Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03162/12.0BELRS
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27185
Nº do Documento:SA22021021703162/12
Data de Entrada:01/26/2021
Recorrente:A...... E OUTROS
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A………. e B………, ambos com os sinais dos autos, vêm interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de julho de 2020, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial que haviam deduzido contra liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2010, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

Terminam a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:

I. O douto Acórdão recorrido fundou a decisão de indeferir a Impugnação apresentada pelos ora Recorrentes com fundamento na aplicação do princípio do aproveitamento do acto, porquanto o procedimento da liquidação adicional não poderia ser influenciado pela existência de audição prévia.

II. Contudo, a aplicação do princípio do aproveitamento do acto só pode prevalecer sobre a preterição do direito de audição, nos casos tipificados no art. 60.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Lei Geral Tributária, que prevêem:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

III. Ora, nenhuma destas circunstância se verificou no caso concreto: a liquidação adicional efetuada pela Administração Tributária não foi efetuada com base em declaração dos contribuintes, nem em reclamação ou recurso intentado por estes, nem estes foram notificados para apresentarem qualquer declaração em falta.

IV. Pelo que era legalmente indispensável que a Autoridade Tributária tivesse notificado os contribuintes, ora Recorrentes, para o acto da audiência prévia, com vista a discutir-se antes da liquidação adicional os termos desta.

V. É o que consagra o art.º 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT: "A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação".

VI. Sendo certo que este mecanismo da audição prévia é uma garantia dos direitos dos contribuintes. Como observam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa: «Poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de Impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau (...) Em situações deste tipo (...) deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. "

VII. Ora, não se verificando qualquer situação das enunciadas no número anterior, os ora Recorrentes não tiveram a "oportunidade de participar na sua formação. "

VIII. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido pacífica no sentido de defender a necessidade da audiência prévia, em casos idênticos aos do objeto do presente recurso, assinalando-se, entre outros, os seguintes Acórdãos:

Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13; Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13; Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 01506/17.8BALSB; Acórdão do STA, de 25/06/2015, proferido no processo n.º 01391/14.

IX. É evidente que uma liquidação adicional, operada com fundamento numa alteração legal, como reconhece a Autoridade Tributária, a fls. 55 e segs. dos autos, implicava uma (re)análise quer dos factos quer do direito a que estes se deviam subsumir.

X. Ora, o Acórdão recorrido limita-se a declarar não existir outra interpretação possível da lei, impedindo, como se lê no voto de vencida da Exma. Desembargadora Catarina Almeida e Sousa, que os ora Recorrentes tivessem a possibilidade de "(...) procurar convencer a Administração Tributária do erro da sua argumentação juntando elementos, discutindo razões e argumentos, com vista a conciliar a factualidade aceite com a legalidade que entende aplicável ao caso em análise, em particular quanto à consideração dos montantes respeitantes a adiantamentos por conta de lucros e ajustamentos decorrentes de anos anteriores. Tal equivale a dizer que, por violação do direito de audição, a liquidação impugnada teria que ser anulada"

TERMOS EM QUE

deve ser revogado o douto Acórdão recorrido, por violação do estatuído no art.º 60º da Lei Geral Tributária, mantendo-se a decisão de primeira instância.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no qual consignou que não compete ao Ministério Público emitir parecer neste fase processual mas, não obstante “e tendo em vista a celeridade processual” pronunciou-se no sentido da não admissão da revista e se assim não for no sentido da total improcedência do recurso.

4 – Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório fixado no acórdão recorrido (fls, 7 a 10 da respetiva numeração autónoma).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Constitui igualmente jurisprudência pacífica deste STA que atento o carácter extraordinário da revista excepcional, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil» - cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14).

Vejamos, pois.

Os recorrentes interpuseram o presente recurso como se dos acórdãos do TCA coubesse em regra recurso, ignorando em absoluto o regime do recurso de revista excepcional admitido no contencioso tributário.

Nas suas alegações não enunciam qualquer questão a que atribuam relevância jurídica ou social fundamental justificativa da admissão do recurso excepcional de revista, nem procuram justificar a clara necessidade da revista para melhor aplicação do direito, não cumprindo, de todo, o ónus que sobre eles recaía de motivar especificamente o seu recurso.

E impunha-se que o fizessem, pois não é evidente ou manifesta essa necessidade, antes pelo contrário.

A solução adoptada, por maioria, pelo TCA-Sul no acórdão sindicado – de aplicação do princípio do “aproveitamento do acto” não obstante a ilegalidade cometida (por preterição do direito de audiência prévia antes do indeferimento da reclamação) -, não parece sequer ter sido plenamente apreendida pelos recorrentes, pois que a não atacam e antes insistem no seu recurso que o acto de liquidação é ilegal porque a audição prévia não estava legalmente dispensada (não havendo, quanto a isso, nenhuma divergência de entendimento entre os recorrentes e o acórdão sindicado).

Não se vê, pois, razão que fundamente ou justifique a admissão da revista, pelo que esta não será admitida.

- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pelos recorrentes.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.