com o problema da gestão de propostas distintas apresentadas no mesmo processo de adjudicação por operadores económicos com algum tipo de filiação entre si (por exemplo, membros do mesmo grupo de empresas, operadores que são filiais de outros, empresas que partilham os mesmos membros do conselho de administração ou representantes legais, ou empresas com participação no capital social da mesma empresa terceira). A autoridade adjudicante poderá, nalguns casos, suspeitar que as propostas apresentadas por proponentes afiliados são coordenadas (isto é, não autónomas nem independentes), pondo assim em causa o respeito pelos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos proponentes.
De acordo com a jurisprudência do Tribunal, a autoridade adjudicante deve abster-se de fazer suposições de caráter geral passíveis de redundar numa exclusão automática dessas propostas. Pelo contrário, deve dar aos operadores em causa a possibilidade de comprovar, através dos meios de prova que estes considerem adequados, que as suas propostas são realmente independentes e não prejudicam a transparência nem distorcem a concorrência no processo de adjudicação. Essas provas podem incluir, por exemplo, factos que demonstrem que as propostas respetivas foram redigidas de forma independente, que pessoas diferentes estiveram envolvidas na sua preparação, etc.
A autoridade adjudicante tem o direito de apreciar se essas explicações são prova suficiente de que a filiação dos operadores não influenciou o comportamento destes no processo de adjudicação ou o conteúdo das propostas respetivas, na aceção do artigo 57º, nº 4, alínea d), da Diretiva, e de decidir se autoriza ou não a participação dos operadores em causa no concurso.”» (itálicos acrescentados).

16. O entendimento expresso supra nos n.ºs 14 e 15 permite confirmar o acerto da análise desenvolvida pela sentença recorrida e, consequentemente, refutar um grande número das conclusões das alegações dos recursos apresentados.
Com efeito, as concorrentes B... e C..., na medida em que se encontram submetidas ao domínio (jurídico) da mesma pessoa – AA detém 85% do capital social da primeira e 100% do capital social da segunda, a qual, por sua vez, detém os restantes 15% do capital social da primeira (alíneas G) e H) dos factos provados) –, que é também o gestor único de ambas (v. ibidem), constituem uma unidade económica (cfr. o artigo 3.º, n.º 2, do RJdC). Entre elas não existe, deste modo, independência comportamental de uma face à outra, razão por que devem ser consideradas como uma única empresa (v. idem, ibidem; e a conclusão alcançada na sentença recorrida, p. 70).
Ora, esta circunstância, por si só, não contende com a aplicação isolada do artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, uma vez que o falseamento da concorrência aí previsto não pressupõe comportamentos anticoncorrenciais nos termos do artigo 9.º e seguintes do RJdC (cfr. o Acórdão de 15 de setembro de 2022, Landkreis Aichach-Friedberg, cit., n.ºs 38, 39 e 51). Improcede, por isso, a abordagem subjacente às conclusões 4.ª e 5.ª das alegações da recorrente B....
Em segundo lugar, o facto de ser a mesma pessoa a representante legal e gerente das duas concorrentes não é condição suficiente da exclusão das respetivas propostas (cfr. o Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, cit., n.ºs 33-39). Nem essa foi a posição assumida pelo tribunal a quo. Como referido supra no n.º 3, apesar de reconhecer a importância daquele facto, o tribunal considerou:
«Mas o que se passa nestas duas propostas é muito mais do que isto. É muito mais que uma questão de gerência (de facto e de direito) pela mesma pessoa relativamente às duas concorrentes.
São as propostas que foram apresentadas pelas duas empresas, traduzidas em concretos factos, são as circunstâncias concretas de atuação das empresas neste concreto procedimento e, como referido, da análise das propostas por elas apresentadas, que nos levam a concluir que, de facto, no caso, ocorre a violação deste preceito [– o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP –] e que o júri incorreu em erro ostensivo ao assim não entender.» (p. 70 da sentença recorrida).

O facto em causa justificou, isso sim, e apenas, o pedido de esclarecimentos dirigido pelo júri do procedimento àquelas duas concorrentes referido em R) dos factos provados:
«Da análise da proposta apresentada, retira-se que a mesma foi submetida e assinada pelo sócio e gerente e como tal representante legal AA com o cartão de cidadão nº ...73, coincidindo com quem assina e submete a proposta da entidade [B... Lda,] / [C... - Unipessoal, Lda] também na qualidade de sócio e gerente e como tal representante legal.
Podendo tal facto constituir um motivo de exclusão nos termos do Art.º 70.º, n.º 2, al. g), queiram justificar tal facto, no prazo máximo de 3 dias úteis».

Improcedem, pelo exposto, as conclusões B. (i), D., 1.ª parte, II., JJ., KK., MM., NN. e PP. das alegações do recorrente Município do Porto.
Em terceiro lugar, a participação simultânea em procedimentos de contratação pública de entidades que integram uma mesma unidade económica, sendo admissível, pode, em razão das circunstâncias do caso concreto, obrigar a uma análise cuidadosa das propostas por elas apresentadas em ordem a apreciar se a formulação das mesmas foi realizada sem uma prévia concertação ou coordenação, à semelhança do que sucede com as propostas dos demais concorrentes.
Daí que, contrariamente ao sustentado pelos recorrentes, não seja apenas em relação aos aspetos do contrato submetidos à concorrência que se deva aferir a autonomia e independência das propostas, sendo «irrelevantes a análise frásica, grafia e preço dos serviços de manutenção preventiva e corretiva e serviços de remoção, desinstalação e reinstalação, na medida em que, por mais que estes aspetos fossem iguais ou diferentes, desde que não violassem o CE, seria irrelevante, pois em nada diferenciariam as propostas em análise e avaliação» (cfr. as conclusões Q. e VV. – e bem assim, as derivações constantes das conclusões FF., HH., TT, UU. E AAA. – das alegações do Município do Porto e a conclusão 11.ª – assim como as derivações constantes das conclusões 8.ª, 10.ª e 12.ª – das alegações da B...). Na verdade, não está em causa que as propostas apresentadas pela B... e pela C... apresentem diferenças, sobretudo nos aspetos submetidos à avaliação e, por conseguinte, à concorrência; aliás, a distorção da concorrência que o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP visa prevenir, no caso de entidades especialmente relacionadas entre si – como é o caso destas duas concorrentes – é justamente a de dois ou mais concorrentes coordenarem ou concertarem as respetivas propostas de modo aumentarem as possibilidades de adjudicação, o que implica algum tipo de diferenciação.
Assim, a verificação de que as ligações entre os concorrentes tiveram uma influência sobre o conteúdo das propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento é condição suficiente para que essas propostas não possam ser tidas em conta pela entidade adjudicante, uma vez que, sob pena de falsear a concorrência entre os proponentes que participam no procedimento, tais propostas devem ser apresentadas com total autonomia e independência quando provenham de concorrentes que constituem uma unidade económica (cfr. os Acórdãos de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, cit., n.ºs 29 e 38; e de 15 de setembro de 2022, Landkreis Aichach-Friedberg, cit., n.ºs 59 e 61-62). Para o efeito, serão de considerar, entre outros, os sinais de alerta referidos na “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01).
Finalmente, também não procede a ideia de que os factos concretizadores de uma distorção da concorrência relevante para efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP tenham de “ficar provados factualmente” (cfr. as conclusões D., 2.ª parte, LL., QQ. e RR. das alegações do recorrente Município do Porto). Conforme se entendeu no já mencionado Ac. STA, de 7.12.2023, a adequada interpretação do que constituem os “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência” previstos no artigo 70.º n.º 2, alínea g), do CCP, tem de reportar-se às características exigidas pelo direito e jurisprudência da União, pelo que, tal como afirmado no n.º 37 do Acórdão Specializuotas transportas, «[n]o que respeita ao nível de prova exigido para demonstrar a existência de propostas que não são autónomas nem independentes, o princípio da efetividade exige que a prova de uma violação das regras de adjudicação de contratos públicos da União possa ser feita não apenas através de provas diretas mas também através de indícios, desde que estes sejam objetivos e concordantes e que os proponentes interligados estejam em condições de apresentarem prova em sentido contrário».

17. Importa agora apreciar a existência do erro ostensivo do júri do procedimento que fundamentou a anulação do ato de adjudicação.

17.1. Conforme referido, o júri do procedimento pediu esclarecimentos às concorrentes B... e C... em virtude de as respetivas propostas terem sido submetidas e assinadas pelo sócio e gerente e como tal representante legal de ambas, AA.
A B... respondeu a tal pedido nos seguintes termos (alínea S) dos factos provados):
«1. As duas entidades – B... e C... – são de facto geridas pelo mesmo gerente, sócio de ambas.
2. Importa, contudo, esclarecer que tratamos de duas empresas distintas e com objetivos distintos, com produtos distintos, com histórias distintas, que de forma nenhuma se confundem.
3. A B..., detentora da marca “...”, foi constituída em 1988 por AA, para desenvolver e produzir em particular mobiliário urbano, com uma forte componente de Design […].
4. Por seu turno, a C... é uma empresa criada em 2009 por AA, bisneto de BB, no sentido de manter e explorar a marca ....
5. A marca ... é uma marca familiar criada por BB em 1921, há 101 anos […].
6. Ou seja, a C... é a detentora da marca ...”, que comercializa produtos desenvolvidos num século de existência, completamente distintos dos produtos comercializados pela B....
7. Tratamos, pois, de duas empresas que comercializam produtos de marcas distintas, que estão no mercado há muitos anos, com modelos próprios, sendo concorrentes entre si, com preços diferentes, com diferentes conceitos e soluções formais e construtivas também elas distintas.
8. São, pois, empresas que apesar de terem a gerência comum, são independentes e autónomas uma da outra.
9. Esta autonomia de cada uma das empresas é evidenciada no concurso em referência na medida em que que muito embora obrigadas a seguir as premissas do caderno de encargos, apresentam soluções nitidamente distintas.
Vejamos:
10. O modelo proposto pela B...:
a) A estrutura é ortogonal em todas suas superfícies;
b) Apresenta transparência em cerca de 50% dos seus painéis;
c) A sua cobertura é executada em fibra de vidro;
d) Não possui grelhas de ventilação;
e) A estrutura é executada em perfis tubulares.
11. Por seu turno, o modelo proposto pela C...:
a) Apresenta paredes inclinadas;
b) É quase completamente opaco;
c) A cobertura é executada em painéis sandwish;
d) Tem significativas grelhas de ventilação;
e) Tem abertura de luz na cobertura;
f) A sua estrutura é executada em perfis de chapa quinada.
12. Ou seja, temos duas empresas, que concorrem entre si, com projetos e ideias diferentes que, naturalmente, têm preços diferentes, calculados em função da especificidade do modelo que cada uma apresenta, seu custo de produção, entre outros fatores a ter em conta por cada uma das empresas, seus objetivos e sua posição no mercado.
13. Propostas essas desenvolvidas por técnicos distintos, com custos calculados por pessoas distintas, sem qualquer tipo de interferência de uma sociedade na outra.
Destarte,
14. Não se verifica, in casu, a existência de quaisquer indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
15. Muito pelo contrário, foram apresentadas duas propostas isoladas e independentes, por entidades diferentes.
16. Aliás, se alguma presunção de violação daquele preceito pudesse advir da estrutura societária das referidas empresas, a mesma mostra-se ilidida, porquanto estamos perante:
- Duas empresas reconhecidas no mercado, com largos anos de existência e de experiência;
- Duas empresas que comercializam marcas diferentes: […];
- Duas empresas que comercializam produtos muito diferentes;
- Duas empresas que apresentam no concurso soluções e propostas muito diferentes;
17. Na verdade, as diferentes soluções e os diferentes preços já demonstravam, por si só, não ter havido quaisquer atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.»

Já a C... informou na sua resposta que (alínea T) dos factos provados):
«[O] seu gerente e único sócio é também gerente e sócio da B..., LDA., contudo tal circunstância não acarretou qualquer ato, acordo, prática ou informação suscetível de falsear as regras de concorrência, uma vez que são empresas de facto e de direito autónomas, que apresentaram propostas muito diferentes uma da outra, com preços também eles distintos.
Aproveitamos o ensejo para informar esta que empresa está no mercado há mais de 13 anos e que é detentora da história e conhecida marca ...”, cujos produtos em nada se assemelham aos comercializados pela B....».,

Na sua análise, em sede de Relatório Preliminar (alínea X) dos factos provados) o júri ponderou o seguinte:
«Da apresentação de duas propostas por sociedades intimamente relacionadas entre si (neste caso, por partilharem o mesmo sócio e gerente), pode presumir-se que existiu um conhecimento e influência das propostas, o qual é suscetível de consubstanciar a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP. Implicando a exclusão da proposta, este preceito não é, no entanto, imediatamente operacional. Assim, para ilidir aquela presunção, veio o concorrente referir que estão em causa duas empresas reconhecidas no mercado, com largos anos de existência e de experiência, que comercializam marcas e produtos diferentes; Refere ainda que as duas empresas apresentam no concurso soluções e propostas muito diferentes, a nível de preço e de características técnicas.
Note-se ainda que o procedimento atual resulta de um prévio concurso público internacional, completamente aberto à concorrência (onde, por isso, puderam participar todos operadores interessados e elegíveis, em igualdade de circunstâncias) e que a adjudicação será feita segundo o critério multifator (de preço e qualidade técnica). Considerando o exposto e o entendimento proposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 123/17.7BELSB, de 04.03.2021, cremos que o contexto do procedimento e a informação alegada pelo concorrente permite ilidir a presunção de que a sua relação societária pudesse implicar um desequilíbrio de posições decorrente do conhecimento mútuo das propostas, que o(s) favoreciam face aos demais concorrentes (eventualmente pela possibilidade de concertar propostas e preços) e que tal desequilíbrio fosse apto a falsear a concorrência.
Após análise ao esclarecimento prestado, considera o júri que não existem evidências de que estamos perante uma situação que leve a motivo de exclusão nos termos do Art.° 70.º, n.º 2, al. g).»

Desta posição do júri ressalta, para além de uma referência deslocada ao “contexto do procedimento” – o procedimento em causa é autónomo em relação ao anterior concurso público internacional e encontra-se igualmente sujeito ao artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP –, a ênfase colocada no “desequilíbrio de posições” decorrente do conhecimento mútuo das propostas e não tanto imediatamente este último ou a falta de autonomia e independência das propostas apresentadas. Com efeito, a importância e o papel desempenhado pelo sócio comum e gerente de ambas as sociedades, AA, não é minimamente aprofundado: ele é não só o proprietário daquelas sociedades, como o único gestor das mesmas, ou seja, a única pessoa que toma decisões de gestão como, por exemplo, as de participar em procedimentos adjudicatórios e os termos – condições e preços – das propostas apresentadas no quadro de tal participação. Consequentemente, a menos que existisse um qualquer esquema interno de desconcentração desse tipo de decisões – o que nem sequer foi invocado –, as mesmas têm de ser tomadas por ele, o que, no caso vertente, põe naturalmente em causa a autonomia e independência das propostas.
Acresce que as diferenças apontadas relativamente aos modelos de quiosque apresentados (cfr. os pontos 10 e 11 da resposta da B...) e a afirmação – não concretizada – de que as propostas foram «desenvolvidas por técnicos distintos, com custos calculados por pessoas distintas» (cfr. ibidem, o ponto 13) deixam por explicar as múltiplas coincidências ou identidades formais e materiais das duas propostas e que traduzem muitos dos “sinais de alerta” referidos na já mencionada “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01).

17.2. Não é, por isso, de admirar que a contrainteressada e ora recorrida A... tenha suscitado, em sede de audiência prévia, a questão de as propostas das concorrentes B... e C... não serem autónomas e independentes (alínea Y) dos factos provados).
E sobre a mesma pronunciou-se o júri do procedimento no Relatório Final (alínea Z) dos factos provados):
«[O] que está em causa é saber se a sua ligação jurídica [– das concorrentes B... e C... –] e a sua atuação concreta neste procedimento são objetivamente passíveis de consubstanciar a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
Antes de mais, reitere-se que o procedimento atual resulta de um prévio concurso público internacional (CPI/11/2022/DMC), completamente aberto à concorrência (onde, por isso, puderam participar todos operadores interessados e elegíveis, em igualdade de circunstâncias) e que a adjudicação será feita segundo o critério multifator (de preço e qualidade técnica), o que permite aumentar a possibilidade de concorrência.
Nesta sequência, note-se que da ordenação das propostas que resulta do Relatório Preliminar, verifica-se que as propostas em causa ficaram ordenadas 1.º e em 4.º (último) lugar.
No entanto, vem a concorrente A..., S.A. referir uma série de semelhanças que podem indiciar que as propostas apresentadas pela B... Lda. e pela C... Lda., não foram elaboradas de forma independente e autónoma (pontos 26 a 30 da pronúncia em sede de audiência prévia).
Entendeu o júri que perante o exposto e decorrente da análise dos documentos das propostas, teve dúvidas pelo que decidiu pedir um esclarecimento às mesmas, em 16/01/2023. Da análise dos esclarecimentos prestados, o júri do procedimento concluiu que as propostas apresentadas pelos dois concorrentes visados, B..., Lda. e C..., Lda, embora revelem semelhanças em aspetos descritivos da solução apresentada, ao nível das características técnicas e de inovação da solução, apresentam um resultado final substancialmente diferente quanto à sua configuração nos seguintes termos:
1. Na solução da empresa B... Lda., o quiosque com sanitário tem uma dimensão planimétrica e altura inferiores à proposta apresentada pelo C.... O desenho da B... resulta num paralelepípedo regular, ao contrário do da proposta C..., que sugere uma inclinação das fachadas laterais.
2. Embora os materiais de revestimento sejam similares, a disposição de elementos transparentes e opacos resulta numa imagem distinta.
3. Na proposta apresentada pela B..., Lda existe uma divisão entre revestimentos das fachadas laterais, com transparências e opacidades, sendo que a C..., Lda propõe revestimentos laterais sempre opacos.
Apesar das semelhanças, entende-se estarmos perante duas propostas diferentes, nomeadamente quanto à singularidade do seu design.
Adicionalmente, entende-se que da atuação das concorrentes B... e C... no procedimento concreto não é possível comprovar qualquer concertação ou prática violadora do princípio da concorrência (conforme exige a jurisprudência europeia – veja-se o Acórdão C-538/07, Assitur e especialmente o Acórdão C144/17, Lloyd’s of London).
Desta forma, e com o devido respeito pela exposição apresentada pela concorrente e interessada A... S.A., na pronúncia em análise, os elementos apresentados não constituem elementos de facto e/ ou de direito, suscetíveis de alterar o teor e conclusões do Relatório Preliminar, e do projeto de decisão que o mesmo encerra, no contexto do procedimento em causa, pelo que o mesmo se deverá manter propondo-se, em consequência, a adjudicação à entidade B..., Lda.».

Mais uma vez, o júri limita-se a assinalar as diferenças de design e de imagem dos próprios quiosques objeto das duas propostas em causa, desconsiderando, por completo, as referidas coincidências ou identidades materiais e formais que as propostas em causa evidenciam e que são mencionadas nas conclusões C) a G) das contra-alegações da A..., aqui recorrida.
Entre os aspetos comuns a ambas as propostas – que correspondem a indícios claros de uma não autonomia das duas propostas –, salientem-se os seguintes:
– A apresentação de um documento facultativo de teor e formato idênticos, que em ambas as propostas é denominado “2_Declaracao_Proposta.pdf”, com a indicação dos elementos relativos ao preço (preço/quiosque referente ao fornecimento e instalação; preço mensal/quiosque referente à manutenção; e preço/quiosque referente à remoção, desinstalação e reinstalação – alíneas K) e L) dos factos provados);
– Os preços relativos à manutenção e à remoção, desinstalação e reinstalação das duas propostas – subfactores avaliáveis no âmbito do fator preço – são iguais;
– A apresentação de Memória Descritiva e Justificativa – avaliável como subfactor com uma ponderação de 15% do fator qualidade técnica –com formato idêntico e que em ambas as propostas é denominada “3_Memoria Descritiva Especificacoes Tecnicas.pdf” (alíneas M) e N) dos factos provados). O respetivo texto é idêntico, exceto na parte em que se refere à cobertura dos quiosques e às ressalvas adiante assinaladas (cfr. além dos factos provados, a análise comparativa feita no ponto 8 do corpo das contra-alegações da ora recorrida): introdução (exceto a indicação das dimensões dos quiosques); no respeitante às características técnicas, fundações e ramais de ligação; estrutura; teto falso; pavimento; paredes opacas; revestimento interior; revestimento exterior; paredes opacas; vãos de porta de abrir (exterior e interior); instalação elétrica; redes hidráulicas; equipamentos sanitários; instalação de rede ITED; instalação SCIE; instalação de ventilação; outros equipamentos; design; no respeitante à parte operacional: cronograma indicativo das fases; trabalhos de instalação; constrangimento (neste capítulo, a referência à dependência de “entidades externas à B...” também é feita na proposta da C...); e na parte respeitante à inovação (com ressalva da referência à claraboia na proposta da C...);
– A junção às respetivas propostas de uma pasta zipada denominada, em ambas as propostas, por “4_Renders”, com as simulações tridimensionais dos quiosques, em que estes são colocados exatamente nos mesmos cenários (alínea O) dos factos provados);
– Os símbolos das instalações sanitárias e do café constantes da mencionada pasta “4_Renders” também são quase idênticos;
– As propostas das concorrentes B... e C... integram um documento intitulado «PROPOSTA Ref.a ...22... – “Aquisição de Quiosques com Sanitários” Município do Porto», identificado como “6_Proposta” cujo layout e teor, salvo na parte referente ao preço unitário do fornecimento e instalação dos oito quiosques, são idênticos (alíneas P) e Q) dos factos provados);
– Tendo detetado discrepâncias internas nas medidas utilizadas para descrever os quiosques na Memória Descritiva e Justificativa de cada uma das propostas (introdução vs. design) e entre tais medidas e as peças desenhadas juntas pelas concorrentes às respetivas propostas, o júri pediu esclarecimentos, os quais foram prestados, indicando ambas as concorrentes que as medidas constantes do capítulo “design” da Memória Descritiva e Justificativa da respetiva proposta – medidas essa idênticas em ambas as propostas – correspondiam a um “erro ostensivo” (B...) e a um “lapso evidente” (C...) – v. alíneas U), V) e W) dos factos provados).

17.3. O tribunal a quo, partindo das premissas corretas de que (v. em especial, as pp. 61-63 da sentença recorrida): (i) a apresentação por concorrentes interligados de propostas coordenadas ou concertadas, isto é, não autónomas nem independentes, que sejam suscetíveis de lhes conferirem vantagens face aos outros concorrentes justifica a exclusão de tais propostas; (ii) o preenchimento do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos, competindo à entidade adjudicante também apenas comprovar a existência daqueles “fortes indícios”, não da prática efetiva da conduta anticoncorrencial; (iii) tais indícios podem retirar-se, por exemplo, da estrutura societária, das relações familiares, dos preços propostos, dos anteriores padrões de participação em concursos ou de adjudicações, do comportamento dos concorrentes nos anteriores concursos, dos teores das propostas apresentadas, ou outras respostas dadas no âmbito do concurso, devendo o júri considerar igualmente suspeitos procedimentos em que diferentes propostas contêm os mesmos erros de cálculo ou de ortografia, o mesmo aspeto gráfico ou existirem provas de encontros entre os diversos concorrentes antes da entrega das propostas; e (iv) a integração do conceito de “fortes indícios” compete, assim, em primeira linha, ao júri do concurso, incumbindo ao órgão jurisdicional apreciar aquele juízo, por forma a verificar se o mesmo padece de um erro grosseiro, de facto ou manifesto, analisou o Relatório Final do júri do procedimento.
E concluiu que, sobre as semelhanças detetadas, que podiam indiciar que as propostas apresentadas pelas concorrentes B... e C... não foram elaboradas de forma independente e autónoma invocadas pela ora recorrida na sua pronúncia em sede de audiência dos interessados, o júri nada disse, de concreto (p. 73).
Pormenorizando a referida análise, considerou-se na sentença recorrida (pp. 73-83):
«[S]e é verdade que o procedimento atual tem como antecedente um prévio concurso público internacional, o certo é que o presente procedimento é um procedimento pré-contratual novo, com uma nova decisão de contratar. É um procedimento de ajuste direto, lançado ao abrigo de critérios materiais, no âmbito do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do CCP, em que foram convidadas a apresentar proposta quatro concorrentes. Portanto, a concorrência neste procedimento é (mais) limitada e joga-se aqui entre estas quatro concorrentes.
Depois, importa considerar os preços propostos por estas quatro concorrentes e as pontuações por elas obtidas na aplicação do critério de adjudicação e na avaliação do fator preço.
[Recorde-se que a adjudicação se fez segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada pela modalidade multifator, sendo considerada mais vantajosa a proposta que apresentasse a Pontuação Final (PF) mais elevada, tendo em conta os seguintes fatores e subfactores e respetivas ponderações (alínea D) dos factos provados):

[IMAGEM]

[… A] concorrente C... propôs o segundo melhor preço para o quiosque, de € 58.050,0 /unidade + iva (depois da B..., que propôs o melhor preço, de € 48.270,00) de entre as quatro propostas apresentadas.
Aliás, o que as diferencia no preço é o preço/unidade do quiosque. Os preços para os serviços de manutenção e de remoção são exatamente iguais, ao cêntimo.
Desta tabela que se extrai do relatório preliminar percebe-se que foi à concorrente 4, que é a D... – que apresentou, de entre as quatro concorrentes, o preço mais alto – que, depois de aplicada a fórmula e o coeficiente de ponderação, foi atribuída a pontuação de 24,361.
[…]
A pontuação no fator preço da C... é de 43,101. A segunda melhor pontuação neste fator preço, como não poderia deixar de ser, já que apresentou o segundo melhor preço.
Agora, o que acontece é que, quando o júri passa para o somatório final, no Anexo IV ao relatório preliminar, atribui, erradamente, à concorrente C... a pontuação de 24,361 (que é a pontuação da D...), que a colocou, portanto, em 4.º lugar da classificação, quando, com a pontuação de 43,101 (que é a sua e não a pontuação da D...) o seu lugar deveria ser o 3.º.
Sendo que as pontuações dos concorrentes no fator “qualidade técnica” estão muito próximas.
Portanto, não é caso para se dizer e se concluir que estamos perante propostas completamente diferentes, fazendo apelo para isso ao suposto lugar (tão) díspar alcançado na lista de ordenação final por estas Ci.
Pelo contrário.
É caso dizer e concluir que as propostas e a factualidade que dela se extrai permite concluir que houve um conhecimento mútuo (prévio) das propostas.
Dada a constituição das empresas e os termos das propostas é inevitável que se conclua que existiu esse conhecimento.
Tal como a Autora alegou e demonstrou nesta ação, a concorrente B... e a concorrente C... apresentaram um documento (facultativo) que, em ambas as propostas, é denominado por “2_Declaracao_Proposta”, com o mesmo conteúdo (apenas com a diferença da empresa e o preço/unidade do quiosque), que apresenta o mesmíssimo grafismo, com uma mesma tabela para indicar os preços propostos, o mesmo exato erro em cada uma dessas declarações, quando se refere em cada um dessas declarações “se for o caso, do caderno de encargos do acordo-quadro aplicável ao procedimento”, que, digamos, é um erro insólito e comum a ambas.
Como diz a Autora “até a pontuação (ou a sua ausência na última frase da tabela de preços) é igual”, a única diferença neste documento é, de facto, a identificação do concorrente e o preço/unidade do quiosque.
Depois um outro documento apresentado em ambas as propostas identificado como “3_Memoria Descritiva Especificações Técnicas”, em que é utilizado o mesmo grafismo (até a própria página que vai a capear o documento), a estrutura do documento é a mesma, a estrutura frásica, o conteúdo é também praticamente o mesmo, vírgula por vírgula, palavra por palavra, expressão por expressão, com as ressalvas que a Autora identifica no artigo 31.° da petição inicial, com a mesma pontuação, com os mesmos erros ortográficos em ambas as propostas. Ambas as propostas referem o mesmíssimo erro (de escrita) quanto ao volume do equipamento (que foi, aliás, identificado pelo júri e alvo de um pedido de esclarecimento) que “O equipamento sanitário/quiosque, apresenta um volume paralelepipédico, na proporção de 4,50 x 3,50 x 3,10m”, e ambos os concorrentes, em sede de esclarecimentos às suas propostas, declaram tratar-se de um lapso de escrita.
E mais do que isso. Neste documento, na proposta da C..., que se reproduziu na alínea N) do probatório, é feita referência expressa à concorrente B..., que se transcreve e sublinha:
“Constrangimentos
Como neste momento não são conhecidos os locais de implantação dos quiosques, existem alguns trabalhos para os quais não é possível apurar com exatidão a duração, como é o caso da execução de ramais, uma vez que não é conhecido os terrenos onde serão inseridos, nem os comprimentos dos mesmos nem os materiais de acabamento dos pavimentos. A própria execução dos ramais depende de entidades externas à B..., e por isso podem acontecer derrapagens de prazos na execução destes trabalhos”.
E depois temos a solução técnica que foi apresentada pelas duas empresas, que o júri diz que é distinta, apesar de apontar e reconhecer “semelhanças”, entende o júri que “estarmos perante duas propostas diferentes, nomeadamente quanto à singularidade do seu design”. Mas isso não é suficiente para afastar todos estes fortes indícios quanto ao conhecimento mútuo/prévio e de articulação das propostas.
Repare-se que, mesmo quanto a esta solução, existem evidentes semelhanças, como o júri reconheceu.
Como a Autora alegou e ficou provado nesta ação, as duas concorrentes usam as mesmas imagens/cenários de fundo para ilustrar as simulações tridimensionais dos quiosques.
[…]
Ainda, como a Autora alega no artigo 74.° e seguintes da sua petição inicial, em sede de esclarecimentos prestados pela B... (alínea S) do probatório) é referido, nos pontos 10. e 11. o seguinte:
10. O modelo proposto pela B...:
a) A estrutura é ortogonal em todas suas superfícies;
b) Apresenta transparência em cerca de 50% dos seus painéis;
c) A sua cobertura é executada em fibra de vidro;
d) Não possui grelhas de ventilação;
e) A estrutura é executada em perfis tubulares.
11. Por seu turno, o modelo proposto pela C...:
a) Apresenta paredes inclinadas;
b) É quase completamente opaco;
c) A cobertura é executada em painéis sandwish;
d) Tem significativas grelhas de ventilação;
e) Tem abertura de luz na cobertura;
f) A sua estrutura é executada em perfis de chapa quinada.

Mas como aponta a Autora na petição, no documento “3_Memoria Descritiva Especificações Técnicas” que integra a proposta apresentada pela concorrente C... (pág. 3) – alínea N) do probatório, é referido o seguinte:
Estrutura
Quiosque realizado em estrutura metálica, dimensionada de acordo com RSAEEP, REAE e o Eurocódigo 3, executada com perfis tubulares de secção quadrada em aço S275JR, decapados metalizados e pintados.

Diz-se aqui neste documento da proposta apresentada pela concorrente C... que a estrutura seria “executada com perfis tubulares” – que corresponde à solução da proposta da concorrente B... - e nos esclarecimentos prestados pela B..., no ponto 11., diz-se que a estrutura da solução apresentada pela C... afinal seria “em perfis de chapa quinada”.
Mas não fica por aqui.
A proposta da concorrente B... integra um documento identificado como “6_Proposta”, com a mesma estrutura e o mesmo grafismo do documento também identificado como “6_Proposta” da concorrente C.... É isso que resulta do confronto do teor das alíneas P) e Q) do probatório.
Trata-se da mesma estrutura frásica, do mesmo grafismo, até da própria página que vai a capear o documento, da mesma formatação.
Sendo que as propostas das concorrentes B... e C..., ora CI, apresentam o mesmo preço, ao cêntimo, para os serviços de manutenção preventiva e corretiva e para os serviços de remoção, desinstalação e reinstalação.
E com todo este circunstancialismo fáctico – que, diga-se, é consistente – utilizando a expressão do STA, naquele seu Acórdão de 13-07-2021, “seria inocente pretender que dada a constituição das empresas e os termos das propostas pudesse não haver esse conhecimento”, tudo aponta para uma acomodação/articulação das empresas na participação neste procedimento (com convite, em que estão apenas em causa quatro concorrentes) que permitiu ampliar as suas chances de o vencerem.
Como refere Rodrigo Esteves de Oliveira ao analisar o Ac. do TJUE C-538/07, de 19/05/2009, Assitur Srl c. Camera di Commercio, Industria, Artigianato e Agricoltura di MilAno, neste acórdão do TJUE trespassa a ideia que “a circunstância de haver uma relativa comunhão de interesses entre empresas pode de alguma forma perturbar o jogo da livre concorrência e sã competição, falseando a lógica da contratação pública, e que isso pode, portanto, constituir uma violação da igualdade de tratamento de todos os concorrentes e da transparência dos processos de adjudicação dos contratos públicos” (in OLIVEIRA, Rodrigo Esteves - Empresas em Relação de Grupo e Contratação Publica, Revista dos Contratos Públicos, n.° 2, Maio-Agosto 2011, pp. 99-100. [,,,]
Ora, entre estas duas empresas, há, quanto a nós, como vimos, essa comunhão de interesses, que faz perigar a exigida transparência, igualdade e sã competição, permitindo falsear-se a concorrência.
Na verdade, tendo em conta a estrutura de ambas as empresas, é a mesma pessoa e representante legal (quem submeteu as propostas e quem as assinou) que detém todo o poder de orientar e gerir toda a atividade das duas empresas, o que é bastante para se concluir pela existência de uma comunhão de interesses nociva à concorrência, que é suscetível de a falsear, que, só por si, constitui um indício forte de uma situação que pode levar ao falseamento da concorrência quando estas duas empresas concorrem a um mesmo procedimento (com convite) com duas diferentes propostas.
Mas neste caso este indício não surge isolado, mas acrescentam-se muitos outros indícios verdadeira e absolutamente consistentes (que, no caso, são muitos), acima referenciados, que foram alegados pela Autora e que, pela apreciação dos documentos que integram a proposta das CI, se confirmam nesta ação, que as CI não lograram afastar com os esclarecimentos prestados (que repisam nesta sede), e que o júri desvalorizou em sede própria quando invocados, centrando-se na autonomia jurídica das empresas, na ordenação das propostas e na solução do design que foi apresentado.
Como resulta deste Acórdão do STA, de 13-07-2021, proferido no processo n.° 123/17.7BELSB:
“O princípio da concorrência impõe/exige que, nos procedimentos de contratação pública, seja promovida a apresentação do maior número de propostas alternativas possível, por forma a que as entidades públicas contratem de forma eficiente assegurando- se a proteção do interesse público.
Para que esse desiderato seja atingido mostra-se necessário que cada um dos concorrentes se apresente com uma estratégia autónoma/independente, formulando a sua melhor proposta com o seu melhor preço.
Ora se os concorrentes se concertarem, reduzindo aquilo que é a imprevisibilidade da concorrência mediante colusão/coordenação entre si de comportamentos, temos que o princípio da concorrência mostra-se posto em causa com os inerentes e graves prejuízos para o interesse público.
No caso sub judice tendo em conta as exigências e objetivos prosseguidos pelo princípio da concorrência e das regras da sua tutela, o tipo de procedimento de acesso condicionado (convite) que apresenta uma concorrência logo à partida mais diminuída; a estrutura societária e ligações de afinidade entre sócios; tratarem-se de empresas no mesmo mercado e que estão entre si numa relação horizontal; o apresentarem o mesmo aspeto/similar “layout” e os mesmos e similares erros nas propostas que cada uma apresenta; tudo aponta não só para a existência de um conhecimento prévio, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes com os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de estarmos perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estarem em efetiva concorrência.
Não podemos, assim, deixar de concluir, em sintonia com o ato impugnado, o acórdão recorrido e o parecer do MP de que existem fortes indícios de a A. e a concorrente Ano terem adotado ato/prática suscetível de falsear as regras da concorrência, nos termos previstos nos arts. 70°, n° 2, al. g), do CCP e 09.° da Lei n.° 19/2012 ainda que não tenha sido feita prova direta e já que a prova indireta é consistente para presumir a ocorrência de concertação”.
É isto que entendemos e que aqui sublinhamos, utilizando a conclusão do STA: no caso sub judice, o modo de apresentação destas duas propostas, que se traduzem em concretos factos, aqui escalpelizados, todos eles aliados, apontam não só para a existência de um conhecimento prévio das propostas, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes, com todos os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de estarmos perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estarem em efetiva concorrência.
Donde, tudo visto, é de concluir que as propostas das CI B... e C... deveriam ter sido excluídas do procedimento, nos termos previstos nos artigos 70.°, n° 2, al. g), do CCP. Razão pela qual o ato de adjudicação do procedimento à proposta apresentada pela CI B... não se pode manter na ordem jurídica, devendo, em consequência, ser anulado.»

17.4. Finalmente, importa referir que o alegado pelos recorrentes Município do Porto e B... não abala minimamente as apreciações feitas supra nos n.ºs 17.2 e 17.3, pelo que, em razão do que aí se explica, improcede a conclusão I. das alegações do primeiro, assim como as conclusões 11.ª a 14.ª das alegações da segunda.
Os recorrentes continuam a insistir em algumas diferenças entre as duas propostas, quando o que está em causa, por tudo quanto se expôs supra nos n.ºs 14 e 15 e, bem assim, pelo que é referido na sentença recorrida, são as muitas similitudes ou coincidências entre ambas e as diferenças face às demais, a importância de tais similitudes ou coincidências, a falta de explicação por parte das concorrentes para as mesmas e a não valorização pelo júri do procedimento de tal omissão, desconsiderando a fortíssima indiciação de uma concertação na elaboração das propostas em que aquelas similitudes ou coincidências se verificam. Isso é particularmente evidente a propósito dos concretos aspetos analisados pelo recorrente Município do Porto.
Assim:
– Quanto ao fator Preço (conclusão R.): os preços de manutenção e de desinstalação dos quiosques – subfactores relevantes para efeitos de avaliação, com uma ponderação, respetivamente, de 18% e 2% do fator Preço – são idênticos, não sendo exato que os valores homólogos apresentados pelas outras duas concorrentes sejam «quase idênticos». Há diferenças relativamente aos demais concorrentes, correspondendo o valor apresentado pela A... para a manutenção a 148, 5% dos valores da B... e da C..., o que não é negligenciável.
– Quanto às “imagens/cenários de fundo para ilustrar as simulações tridimensionais dos quiosques” (conclusões O., RR. e YY.): a A... utilizou como denário o mesmo local, mas a imagem é muito diferente (ângulo, perspetiva, distância). Nos casos da B... e da C... tudo se passa como se se tratasse da mesma fotografia, mudando apenas o quiosque (que tem efetivamente uma aparência diferente).
– Quanto à Memória Descritiva e Justificativa (conclusões P. e ZZ.): ressalvadas as referências às dimensões dos quiosques e o capítulo da cobertura, tudo o mais é idêntico, desde o texto, a respetiva formatação e apresentação, até aos erros. Esta coincidência quase total também é significativa, porquanto está em causa um subfactor com uma ponderação de 15% do fator Qualidade Técnica.

18. A improcedência das conclusões das alegações dos recorrentes que se referem à anulação do ato de adjudicação com fundamento na violação do artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, pelas razões indicadas supra nos n.ºs 16 e 17, infirma a existência de erro de julgamento quanto a tal anulação e justifica que se deva manter a sentença recorrida nessa parte (a primeira alínea do seu dispositivo).

19. Uma das consequências do juízo em que se baseia a mencionada anulação do ato de adjudicação é a exclusão do procedimento pré-contratual das propostas apresentadas pelas concorrentes indiciadas de falsearem a concorrência nesse procedimento, in casu, as contrainteressadas B... e C.... Com efeito, segundo aquele preceito interpretado de acordo com o direito da União, a verificação de que as ligações entre os concorrentes tiveram uma influência sobre o conteúdo das propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento é condição suficiente para que essas propostas não possam ser tidas em conta pela entidade adjudicante, uma vez que, sob pena de falsear a concorrência entre os proponentes que participam no procedimento, tais propostas devem ser apresentadas com total autonomia e independência quando provenham de concorrentes que constituem uma unidade económica (cfr. supra o n.º 16, em particular, a referência aos Acórdãos de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, cit., n.ºs 29 e 38; e de 15 de setembro de 2022, Landkreis Aichach-Friedberg, cit., n.ºs 59 e 61-62).
Deste modo, também não procede o invocado erro de julgamento quanto à condenação da entidade demandada, ora recorrente, a excluir do procedimento pré-contratual as propostas apresentadas pelas concorrentes B..., também aqui recorrente, e C..., devendo manter-se a sentença recorrida igualmente nessa parte (a segunda alínea do seu dispositivo).

§ 3.º – Quanto à condenação da entidade demandada a adjudicar o
procedimento pré-contratual à contrainteressada A...

20. Correspondendo à cumulação pela autora dos pedidos de anulação do ato de adjudicação e de condenação da entidade demandada a excluir as propostas apresentadas pelas concorrentes B... e C... com o pedido de reconstituição da situação hipotética atual, o tribunal a quo, considerando ser essa «a única atuação legalmente possível», condenou o Município do Porto «a adjudicar o procedimento à proposta» apresentada pela A... (cfr. supra o n.º 3).
Dos autos não consta qualquer informação sobre a celebração do contrato de aquisição dos quiosques com sanitários entre o Município do Porto e a B..., razão por que importa analisar o recurso, nesta parte, tendo em conta não só o disposto no CCP, como o estatuído nos artigos 95.º, n.º 5, e 173.º do CPTA.

21. O recorrente Município do Porto opõe-se à sua condenação de adjudicar o procedimento à proposta apresentada pela ora recorrida fundamentalmente por entender que essa não é a única solução legalmente possível, restando-lhe ainda um significativo espaço de livre decisão (cfr. as conclusões E. e X. a CC. das suas alegações).
Certo é que o artigo 76.º, n.º 1, do CCP consagra o dever legal de adjudicação, ressalvando apenas as situações previstas no artigo 79.º, n.º 1, do mesmo normativo. Tal decisão deve ser tomada até ao termo do prazo da obrigação de manutenção das propostas, pelo que a adjudicação corresponde a um ato administrativo devido, podendo a entidade adjudicante ser judicialmente condenada a adjudicar (cfr. o Ac. STA, de 3.12.2015, P. 913/15; e Pedro Costa Gonçalves, ob. cit., p. 934).
No caso vertente, o júri do procedimento avaliou e ordenou as propostas apresentadas pelas concorrentes convidadas e o recorrente Município do Porto adjudicou o procedimento à concorrente B..., que apresentou a proposta ordenada em primeiro lugar (cfr. a alínea AA) dos factos provados).
Neste quadro jurídico e factual, uma vez excluída a proposta classificada em primeiro lugar, deve a adjudicação ser feita à concorrente que apresentou a proposta ordenada em segundo lugar, ou seja, à A..., ora recorrida, tal como decidiu o tribunal a quo.

22. A objeção do recorrente funda-se, no essencial, na ideia de reserva de administração (cfr. a conclusão E. das suas alegações), sem, todavia, invocar qualquer facto concreto ou argumento que se oponha à redução a zero dos poderes de livre decisão resultante do aludido quadro.
A verdade é que a condenação na adjudicação ao concorrente cuja proposta foi ordenada a seguir à proposta excluída não viola quer o princípio da separação de poderes, quer o artigo 79.º do CCP, por tal não se traduzir em retirar à Administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato – esta a doutrina que se pode retirar do mencionado Ac. STA, de 3.12.2015:
«Nos termos do n.º 1 do art. 03.º do CPTA, que tem por epígrafe «poderes dos tribunais administrativos», no “… respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação …”.
É uma concretização do princípio da separação e interdependência de poderes previsto nos arts. 02.º e 111.º da CRP, que constituiu referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cfr. arts. 202.º, n.º 2 e 203.º da CRP).
Do exposto resulta que este princípio não implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração, mas tão só uma proibição funcional do juiz não ofender a autonomia do poder administrativo.
[…]
Assim, os poderes dos tribunais administrativos estão limitados pelas vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, não podendo afetar de qualquer forma a conveniência e oportunidade de atuação da Administração quanto às regras técnicas ou escolhas na prossecução do interesse público, salvo ofensa dos supra referidos princípios jurídicos a que se alude no art. 266.º, n.º 2 da CRP.
[…]
O legislador optou por consagrar no artigo 76.º, n.º 1, do CCP, um dever de adjudicação, que contempla apenas a ressalva das situações previstas no artigo 79.º, n.º 1, do CCP. Assim, optou-se por estabelecer um dever de decidir, com prazo definido, que corresponderá ao prazo a que os concorrentes estão obrigados a manter as suas propostas.
[…]
Desta conclusão, resulta que os concorrentes poderão exigir judicialmente a prática do ato devido, ou seja, a decisão final do procedimento de concurso público salvas as possibilidades de não adjudicação previstas no supra referido artigo 79.º, n.º 1, do CCP.
Além das alíneas a) e b), da referida disposição legal, em que se admite a não adjudicação se inexistir concorrentes ou propostas, bem como existindo, todas sejam excluídas do concurso, existem mais dois casos genéricos e dois casos específicos de não adjudicação fundamentada.
Os dois casos genéricos decorrem das alíneas c) e d), do n.º 1, do referido artigo 79.º, e reportam-se, no caso da al. c) às situações imprevistas que motivem a necessidade de alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento, após o termo fixado para a apresentação de propostas e, no caso da alínea d) aos factos supervenientes ao termo fixado para a apresentação de propostas, quanto aos pressupostos da decisão de contratar, que justifiquem a não adjudicação.
Em ambas as situações, com fundamento no art.º 79.º, n.º 4, do CCP, haverá lugar a indemnização pelos encargos que comprovadamente incorreram com a elaboração da proposta.
[…]
O artigo 79.º do CCP prevê, assim expressamente casos de não adjudicação por razões de interesse público como sejam os referidos casos das alíneas c) e d).
É certo que o que está na base deste artigo 79º do CCP e que constitui a sua epígrafe “Causas de não adjudicação”, é que não tenha ocorrido a adjudicação.
No caso sub judice o contraente público vinculou-se a uma adjudicação ao praticar o ato de adjudicação anulado nestes autos. […] Pelo que, a situação de o mesmo não adjudicar foi, de certa forma, ultrapassada pela entidade com competência para decidir o concurso.
[…]
É certo, ainda, que se pode colocar a questão de a anulação da adjudicação aqui em causa não fazer retroceder o procedimento administrativo até um momento anterior à referida adjudicação conferindo à administração uma possibilidade que já lhe tinha sido coartada ao fazer a adjudicação. E isto com o fundamento de através do ato de adjudicação se firmam direitos e deveres para ambas as partes: o direito e o dever recíprocos a contratar, nos termos da proposta apresentada.
[…]
A condenação na adjudicação do contrato ao único concorrente sobrante constante da decisão recorrida nos termos supra expostos não viola, pois, quer o princípio da separação de poderes quer o art. 79º do CCP por tal não se traduzir em retirar à administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato.
Se está em causa na prolação do ato devido uma adjudicação relativamente à qual a entidade adjudicante não podia fazer qualquer alteração à graduação por estar em causa um único concorrente e o critério de adjudicação ser o do preço mais baixo, então não há impedimento a que o Tribunal determine o ato devido de adjudicação ao concorrente que se impõe […].»

In casu, e como referido supra no n.º 21, a adjudicação também já ocorreu. Consequentemente, e ao contrário do que sustenta o recorrente nas suas alegações, a sua anulação também «não faz retroceder o procedimento administrativo até um momento anterior à referida adjudicação conferindo à administração uma possibilidade que já lhe tinha sido coartada ao fazer a adjudicação».
O júri do procedimento avaliou e ordenou as propostas apresentadas pelas concorrentes convidadas e o recorrente Município do Porto adjudicou o procedimento, com base no Relatório Final por aquele elaborado à concorrente cuja proposta foi ordenada em primeiro lugar. Excluída esta, a adjudicação do procedimento, porque é um ato legalmente devido, tem de ser feita à proposta ordenada em segundo lugar, uma vez que a possibilidade de não adjudicação ficou precludida pela anterior decisão de adjudicar. Com efeito, a situação que existiria no caso de não ter sido cometida a ilegalidade de não excluir as propostas não autónomas nem independentes das concorrentes B... e C... seria a de a adjudicação que foi feita à primeira ser feita à concorrente A... que apresentou a proposta graduada em segundo lugar.
Não merece, por isso, qualquer censura a sentença recorrida, na parte em que decidiu condenar o ora recorrente a adjudicar o procedimento à aqui recorrida (a terceira alínea do seu dispositivo).


III. Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento aos recursos e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 4 de abril de 2024. – Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho.