Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:047307A
Data do Acordão:05/07/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO
ACTO DE ADJUDICAÇÃO
ANULAÇÃO DE CONCURSO
INDEMNIZAÇÃO
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO
RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL
IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO
DANO INDEMNIZÁVEL
Sumário:I - Numa ação executiva de julgado anulatório em que ocorra situação de causa legítima de inexecução apenas pode ser peticionada e arbitrada indemnização dos danos “pelo facto da inexecução” e não dos danos advenientes do ato administrativo ilegal, sendo que a reparação destes deverá ser realizada na ação administrativa comum enquanto forma processual idónea e adequada para tal efeito.
II - Constituem pressupostos do dever de indemnizar “pelo facto da inexecução” a existência: (i) de decisão judicial anulatória; (ii) de situação de impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público geradora de causa legítima de inexecução [arts. 163.º, n.º 1, 166.º e 178.º do CPTA]; (iii) de prejuízos na esfera jurídica do exequente; e (iv) de nexo de causalidade entre a inexecução e os prejuízos.
III - Da conjugação dos arts. 166.º, 173.º e 178.º todos do CPTA deriva a existência dum mecanismo indemnizatório que visa compensar o exequente pelo facto de se haverem frustrado os fins prosseguidos com a dedução do processo executivo, sendo que tal compensação destina-se a ressarcir o exequente apenas dos danos decorrentes dessa impossibilidade ou da “expropriação” do direito à execução, à reconstituição da situação atual hipotética
IV- Tal impossibilidade ou “expropriação” daquele direito constitui, de per si, um dano real, autónomo e diferenciado, que importa ser reparado por via indemnizatória e que é uma consequência direta e automática do reconhecimento da existência de causa legítima de inexecução, operando ope legis, enquanto assente numa responsabilidade objetiva.
V - No quadro da aplicação do regime previsto nos arts. 166.º e 178.º do CPTA os prejuízos a ressarcir serão, tão-só, os prejuízos que derivem da causa legítima de inexecução, neles se podendo integrar:
(i) os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos acionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses;
(ii) os danos [patrimoniais/não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório, da frustração quanto ao uso inglório ou inútil do recurso à tutela jurisdicional, sendo que nestes será de considerar no seu âmbito a existência, enquanto consequência normal ainda que não automática, dum dano que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada;
(iii) os danos advindos da prática do ato de adjudicação ilegal quando, no quadro da tutela jurisdicional, mormente, em sede de execução, se lograria obter uma efetiva repristinação da situação atual hipotética, com recuperação da posição que havia sido perdida.
VI - Constatada objetivamente a violação do direito à execução e inexistindo nos autos elementos que permitam determinar com exatidão o valor do dano dela derivado impõe-se que o tribunal, fazendo apelo de juízos de equidade, o fixe [art. 566.º, n.º 3 do CC], ponderando, nomeadamente, o tempo empregue no uso dos mecanismos de tutela jurisdicional por parte dos exequentes, os valores económicos envolvidos no quadro do objeto de litígio, os termos e pronúncia que se mostram vertidos na decisão judicial anulatória exequenda e aquilo que daí poderiam ser as expectativas a obter quanto ao restabelecimento da posição jurídica subjetiva.
Nº Convencional:JSTA00069199
Nº do Documento:SA120150507047307A
Data de Entrada:02/20/2001
Recorrente:A...., S.A. E OUTROS
Recorrido 1:MOPTC
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:EXECUÇÃO DE JULGADO
Objecto:AC 1SECÇÃO
Decisão:DEFERIMENTO PARCIAL - COND. INDEMNIZAÇÃO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - EXECUÇÃO DE JULGADO.
DIR ADM ECON - CONCESSÃO EXPLORAÇÃO BENS.
Legislação Nacional:CPC07 ART497 ART499.
CPTA ART166 ART173 ART176 ART178 ART159 N1 ART45 ART163 N1.
DL 256-A/77 ART7 N1 ART10 N1.
CCIV66 ART566 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC041321A DE 2005/11/29.; AC STA PROC042003A DE 2008/10/01.; AC STA PROC047472A DE 2009/02/25.; AC STA PROC047578A DE 2010/01/20.; AC STA PROC01541A/03 DE 2010/06/02.; AC STA PROC047579A DE 2010/12/02.; AC STA PROC0949/12 DE 2012/11/20.; AC STA PROC01710/13 DE 2014/09/25.; AC STAPLENO PROC047307/01 DE 2007/10/18.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO ALMEIDA - ANULAÇÃO DE ACTOS ADMINISTRATIVOS E RELAÇÕES JURÍDICAS EMERGENTES PÁG816.
DIOGO FREITAS DO AMARAL E MÁRIO AROSO ALMEIDA - GRANDES LINHAS DA REFORMA DO CONTECIOSO ADMINISTRATIVO PÁG102.
CARLOS A. F. CADILHA - REGIME DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS - ANOTADO 2ED PÁG107-108.
MÁRIO AROSO ALMEIDA E CARLOS A. F. CADILHA - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 3ED PÁG1079.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “A………, SA”, “B………, SA”, “C……….., SA”, “D………., SA”, “E……, SA” e “F………., SA”, devidamente identificadas nos autos, vêm, por apenso aos autos principais sob o n.º 47307/01, requerer, nos termos do art. 176.º, n.º 2 do CPTA, contra os atuais “MINISTÉRIO DAS FINANÇAS” [doravante «MF»], “MINISTÉRIO DA ECONOMIA” [doravante «ME»] [então “MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA” e “MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES”] e as contrainteressadas “G…….” [agrupamento de empresas formado por “H……, SA”, “I…… FINANCE - I……. IXIS” [anteriormente designada por “I…… - PROJECTS”], ”J…….., SA”, “K…….., SA [anteriormente designada por “K’…….., SA”] e “L………., Lda.”] e “M………., SA” [doravante «M………»], a execução do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal proferido em 18.10.2007 [cfr. fls. 570/589 do vol. III dos referidos autos principais], que havia confirmado o acórdão desta Secção que anulou os atos praticados pelo Ministro das Finanças [despacho de 04.12.2000], pelo Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas [despacho de 16.11.2000] e pelo Conselho de Ministros [Resolução de 06.12.2000, publicada no 2.º Suplemento ao Diário da República n.º 291, I Série-B, de 19.12], relativos à adjudicação provisória da “Concessão SCUT Interior Norte”, com fundamento na violação do ponto 34 do Programa de Concurso e Cadernos de Encargos [aprovados pelo Despacho Conjunto da Secretária de Estado do Orçamento e do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território n.º 168-A/98, de 09.03, publicado no DR II Série n.º 58, de 10.03.1998], com a consequente anulação dos atos de adjudicação e a nulidade do ato de aprovação da minuta do contrato de concessão.
Peticionaram, pelos fundamentos aduzidos no articulado inicial de fls. 01 a 28 dos autos, que:
- “seja reaberto o procedimento de concurso, reiniciando as negociações com as exequentes tendo em vista a escolha de nova proposta e subsequente nova adjudicação, ou, na impossibilidade de realização de tais atos - o que desde já se aceita - seja fixada a indemnização devida pelo facto da inexecução (legítima) da reabertura do procedimento negocial para escolha de nova proposta e subsequente nova adjudicação nos termos dos artigos 166.º e 177.º/3 do CPTA”;
- “seja o Estado condenado a pagar às Exequentes um valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da elaboração das propostas e da participação no concurso, bem como aos lucros cessantes resultantes da prática dos atos ilegais anulados, com base em critérios de razoabilidade, normalidade e equidade nos termos do artigo 566.º/3 do Código Civil”.

1.2. Notificados devida e regularmente os entes executados [«MF»/«ME»] e as contrainteressadas executadas [«M…….»/«G……..»] vieram pelos mesmos a ser deduzidas oposições, respetivamente, insertas a fls. 50/56 e 45/47 dos autos.

1.2.1. Sustentaram os primeiros, no essencial, que “já se fez notar nos autos de recurso de anulação nos quais foi proferido o Acórdão desse Venerando Tribunal de 18.10.2007, de forma particularmente cuidada e notória, que nunca as AA. sairiam vencedoras do Concurso, mesmo que da Avaliação respetiva fosse expurgada a matéria posta em crise pelo STA”, para além da existência dum grau de incerteza sobre “qual dos concorrentes recairia a adjudicação se não tivessem sido praticados os atos anulados”, sendo que, em concordância na íntegra com o alegado no art. 24.º e 34.º e seguintes da petição de execução, reconhecem a “integral execução da obra posta a concurso”, assim como já teve início a “abertura ao tráfego e respetiva exploração”, do que decorreria uma situação de impossibilidade absoluta de execução, sendo “clara e inequívoca a existência de causa legítima de inexecução”.
1.2.2. Alegaram, por sua vez, as contrainteressadas que o contrato de concessão anulado, para além de ter sido celebrado, foi executado, encontrando-se “as infraestruturas viárias já executadas e em pleno funcionamento” e que existe “uma impossibilidade absoluta de reconstituição da situação atual hipotética: tratar-se-ia alegadamente de retomar o procedimento contratual para atribuição das responsabilidades pelo projeto, construção e exploração de troços viários, os quais, neste momento, estão já totalmente projetados, integralmente construídos e em plena exploração”, sendo que, ainda que assim se não entendesse, não restariam dúvidas de que uma eventual execução da decisão anulatória “pondo em causa a concessão já atribuída, com tudo o que isso implicaria, acarretaria um gravíssimo prejuízo para o interesse público”. Concluem no sentido de que o processo deverá “prosseguir … somente entre requerentes e as entidades públicas executadas, únicas responsáveis pela eventual indemnização a que aquelas possam ter direito”.

1.3. As requerentes, notificadas das contestações, apresentaram, então, réplica [cfr. fls. 61 e segs.], alegando, em síntese, que as entidades administrativas demandadas é que deram origem à impossibilidade de se poder demonstrar sobre qual das propostas recairia a adjudicação da concessão, se não tivesse ocorrido a ilegalidade constante do acórdão exequendo. Mais referem que a obrigação de indemnizar os “prejuízos decorrentes do ato ilícito anulado consiste, ela própria, uma decorrência do dever de execução do acórdão sub judice, entendendo-se, por isso, que tais prejuízos, emergentes da prática do ato anulado podem nesta sede ser reclamados”, porquanto conforme “se peticionou nos autos, de entre os atos e operações em que a execução deverá consistir, deverá o Estado disponibilizar-se a ressarcir as ora Exequentes mediante o pagamento de uma justa indemnização correspondente aos prejuízos estimados decorrentes da elaboração das Propostas e da participação no concurso, bem como aos lucros cessantes resultantes da prática dos atos ilegais anulados, com base em critérios de razoabilidade, normalidade e equidade nos termos do artigo 566.º/3 do Código Civil”. Concluem, então, que, no caso, ocorre causa legítima de inexecução pelo que “de acordo com o artigo 178.º/1 do CPTA, deverá o Tribunal notificar a Administração e as Exequentes para acordarem no montante da indemnização devida em resultado da impossibilidade de reabertura do procedimento administrativo tendente à adjudicação objeto do concurso e, na falta de acordo, ordenar as diligências instrutórias que repute adequadas, fixando o Tribunal o montante indemnizatório devido, nos termos dos artigos 178.º/2 e 166.º/2 do CPTA” e que “deve o Tribunal fixar uma indemnização pelos prejuízos que as Exequentes sofreram desde a execução do ato anulado, com base em critérios de razoabilidade, normalidade e de equidade nos termos do artigo 566.º/3 do Código Civil”.
1.4. Por despacho do Relator inserto a fls. 68 dos autos, proferido no pressuposto de que ambas as partes estavam de acordo quanto à existência na situação sub specie de causa legítima de inexecução, foram exequentes e entidades executadas notificadas, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 177.º, n.º 3 e 166.º, n.º 1 do CPTA, para acordarem no montante de indemnização devida pela inexecução o que não logrou vir a concretizar-se apesar da suspensão dos autos para esse efeito [cfr. fls. 69 a 118].

1.5. Por despacho do Relator inserto a fls. 120 dos autos foram as exequentes notificadas para virem quantificar os prejuízos que haviam indicado na petição de execução e pelos quais pretendem ser indemnizadas, o que as mesmas vieram efetuar através de requerimento inserto a fls. 126/135 dos autos, alegando e peticionando, no que aqui ora releva, nos seguintes termos:

1. As exequentes indicaram aos autos diferentes categorias de prejuízos, de entre os quais aqueles que podem ser agrupados sob a designação de «danos diretos com a participação no concurso», conforme factualidade que se deixou alegada nos artigos 42.º e segs. da p.i. e 11.º a 13.º da réplica, matéria essa, aliás, não impugnada pela executada quer em sede de contestação quer após réplica (cfr. autos).
Assim:
(…)
2. Para se apresentarem ao concurso e elaborarem a sua proposta, as Exequentes tiveram de diligenciar a obtenção de cópias do processo de concurso mediante o pagamento de uma quantia de € 19.951,92 acrescidos de IVA, estipulada no anúncio do concurso e no Programa de concurso - cfr. Aviso de abertura de concurso e Programa de concurso constante do Processo Instrutor e facto alegado e não contestado;
3. Para a elaboração das propostas que apresentaram a concurso, as Exequentes afetaram meios humanos, materiais e financeiros, suportando os inerentes custos - cfr. facto alegado e não contestado;
4. As Exequentes afetaram à elaboração e apresentação das propostas um Secretariado e uma equipa de dezenas de técnicos composta por Engenheiros Civis, Engenheiros do Ambiente, Arquitetos, Economistas, Gestores de Empresas, Advogados, Geógrafos, Medidores Orçamentistas e outros trabalhadores e prestadores de serviços - cfr. facto alegado e não contestado.
5. Em deslocações, telefonemas, telefaxes, fotocópias e cópias «ozalid», portes de correio e portes especiais, certidões, reconhecimentos notariais e outras despesas necessárias à elaboração e apresentação das propostas apresentadas a concurso, as Exequentes despenderam avultadas importâncias - cfr. facto alegado e não contestado.
6. QUANTIFICANDO a citada «categoria» de prejuízos diretos sofridos com a participação no concurso (1.ª e 2.ª fases), importaram os mesmos para as exequentes prejuízo em montante que ora se quantifica em importância nunca inferior a € 2.294.832,00 (dois milhões, duzentos e noventa e quatro mil, oitocentos e trinta e dois Euros), quantia essa que é assim discriminada:
a) Em meios humanos (pessoal do grupo operacional e extraordinário), as Exequentes suportaram um custo direto global de Esc. 69.277.407$00, ou seja, € 345.554,24;
b) Em auditorias de Tráfego e do Modelo Financeiro, despenderam a quantia global de Esc. 8.892.967$00, ou seja, € 44.357,93;
c) Em cartografia, a quantia de Esc. 12.793.796$20, ou seja, € 63.815,18;
d) Em prospeções geotécnicas, a quantia de Esc. 2.130.000$00, ou seja, € 10.624,39;
e) Em consultorias de Ambiente, Operação e Manutenção (O&M), Projeto, Seguros, Tráfego, Financeira, Fiscal, Jurídica e Técnica, despenderam a quantia global de Esc. 327.782.057$00, ou seja, € 1.634.970,00;
f) Em telefonemas, cópias e traduções despenderam a quantia global de Esc. 1.992.816$00, ou seja, € 9.940,12;
g) Em deslocações, estadias e refeições despenderam a quantia global de Esc. 3.610.403$00, ou seja, € 18.008,61;
h) Na locação de instalações e garagem despenderam a quantia global de Esc. 6.645.440$00, ou seja, € 33.147,31;
i) Em despesas de água, condomínio e limpeza, suportaram o valor global de Esc. 283.440$00, ou seja, € 1.413,79;
j) Em investimento em computadores e ‘software’ e obtenção de licenças de software, as Exequentes despenderam a quantia de Esc. 468.249$00, ou seja, € 2.335,61;
l) Em material de escritório as Exequentes despenderam a quantia de Esc. 570.641$20, ou seja, € 2.846,34;
m) Em ‘pocket expenses’ do Conselho Financeiro e dos bancos a quantia de Esc. 669.546$20, ou seja, € 3.339,68;
n) E com outras despesas necessárias à elaboração e apresentação da proposta «Diversos - Serviços», a quantia de Esc. 1.233.022$00, ou seja, € 6.150,28;
o) Para garantir a sua permanência durante a análise das propostas e de acordo com o previsto na documentação do concurso, as Exequentes foram obrigadas a prestar uma caução no valor de 250.000.000$00, ou seja, € 1.246.994,74 - cfr. Aviso de abertura de concurso e Programa de Concurso no processo principal - que na fase de negociações teve de ser reforçada para o montante de 350.000.000$00 (€ 1.745.792,64) o que importou pesados custos mensais durante todo o processo de concurso.
p) As Exequentes despenderam com juros relativos às garantias bancárias relativas à primeira fase do concurso, a quantia de Esc. 19.131.901$00, ou seja, € 95.429,51.
q) Em juros respeitantes a garantias bancárias relativas à segunda fase do concurso, as Exequentes despenderam a quantia de Esc. 590.841,00, ou seja, € 2.947,10;
7. As exequentes propõem-se produzir prova documental sobre o alegado, caso tal venha a entender-se necessário nos presentes autos.
8. À apontada quantia que pode desde já ser liquidada, acrescem outros prejuízos em montante que ao presente momento ainda não pode ser apurado, pois que, como já se deixou alegado:
a) A afetação de meios materiais e humanos e de recursos financeiros à elaboração da proposta e ao acompanhamento das negociações do concurso, conduziram as Exequentes a optar por não concorrer a outros concursos públicos e a abster-se de desenvolver outros projetos de obras com idêntica dimensão, o que representou para as Exequentes um prejuízo indemnizável, imputável ao Estado, em montante que ainda não pode ser apurado - cfr. facto alegado e não contestado;
b) Para verem judicialmente anulado o ato de adjudicação ilegal, as Exequentes tiveram de despender - e terão ainda de suportar -, em custos de contencioso, incluindo honorários de Advogados, montantes ainda não liquidados que nunca teriam de suportar se a adjudicação se tivesse processado de forma legal - cfr. facto alegado e não contestado.
(…)
8. Uma outra categoria de prejuízos indicados na p.i. e na réplica corresponde à perda da vantagem patrimonial que a exequente obteria caso o concurso lhe fosse adjudicado, sendo certo que no caso vertente existe a certeza - em juízo de grau de segurança aceitável - de que a escolha recairia sobre a proposta da exequente, pois que:
a) Antes das alterações às propostas na fase das negociações - isto é, antes da ilegalidade afirmada pela decisão exequenda - a proposta da exequente era aquela que se encontrava em condições de obter vencimento por ser aquela que havia reunido maior pontuação entre todas as demais. Antes da afirmada ilegalidade, a exequente estava posicionada em 1.º lugar à frente das demais, pelo que é de presumir, nos termos do artigo 349.º do Código Civil, que a sua proposta saíra vencedora;
b) Foi a executada quem se recusou a reabrir o procedimento adjudicatório em sede de execução de julgados, impossibilitando desse modo a exequente de demonstrar com o grau máximo de certeza (que só a realidade da ocorrência dos factos permitiria) que a sua proposta sairia vencedora, devendo entender-se que o ónus da prova se inverteu nos termos do artigo 344.º/2 do Código Civil, cabendo por isso à executada demonstrar que a exequente não sairia vencedora do concurso.
9. QUANTIFICANDO, este tipo de prejuízos, liquida-se a importância total de € 72.401.335,14 (setenta e dois milhões, quatrocentos e um mil, trezentos e trinta e cinco Euros), considerando para o efeito o modelo financeiro da proposta-base apresentada pelas exequentes - o VAL dos dividendos do projeto, calculado à data de 31 de dezembro de 2009 e à taxa de desconto definida nos documentos do concurso.
10. Entende-se razoável e prudente a utilização do critério do VAL dos dividendos do projeto das exequentes, assente em modelos financeiros que foram auditados por um conjunto de instituições financeiras e aprovado pelo próprio Estado; Reconhece-se, em qualquer caso, que outros fatores possam servir de esteio para encontrar o valor em causa, designadamente, os seguintes indicadores:
a) No contrato que veio a ser celebrado, o «custo da empreitada, a preços correntes, está estimado em 493 milhões de Euros. O total de custos de investimento e de operação e manutenção do empreendimento ascende, nos termos do Caso Base, a 841,6 milhões de Euros» (cfr. Relatório n.º 14/03 - 2.ª Secção do Tribunal de Contas - Auditoria às concessões rodoviárias em regime de portagens SCUT, in www.tcontas.pt).
b) Nos termos do contrato celebrado, «os pagamentos do Estado à concessionária totalizam cerca de 1.933.6 milhões de Euros, o que representa, em termos de valor atual com base numa taxa de desconto de 9,5%, um custo da ordem dos 403.7 milhões de Euros» (cfr. Relatório n.º 14/03 - 2.ª Secção do Tribunal de Contas - Auditoria às concessões rodoviárias em regime de portagens SCUT, in www.tcontas.pt).
c) De acordo com o contrato de concessão celebrado, ficaram contratualizados pagamentos fixos por parte do Estado à Concessionária num total de 2,23 mil milhões de Euros até 2031 (em euros c/IVA a 19%), de entre os quais, os seguintes: - Em 2003, 1 315 481 Euros; em 2004, 3 434 055 Euros; em 2005, 47 652 739 Euros; em 2006, 68 085 514 Euros; em 2007, 129 849 756 Euros; em 2008, 122 341 683 Euros (cfr. Relatório n.º 14/03 - 2.ª Secção do Tribunal de Contas - Auditoria às concessões rodoviárias em regime de portagens SCUT, in www.tcontas.pt).
11. Mas mesmo que não se aceitasse poder concluir-se no caso concreto pela certeza - em juízo de grau de segurança aceitável - de que a escolha recairia sobre a proposta da exequente (o que no caso concreto, não se aceita, atendendo à especificidade das exequentes se encontrarem em fase de negociações já com a sua proposta classificada em 1.º lugar), sempre se imporia indemnizar estas pela simples perda da chance de poder vir a obter esse resultado, já que a simples circunstância de uma sociedade se encontrar em fase de negociações em vista à adjudicação (isto é, na fase final do concurso, já apenas com a presença de duas concorrentes) e aí posicionada em 1.º lugar, representa por si só uma mais-valia ao valor comercial dessa sociedade - um ativo patrimonial com valor no mercado e cuja privação tem de ser objeto de indemnização”.

1.6. Exercido sobre tal requerimento o contraditório vieram as entidades públicas, aqui executadas, manifestar a sua oposição, mormente, aos prejuízos alegados e respetivos valores, impugnando-os, alegando que já o haviam feito na contestação apresentada, e de que nenhuma prova se mostra carreada para os autos que os comprove [cfr. fls. 138/151].

1.7. Por despacho do Relator inserto a fls. 153 dos autos foram as exequentes notificadas para virem aos autos produzir prova relativa aos prejuízos aludidos sob o requerimento parcialmente reproduzido sob o ponto 1.5., tendo as mesmas feito juntar aos autos requerimento de fls. 160/164 dos autos, contendo em anexo 393 documentos, disponibilizando-se, ainda, para promover a produção de outros meios de prova se úteis e necessários, para além de que deram conhecimento aos autos de que haviam instaurado, à cautela, ação administrativa comum no quadro da qual peticionaram indemnização pelos prejuízos resultantes de ato ilícito mantendo, todavia, “total interesse na prossecução dos presentes autos, não obstante a agora pendente ação administrativa comum proposta … e cuja instância se prevê venha a ficar suspensa ante a hipótese deste Tribunal entender nesta sede executiva poder arbitrar, incluída na indemnização por prejuízos resultantes da inexecução do acórdão, compensação por prejuízos emergentes do ato anulado” [cfr. fls. 160/871].

1.8. Objeto de contraditório vieram apenas as entidades públicas executadas reiterar a impugnação que haviam feito aos alegados prejuízos e seus montantes, bem como proceder, ainda, à impugnação da prova documental carreada para o processo, mais referindo, por fim, face à propositura da ação administrativa comum ocorrer exceção de litispendência [cfr. fls. 878/885].

1.9. Por despacho da então Relatora inserto a fls. 898/899 dos autos foram as exequentes notificadas para, em homenagem ao princípio da cooperação processual consignado no art. 08.º do CPTA, virem proceder “à indicação de quais documentos, de entre o acervo de 393, tenham sido apresentados exclusivamente nesta ação e destinados a fazer prova dos danos estritamente resultantes da inexecução do Acórdão deste Supremo Tribunal de 29/6/2006”.

1.10. Notificadas as exequentes vieram as mesmas procurar dar resposta ao determinado naquele despacho fazendo-o nos termos do requerimento de fls. 907/910 dos autos, referindo, nomeadamente, que “o citado acervo de 393 documentos foi apresentado - todo ele - exclusivamente nos presentes autos” e que tal documentação junta se destina “a fazer prova dos danos alegados pelas exequentes como resultantes da inexecução do acórdão exequendo, aceitando as exequentes que possa existir, na prática e em larga medida, uma sobreposição das categorias de danos «resultantes da ilegalidade da adjudicação» - a peticionar em execução de sentença - e «resultantes da impossibilidade de execução do acórdão anulatório» a peticionar em ação administrativa comum”, sendo que nos “autos da ação administrativa comum a que se refere o douto despacho a que ora se responde, a instância encontra-se suspensa em razão de ali ter sido entendido ser a presente instância causa prejudicial ao ali peticionado, não existindo dessa forma qualquer possibilidade de «ser obtida indemnização por prejuízos em duplicado»”.

1.11. Por despacho do Relator, inserto a fls. 912 v. dos autos, foi determinado que, em respeito do princípio do contraditório, viessem as exequentes responder, uma vez notificadas, à exceção de litispendência que havia sido suscitada no requerimento de fls. 879/885.

1.12. As mesmas vieram responder, nos termos insertos a fls. 925/927 dos autos, concluindo pela improcedência da arguida exceção.

1.13. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.



2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
Para além da exceção de litispendência suscitada temos que nos presentes autos, mercê da expressa pronúncia e limitação de pedido vertidos na réplica produzida pelas exequentes e da ulterior tramitação havida, constitui único objeto de decisão o determinar e fixar, no quadro da execução do acórdão anulatório deste Supremo datado de 18.10.2007 [que confirmou o acórdão da Secção que anulou os atos praticados pelo Ministro das Finanças (despacho de 04.12.2000), pelo Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas (despacho de 16.11.2000) e pelo Conselho de Ministros (Resolução de 06.12.2000), relativos à adjudicação provisória à “Concessão SCUT Interior Norte”, e consequente anulação dos atos de adjudicação e a nulidade do ato de aprovação da minuta do contrato de concessão], os termos do direito à indemnização daquelas, computando o seu valor.
Com efeito, mercê da posição entretanto assumida pelas exequentes os autos sub specie viram seu objeto reconduzido ou limitado tão-só à pretensão de fixação da indemnização por causa legítima de inexecução, causa essa cuja verificação se tem como aceite pelas partes e assim assumida como pressuposto, quer no despacho do então Relator a fls. 68 dos autos, quer na ulterior tramitação havida nos mesmos sem qualquer oposição, porquanto relativamente ao segmento do pedido inicial respeitante ao pedido de reabertura o procedimento concursal, com reinício das negociações para nova escolha de proposta e subsequente nova adjudicação, o mesmo mostra-se “abandonado” fruto daquela redução do pedido.
Note-se, na verdade, que a impossibilidade absoluta de cumprimento do julgado anulatório se verifica no caso visto a execução já não poder passar pelo retomar do procedimento concursal e prática de um ato renovador, tanto mais que entre aquelas situações de impossibilidade se devem contar as de concurso para concessão que tem por objeto a conceção, construção, financiamento, conservação e exploração de autoestrada e em que a mesma já está em exploração e funcionamento [vide, nomeadamente, as situações que têm sido aceites jurisprudencialmente dum novo ato de adjudicação de empreitada já plenamente executada e estando a obra, assim, totalmente concluída, ou dum novo ato de adjudicação da realização de um estudo de avaliação quando, em cumprimento do contrato outorgado, a adjudicatária já o tenha realizado - cfr., entre outros, Acs. deste Supremo de 17.10.1996 - Proc. n.º 28237B, de 09.06.1998 - Proc. n.º 29166B, de 27.05.2004 - Proc. n.º 033942A, de 03.03.2005 - Proc. n.º 041794A, de 17.03.2005 - Proc. n.º 043423B, de 14.07.2008 - Proc. n.º 047693A, de 16.12.2010 - Proc. n.º 0648/10, de 20.11.2012 - Proc. n.º 0949/12 todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta»; Mário Aroso Almeida em “Renovação do ato anulado e causa legítima de inexecução: revisitação do tema” in: CJA, n.º 73, pp. 28/31].

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Com relevância para a decisão logrou provar-se apenas o seguinte quadro factual:
I) No âmbito do recurso contencioso, instaurado em 20.02.2001 e que correu termos sob o n.º 47307/01 na Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo, foi proferido acórdão, datado de 29.06.2006 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, no qual foi concedido provimento ao mesmo recurso deduzido por “A…….., SA”, “B…….., SA”, “C………, SA”, “D………., SA”, “E…….., SA” e “F………., SA” contra os então “MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA” [«MFAP»] e “MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES” [«MOPTC»] e as recorridas-particulares “G....... ”[agrupamento de empresas formado por “H………, SA”, “I…….. FINANCE – I…….. IXIS” (anteriormente designada por “I…….. - PROJECTS”), ”J………, SA”, “K………, SA (anteriormente designada por “K’……….., SA”) e “L………., Lda.”] e “M………., SA”, e anulados os atos praticados pelo «MFAP» [despacho de 04.12.2000], pelo Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas [despacho de 16.11.2000] e pelo Conselho de Ministros [Resolução de 06.12.2000] relativos à adjudicação provisória à “Concessão SCUT Interior”, com base na infração ao art. 34.º do Programa de Concurso “o que … gera a anulabilidade dos atos de adjudicação e a nulidade do consequente ato de aprovação da minuta do contrato de concessão”;
II) Da decisão referida no ponto antecedente veio a ser interposto recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal o qual, por acórdão datado de 18.10.2007 e cujo teor aqui igualmente se reproduz, confirmou aquela decisão negando, inclusive, uma alegada falta de eficácia invalidante ao fundamento de ilegalidade que havia conduzido à anulação dos referidos atos.
III) Nas referidas decisões resultou como provado o seguinte acervo factual:
“…
1. Por anúncio publicado no DR III.ª Série, n.º 68, Suplemento de 21.03.98, e no Jornal Oficial das Comunidades Europeias n.º 54/106, publicado em 18.03.98, o Estado Português, através do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, e sob a direção da extinta JAE, lançou o Concurso Público Internacional para a Concessão de um conjunto de lanços de autoestrada e conjuntos viários associados, designada por «Concessão ...».
2. A concessão tem por objeto a conceção, construção, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT), dos seguintes lanços de autoestrada:
a) IP3/IP5 - Castro Daire Sul, com a extensão aproximada de 17 km;
b) IP3 Castro Daire Norte - Reconcos, com a extensão aproximada de 9 km;
c) IP3 Régua - Vila Real, com a extensão aproximada de 22 km;
d) IP3 Vila Real - Vila Pouca de Aguiar, com a extensão aproximada de 17 km;
e) IP3 Vila Pouca de Aguiar - Chaves (fronteira), com a extensão aproximada de 44 km;
3. Integram ainda o objeto da concessão, para efeitos de conservação e exploração, em regime de portagem SCUT, os seguintes lanços:
a) IP3 Castro Daire Sul - Castro Daire Norte, com a extensão de 16 km;
b) IP3 Reconcos - Régua, com a extensão aproximada de 24 km.
4. Por despacho conjunto de 9 de março de 1998, dos Ministros das Finanças e do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território, publicado no DR, II Série, n.º 588, de 10.03.98, foram aprovados o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos que aqui se dão como reproduzidos.
5. Nos termos do n.º 30.1, do Programa de Concurso, foram selecionadas para a fase de negociações com a Comissão de Apreciação das Propostas as ora recorrentes (Agrupamento N……..) e as recorridas particulares (Agrupamento O……..).
6. No Relatório Final (doc. … cujo conteúdo se dá por reproduzido), a Comissão de Apreciação das Propostas conclui, tendo em conta as negociações ocorridas com os dois concorrentes selecionados para essa fase, pela melhor classificação do concorrente O…….., propondo que este seja escolhido como contratante do Estado, nos termos do projeto de minuta de Contrato de Concessão acordado durante a fase de negociação.
7. Após a audiência prévia dos dois concorrentes finalistas sobre o referido Relatório Final, foi elaborada pela Comissão a Resposta aos comentários do concorrente N……….., na qual se conclui por manter a classificação formulada no Relatório Final, quer nos seus fundamentos, quer nas suas conclusões, propondo-se a adjudicação provisória da Concessão ao concorrente O………., nos termos do projeto de minuta de Contrato de Concessão e respetivos anexos - doc. … cujo conteúdo se dá por reproduzido.
8. Sobre esta Resposta da Comissão, foi exarado pelo Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas o despacho de 16.11.2000, de “Concordo. À consideração do Senhor Ministro das Finanças”, e pelo Ministro das Finanças o despacho de 04.12.2000, de “Concordo”.
9. Por Resolução do Conselho de Ministros, de 06.12.2000, publicada no DR I.ª série B, n.º 291, de 19.12.2000 foi aprovada a minuta do contrato a celebrar entre o Estado Português e a M……….., S.A. relativo à «Concessão ...».
10. No dia 30 de dezembro de 2000, foi outorgado entre o Estado Português e o agrupamento O…….. - «M……….., S.A.» - o Contrato de Concessão relativo à Concessão SCUT do Interior Norte”.

IV) O contrato de concessão referido em III.10) terá a duração de 30 anos [art. 37.º do «CE»], período durante o qual a concessionária terá o “direito de receber do Estado as importâncias das portagens SCUT devidas em função dos valores de tráfego registados e os rendimentos da exploração das áreas de serviço, e, bem assim, quaisquer outros rendimentos obtidos no âmbito da concessão” [art. 06.º, n.º 2 do «CE»].
V) As obras de construção dos lanços viários objeto da referida concessão encontram-se integralmente executadas, estando em pleno curso a sua exploração e funcionamento aquelas infraestruturas viárias.
VI) Nos termos do relatório n.º 14/03 - 2.ª secção do Tribunal de Contas [“Auditoria às concessões rodoviárias em regime de portagens SCUT”] cujo teor aqui se tem por reproduzido e que se mostra disponível em «www.tcontas.pt», resulta, nomeadamente, que, considerando o contrato outorgado aludido em III.10), “[o] custo da empreitada, a preços correntes, está estimado em 493 milhões de Euros. O total de custos de investimento e de operação e manutenção do empreendimento ascende, nos termos do Caso Base, a 841,6 milhões de Euros”, que “[o]s pagamentos do Estado à concessionária totalizam cerca de 1.933,6 milhões de Euros, o que representa, em termos de valor atual com base numa taxa de desconto de 9,5%, um custo da ordem dos 403,7 milhões de Euros”, que “[o]s custos financeiros ascendem a 728,6 milhões de Euros e os dividendos a 247,4 milhões de Euros. Os encargos financeiros representam quase 87% dos custos totais de investimento e de operação e manutenção” e que “[e]ste projeto apresenta uma Taxa Interna de Rendibilidade (após impostos) de 9,59%”, sendo que ficaram contratualizados pagamentos fixos por parte do Estado à Concessionária até 2031 [2003, 1.651.298,00 €; 2004, 4.626.631,00 €; 2005, 9.908.889,00 €; 2006, 26.325.733,00 €; 2007, 129.849.756,00 €; 2008, 122.341.683,00 €; 2009, 123.996.401,00 €; 2010, 118.647.835,00 €; 2011, 118.634.705,00 €; 2012, 114.530.802,00 €; 2013, 119.473.841,00 €; 2014, 113.790.783,00 €; 2015, 127.130.003,00 €; 2016, 106.151.310,00 €; 2017, 105.871.495,00 €; 2018, 106.182.276,00 €; 2019, 107.470.601,00 €; 2020, 109.867.423,00 €; 2021, 107.198.906,00 €; 2022, 108.847.362,00 €; 2023, 100.042.476,00 €; 2024, 95.545.268,00 €; 2025, 92.945.279,00 €; 2026, 29.914.318,00 €; 2027, 20.442.925,00 €; 2028, 21.044.170,00 €; 2029, 21.161.851,00 €; 2030, 21.534.779,00 €; 2031 - 0,0€; num total de 2.296.705.663,00 €].
VII) As aqui exequentes instauraram contra o Estado Português, no TAF de Lisboa, ação administrativa comum sob o n.º 1904/10.8BELSB, na qual peticionam a condenação do R. no pagamento de indemnização no montante de 2.294.832,00 € “a título de prejuízos diretos sofridos com a sua participação no concurso, sem prejuízo de outros valores que a esse título se encontrem por liquidar”, bem como de “quantia a arbitrar com base em juízos de equidade a título de lucros cessantes, ou se assim não se entender, a título de dano de perda de chance, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil”, valores estes acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, tudo nos termos e pelos fundamentos constantes da petição inicial inserta a fls. 949/978 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
VIII) No quadro da ação referida em VII), cuja instância se mostra suspensa mercê de se haver entendido ocorrer relação de prejudicialidade com o que cumpre decidir nos autos sub specie, foi produzida pelo R. contestação, inserta a fls. 987/1028 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por igualmente reproduzido [na qual se defendeu por exceção e por impugnação], e, ainda, pelas aqui exequentes réplica nos termos constantes de fls. 1058/1063 dos autos e cujo teor também se tem por inteiramente reproduzido.
IX) A presente execução deu entrada em juízo no dia 07.08.2007 [data do envio pelo correio] e os demandados foram citados para os seus termos em 23.09.2008 [cfr. fls. 41/44 dos autos], sendo que, pelos fundamentos aduzidos no articulado inicial de fls. 01 a 28 dos autos que aqui se dá por reproduzido, as exequentes concluem peticionando que: “seja reaberto o procedimento de concurso, reiniciando as negociações com as exequentes tendo em vista a escolha de nova proposta e subsequente nova adjudicação, ou, na impossibilidade de realização de tais atos - o que desde já se aceita - seja fixada a indemnização devida pelo facto da inexecução (legítima) da reabertura do procedimento negocial para escolha de nova proposta e subsequente nova adjudicação nos termos dos artigos 166.º e 177.º/3 do CPTA” e que “seja o Estado condenado a pagar às Exequentes um valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da elaboração das propostas e da participação no concurso, bem como aos lucros cessantes resultantes da prática dos atos ilegais anulados, com base em critérios de razoabilidade, normalidade e equidade nos termos do artigo 566.º/3 do Código Civil”.
*
O quadro factual antecedente resultou apurado considerando o teor dos documentos juntos ao recurso contencioso de anulação e aos autos sub specie nos termos e por referência ao que supra nele se enunciou, bem como aquilo que foi o posicionamento expresso pelas partes quer nos articulados produzidos [cfr. arts. 01.º a 33.º petição inicial; arts. 01.º a 03.º, 16.º a 22.º, 25.º, 26.º, 27.º, 29.º, 31.º da contestação dos entes executados «MF»/«ME»; articulado de quantificação dos prejuízos sofridos deduzido pelas exequentes de fls. 126/135 e resposta/impugnação do «MF»/«ME» ao mesmo de fls. 138/151], quer quanto aos elementos probatórios carreados para os autos [cfr. requerimento das exequentes de fls. 163/871 dos autos e resposta/impugnação do «MF»/«ME» ao mesmo de fls. 879/881], posicionamentos e elementos probatórios esses que, devidamente concatenados e analisados, não permitem, pelo seu teor e na ausência de outros elementos de prova requeridos ou produzidos pelas partes, considerar como provada qualquer outra realidade factual no âmbito dos autos além daquela que supra se mostra fixada.

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3.2. DE DIREITO

I. Assente que se mostra o quadro factual passemos, então, à apreciação, desde logo, da arguida exceção de litispendência e, caso esta soçobre, à aferição da procedência ou não da pretensão exequenda à luz do objeto que supra se mostra delimitado.

II. Alegaram os entes executados «MF»/«ME» [cfr. fls. 879/885] que, no caso, entre a presente execução de julgado anulatório e a ação administrativa comum entretanto proposta pelas aqui exequentes no TAF de Lisboa [na qual peticionam indemnização decorrente dos mesmos prejuízos e atuação ilegal havida no procedimento concursal e cuja reconstituição pretendem obter no âmbito desta execução], ocorreria exceção dilatória de litispendência [arts. 494.º, al. i), 495.º, 497.º, 498.º do CPC na redação anterior à reforma operada pela Lei n.º 41/2013].

III. Extraia-se do art. 497.º do CPC na aludida redação [tal como as referências posteriores ao CPC salvo expressa indicação em contrário] [normativo convocável ex vi art. 01.º do CPTA] que esta exceção pressupõe “a repetição de uma causa”[conceito concretizado no normativo seguinte - tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir) de verificação cumulativa] e que tal repetição respeite a causa “anterior ainda em curso”, visando-se com a mesma “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, sendo que no n.º 1, do art. 499.º, previa-se, ainda, que “[a] litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar. Considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente” [n.º 1].

IV. Analisando a alegada exceção temos que a mesma improcede já que ainda que se admitisse estar verificada a tríplice identidade que o instituto da litispendência postula, o que se concebe só como mero pressuposto lógico de raciocínio, sempre estaria votada ao insucesso a arguição da exceção porquanto a sede própria para a sua invocação seria não nos presentes autos de execução mas, ao invés, na ação administrativa comum instaurada no TAF de Lisboa já que foi a ação proposta em segundo lugar e nela o demandado foi citado posteriormente [art. 499.º, n.º 1 do CPC] [cfr. n.ºs VI), VII) e VIII) dos factos supra fixados].

V. Assim e sem necessidade de outros desenvolvimentos improcede a arguida exceção de litispendência.

VI. Passando, agora, à análise da pretensão exequenda com objeto anteriormente delimitado importa, previamente, ter em atenção o quadro normativo pertinente, extraindo-se do mesmo, desde logo, o art. 173.º do CPTA onde se prevê que “[s]em prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado” (n.º 1), sendo que “[p]ara efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação” (n.º 2).

VII. Prevê-se no art. 176.º do mesmo diploma, no seu n.º 1, que “[q]uando a Administração não dê execução à sentença de anulação no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo anterior, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição”, sendo que resulta do art. 178.º que “[q]uando julgue procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução, o tribunal ordena a notificação da Administração e do requerente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, podendo o prazo ser prorrogado quando seja previsível que o acordo se possa vir a concretizar em momento próximo …” (n.º 1) e que “[n]a falta de acordo, seguem-se os trâmites previstos no artigo 166.º” (n.º 2).

VIII. Por último, deriva do art. 166.º que “[q]uando o tribunal julgue procedente a oposição fundada na existência de causa legítima de inexecução, ordena a notificação da Administração e do exequente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, podendo o prazo ser prorrogado se for previsível que o acordo se possa vir a concretizar em momento próximo” (n.º 1), sendo que “[n]a falta de acordo, o tribunal ordena as diligências instrutórias que considere necessárias, findo o que se segue a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos, caso se trate de tribunal colegial, fixando o tribunal o montante da indemnização devida no prazo máximo de 20 dias” (n.º 2).

IX. Presente o quadro normativo antecedente temos que a execução duma decisão judicial anulatória de ato administrativo consiste na prática pela Administração - a quem incumbe retirar as consequências daquele juízo - dos atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado, a denominada reconstituição da situação atual hipotética.

X. Com efeito, enquanto princípio geral temos como adquirido que, no âmbito da execução de decisões judiciais anulatórias, a Administração deve procurar reconstituir a situação atual hipotética, ou seja, deve procurar repor a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado de molde a que a ordem jurídica seja reintegrada, atividade essa que passa pela realização, agora, do que se deveria ter realizado se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento e sua decisão, isto é, passa pela prática dos atos jurídicos e das operações materiais necessários à mencionada reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.

XI. Existem, todavia, casos em que essa forma de execução do julgado não pode ser realizada, quer porque a referida reconstituição é impossível, quer porque não é exigível atento o grave prejuízo para o interesse público que decorreria da mesma execução.

XII. Daí que, nesses casos, a lei admite que a Administração invoque ou que se reconheça essa impossibilidade ou essa inexigibilidade como fundamento para a recusa da reconstituição da realidade nos termos atrás mencionados, cumprindo ao Tribunal verificar da procedência dos fundamentos invocados e, sendo caso disso, desonerá-la da obrigação de executar a decisão judicial anulatória [cfr. arts. 175.º, n.º 2, e 163.º, n.º 1, ambos do CPTA].

XIII. No caso vertente, face ao quadro factual apurado sob os n.ºs I), II), III), IV), V) e IX) e ao próprio posicionamento das partes, estamos perante uma situação jurídica e de facto irreversivelmente constituída ao abrigo do ato adjudicatório anulado cuja execução/materialização impede, na verdade, a Administração de retomar o procedimento concursal relativo à atribuição de concessão da autoestrada do “Interior Norte” e seus conjuntos viários associados já que toda a conceção e todas as obras de construção dos lanços viários objeto da referida concessão se mostram integralmente executadas, estando as respetivas infraestruturas viárias em pleno funcionamento e em exploração.

XIV. A obrigação de realizar uma prestação só subsiste se e na medida em que a prestação ainda for possível, não havendo ficção que se possa sobrepor à realidade, pelo que o quadro situacional em presença configura causa legítima de inexecução da decisão judicial anulatória exequenda, causa essa que, no âmbito da tutela reparatória, confere às exequentes o direito a serem indemnizadas por efeito da frustração dos direitos e fins prosseguidos com a instauração da execução judicial já que a reconstituição da situação atual hipotética não é possível ser realizada no seu âmbito [arts. 166.º, n.º 1, 173.º, 178.º, n.º 1, do CPTA].

XV. Assente este pressuposto temos que, para a análise e aferição da procedência ou não da pretensão indemnizatória que se mostra deduzida nos presentes autos pelas exequentes, importa que se comece por caraterizar que tipo de indemnização será esta, seus pressupostos, qual o tipo danos abrangidos pela mesma, considerando, também, a adequação do próprio tipo processo àquela pretensão em face dos outros meios processuais disponibilizados no âmbito do contencioso.

XVI. Dúvidas não parecem existir de que, no caso sob apreciação e à luz daquilo que resulta apurado nos autos, não estamos em face de qualquer inexecução ilícita de decisão judicial anulatória, de qualquer incumprimento ilegítimo e ilegal de decisão judicial, sujeita ao regime inserto no art. 159.º do CPTA e às várias formas de responsabilidade ali previstas, enquanto sancionamento pela violação do princípio constitucional da obrigatoriedade das decisões judiciais e da sua prevalência sobre as decisões de quaisquer outras autoridades [cfr. arts. 205.º, n.º 2, da CRP e 158.º do CPTA].

XVII. Nessa medida, enquadrando-se a situação em presença na ressalva inicial contida no n.º 1 do art. 159.º do CPTA dado estarmos, como atrás se concluiu, perante causa legítima de inexecução, de harmonia com quadro legal atrás convocado, daí decorre, como vimos, uma obrigação de indemnizar “pelo facto da inexecução”, obrigação essa cujos prejuízos que se visam reparar o legislador entendeu não deverem ser suportados pelo lesado que, inclusive, viu ser-lhe dada razão na impugnação contenciosa que deduziu, mas, ao invés, pela Administração.

XVIII. Sobre esta o legislador fez impender os riscos inerentes ao decurso do tempo na pendência duma ação e ao desfecho desta por ser ela quem beneficia dos efeitos do ato e dos respetivos atos de execução, tanto para mais que foi a mesma quem, praticando o ato ilegal, gerou a situação que ora é impossível remover/reverter, pelo que fica, assim, obrigada a indemnizar o exequente dos danos advenientes da impossibilidade de execução da decisão judicial anulatória de ato ilegal que havia executado no uso dos seus poderes. Por outras palavras, foi a mesma quem, através da prática do ato de adjudicação e sua execução com a outorga do contrato de concessão, criou, agravou ou aumentou o risco já inerente ao próprio procedimento concursal de uma tal definição jurídica, mantendo-se durante toda a pendência do processo impugnatório, poder vir a inviabilizar a execução da decisão judicial anulatória para o caso de sobrevir um juízo de procedência de tal processo.

XIX. Nos autos as exequentes reclamam dos entes públicos executados o pagamento de indemnização no valor de 2.294.832,00 € [prejuízos relativos a custos tidos com a participação no concurso] e de 72.401.336,14 € [prejuízos decorrentes da perda da vantagem patrimonial que as exequentes obteriam com vitória no concurso e consequente adjudicação] ou, então, indemnização pela perda de chance caso não se aceite que, “em juízo de segurança aceitável” a “escolha recairia sobre a proposta das exequentes”, no que parece corporizar o fundar e deduzir duma pretensão indemnizatória em sede executiva na qual cumula pedido pelos danos decorrentes do ato de adjudicação ilegal e do ato de inexecução do julgado anulatório.

XX. Afirme-se, desde já, que não se nos afigura como adequada a utilização dos autos de execução de decisão judicial anulatória para a dedução de pedido de indemnização como aquele que se mostra formulado pelas exequentes destinado, ao que se infere dos seus termos, a obter a reparação na execução por todos os danos enquanto decorrentes quer da prática do ato de adjudicação ilegal quer da inexecução do julgado.

XXI. É conhecida a distinção ou diferenciação qualitativa entre indemnização decorrente da impossibilidade de executar integralmente o efeito repristinatório da decisão judicial e a indemnização resultante da prática do ato ilegal, distinção ou diferenciação essa que encontra base quer nos textos legais que foram vigorando, quer na doutrina e na jurisprudência produzida, e da qual derivam implicações também em matéria das formas processuais adequadas ao seu apuramento.

XXII. Com efeito, já no DL n.º 256-A/77 o legislador fazia essa distinção ao prever, por um lado, no seu art. 07.º, n.º 1, parte final, que o exequente poderia instaurar execução no caso, nomeadamente, de concordar com a Administração acerca da existência de causa legítima de inexecução caso em que poderia pedir “a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença e da inexecução desta, nos termos do art. 10.º”, e, por outro lado, no n.º 1 do art. 10.º onde se estipulava que “[s]e o interessado requerer a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença e da inexecução desta por causa legítima ...” [sublinhados nossos], sendo que ambas as pretensões indemnizatórias eram deduzidas e tramitadas unitariamente no âmbito do processo executivo, disciplinado no referido art. 10.º, na certeza de que o interessado não estava impedido de instaurar uma ação declarativa para obter a indemnização e era permitido ao julgador a remessa das partes para essa ação sempre que a matéria fosse de complexa indagação.

XXIII. E essa mesma distinção entre os referidos danos perpassa, igualmente, no atual CPTA como se constata pela análise dos já atrás referidos arts. 166.º, 173.º, 176.º e 178.º na sua concatenação com o art. 45.º, n.ºs 1 e 5 todos do mesmo Código.

XXIV. Do teor literal das regras relativas ao processo executivo insertas no regime atualmente vigente não resulta a possibilidade do exequente na pretensão de indemnização deduzida cumular a reparação dos referidos danos com fundamento quer no ato de adjudicação ilegal quer na impossibilidade de execução de julgado, tanto que se fala apenas da indemnização devida pelo “facto da inexecução” [cfr. n.ºs 1 dos arts. 166.º e 178.º do CPTA] e a tramitação prevista nos referidos normativos para o cálculo da indemnização não nos parece como adequada e idónea a uma complexa indagação dos pressupostos de responsabilidade, mormente, dos danos resultantes do ato adjudicatória ilegal/ilícito, nem da mesma deriva uma qualquer remissão para o processo declarativo e uso da ação administrativa comum tal como aquela que estava prevista no art. 10.º do DL n.º 256-A/77.

XXV. Um tal âmbito e regime processual previsto para a ação executiva prende-se ou interliga-se com aquilo que, a montante, foi o âmbito e regime processual da ação administrativa comum, mormente, o regime previsto, nomeadamente, no art. 45.º do CPTA [aplicável também à ação administrativa especial (art. 49.º do CPTA) e às impugnações urgentes do contencioso pré-contratual (art. 102.º, n.º 5, do CPTA)], em cujo n.º 5 se consagra ou se confere ao autor a faculdade de “optar por deduzir pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da atuação ilegítima da Administração” [sublinhado nosso].

XXVI. O regime processual previsto neste domínio tem em mente uma nova abrangência e amplitude do contencioso administrativo em termos da tutela declarativa impugnatória e dos poderes conferidos aos tribunais por confronto com a mera tutela de legalidade visada pelo recurso contencioso de anulação no quadro da LPTA [cfr. seu art. 06.º].

XXVII. Regime esse que aponta para que no quadro duma ação executiva de julgado anulatório em que ocorra situação de causa legítima de inexecução apenas possa ser peticionada e arbitrada indemnização pelos danos decorrentes do “facto da inexecução” e não pelos danos advenientes do ato administrativo ilegal, no caso o ato de adjudicação, já que quanto à obtenção de reparação por estes últimos danos o interessado disporá da via da ação administrativa comum enquanto forma processual idónea e adequada para tal efeito, podendo, é certo, fazê-lo em face da inviabilidade do arbitramento duma indemnização por acordo através do mecanismo previsto no art. 45.º do CPTA.

XXVIII. No quadro do atual regime de contencioso vem-se assistindo, aliás, ao firmar dum entendimento por parte deste Supremo Tribunal de que, da conjugação o regime inserto, nomeadamente nos arts. 166.º, 173.º e 178.º todos do CPTA, resulta a existência dum mecanismo indemnizatório que visa compensar o exequente pelo facto de, por efeito de verificação de causa legítima de inexecução, se haverem frustrado os fins prosseguidos com a dedução dum processo executivo, e, assim, com eles, o dever de executar por parte da Administração da decisão judicial anulatória e o correspondente direito do exequente a essa execução, sendo que tal compensação destina-se a ressarcir o exequente apenas dos danos decorrentes dessa impossibilidade, ou seja, dos danos decorrentes da perda do direito à execução daquela decisão ou daquilo que alguns também denominam de “expropriação do direito à execução”[cfr., entre outros, Acs. do STA de 29.11.2005 - Proc. n.º 041321A, de 01.10.2008 - Proc. n.º 042003A, de 25.02.2009 - Proc. n.º 047472A, de 20.01.2010 - Proc. n.º 047578A, de 02.06.2010 - Proc. n.º 01541A/03, de 02.12.2010 - Proc. n.º 047579A, de 20.11.2012 - Proc. n.º 0949/12, de 25.09.2014 - Proc. n.º 01710/13 todos consultáveis no referido endereço].

XXIX. Extrai-se, no que aqui releva, do acórdão deste Supremo Tribunal de 02.12.2010 [Proc. n.º 047579A], que a indemnização prevista no art. 178.º do CPTA “visa compensar o Exequente pela impossibilidade da reconstituição natural, isto é, por já não ser possível colocá-lo na situação que por direito lhe pertencia e, correspondentemente, de libertar a Administração de cumprir essa obrigação. O que vale por dizer que tal indemnização se destina a reparar os danos resultantes da execução se ter frustrado, ressarcindo aquilo que vem sendo chamado de expropriação do direito à execução ou de perda de uma oportunidade. Vem sendo, assim, entendido que esta expropriação do direito à reconstituição da situação natural, independentemente de outros eventualmente existentes, constitui, por si só, um dano real que importa indemnizar. Por ser assim, isto é, por se considerar que a impossibilidade de reconstituição natural constitui em si mesma um dano indemnizável é que vem sendo dito que a reparação desse singular direito deve ser alcançada de forma rápida e expedita, preferencialmente, através do acordo das partes” e que haveria que “distinguir a indemnização devida pela inexecução - que dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do ato anulado - da indemnização devida pelos danos causados pela prática desse ato a exigir aquele apuramento e, portanto, a exigir outros desenvolvimentos processuais - visto se tratar de indemnizações autónomas e diferenciadas quer no tocante aos danos que compensam quer no tocante à forma do seu cálculo”, sendo que quanto aos meios contenciosos a utilizar pelos interessados temos que quanto ao pedido de indemnização devida pelos danos da inexecução o “cálculo far-se-á no próprio processo de execução através de meios sumários e expeditos”, enquanto que quanto ao pedido de indemnização relativo aos danos decorrentes do ato ilegal “o mesmo será feito através da formulação de um pedido autónomo nos termos do art. 45.º/5 do CPTA, isto é, através da instauração de um processo declarativo especial autónomo”.

XXX. Na mesma linha de entendimento afirmou-se, mais recentemente, no acórdão deste mesmo Supremo de 25.09.2014 [Proc. n.º 01710/13] que a “impossibilidade de dar cumprimento à sentença anulatória - legitimadora da declaração da existência de uma causa legítima de inexecução - implica genericamente a perda da possibilidade da reconstituição natural, o que, tem-se vindo a entender, «constitui, por si só, um dano real que importará indemnizar»”, que “o que importa reter é que a indemnização em apreço tem como objetivo ressarcir «aquilo que vem sendo chamado de expropriação do direito à execução ou de perda de uma oportunidade de reconstituição natural» (cf. acórdão do STA de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03), e que a mesma encontra fundamento legal no artigo 178.º do CPTA. (…) Concretizando, o dano que resulta da impossibilidade de execução da sentença anulatória consubstancia-se, basicamente, na perda da oportunidade de, com tal execução, o autor se colocar numa situação jurídica favorável, que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais (cf. acórdãos do STA de 01.10.08, Rec. n.º 42003A, e de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12). (…) e «a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho», não se está em face de «mera expectativa mas de um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração» (cf. acórdão do STA de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12)” e que a “declaração de existência de uma causa legítima de inexecução faz, portanto, nascer um dever de indemnizar, dever esse de natureza objetiva (Vd. acórdãos do STA de 25.02.09, Proc. n.º 47472A, de 30.09.09, Rec. n.º 634/09, e de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12). (…) A jurisprudência administrativa (…) recortou e tem vindo a aprimorar a figura da «indemnização pela inexecução da sentença» (ou indemnização por expropriação do direito à execução, ou, ainda, pela perda de uma oportunidade de reconstituição natural) - inexecução de sentença que configura um ato lícito -, para assim evitar que seja confundida com a indemnização devida pela prática de ato ilegal e, por conseguinte, pelos prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença (Vd. acórdão do STA de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03). Esta última poderá acrescer àquela, uma vez que estejam verificados os respetivos pressupostos legais (Vd. acórdãos do STA de 01.10.08, Rec. n.º 42003, de 30.09.09, Rec. n.º 634/09, e de 20.11.12, Proc. n.º 0949/12), devendo, todavia, ser apurada de forma autónoma. Trata-se, conforme orientação deste Supremo Tribunal, de «indemnizações autónomas e diferenciadas quer no tocante aos danos que ressarciam quer na forma do seu cálculo». A primeira dispensa «o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do ato anulado». Já a segunda exige aquele apuramento e, portanto, [a exigir] outros desenvolvimentos processuais (cf. acórdão do STA de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03)”.

XXXI. Para depois concluir afirmando que o correspondente pedido de indemnização pelo danos decorrentes do ato ilícito “«só poderá ser satisfeito na ação a que alude o art. 45.º/5 do CPTA visto só nela se poder indagar se aquela alegação tem fundamento e analisar se o apontado prejuízo tem relação direta e causal com o ato anulado» (cf. acórdão do STA de 02.06.10, Proc. n.º 01541A/03)”.

XXXII. Também a doutrina que se vem produzindo nesta sede tem preconizado idêntico posicionamento interpretativo, sustentando, por exemplo, Mário Aroso de Almeida que na “medida em que o ato anulado possa ser e seja efetivamente qualificado como um facto ilícito e culposo, a Administração responderá, naturalmente, por todos os danos causados. É, entretanto, diferente o alcance do dever de indemnizar em que se admite que a Administração fica objetivamente constituída no caso de ser impossível executar a sentença. (…) o que se pretende neste último caso, é assegurar ao recorrente uma indemnização que, sem cobrir a totalidade dos danos que ele possa ter sofrido, o compense, independentemente da formulação de qualquer juízo de censura sobre a existência de uma eventual responsabilidade subjetiva na criação da situação lesiva, pela perda que para ele resulta da impossibilidade de execução da sentença anulatória” [in: “Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, p. 816], bem como a existência dum “dever objetivo de indemnizar, fundado na perceção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjetiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” [cfr. ob. cit., p. 821] e que “estamos, neste domínio, perante um fenómeno que, com propriedade, tem sido comparado ao da expropriação de direitos: na realidade, do que se trata é de desapropriar o interessado, por razões de interesse público, de um direito do qual é reconhecidamente titular, assegurando-lhe a justa indemnização”, sendo que “os arts. 45.º, 166.º e 178.º não pretendem, portanto, habilitar o tribunal a atribuir ao interessado uma indemnização destinada a reparar todos os danos que sempre ficariam por reparar, mesmo que não houvesse aplicação do art. 45.º, n.º 1, ou causa legítima de inexecução, nos termos do art. 163.º” [cfr. o mesmo Autor em “Impossibilidade de satisfazer a pretensão do autor e indemnização devida: aproximação ao tema” in: CJA n.º 83, pp. 03 e segs., em especial pp. 05/06/07] [vide, também, Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida in: “Grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, p. 102].

XXXIII. Por seu turno, defende neste domínio Carlos A. Fernandes Cadilha que “a indemnização que vier a ser fixada, nessa circunstância, corresponde ao valor pecuniário que for devido pelo facto da inexecução e destina-se a ressarcir o exequente pela impossibilidade ou inconveniência de se efetuar a reparação em espécie mediante a reconstituição da situação jurídica violada; tal significa que não está aí em causa uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual, nem tão pouco uma indemnização que se destine a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração, mas apenas uma indemnização pelo facto da inexecução, e que não obsta a que o interessado possa lançar mão de uma ação autónoma de responsabilidade para obter o ressarcimento de outros danos ainda subsistentes. (…) Quando se nos depare um pedido indemnizatório por inexecução de sentença, não pode falar-se, por conseguinte, numa indemnização correspondente ao interesse contratual negativo ou ao interesse contratual positivo, mas antes - e, designadamente, em situações de afastamento ilegal ou preterição num concurso - numa indemnização pela perda de oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, e que terá de ser fixada segundo critérios de equidade …” [in: “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas - Anotado”, 2.ª edição, 2011, pp. 107/108] [sublinhados nossos].

XXXIV. Do que se trata não é uma “convolação do processo executivo numa ação de responsabilidade civil extracontratual destinada a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração”, mas sim “de assegurar ao exequente, no âmbito de um processo declarativo sumário, uma compensação «pelo facto da inexecução»” [cfr. M. Aroso de Almeida e Carlos A. F. Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição, p. 1079].

XXXV. Ocorre, porém, que o referido regime, se lógico no quadro da interligação dos meios contenciosos deduzidos no âmbito da vigência do CPTA, apresenta, todavia, vulnerabilidades e dificuldades quando somos confrontados com a execução de decisões judiciais anulatórias firmadas no domínio do anterior contencioso e cujas pronúncias se encontram indelevelmente marcadas pelas limitações do contencioso de mera legalidade no âmbito do qual não existia a possibilidade de uso de mecanismo como o atualmente previsto no art. 45.º do CPTA.

XXXVI. No caso presente as aqui exequentes acabaram, todavia, já por deduzir ação administrativa comum no âmbito da qual visam obter a reparação dos danos alegadamente sofridos e decorrentes do ato de adjudicação ilegal e ilícito havido e como tal reconhecido pelo acórdão anulatório proferido em sede de recurso contencioso anulação [cfr. n.ºs I), II) e VI) da matéria de facto provada], sendo, pois, no quadro daquele meio contencioso que importa que seja realizado o juízo de procedência ou não da pretensão indemnizatória assim estribada.

XXXVII. Neste contexto, enquanto visando a reparação dos alegados danos assente num tal fundamento a sede própria para o apuramento e a apreciação da pretensão indemnizatória será, pois, não na presente execução, mas na ação administrativa comum o local onde se deverá indagar se tem fundamento ou não a pretensão de que, não fora o ato adjudicatório ilegal e, por isso, anulado, as ali AA., aqui ora exequentes, seriam as vencedoras do concurso público, teriam outorgado o contrato e, assim, poderiam recuperar gastos realizados e beneficiar dos proventos patrimoniais advenientes de tal outorga.

XXXVIII. Terá, portanto, de ser desatendida, nesta sede, a pretensão das exequentes enquanto correspondente àquilo que corporiza a indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes em razão da prática do ato anulado visto as mesmas, neste processo, nada mais poderem reclamar que o arbitramento duma indemnização pelo facto da inexecução, indemnização essa destinada, frise-se, à reparação dos danos resultantes da frustração da execução, ressarcindo aquilo que se denomina de “expropriação do direito à execução”.

XXXIX. Nessa medida, importa, então, cingir a análise da pretensão indemnizatória formulada quanto àquilo em que consiste a reparação dos danos decorrentes da inexecução da decisão judicial anulatória exequenda.

XL. E, nesse âmbito, a impossibilidade absoluta de executar aquela decisão judicial constitui, como vimos, um dano passível de indemnização enquanto compensação “pelo facto da inexecução” [cfr. arts. 166.º e 178.º do CPTA], sendo que este dano não se estriba no ato ilegal [no caso, o ato adjudicatório do concurso], mas na impossibilidade de se fazer cumprir aquela mesma decisão, na “frustração” para as aqui exequentes daquilo que poderia ser a utilidade, os efeitos decorrentes do uso da tutela jurisdicional ou, por outras palavras, do facto de às mesmas não lhes haver sido permitido assegurar ou garantir pela via judicial os seus direitos e interesses legítimos.

XLI. Da jurisprudência e doutrina supra convocadas resulta que a obrigação indemnizatória prevista nos arts. 166.º e 178.º do CPTA, aqui em questão, não representa mais que a execução “por equivalente” ou, mais rigorosamente, “por sucedâneo”, do efeito repristinatório da decisão judicial anulatória exequenda.

XLII. Revelando-se já impossível reintegrar a legalidade infringida, então, deve a Administração compensar pecuniariamente o interessado pelo facto de este, entretanto, se ter visto privado da posição em que ficou investido em consequência da obtenção dum juízo de procedência da pretensão anulatória firmado na decisão judicial em execução.

XLIII. Trata-se, por conseguinte, duma execução por sucedâneo já que não está em causa o verdadeiro cumprimento do dever de prestar, de executar, mas uma indemnização pelos danos que a falta/impossibilidade de execução geraram, e que se funda numa responsabilidade objetiva, a qual emerge automaticamente e sem necessidade de se averiguar se há ou não culpa.

XLIV. Assim, constituem pressupostos do dever de indemnizar “pelo facto da inexecução” a existência: (i) de decisão judicial anulatória; (ii) de situação de impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público geradora de causa legítima de inexecução [arts. 163.º, n.º 1, 166.º e 178.º do CPTA]; (iii) de prejuízos na esfera jurídica do exequente; e (iv) de nexo de causalidade entre a inexecução e os prejuízos.

XLV. Aferindo no caso sob apreciação do preenchimento em concreto dos pressupostos enunciados temos que, presente o teor dos n.ºs I), II), III) e IV) dos factos provados, resulta ter sido proferida decisão judicial anulatória do ato de adjudicação, decisão essa aqui ora em execução e, por outro lado, mostra-se adquirido nos autos a existência de causa legítima de inexecução dada a verificação de situação de impossibilidade absoluta de, em sede de execução judicial, proceder à reconstituição da situação jurídica violada [arts. 163.º, n.º 1, 166.º, 173.º e 178.º do CPTA], pelo que dúvidas não existem quanto à verificação dos dois primeiros requisitos, impondo-se, por conseguinte, concentrar nosso juízo sobre os demais requisitos.

XLVI. Nos autos de execução do julgado sub specie, de harmonia com o entendimento e fundamentação atrás expendidos, apenas poderá ser arbitrada indemnização pelos danos advenientes do “facto da inexecução”, indemnização essa destinada a ressarcir as exequentes da impossibilidade ou inconveniência de não já não poder ser levada a cabo a reconstituição da situação jurídica anterior e, como tal, apenas terão cobertura os danos decorrentes da perda da posição decorrente do juízo anulatório, da “expropriação do direito à execução”.

XLVII. Será, assim, essa “perda”, ou essa “expropriação”, do direito à reconstituição da situação atual hipotética que, independentemente de outros eventualmente existentes, constitui, de per si, um dano real, autónomo e diferenciado, que importa ser reparado por via indemnizatória e que é uma consequência direta e automática do reconhecimento da existência de causa legítima de inexecução, operando, pois, ope legis, enquanto assente numa responsabilidade, num dever, de natureza objetiva, sem que importe cuidar da demonstração ou apuramento da existência de culpa na emissão de ato e na criação da situação lesiva.

XLVIII. É que importa notar que, no caso, resulta ter sido imposta uma lesão, uma agressão da esfera jurídica das exequentes já que as mesmas, confrontadas com a emissão de um ato de adjudicação ilegal, proferido no exercício dum poder unilateral de definição jurídica, reagiram contra aquele ato mediante competente impugnação anulatória, impugnação essa na qual obtiveram procedência da sua pretensão, e, não obstante tudo isso, não lograram obter o restabelecimento da sua posição jurídica subjetiva afetada pelo ato ilegal já que, entretanto, se tornou impossível extrair as devidas e legais consequências, nomeadamente, substantivas, decorrentes a decisão judicial anulatória.

XLIX. Constituindo, assim, a indemnização imposta uma contrapartida dos poderes conferidos à Administração e da perda resultante da impossibilidade de extrair as devidas consequências da decisão judicial anulatória [cfr. M. Aroso da Almeida in: “Anulação de atos administrativos…”, pp. 809/816], temos que constitui um bem cuja perda poderá ser indemnizável a frustração decorrente da impossibilidade de, em sede de execução de julgado, lograr reverter aquilo que foi o afastamento ou preterição ilegal de proposta no âmbito do concurso, com consequente perda da oportunidade de nele poder almejar um resultado favorável a vários títulos, nomeadamente, em sede patrimonial.

L. Nesta linha de entendimento importa, contudo, ter presente que a Administração, no quadro desta nova e autónoma via de responsabilização objetiva, não responde por todos os danos causados já que o que se visa com a mesma não é cobrir a totalidade dos danos gerados às exequentes, mas o assegurar-lhes uma indemnização que as compense pela perda que para as mesmas derivou da impossibilidade de execução da decisão judicial anulatória de que eram beneficiárias e não duma indemnização da globalidade dos danos eventualmente sofridos decorrentes da prática do ato ilegal.

LI. É que, por um lado, não se pode confundir o cumprimento de determinados deveres de prestar decorrentes da execução de julgado anulatório com a reintegração específica de eventuais danos provocados pela prática daquele ato.

LII. E, por outro lado, o dever objetivo de indemnizar em que a Administração se mostra constituída funda-se na impossibilidade de execução da decisão judicial anulatória e deveres dela decorrentes, pelo que os danos sofridos na esfera jurídica das exequentes a ressarcir serão, apenas, aqueles que se produziram em consequência da impossibilidade de observância daqueles deveres, não cobrindo, por conseguinte, os eventuais danos causados pelo ato adjudicatório ilegal e que a execução do julgado anulatório “não teria sido, em qualquer caso, apta a remover, pelo que teriam subsistido, mesmo que ela tivesse podido ter lugar”, já que “a compensação por impossibilidade de repristinar há-de compensar o recorrente pela perda da posição em que ele teria ficado colocado se tivesse sido possível extrair as devidas consequências da anulação judicial”, assim se lhe assegurando não uma prestação principal mas “uma prestação secundária, substitutiva, dirigida à compensação do dano patrimonial que se consubstancia na definitiva perda da situação que a execução da sentença lhe teria proporcionado” [cfr. M. Aroso de Almeida in: “Anulação de atos …”, pp. 816/817].

LIII. Nessa medida, afigura-se-nos que no quadro da aplicação do regime previsto nos arts. 166.º e 178.º do CPTA os prejuízos a ressarcir serão, tão-só, os prejuízos que derivem ou sejam resultantes da causa legítima de inexecução da decisão judicial anulatória, prejuízos esses nos quais se poderão integrar os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos acionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses [custas judiciais, honorários de advogados e demais despesas associadas cuja “recuperação” não haja sido possível lograr obter através do uso dos mecanismos previstos no ordenamento contencioso vigente] e os danos [patrimoniais/não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório traduzido na “expropriação do direito à execução” sofrido, da impossibilidade de se fazer cumprir aquele juízo e da frustração quanto ao uso “inglório” ou inútil do recurso à tutela jurisdicional.

LIV. No quadro destes últimos, enquanto consequência normal ainda que não automática, será de considerar no seu âmbito a existência dum dano adveniente da violação do direito à obtenção da repristinação da situação atual hipotética no quadro duma execução de decisão judicial anulatória, dano esse que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada, já que, em causa, está um instituto com o qual se visa assegurar ao exequente o direito a ser indemnizado, em qualquer caso, pelos prejuízos que para ele advierem da impossibilidade de extrair consequências daquela decisão judicial.

LV. Poderá equacionar-se, igualmente, no âmbito daquilo que poderão ser os danos cobertos pelo dever de indemnizar em questão nos presentes autos previsto nos arts. 166.º e 178.º do CPTA, aquilo que são danos advindos da prática do ato de adjudicação ilegal.

LVI. Com efeito, não obstante tal poder permitir a possibilidade, ou mesmo a existência, de alguma sobreposição ou parcial coincidência no quadro dos danos aqui cobertos por este fundamento de indemnização com os danos advenientes do ato adjudicatório ilegal, temos que tal será aparente, porquanto, neste quadro, só poderão ser indemnizados tais danos quando, no quadro da tutela jurisdicional, mormente, em sede de execução, se lograsse obter uma efetiva repristinação da situação atual hipotética, ou seja, se a reposição da legalidade e da situação fosse possível de ser obtida pelo exequente através do uso daqueles meios, a ponto dos mesmos terem permitido a plena reintegração da respetiva esfera jurídica, com recuperação da posição que havia perdido.

LVII. Por outras palavras, para que tal ocorresse impor-se-ia a demonstração que, no caso concreto, o uso dos meios contenciosos, mormente, a execução, tivessem sido idóneos, aptos a remover ou a reconstituir a situação a ponto dos danos gerados não poderem mais subsistir.

LVIII. Nesse caso a indemnização pela impossibilidade de repristinar visaria compensar o demandante/exequente pela perda da posição em que o mesmo teria ficado colocado se tivesse sido possível extrair as devidas consequências da anulação judicial.

LIX. Presentes o quadro factual logrado apurar e cientes dos considerandos expendidos temos, desde logo, que soçobra a pretensão indemnizatória formulada pelas exequentes pelo facto da inexecução enquanto nela incluindo a reparação dos danos advindos da prática do ato de adjudicação ilegal.

LX. Na verdade, importa afirmar que no quadro da realidade que se mostra apurada nos autos as exequentes, pela ocorrência da impossibilidade absoluta de execução do julgado anulatório, apenas viram perdida a possibilidade de ser retomado o procedimento concursal e produzido novo ato adjudicatório.

LXI. É que dos termos da decisão judicial exequenda não resulta o reconhecimento e condenação dos executados quanto a serem as exequentes as vencedoras do concurso e, consequente, adjudicação e contratualização do seu objeto.

LXII. Dos elementos coligidos e vertidos nos autos inexiste uma efetiva demonstração cabal de que, não fora a ilegalidade, sempre seriam as exequentes as vencedoras do concurso, já que não é líquido, não é minimamente seguro, que se possa efetuar um tal juízo de certeza, tanto para mais que num hipotético retomar do procedimento, presente o fundamento de ilegalidade reconhecido pela decisão judicial anulatória, a situação reclamaria um novo juízo de análise por parte da Comissão de Apreciação quanto às propostas apresentadas pelos concorrentes ainda em confronto, juízo esse em que existe um espaço de discricionariedade na valoração que está subtraído ao controlo jurisdicional.

LXIII. Aliás, do próprio acórdão do Pleno deste Supremo de 18.10.2007, que confirmou o julgado anulatório que havia sido firmado no acórdão em Secção de 29.06.2006 [cfr., respetivamente, fls. 570 e segs. e fls. 447 e segs. dos autos de recurso contencioso anulação n.º 47307], proferido é certo num quadro de impugnação contenciosa em que se discutiam fundamentos e questões diversas, não deixa, todavia, já de se poder extrair ou fazer ressaltar a dúvida quanto àquilo que poderia ser o desfecho ou qual poderia ser a hipotética decisão do procedimento concursal em referência uma vez e se retomado.

LXIV. Com efeito e a propósito da argumentação de que a atribuição de uma nova classificação à proposta vencedora, sem atender aos aspetos onde houve alterações não permitidas, resolveria a questão já que, mesmo assim, a proposta vencedora seria a mesma, afirmou-se no acórdão exequendo que “o vício não radicou na atribuição errada de uma dada classificação. O vício reconhecido no ato radicou no facto de terem sido admitidas alterações ilegais nas propostas. A proposta vencedora, e com base na qual se celebrou o contrato de concessão, foi modificada em aspetos onde não era possível tal alteração. Portanto, a questão que se coloca não é a de refazer a classificação sem ter em conta as alterações. Há outro tipo de interrogações, cuja resposta não é evidente: a proposta vencedora sem as alterações (inadmissíveis) seria aprovada? Se as negociações tivessem como objeto apenas os aspetos negociáveis o seu percurso levaria ao mesmo resultado? (…) A estas questões não pode o Tribunal responder de forma segura (clara e simples), de modo a podermos dizer que, mesmo que as negociações tivessem decorrido apenas sobre os aspetos legalmente admissíveis a proposta vencedora seria a mesma. (…) Diferente seria o caso do erro ter incidido apenas na avaliação das propostas, pois nesse caso bastava aplicar o critério correto e averiguar se, ainda assim, havia alteração relevante no ato final. (…) Em casos deste tipo é admissível a descaracterização do efeito anulatório do ato - pela total ineficácia do vício na esfera jurídica do recorrente, e por ser evidente que, sem o vício reconhecido, o ato teria necessariamente o mesmo conteúdo. Não podemos aplicar esta jurisprudência ao caso dos autos, onde o vício radicou no desenvolvimento da fase de negociações e na admissibilidade de alterações significativas ao conteúdo das propostas - uma vez que não podemos saber qual o desfecho do concurso se este tivesse decorrido de acordo com as regras do art. 34.º, 1, do Programa do Concurso” [sublinhados nossos].

LXV. Para além disso, temos que, considerando a data da impugnação do ato adjudicatório do concurso através do recurso contencioso de anulação e sua decisão; a data da outorga do contrato e do início de execução deste, do período em que ocorreu a conclusão das obras de construção da autoestrada e a mesma foi aberta no quadro da exploração da concessão; a data da instauração da ação executiva [cfr. n.ºs I), II), III), IV) e VIII) dos factos provados]; não se poderá concluir que o lançar mão dos referidos meios contenciosos, mormente, da execução do julgado anulatório, fosse apta ou permitisse a remoção ou a reconstituição da situação das exequentes a ponto dos danos que haviam sido gerados pelo ato de adjudicação ilegal não pudessem mais subsistir em virtude de ter sido possível extrair as devidas consequências da anulação judicial mercê de se ter logrado operar a reconstituição da situação atual hipotética.

LXVI. Daí que terá de improceder a pretensão indemnizatória fundada na inexecução do julgado anulatório enquanto reclamando o pagamento dos concretos valores peticionados a título de danos alegadamente sofridos tidos com a preparação, organização e apresentação da sua proposta no concurso e, bem assim, por danos decorrentes da perda da vantagem patrimonial que as mesmas obteriam com a vitória no concurso e consequente adjudicação.

LXVII. Ocorre, porém, que, na sequência do supra afirmado, a impossibilidade de extrair consequências da decisão judicial anulatória exequenda fruto da existência de causa legítima de inexecução, com perda da oportunidade de lograr obter o restabelecimento da sua posição jurídica subjetiva no âmbito do concurso afetada pelo ato ilegal [direito de verem, em sede de execução do julgado anulatório, reapreciadas as propostas ainda em concurso e proferido novo ato de adjudicação segundo as normas legais e regulamentares aplicáveis], constitui um bem cuja perda é indemnizável e que não podendo ser efetuada com exatidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, de harmonia com o preceituado no n.º 3 do art. 566.º do CC.

LXVIII. Assim, constatada objetivamente a violação daquele direito e inexistindo nos autos elementos que permitam determinar com exatidão o valor do dano que aquela perda detém, na certeza de que, em termos legais, tal valor não decorre ou se mostra fixado a forfait, impõe-se que o tribunal, fazendo apelo de juízos de equidade, o fixe ponderando, nomeadamente, o tempo empregue no uso dos mecanismos de tutela jurisdicional por parte das exequentes; os valores económicos envolvidos no quadro do objeto de litígio; os termos e pronúncia que se mostram vertidos na decisão judicial anulatória exequenda e aquilo que daí poderiam ser as expectativas a obter quanto ao restabelecimento da posição jurídica subjetiva à luz também dos limites da própria execução e dos poderes do julgador administrativo.

LXIX. Ora, ponderado, nomeadamente, o tempo decorrido; os valores económicos envolvidos no objeto de discussão nos autos entre as partes; o facto de se estar em presença de situação na qual as exequentes apenas viram perdida a possibilidade de em sede de execução de julgado anulatório obterem o retomar de procedimento concursal e de nele verem produzido um novo ato adjudicatório, e de que não existe a mínima certeza de que tal novo ato lhes seria favorável; entende-se como adequada computar a indemnização devida às exequentes pelo facto da inexecução no valor de 100.000,00 €.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em condenar os entes executados “Ministério das Finanças” e “Ministério da Economia”, a título de indemnização devida pelo facto da inexecução do acórdão anulatório proferido no processo principal, na quantia de 100.000,00 € [CEM MIL EUROS], quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado deste acórdão.
Custas a cargo dos referidos entes executados.
D.N..

Lisboa, 7 de maio de 2015. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Vítor Manuel Gonçalves GomesMaria Benedita Malaquias Pires Urbano (Voto o acórdão não obstante não acompanhar o entendimento do Tribunal quanto aos termos em que admite como indemnizáveis, no quadro de indemnização por causa legítima de inexecução, os danos advindos da prática de acto ilegal. Estes apenas deverão ser tidos em conta como um elemento referencial para esse efeito.)

Lisboa, 7 de Maio de 2015.
Maria Benedita Malaquias Pires Urbano