Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0786/11
Data do Acordão:09/21/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:PENHOR
RENDA
PODER DISCRICIONÁRIO
GARANTIA
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - A norma do nº 2 do artigo 199º do CPPT não predetermina de forma completa quando é que a garantia é «idónea» para assegurar o pagamento efectivo da dívida, cometendo à administração tributária um juízo de avaliação da capacidade e suficiência da garantia oferecida.
II - Todavia, a margem de autonomia que desfruta na avaliação da idoneidade da garantia proposta pelo executado não é total, pois, para além da imposição de um fim do qual não pode desviar-se, a margem de autodeterminação é presidida por princípios jurídicos, como a proporcionalidade, que estabelecem parâmetros a que não se pode furtar aquele juízo de avaliação.
III - O penhor de rendas vencidas pode ser um meio idóneo à garantia do crédito exequendo.
Nº Convencional:JSTA00067158
Nº do Documento:SA2201109210786
Data de Entrada:08/31/2011
Recorrente:CM DE LISBOA
Recorrido 1:SEMINÁRIO ...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:DL 157/2006 DE 2006/08/08 ART18 N2 ART19
CPPTRIB99 ART199 N1 N2
CONST97 ART266 N2
CCIV66 ART667 ART678 ART680 ART681 ART685 N2 ART780
LGT98 ART52 N2
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. O representante da Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 14/7/2011, que julgou procedente a reclamação que o executado Seminário …, identificado nos autos, deduziu do despacho do Director de Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Direcção Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa que indeferiu o pedido de prestação de garantia com o oferecimento do penhor das rendas vincendas decorrentes dos contratos de arrendamento referentes ao imóvel de que é proprietária, pedido formulado no processo de execução nº 1106201001343050 que contra ela corre termos naquela Direcção.
Nas alegações, conclui o seguinte:
1ª - O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida em 14 de Julho de 2011, nos termos da qual foi anulado o despacho proferido no processo de execução fiscal n° 1106201001343050, ao abrigo da possibilidade conferida pelo nº 2 do 199° do C.P.P.T, o qual indeferiu o pedido de prestação de garantia com o oferecimento do penhor das rendas vincendas, por considerar que os créditos do exequente não se encontram devidamente assegurados.
2ª - A sentença recorrida padece de erro sobre os pressupostos de direito relativamente: a) Ao alcance do poder discricionário conferido à Administração pelo nº 2, do artigo 199°, do C.P.P.T; b) À alegada idoneidade da garantia oferecida pelo reclamante.
3ª - A correcta aplicação do nº. 2, do artigo 199°, do C.P.P.T., em conjugação com as restantes normas reguladoras da prestação de garantia no processo de execução fiscal determinariam a manutenção do despacho reclamado, por estar em causa o exercício de um poder discricionário da Administração e a prossecução do interesse público, traduzida em assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda em caso de incumprimento por parte do executado.
4ª - O nº 1 do artigo 199°, do C.P.P.T., enumera formas possíveis de garantir a dívida exequenda, reduzindo a margem de apreciação da Administração, desde que o meio oferecido pelo executado se afigure susceptível de assegurar o crédito.
5ª - O nº 2 do artigo 199°, do C.P.P.T., admite outros meios alternativos de prestação de garantia, designadamente, o penhor ou a hipoteca voluntária, desde que, cumulativamente: a) o executado o requeira e b) a Administração concorde com a garantia oferecida, por considerar que esta constitui meio próprio susceptível de assegurar os respectivos créditos.
6ª - Ou seja, o nº. 2, do mencionado artigo 199°, do C.P.P.T., confere à Administração uma margem de discricionariedade que lhe permite aferir, face às circunstâncias de cada caso se a garantia oferecida pelo executado se afigura idónea para assegurar os respectivos créditos.
7ª - Se é certo que face à lei actual não existe um conceito legal de garantia idónea, a lei confere ao órgão competente para a direcção do processo o poder de apreciar, no caso concreto, a adequação do meio oferecido para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, abrindo, apenas neste ponto, uma margem de discricionariedade à Administração.
8ª - O fim do acto é a vinculação característica da discricionariedade.
9ª - O despacho reclamado apreciou a pretensão do reclamante à luz do fim legal do processo de execução, que visa, precisamente, face ao incumprimento do devedor, a cobrança coerciva de um crédito da Administração.
10ª - A sentença recorrida não interpretou o despacho reclamado à luz do interesse público que à Administração cumpre prosseguir no âmbito do processo de execução fiscal, antes analisou a garantia oferecida do ponto de vista da respectiva admissibilidade nos termos gerais de direito.
11º - A sentença recorrida relegou para segundo plano aquilo que o legislador, nos termos do nº. 2, do artigo 199°, do C.P.P.T., considerou ser requisito de admissibilidade desta forma de garantia, conforme resulta do uso da expressão (acrescentando-se apenas, no seu 2, a necessidade de obter a concordância do órgão de execução fiscal) - destaque nosso.
12º - Se o legislador fez depender a idoneidade das garantias previstas no nº 2 do artigo 199° do C.P.P.T. da concordância do órgão competente para a direcção do processo de execução fiscal, o juízo proferido por este órgão reveste primordial importância.
13ª - Do lado do executado, a prestação da garantia idónea visa apenas suspender os termos do processo de execução; porém, do lado do exequente, a garantia tem também por fim assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos. E o despacho reclamado considerou que garantia oferecida não é idónea para esse efeito.
14ª - A par da possibilidade legal de levantamento das rendas por parte do executado - à qual este declara renunciar e está na sua inteira disponibilidade - os restantes factores determinantes da idoneidade desta garantia são completamente alheios à vontade do executado: pense-se na impossibilidade de assegurar a manutenção, no futuro, dos contratos de arrendamento do imóvel em questão; pense-se na impossibilidade de assegurar o cumprimento pontual da obrigação de pagamento da renda por parte dos arrendatários.
15ª - Porque proferida no âmbito de um poder discricionário que, em respeito pelo fim legal prosseguido pelo processo de execução fiscal, acautelou a prossecução do interesse do Município em ser ressarcido dos custos suportados com a realização coerciva de uma obra que ao particular cumpria assegurar, a decisão da Administração não merece reparo.
16ª - A sentença recorrida violou o disposto no nº 2, do artigo 199°, do C.P.P.T., ao considerar que a discricionariedade contida no despacho reclamado não teve em vista o fim legal do processo de execução fiscal e ainda quando afirma que este poder desrespeita os princípios e regras gerais aplicáveis à actividade da Administração.
17ª - A sentença recorrida padece de erro sobre os pressupostos de direito quando considera preenchido o pressuposto da idoneidade da garantia.
18ª - Na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade da garantia oferecida para assegurar os créditos de exequente e resulta, por remissão do n°. 2, do artigo 52°, da Lei Geral Tributária, da conjugação do disposto no artigo 169° com os artigos 199° e 217°, do C.P.P.T.
19ª - Das mencionadas disposições resulta claro que o juízo utilizado para aferir da idoneidade da garantia coincide com o critério subjacente à extensão da penhora. E este traduz-se na suficiência dos bens para assegurar o valor da dívida exequenda e acrescido.
20ª - Foi entendimento do órgão competente para a direcção do processo de execução que o oferecimento do penhor das rendas decorrentes dos contratos de arrendamento existentes no imóvel em questão não se afigura suficiente para assegurar o efectivo cumprimento da obrigação de pagamento da dívida exequenda.
21ª - A par da possibilidade de levantamento de uma parte das rendas depositadas, à qual o reclamante declara renunciar e que dependem em exclusivo da respectiva vontade, o penhor das rendas depende ainda de factores externos à vontade do executado.
22ª - As rendas oferecidas para pagamento dos custos suportados com a realização das obras coercivas pressupõem o cumprimento pontual da respectiva obrigação por parte dos arrendatários do imóvel. Pressupõe-se, ainda, a manutenção dos contratos de arrendamento do imóvel em questão. E estes constituem factores alheios à vontade do prestador da garantia. Sendo certo que, a verificarem-se impedem a cobrança efectiva da dívida exequenda a acrescido, prejudicando o direito do exequente em ser ressarcido dos seus créditos.
23ª - O despacho reclamado ponderou estes interesses face à situação concreta e assim acautelou o interesse do Município em ser ressarcido, no futuro - mais tarde, na expressão utilizada - dos custos efectuados com a realização da obra coerciva supra identificada, que constitui a relação jurídica subjacente à dívida exequenda.
24ª - A sentença recorrida desconsiderou a possibilidade conferida ao órgão de execução para aferir da idoneidade da garantia oferecida, de acordo com o critério da suficiência dos bens para assegurar os créditos do exequente, atendo-se unicamente ao facto de até à data não ter havido levantamento das rendas depositadas.
25ª - A prossecução do interesse público, que no processo de execução fiscal se traduz na efectiva cobrança da dívida exequenda, constitui o critério último a ter em conta pelo órgão competente para a direcção do processo para considerar preenchido o conceito de idoneidade.
26ª - A sentença recorrida violou o disposto no nº 2, do artigo 52°, da Lei Geral Tributária, conjugado com o disposto nos artigos 169°, 199° e 217°, do C.P.P.T., quando considerou preenchido o critério da suficiência da garantia oferecida para assegurar os créditos do exequente.
27ª - O despacho reclamado não padece de vícios e assim deve manter-se na ordem jurídica.
1.2. Não foram apresentadas alegações.
1.3. O digno Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por considerar que o tribunal não pode interferir no poder discricionário conferido à administração tributária na aceitação do penhor.
2. A sentença deu como assente a seguinte factualidade:
a) Em 21-6-2010, a Divisão de Execuções Fiscais do Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Direcção Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa instaurou contra o ora reclamante o processo de execução fiscal n° 1106201001343050, para cobrança coerciva de dívida, no montante de € 80.184,63 e acrescido, relativa a Obras Coercivas, nos termos do Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, referentes ao prédio urbano de que é proprietário, sito na Rua … nº …, em Lisboa (cfr. capa do processo, certidão de dívida e aviso de citação, a fls. 3 a 7 dos autos);
b) Relativamente ao identificado processo de execução fiscal, o ora reclamante apresentou em 9-9-2010 a competente Oposição, ao abrigo do artigo 204°, n° 1, alíneas a), 1) e i) do CPPT, autuada sob o n° 1106201004000044, na qual conclui requerendo, “que em face do pagamento da quantia exequenda que tem vindo a ser feita e que continua a ser feito, se considera prestada a garantia idónea para os efeitos do disposto nos artigos 195° e 199° do CPPT, garantia que pode traduzir-se em penhor das rendas vincendas ex vi das normas legais citadas, decretando-se assim a imediata suspensão da execução fiscal, o que se requer nos termos do artigos 212° e 1690 do CPPT” (cfr. autuação e p.i., a fls. 12 a 18 dos autos);
c) Em 8-2-2011, tendo em vista a prestação de garantia, atenta a apresentação da oposição à execução fiscal, foi elaborada informação com o cálculo, efectuado nos termos e para os efeitos do n° 1 do artigo 1690 e n°5 do artigo 199°, ambos do CPPT, do valor da garantia a prestar, no montante apurado de €120.579,97 (cfr. informação e cálculo, a fls. 31 e 32 dos autos);
d) O ora reclamante foi notificado, através do oficio n° 321, de 9-2-2011, para, no prazo de 15 dias, prestar garantia idónea, no valor fixado de €120.579,97, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas do n° 2 do artigo 169° e n° 5 do artigo 199º do CPPT, sob pena de se proceder de imediato à penhora, nos termos do artigo 169°, n° 7 do CPPT (cfr. oficio, a fls. 34 dos autos);
e) Por requerimento entrado nos serviços da Câmara Municipal de Lisboa em 1-3-2011, o ora reclamante solicitou ao Senhor Presidente da CML, “que se digne aceitar como garantia idónea o penhor das rendas vincendas referentes ao prédio urbano sito na Rua … …, em Lisboa, o que se requer nos termos dos artigos 169°, n° 1 e 5 e 199º, n° 2 do CPPT” (cfr. requerimento, a fls. 37 dos autos);
f) Em resposta, foi em 10-3-2011 proferido despacho de indeferimento pelo Director do Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Direcção Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, por subdelegação, que constitui o objecto da presente reclamação e cujo teor se transcreve integralmente:
“Atento o requerido a fls. 34, ou seja, a oferta como garantia idónea o penhor das rendas vincendas, o pedido é indeferido, nos termos do disposto no n° 2 do art. 199° do CPPT, bem como no facto de a lei (Regime Jurídico das obras em prédios arrendados - DL 157/2006, 8/8), permitir que o senhorio requeira o levantamento dos depósitos das rendas, na percentagem de 50%, o que se traduziria, mais tarde, na não salvaguarda de garantia do valor da dívida e acrescido. Notifique-se de que deverá prestar garantia no prazo de 15 dias sob pena de penhora do imóvel.
Em 2011-03-10
O Responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais, por subdelegação
O Director de Departamento
(A…)” (cfr. despacho, a fls. 38 dos autos);
g) Em 17-3-2011, foi o ora reclamante notificado do teor do despacho mencionado na alínea antecedente, para, no prazo de 15 dias, prestar garantia idónea, no valor fixado de €120.579,97, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas do n° 2 do artigo 169° e n° 5 do artigo 199° do CPPT, sob pena de penhora do imóvel (cfr. ofício e A/R, a fls. e 40 dos autos);
h) Em 30-3-2011, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Lisboa a petição da presente reclamação de actos do órgão da execução fiscal (cfr. carimbo aposto na primeira página da p.i,. a fls. 41 dos autos);
i) O despacho de indeferimento integralmente transcrito em F) que antecede, e que constitui o objecto da presente reclamação, foi proferido pelo Director do Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Direcção Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, A…, o qual actuou com base em subdelegação de poderes da Directora Municipal de Finanças, com poderes subdelegados do Vereador do Pelouro das Finanças, com poderes subdelegados do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (cfr. Despacho n° 05/DMF/2010, publicado no Boletim Municipal nº 877, de 9 de Dezembro, Despacho n° 211/P/2010, publicado no Boletim Municipal n° 876, de 2 de Dezembro, Despacho nº 166/P/2009, publicado no Boletim Municipal n° 824, de 3 de Dezembro, e Deliberação n° 1111/CM/2009, publicado no Boletim Municipal n° 821, de 12 de Novembro);
J) O Município encontra-se a receber as rendas relativas às fracções arrendadas do prédio identificado em A) que antecede, nunca tendo o seu proprietário, ora reclamante, procedido ao levantamento de um percentual do montante das mesmas, nos termos previstos no Decreto-Lei n° 157/2006, de 8 de Agosto (Regime Jurídico das obras em prédios arrendados)
3. O recorrente Município de Lisboa procedeu à realização de obras coercivas num prédio arrendado de que é proprietário o recorrido Seminário …. No processo de execução fiscal para cobrança do valor dessas obras, após notificação para prestação de garantia, o executado ofereceu como garantia o penhor das rendas vincendas decorrentes dos contratos de arrendamento referentes ao prédio onde foram executadas as ditas obras. O órgão da execução fiscal indeferiu esse pedido com fundamento em que o executado, nos termos do nº 2 do artigo 18º do DL 157/2006 de 8/8, poderia levantar 50% dessas rendas.
A sentença recorrida anulou esse acto com os seguintes fundamentos: (i) o penhor de rendas é genericamente admitido em direito (ii) o despacho reclamado não considerou que o executado, não só nunca levantou os 50% das rendas, como reitera ter renunciado às mesmas; (iii) que o reclamante ofereceu a totalidade das rendas; (iv) o despacho reclamado restringe, genericamente, todas as situações em que a garantia é oferecida sobre a forma de penhor de rendas vincendas.
O recorrente considera que essa decisão enferma de erro nos pressupostos de direito, porquanto: (i) o nº 2 do artigo 199º do CPPT atribui ao órgão competente para a direcção do processo de execução fiscal o poder discricionário para apreciar se a garantia oferecia é ou não idónea para assegurar os respectivos créditos; (ii) o despacho reclamado apreciou a pretensão do reclamante à luz do fim legal do processo de execução, que é a cobrança coerciva de um crédito da Administração; (iii) a garantia oferecida pelo executado não idónea, porque o executado pode levantar parte das rendas e porque as rendas estão dependentes de factores alheios à vontade do executado, com a manutenção futura dos contratos de arrendamento e o cumprimento pontual do seu pagamentos. Quer a sentença recorrida quer o recorrente estão de acordo que o nº 2 do artigo 199º do CPTT confere à administração tributária um poder discricionário para decidir se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar os créditos exequentes.
E parece que assim se deve entender.
Depois de se estabelecer no nº 1 do artigo 199º, por remissão do nº 1 do artigo 165º, que a garantia idónea pode consistir em «garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», prescreve-se no nº 2 o seguinte: «a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º com as necessárias adaptações».
Como a garantia da dívida exequenda é prestada através de instrumentos de direito privado, temos que reconhecer que a expressão «concordância da administração tributária» pode levantar dúvidas, quer quanto à natureza da manifestação de vontade da administração tributária, quer quanto ao tipo de poder concedido: (i) o consentimento da administração tributária surge como requisito de existência do penhor, caso em que a garantia se constitui por via do contrato, ou como requisito de eficácia, caso em que se constitui por acto unilateral? a norma concede um poder discricionário ou está-se perante um poder negocial privado?
Não se pode dizer que a aceitação do penhor pela administração tributária funcione como elemento de validade da garantia. O penhor não nasce pela conjugação de duas vontades dotadas de igual valor, mas sim por declaração unilateral do executado que afecta determinados bens à satisfação preferencial da dívida exequenda. O consentimento da administração tributária não faz parte do contrato de garantia (o pactum de oppignorando), porque o artigo 199º do CPPT comete-lhe um fim específico: averiguar se a garantia assegura a satisfação do crédito do exequente. Deste modo, a exigência de consentimento ou aprovação da administração tributária funda-se na necessidade da prossecução de um interesse público específico, o que constitui um desvio à lógica da autonomia privada.
Se a lei dá ao consentimento da administração tributária uma razão de ser específica, então a autonomia privada que possui quando age no âmbito do direito privado cede lugar à discricionariedade. Ou seja, a possibilidade de aceitar ou rejeitar o penhor resulta de norma específica que deixa a quem tem que tomar a decisão um certo grau de autonomia. O artigo 199º do CPPT não dita de antemão quando é que o penhor é uma garantia idónea à satisfação do crédito do exequente. A norma do seu nº 2 não predetermina de forma completa quando é que a garantia é «idónea» para assegurar o pagamento efectivo da dívida. Através desse conceito impreciso comete-se ao órgão tributário um juízo sobre as virtualidades da garantia oferecida. Mas esse juízo não é feito apenas com base em premissas resultantes da lei, pois assenta sobretudo nos elementos de cada situação concreta.
Como bem se refere na sentença recorrida, a margem de autonomia que a administração tributária desfruta na avaliação da idoneidade da garantia proposta pelo executado não é total. Para além da imposição de um fim do qual não pode desviar-se, a margem de autodeterminação é presidida por princípios jurídicos, como a imparcialidade e proporcionalidade, que estabelecem parâmetros a que não se pode furtar o juízo de avaliação da idoneidade da garantia (cfr. nº 2 art. 266º da CRP, que é aplicável mesmo quando a Administração actua por meios de direito privado).
O recorrente argumenta que ao rejeitar a garantia do penhor de rendas vencidas “acautelou” o interesse público em salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda. Na avaliação que fez do penhor oferecido como garantia constatou que 50% das rendas empenhadas poderiam ser levantadas pelo executado, o que tornava a garantia inidónea. No recurso acrescenta ainda mais um elemento: há factores externos à vontade do executado, como a manutenção dos arrendamentos e o pagamento pontual das rendas, que podem impedir a cobrança efectiva da dívida exequenda.
Será que estes pressupostos tirados da situação concreta são aptos a justificar a rejeição do penhor de rendas vincendas como garantia do crédito exequendo?
Por força da lei, o crédito do exequente está a ser pago através do recebimento de 50% das rendas do prédio onde foram executadas as obras coercivas. Com efeito, os artigos 18º e 19º do DL nº 157/2006, de 8/8 estabelecem que o ressarcimento pelas obras executadas pelo município é feito através do recebimento das rendas consignadas em depósito pelo arrendatário, podendo o senhorio levantar os depósitos no valor correspondente a 50% da rendas.
Ora, havendo consignação legal de 50% dos rendimentos do prédio a favor do credor município, com amortização progressiva do débito, o executado só tem poderes de disposição relativamente aos restantes 50%. Significa isto que o executado, de acordo com o disposto no artigo 667º do Código Civil, só pode empenhar 50% das rendas. O crédito das rendas vincendas é um direito penhorável que produz efeitos com a notificação ao arrendatário (cfr. arts. 680º e 681º do CCv). Com esta notificação o autor do penhor fica privado da possibilidade de dispor do direito empenhado. Como se trata e uma prestação em dinheiro, a arrendatário só pode entregar as rendas «aos dois credores conjuntamente» ou através da consignação em depósito (cfr. nº 2 do art. 685º do CCv). Por isso, os receios manifestados pelo órgão da administração tributária quanto à possibilidade do executado levantar sozinho os 50% das rendas não se verificam porque nem o titular do crédito nem o credor pignoratício podem, por si só, receber as rendas vincendas.
De igual modo, o argumento invocado no recurso para fundamentar a idoneidade do penhor das rendas vincendas não se mostra adequado ao fim visado pela garantia. O penhor de rendas vincendas configura um penhor de créditos futuros, uma vez que a obrigação de pagar as rendas já existe, mas por se tratar de uma relação de duração continuada, as prestações só se vencem no futuro. Neste contexto, a subsistência dos vínculos contratuais e o pagamento pontual das rendas são elementos que eventualmente podem fazer perecer ou tornar insuficiente a garantia da segurança da dívida. Todavia, nessa situação, à imagem da previsão genérica do artigo 780º e da previsão específica do artigo 701º (por remissão do art. 678º do CCV), o nº 2 do artigo 52º da LGT concede à administração tributária o poder de exigir ao executado o reforço da garantia, «no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido».
Na ausência de elementos indicadores de que os contratos de arrendamentos estão em vias de cessação, que os arrendatários não cumprem pontualmente a obrigação de pagar a renda, ou até que o valor global das rendas é excessivamente baixo para assegurar a cobrança da quantia exequenda, fica-se sem elementos concretos que permitam concluir que a garantia não é idónea. Sem outros elementos não se pode dizer, de forma objectiva e não arbitrária, que o penhor das rendas vincendas não é suficiente ou capaz de assegurar a satisfação do crédito exequendo, o qual até já está a ser pago com 50% dessas rendas.
O facto do nº 2 artigo 199º do CPPT conceder à administração tributária alguma margem de autodeterminação na decisão sobre a idoneidade do penhor ou da hipoteca voluntária oferecida pelo executado, não significa que apreciação da exactidão dos elementos por ela considerados nessa avaliação estejam excluídos do controle judicial. Para além da correcção da interpretação da norma e da verificação dos pressupostos da sua aplicação, que no caso não está em causa, restará sempre a observância do princípio da proporcionalidade, ou seja, do «iter» lógico seguido pela Administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que presidiram à aplicação da norma ao caso concreto.
Ora, foi isto mesmo que falhou no despacho reclamado, quando escolheu como pressuposto de decisão um elemento que se revela manifestamente desacertado e inaceitável, sendo certo que os referidos no recurso, por si só, também não são adequados à rejeição da garantia.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 21 de Setembro de 2011. – Lino Ribeiro (relator) – Valente Torrão – Dulce Neto.