Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01548/13
Data do Acordão:10/01/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REGULAMENTO DE EXECUÇÃO
REGULAMENTO COMPLEMENTAR
CADUCIDADE DE REGULAMENTO
REVOGAÇÃO DE LEI
Sumário:I - Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo, são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida;
II - O despacho do Ministro responsável, que na decorrência da lei, fixa o valor das taxas a cobrar pela actividade de operador de telecomunicações deve ser qualificado como um regulamento de execução;
III - O regulamento de execução editado ao abrigo da lei revogada, continua a vigorar na pendência da nova lei, em tudo o que não colida com esta, até que seja editado novo regulamento de execução.
Nº Convencional:JSTA00068943
Nº do Documento:SA22014100101548
Data de Entrada:10/08/2013
Recorrente:ICP - ANACOM
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPC96 ART660 N2.
L 91/97 DE 1997/08/01.
L 5/04 DE 2004/02/10 ART105 N1 B ART127 N1 D.
DL 381-A/97 DE 1997/12/30 ART29 N3.
DL 151-A/00 DE 2000/07/20 ART28.
DESP 1230/99 DE 1998/12/03 DO MINISTRO DO EQUIPAMENTO DO PLANEAMENTO E DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO IN DR IIS DE 1999/01/25.
PORT 1437-B/08 DE 2008/12/17.
Legislação Comunitária:DIR 96/2/CE.
DIR 96/19/CE.
DIR 97/13/CE.
Jurisprudência Nacional:AC TC 126/87 DE 1987/04/07.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO - MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI 1973 PAG111.
MARCELLO CAETANO - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO 1996 PAG84-85.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA - DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI COIMBRA 1980 PAG149.
FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII 2ED 2012 PAG185-186 PAG213-215 PAG228.
VITAL MOREIRA - ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA E ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PAG187 NOTA266.
AROSO DE ALMEIDA - TEORIA GERAL DO DIREITO ADMINISTRATIVO - TEMAS NUCLEARES 2012 PAG97-99.
AFONSO QUEIRÓ - LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI 1976 PAG471-483.
SÉRVULO CORREIA - NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI 1982 PAG113.
VIEIRA DE ANDRADE - LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 2ED 2011 PAG124.
Aditamento:
Texto Integral: ICP – Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM), identificada nos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 28/02/2013, que julgou procedente a presente impugnação que contra si foi instaurada por A……………, Lda., identificada nos autos, em que pugnou pela declaração de nulidade da liquidação das taxas relativas ao exercício de actividade na área das telecomunicações, referentes aos anos de 2004 e 2005.

Alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. Há uma contradição na sentença quando afirma, num parágrafo, a completude e plena exequibilidade do diploma legal e a desnecessidade de acto normativo posterior que o regulamente e afirma também, no parágrafo seguinte, que até à publicação da Portaria que veio regulamentar aquele diploma não era exequível a liquidação das taxas que aquele diploma prevê;

II. Regulamentos complementares ou de execução são os que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei, completando e viabilizando a sua aplicação aos casos concretos, designando-se por regulamentos autónomos todos os demais;

III. Sendo o Código do Procedimento Administrativo é fonte subsidiária do CPPT (Art. 2.º d) CPPT) e da Lei Geral Tributária (Art.s 2.º c) e 8.º LGT), é aplicável à relação sub judice o Capítulo I da Parte IV do CPA, cujo Art. 114.º estabelece que "As disposições do presente capítulo aplicam-se a todos os regulamentos da Administração Pública";

IV. O artigo 119º nº 1 do CPA, proibindo a revogação expressa de um regulamento de execução ainda vigente, se a matéria em causa não tiver sido objecto de nova regulamentação, manifesta um princípio aplicável à revogação da lei ao abrigo da qual esses regulamentos são emitidos no mesmo sentido de que haverá que evitar o vazio regulamentar;

V. A revogação da lei exequenda não arrasta a caducidade dos regulamentos emitidos ao seu abrigo, como se a lei exequenda fosse o tronco de uma árvore abatida e os regulamentos os ramos dessa árvore;

VI. Nem sequer os regulamentos autónomos caducam com a revogação da lei que visam regular por tal lei não existir, exigindo-se então a sua revogação expressa.

VII. Porém, se essa lei é substituída por outra lei nova ainda não regulamentada, mantém-se o regulamento daquela em tudo aquilo em que esta 8ª lei nova) a não contrariar;

VIII. Não há, no artigo 105º da Lei 5/2004, qualquer alteração substancial em relação ao que se dispunha no diploma anterior;

IX. Não se verificando também que o Regulamento existente haja contrariado a Lei nova seja no que for, não existia qualquer razão, antes pelo contrário, para não considerar em vigor a regulamentação contida no Despacho Normativo nº 1230/97, até à publicação da Portaria que o veio substituir, igualmente sem modificar o seu regime;

X. O princípio da proporcionalidade das taxas não se afere pela capacidade do contribuinte, devendo a taxa ser "proporcional às suas receitas" e distinta para cada contribuinte, antes é determinada em função dos custos específicos de que a taxa é contrapartida, isto é, a taxa será proporcionada em função desses custos;

Pelo que a douta sentença recorrida deverá ser revogada, devendo julgar-se a impugnação judicial totalmente improcedente,

Não foram produzidas contra-alegações.

O Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, pugnou pela revogação da sentença recorrida, argumentando, em síntese, que o Despacho nº 1230/99 do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território de 31/12/1998 (pub. no D.R., II série, de 25/01/1999), o qual havia sido proferido ao abrigo do disposto no Dec.-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, entretanto revogado pela Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro [art. 127º, nº 1, alínea d)], constitui um regulamento de execução ou complementar, compatível com a disciplina da lei nova, não devendo, por isso, considerar-se revogado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte factualidade concreta, que não vem posta em causa pela recorrente:

A) A impugnante é uma sociedade comercial com o objecto de prestação de serviços nas áreas de telecomunicações, comunicações digitais e multimédia;

B) Em 29 de Novembro de 2005, a Autoridade Nacional de Comunicações - ANACOM emitiu em nome da ora impugnante a factura nº FATS000078, com os descritivos "Taxa anual ref. ao exercício da actividade da oferta de redes e serv. comunicações electrónicas", no valor de €7.481,97, e "Taxa anual ref. ao exercício da actividade da oferta de redes e serv. comunicações electrónicas - Acerto decorrente do início de actividade em 2004/05/31", no valor de €4.987,98, da qual consta o montante total a pagar de €12.469,95, e como data limite de pagamento o dia 29 de Dezembro de 2005;

C) Na sequência de pedido da ora impugnante, o Director Financeiro e Administrativo da Autoridade Nacional de Comunicações - ANACOM emitiu, em 10 de Janeiro de 2006, certidão com o seguinte teor, em transcrição parcial:

"Certifica-se que a factura FATS000078, enviada à A………… Lda em 29.11.2005, corresponde:

- Taxa 410005, no valor de 7.481,97€: à taxa anual prevista na alínea b) do nº 1 do art. 105° da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, cujo montante se acha fixado na alínea b) do nº 2 do despacho n? 1230/99, proferido pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território em 31 de Dezembro de 1998 e publicado no DR nº 20 (II Série), de 25 de Janeiro, relativa ao ano de 2005;
- Taxa 410005, no valor de 4.987,98€: à taxa anual prevista na alínea b) do nº 1 do art. 105° da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, cujo montante se acha fixado na alínea b) do nº 2 do despacho nº 1230/99, proferido pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território em 31 de Dezembro de 1998 e publicado no DR nº 20 (II Série), de 25 de Janeiro, relativa aos 8 meses em que exerceu a actividade no ano de 2004 (8/12 de 7.481,97€);
D) Em 25 de Janeiro de 1999 foi publicado no Diário da República nº 20 (II Série) o Despacho nº 1230/99, proferido pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, com o seguinte teor:

"O Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, veio definir um novo regime de acesso à actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e de prestador de serviços de telecomunicações de uso público, prevendo no seu artigo 29° o pagamento de diversas taxas por parte daqueles operadores e prestadores.

Ao abrigo do nº 3 do artigo 29° do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, determino:

1 - As taxas a cobrar pelo Instituto das Comunicações de Portugal (ICP), nos termos e ao abrigo do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, são fixadas nos seguintes montantes:
a) 40.000$, por cada acto de registo;

b) 10.000$, por averbamento ao registo;

c) 10.000$, pela substituição do registo, em caso de extravio;

d) 10.000.000$, pela emissão de licença no âmbito de concurso;

e) 2.000.000$, pela emissão de licença não decorrente de concurso;

f) 50.000$, por averbamento à licença;

g) 100.000$, pela substituição da licença, em caso de extravio;

h) 300.000$, pela renovação de licença.

2 - As taxas anuais previstas no nº 2 do artigo 29° do Decreto-Lei nº 381- A/97, de 30 de Dezembro, são fixadas nos seguintes montantes:
a) 100.000$, pela prestação de serviços de audiotexto;

b) 1.500.000$, pela prestação dos restantes serviços de telecomunicações de uso público, não sujeita a licença;

c) 2.000.000$, pela prestação de serviços de telecomunicações de uso público, sujeita a licença;

d) 2.000.000$, pelo exercício da actividade de operador de redes públicas de telecomunicações.
3 - As taxas anuais fixadas nos termos do nº 2 do presente despacho são pagas antecipadamente no mês de Janeiro, salvo se outra data vier a ser fixada pelo ICP."

Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

A questão que cumpre dilucidar, passa por saber se o Despacho nº 1230/99 do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território de 31/12/1998 (pub. no D.R., II série, de 25/01/1999), o qual havia sido proferido ao abrigo do disposto no Dec.-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, entretanto revogado pela Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro [art. 127º, nº 1, alínea d)], constitui um regulamento de execução ou complementar, compatível com a disciplina desta Nova Lei, ou se pelo contrário, tal como decidiu a sentença recorrida, não constitui um regulamento de execução e por consequência, deve-se considerar revogado à data em que as taxas foram liquidadas.

Na sentença recorrida, concluiu-se pela procedência da impugnação com a seguinte fundamentação:

Está em causa nos presentes autos o pagamento da taxa anual prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 105° da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, que foi calculada nos termos da alínea b) do nº 2 do despacho nº 1230/99, proferido pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território em 31 de Dezembro de 1998 e publicado no Diário da República nº 20 (II Série), de 25 de Janeiro.

Trata-se, assim, da taxa devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, com periodicidade anual (cfr. artigo 105°, nº 1, alínea b) da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro), e não sujeita a licença (cfr. alínea b) do nº 2 do Despacho nº 1230/99).

O Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, que veio regular o regime de acesso à actividade dos operadores de redes públicas de telecomunicações e dos serviços de telecomunicações de uso público em desenvolvimento da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto (Lei de Bases das Telecomunicações), e transpor para o direito interno as Directivas nºs 96/2/CE e 96/19/CE, ambas da Comissão, e 97/13/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, veio sujeitar ao pagamento de uma taxa anual o exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, lendo-se no seu artigo 29º, sob a epígrafe "Taxas":

"1 - Estão sujeitos a taxa:

a) Os actos de registo e a emissão de licenças;

b) Os averbamentos aos registos e às licenças, em caso de alteração;

c) A substituição dos registos e das licenças, em caso de extravio;

d) A renovação das licenças.

2 - O exercício das actividades previstas no presente diploma por entidades registadas e licenciadas está sujeito ao pagamento de uma taxa anual.

3 - Os montantes das taxas referidas nos números anteriores são fixados por despacho do membro do Governo responsável pela área das comunicações em função dos custos associados às tarefas administrativas, técnicas, operacionais e de fiscalização correspondentes, constituindo receita do ICP".

O exercício das actividades reguladas pelo Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, entre as quais a actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, encontrava-se, assim, sujeita ao pagamento de uma taxa anual, cujo montante era fixado por despacho do membro do Governo responsável pela área das comunicações em função dos custos associados às tarefas administrativas, técnicas, operacionais e de fiscalização correspondentes, constituindo receita do ICP, conforme decorre dos nºs 2 e 3 do artigo 29º do referido diploma legal.

Assim, ao abrigo do artigo 29°, nº 3 do referido Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro - que constitui o seu diploma habilitante, conforme expressamente referido no seu intróito - foi publicado no Diário da República nº 20 (II Série), de 25 de Janeiro, o Despacho nº 1230/99, proferido pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território em 31 de Dezembro de 1998, definindo o montante das taxas a pagar.

Sucede que a Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas), no seu artigo 127º, nº 1, alínea d), veio revogar expressamente a Lei nº 91/97, de 1 de Agosto, e o Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, como resulta do seu artigo 127º.

Com relevância para a questão a apreciar, dispõe-se no artigo 105º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, sob a epígrafe "Taxas", o seguinte:

"1 - Estão sujeitos a taxa:

a) As declarações comprovativas dos direitos emitidas pela ARN nos termos do nº 5 do artigo 21º;

b) O exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, com periodicidade anual;

c) A atribuição de direitos de utilização de frequências;

d) A atribuição de direitos de utilização de números e a sua reserva;

e) A utilização de números;

f) A utilização de frequências.

2 - Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a e) do número anterior são fixados por despacho do membro do Governo responsável pela área das comunicações electrónicas, constituindo receita da ARN.

3 - A utilização de frequências, abrangida ou não por um direito de utilização, está sujeita às taxas fixadas nos termos do Decreto-Lei nº 151- A/2000, de 20 de Julho

4 - Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28º, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objectiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos.

5 - A ARN deve publicar um relatório anual dos seus custos administrativos e do montante total resultante da cobrança das taxas a que se referem as alíneas a) a d) do nº 1, por forma a proceder aos devidos ajustamentos em função da diferença entre o montante total das taxas e os custos administrativos.

6 - As taxas referidas nas alíneas e) e f) do nº 1 devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima das frequências e dos números e devem ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo ainda ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5º."

A taxa objecto dos presentes autos foi cobrada ao abrigo do regime instituído pela citada Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, tratando-se, em concreto, da taxa a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 105º do referido diploma legal.

Nos termos do nº 2 do artigo 105º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, o montante da taxa é fixado por despacho do membro do Governo responsável pela área das comunicações electrónicas.

No âmbito do regime jurídico previsto pelo Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, os montantes foram definidos, reitere-se, pelo Despacho nº 1230/99.

Ora, a revogação do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, com base no qual foram definidos os montantes das taxas previstos no Despacho nº 1230/99, operou a revogação deste último.

Assim não seria caso tal despacho revestisse a natureza de regulamento complementar, ou de execução, e desde que não contrariasse a lei nova e que com ela se compatibilizasse. (neste sentido, cfr. Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", tomo I, Coimbra, 1973, p. 111, e Esteves de Oliveira, "Direito Administrativo", volume I, Coimbra, 1980, p. 149).

Julgamos, porém, que o apontado Despacho nº 1230/99 não constitui um regulamento de execução, porquanto o referido Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, e tal como sucede com a Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, não remeteu para acto normativo de execução a definição de matérias que tenha deixado em branco. Pelo contrário, o legislador definiu as situações relativamente às quais é exigido o pagamento da taxa, bem como os critérios que delimitam a fixação das taxas em causa, limitando-se ambos os diplomas legais a relegar para despacho ministerial a definição do montante a pagar, de acordo com os critérios que previamente definem.

No âmbito do regime jurídico da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, os montantes das taxas a aplicar vieram a ser definidos pela Portaria nº 1473- B/2008, de 17 de Dezembro, pelo que, não sendo possível, pelas razões aduzidas, fazer apelo do despacho ministerial proferido ao abrigo de diploma entretanto revogado, à data em que foi praticado o acto ora impugnado não se encontrava previsto o montante da taxa aplicada, o que inquina tal acto do vício de violação de lei, por violação do princípio de legalidade, determinante da sua anulabilidade.

Concluímos, assim, face à argumentação desenvolvida, no sentido da procedência da presente impugnação judicial, o que se julgará seguidamente, com o prejuízo do conhecimento do sobrante vício invocado, relativo à alegada violação do princípio da proporcionalidade na definição do montante das taxas aplicadas, em ordem ao disposto no nº 2 do artigo 660º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT.”.

Como bem se percebe da leitura conjugada das alegações de recurso que nos foram dirigidas, com a argumentação expendida na sentença recorrida, não estão em questão as concretas normas e despachos que tratam da matéria respeitante às taxas em liquidação.

Enquanto que na sentença recorrida se entendeu que o Despacho nº 1230/99 do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território de 31/12/1998 (pub. no D.R., II série, de 25/01/1999), não deveria ser considerado um regulamento de execução ou complementar e, por isso, se deveria considerar revogado, por ter sido revogado o Dec.-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro (resulta da sentença que se se considerasse tal despacho como um regulamento então já não se deveria considerar o mesmo revogado), ao abrigo do qual tal despacho havia sido editado, já a recorrente e o Ministério Público entendem precisamente o contrário, ou seja, tal despacho é efectivamente um regulamento de execução ou complementar, que não é incompatível com a Lei revogatória, Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, e nessa medida deveria ter-se considerado o mesmo em vigor, até que fosse editado um novo regulamento.

Tendo sido feita, na sentença recorrida, uma reprodução exaustiva das normas e despachos aplicáveis à situação concreta em apreciação dispensamo-nos, agora, de fazer nova reprodução, de tais preceitos legais e respectivo despacho, por razões de economia de meios, aproveitando-se o que ali se escreveu.

Já sabemos que o n.º 3 do artigo 29º do DL n.º 381-A/97, de 30/12 (entretanto revogado), atribuía competência ao Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, para fixar os montantes das taxas devidas pelos interessados, previstas nos números anteriores, nos seguintes termos: “Os montantes das taxas referidas nos números anteriores são fixados por despacho do membro do Governo responsável pela área das comunicações em função dos custos associados às tarefas administrativas, técnicas, operacionais e de fiscalização correspondentes, constituindo receita do ICP”.

Também a nova Lei, revogatória daquele DL, - Lei n.º 5/2004, de 10/02 – no seu artigo 105º, n.º 2 estabelece que, os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a e) do número anterior são fixados por despacho do membro do Governo responsável pela área das comunicações electrónicas, constituindo receita da ARN, mais esclarecendo no seu n.º 4 que, os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28º, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objectiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos.

Ou seja, ambos os regimes legais previam a competência do membro do Governo para fixar os montantes das taxas devidas pelos operadores cuja actividade era regulada pelos diplomas em análise, bem como, definiam, desde logo, os limites segundo as quais se deveria definir o concreto valor das taxas a pagar, ou seja, e resumidamente, tais valores seriam fixados por referência aos custos administrativos que a entidade com “supervisão” sobre a matéria tivesse que suportar.

Já vimos que, na sentença recorrida, entendeu-se que tal despacho do membro do Governo responsável não poderia ser qualificado como um regulamento de execução, porque o DL n.º 381-A/97, de 30/12, não remeteu para acto normativo de execução a definição de matérias que tenha deixado em branco.

Podemos desde já afastar a qualificação de tal despacho como se tratando de um regulamento autónomo ou independente porque não se trata de um regulamento elaborado por um órgão administrativo, no exercício da sua competência, para assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou completar nenhuma lei em especial, cfr. Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, pág. 187, nota 266.

Como bem se surpreende da leitura das normas em análise, o Despacho em apreciação visou completar ou complementar o DL n.º 381-A/97, de modo a viabilizar a sua aplicação aos casos concretos.

Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo…são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.

Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.

Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento.”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99.

E a propósito da forma que podem revestir os regulamentos de execução, ensina-nos Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1976, pág. 471, que, o que é corrente, no entanto, é a lei declarar que o Governo, através de tal ou tal Ministro ou de tal ou tal Secretário de Estado, resolverá as dúvidas suscitadas na aplicação dela ou integrará as suas lacunas, por meio de simples despacho, cfr. também, Diogo Freitas do Amaral, op. cit., págs. 213 a 215 e Mário Aroso de Almeida, idem, pág. 97.

No uso destes argumentos, e aplicando-os ao caso concreto, não podemos deixar de concluir que o fundamento da sentença recorrida não é válido, ou seja, ainda que se pudesse concluir, que não pode, que o referido DL não remeteu para acto normativo de execução a definição de matérias que tenha deixado em branco, mesmo assim, incumbiria à entidade com competência para o efeito -neste caso o membro do Governo responsável a quem foi expressamente deferida a competência-, editar normas e regras próprias de “detalhe” de modo a completar as normas do referido DL que, só por si, não eram aplicáveis aos casos concretos sem que houvesse outra estatuição que as completasse, por serem elas próprias insusceptíveis de aplicação às situações concretas da vida.

Assim sendo, não se vislumbra como não qualificar o Despacho em crise como se tratando de um regulamento de execução, integrador e concretizador das normas jurídicas constantes do DL n.º 381-A/97, tanto mais que este regulamento não teve como virtualidade a criação da própria taxa, mas apenas e tão só, a fixação do seu montante, segundo os critérios previamente estabelecidos por aquele DL.

Assente que temos a qualificação do Despacho nº 1230/99 como um regulamento complementar ou de execução do DL n.º 381-A/97, há agora que saber se a revogação deste DL pela Lei n.º 5/2004, determina, necessária e automaticamente, a caducidade daquele Despacho n.º 1230/99.

Tem a doutrina, bem como a jurisprudência (entre outros o acórdão n.º 126/87, datado de 07/04/1987 do Tribunal Constitucional), entendido maioritariamente que os regulamentos de execução cessam a sua vigência por caducidade quando for revogada a lei que os mesmos se destinavam a executar, sem que a lei revogada seja substituída por outra.

Portanto, os “…regulamentos de execução devem considerar-se tacitamente revogados se for revogada ou substancialmente modificada a lei regulamentada. Se houver apenas incompatibilidade parcial entre a nova lei e o regulamento precedente, este sobreviverá na medida em que se harmonizar com ela – salvo se for outra a vontade expressa do legislador…”, cfr. Afonso Queiró, op. cit., pág. 483 e ainda no mesmo sentido, Diogo Freitas do Amaral, op. cit., pág. 228 e J.M. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Vol. I, 1982, pág. 113.

De forma mais marcante, refere Marcello Caetano a este propósito: “Também dessa dependência resulta que revogada ou substituída uma lei deveria automaticamente cessar a vigência dos seus regulamentos complementares. Isso, porém, nem sempre sucede. Entre a promulgação da lei e a sua regulamentação interpõe-se muitas vezes um prazo e durante o decurso dele não podem os serviços e os cidadãos ficar privados de meios processuais e outras providências regulamentares. Por isso é frequente a lei nova manter expressamente a vigência do regulamento da lei antiga em tudo quanto por ela não for contrariado; e pode suceder mesmo que a lei nova não possa entrar em vigor enquanto os seus preceitos não forem tornados exequíveis pelas novas disposições regulamentares. De modo que ao ser publicada uma lei que substitua uma outra antes regulamentada não pode, sem mais exame, concluir-se que cessou a vigência dos regulamentos, será necessário continuar a observá-los em tudo quanto não seja contrariado pela lei nova, ou em matérias não reguladas na lei nova por disposições que não sejam auto-aplicáveis ou auto-exequíveis, quer dizer, que careçam de regulamentação própria para se tornarem susceptíveis de observância e aplicação», cfr. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, 1996, págs. 84 e 85.

E esta necessidade de continuar a observar os regulamentos de execução em tudo quanto não seja contrariado pela lei nova, ou em matérias não reguladas na lei nova por disposições que não sejam auto-aplicáveis ou auto-exequíveis, quer dizer, que careçam de regulamentação própria para se tornarem susceptíveis de observância e aplicação, encontra a sua razão de ser no princípio da eficiência administrativa, portanto, de modo a evitar o vazio normativo, cfr. J.C. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 2ª edição, 2011, pág. 124.

Do exposto, resulta, sem margem para qualquer dúvida, que perante a lei nova, Lei n.º 5/2004, para se concluir pela não caducidade do anterior Despacho n.º 1230/99, teria que se aferir da sua compatibilidade com essa mesma Lei.

E, confrontados o teor do artigo 105º, n.º 1, al. b) desta Lei n.º 5/2004, respeitante à taxa anual devida decorrente do exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, com o teor do Despacho n.º 1230/99 e ainda com o teor do artigo 29º, n.º 2 do DL nº 381-A/97, não se vê como se possa concluir pela incompatibilidade, antes se concluindo pela compatibilidade, do referido Despacho com a nova lei. Tanto a lei revogada como a lei revogatória preveem precisamente o mesmo tipo de taxa, devida pelo mesmo serviço e com a mesma regularidade.

Temos, assim, que concluir pela procedência do presente recurso e mais concluir que, assim não tendo decidido, enferma a sentença recorrida de erro de julgamento.

A sentença recorrida ao julgar a procedência desta questão deixou de conhecer, por a considerar prejudicada, a questão da alegada violação do princípio da proporcionalidade na definição do montante das taxas aplicadas.

Porque esta questão se reconduz a uma questão de facto, não se observando no probatório da sentença recorrida qualquer um dos factos adiantados pela recorrida na sua petição nos artigos 27º a 51º, não pode este Supremo Tribunal dela conhecer, pelo que, baixarão os autos ao Tribunal a quo para esse efeito.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência:

-conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida;

-julgar improcedente a questão agora apreciada;

-ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que seja conhecida a questão que se julgou prejudicada.

Sem custas.

D.N.

Lisboa, 1 de Outubro de 2014. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.