Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0188/15.6BEMDL |
Data do Acordão: | 01/12/2022 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRC AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL |
Sumário: | I - O art. 45º nº 3 do CIRC visou, de forma imediata, combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata, obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar. II - Na situação dos autos, tal como refere a AT, a redução do capital social para a cobertura de resultados negativos não colocou em crise o valor patrimonial da participação da ora Recorrente na sua participada, na medida em que aquela operação e registo contabilístico não alteraram o capital próprio da participada, porquanto, o valor da diminuição do capital social foi compensado em igual montante na cobertura de prejuízo. III - Isto para dizer que, em sede de IRC, a realidade em apreço não releva para efeitos de apuramento da matéria colectável por não estarem em causa quaisquer gastos ou perdas nos termos do art. 23º do CIRC nem qualquer variação patrimonial negativa de acordo com o aludido art. 24º do CIRC, na medida em que não existiu qualquer alteração, quer do activo, quer do passivo da participada, não se descortinando qualquer desvalorização da participação, pois que apenas foi modificada a composição do seu capital, não se vislumbrando qualquer alteração no seu património. IV - Em termos de eventuais menos-valias, diga-se que, tal como decidido, só as menos-valias realizadas, e não também as menos-valias potenciais ou latentes, constituem custos ou perdas de exercício para efeitos de IRC, o que significa que uma diminuição do capital social com redução proporcional do valor das quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonial negativa, pelo que não é custo ou perda relevante para os efeitos apontados. |
Nº Convencional: | JSTA000P28751 |
Nº do Documento: | SA2202201120188/15 |
Data de Entrada: | 01/07/2019 |
Recorrente: | A............, SA |
Recorrido 1: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Processo n.º 188/15.6BEMDL (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. RELATÓRIO “A…………, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 23-11-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação de IRC do exercício de 2009, no valor de € 114.404,95. Formulou as respectivas alegações, no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões: “(…) i. A douta decisão de que se recorre não traduz uma correta valoração e interpretação da matéria factual dada como provada, nem fez uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes. ii. O facto tributário ocorrido no exercício de 2009 configura uma "diferença negativa" do património líquido da sociedade impugnante, originada pela redução, por parte da sociedade participada do seu capital para cobertura dos prejuízos. iii. A "redução" do capital, não é mais do que a imposição aos sócios, da obrigação destes de "quinhoar" nas perdas, prevista no art.º 22.º do CSC. iv. Para efeitos fiscais, a diferença entre "quinhoar nos lucros" e "quinhoar" nas perdas, traduzia-se, à data dos factos, em sujeitar a tributação a "diferença positiva", o lucro quinhoado, v. e em considerar, como perdas, apenas metade da "diferença negativa" da perda quinhoada. vi. Opção que o legislador de modo claro, objetivo e evidente considerou no n.º 2 do art.º 45.º do CIRC. vii. Disposição que, de modo expresso e sem ambiguidades se reporta a "diferenças negativas" provenientes não apenas da "transmissão onerosa de partes de capital" mas também de outros factos relativos a partes de capital, como sejam a remição, a redução de capital para amortização de perdas e outros, ali expressamente previstos. viii. O lucro tributável corresponde, por força das disposições conjugadas nos art.º 3.º, 17.º, 18.º 23.º e 45.º todos do Código do IRC, à diferença positiva entre o património líquido no fim e no início do período de tributação corrigido nos termos daquelas disposições legais. ix. Correções, que nuns casos, os do art.º 23.º do CIRC, assentam no poder, vinculado mas discricionário da AT, e noutros, como é o caso do art.º 45.º em poder apenas vinculado. x. E esta disposição não deixa margem para uma interpretação diferente da que lhe foi dada pela recorrente. xi. A recorrente no ano de 2009, registou a "diferença negativa" que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos. xii. E se foi nesse período que registou a perda efetiva é nesse período que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no n.° 3 do art.° 45.° do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor. xiii. Esta é a interpretação que decorre da letra da lei, ponto necessariamente de partida para a actividade interpretativa de qualquer norma. xiv. O princípio constitucional do lucro real e da capacidade contributiva impõem, também eles, o reconhecimento das perdas efetivas, e já não meramente potenciais, no período em que ocorrem (princípio da especialização económica) xv. Tratar a imputação dos prejuízos - "diferença negativa" apenas no período em que ocorre a liquidação e partilha e tratar a imputação dos lucros - "diferença positiva" - no momento em que ocorre, é tratar de modo desigual o que é substantivamente idêntico. xvi. A decisão recorrida viola o princípio da capacidade contributiva, da legalidade e da igualdade. xvii. A decisão recorrida que julgou improcedente a impugnação assentou em errada interpretação dos factos e errada interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes. Em face do exposto deverá revogar-se a decisão recorrida com as consequências legais, como é de JUSTIÇA.” A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em apreciar o alcance e significado da tal “diferença negativa” registada no ano de 2009 que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos bem como o facto de ter sido nesse período que se registou a perda efetiva, o que implica que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no nº 3 do art. 45º do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… 1. A Impugnante encontra-se registada pelo exercício de compra e venda de bens imobiliários, CAE 68100 - Fls. 3 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT); [Imagem] 3. Nessa sequência a AT notificou a Impugnante da liquidação em IRC do ano de 2013, e para pagar o montante de 114.404,95 € até 13/12/2013 - cfr. art.° 1 e 2 da PI de Reclamação graciosa a fls. não numeradas do PA; 4. Após reclamação graciosa e recurso hierárquico, a AT manteve a liquidação adicional de IRC de 2009 na parte em que manteve a correcção à matéria tributável no valor de 416.666,66 €, relativa à redução da participação para amortização de prejuízos - Cfr. fls. não numeradas do PA relativas à reclamação graciosa e recurso hierárquico e, também, decisão datada de 17/12/2014 referente ao recurso hierárquico.” «» 3.2. DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar o alcance e significado da tal “diferença negativa” registada no ano de 2009 que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos bem como o facto de ter sido nesse período que se registou a perda efetiva, o que implica que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no nº 3 do art. 45º do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor. Nas suas alegações, a Recorrente aponta que o facto tributário ocorrido no exercício de 2009 configura uma "diferença negativa" do património líquido da sociedade impugnante, originada pela redução, por parte da sociedade participada do seu capital para cobertura dos prejuízos, sendo que a "redução" do capital, não é mais do que a imposição aos sócios, da obrigação destes de "quinhoar" nas perdas, prevista no art.º 22.° do CSC e para efeitos fiscais, a diferença entre "quinhoar nos lucros" e "quinhoar" nas perdas, traduzia-se, à data dos factos, em sujeitar a tributação a "diferença positiva", o lucro quinhoado, e em considerar, como perdas, apenas metade da "diferença negativa" da perda quinhoada, opção que o legislador de modo claro, objetivo e evidente considerou no n.º 2 do art.º 45.º do CIRC, disposição que, de modo expresso e sem ambiguidades se reporta a "diferenças negativas" provenientes não apenas da "transmissão onerosa de partes de capital" mas também de outros factos relativos a partes de capital, como sejam a remição, a redução de capital para amortização de perdas e outros, ali expressamente previstos. Mais refere que o lucro tributável corresponde, por força das disposições conjugadas nos art.º 3.º, 17.º, 18.º 23.º e 45.º todos do Código do IRC, à diferença positiva entre o património líquido no fim e no início do período de tributação corrigido nos termos daquelas disposições legais, correções, que nuns casos, os do art.º 23.º do CIRC, assentam no poder, vinculado mas discricionário da AT, e noutros, como é o caso do art.º 45.º em poder apenas vinculado e esta disposição não deixa margem para uma interpretação diferente da que lhe foi dada pela recorrente que, no ano de 2009, registou a "diferença negativa" que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos e se foi nesse período que registou a perda efetiva é nesse período que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no n.° 3 do art.° 45.° do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor, sendo esta a interpretação que decorre da letra da lei, ponto necessariamente de partida para a actividade interpretativa de qualquer norma, para além de que o princípio constitucional do lucro real e da capacidade contributiva impõem, também eles, o reconhecimento das perdas efetivas, e já não meramente potenciais, no período em que ocorrem (principio da especialização económica). Que dizer? Como é sabido, a decisão recorrida julgou improcedente a presente impugnação judicial, na medida em que só as menos-valias realizadas, e não também as menos-valias potenciais ou latentes, constituem custos ou perdas de exercício para efeitos de IRC, apontando que uma diminuição do capital social com redução proporcional do valor das quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonial negativa, pelo que não é custo ou perda. A própria AT reconhece que a situação sub judice não se enquadra na situação da alínea a), pelo que resta verificar da possibilidade de enquadramento nas alíneas b) e c) supra, sendo que a AT sustenta, conclusivamente, que a situação se enquadra na segunda parte da norma (a aditada pelo Orçamento para 2006), afirmando que «o legislador pretendeu abarcar outras situações que não decorressem unicamente de transmissões onerosas da partes de capital» (cfr. conclusões X e seguintes, maxime XII). Retomemos a exposição do citado acórdão arbitral: «A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa [refere-se às situações elencadas sob as alíneas b) e c)], poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas”, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto. Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo [leia-se, pelo Decreto-Lei n.º] 159/2009, de 13 de Dezembro. Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que: · “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”; · “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”. Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção actual do artigo 45.º/3 do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber: a. Custos; b. Perdas; c. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício. A previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do actual 45.º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes. E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigo 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregue a mesma distinção. […] A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”. Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º/3 do CIRC aplicável, se reportará a: a. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital; b. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e c. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º. Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio. A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” [a fls. 31 (Disponível em Nesta sequência, pode dizer-se que a existência desta norma visou, de forma imediata, combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata, obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar. Tendo presente o que vimos de dizer, podemos avançar no sentido de que as referidas “diferenças negativas” também não se enquadram nas situações previstas sob as alíneas b) e c) acima descritas. Na verdade, tal como refere a AT, a redução do capital social para a cobertura de resultados negativos não colocou em crise o valor patrimonial da participação da ora Recorrente na sua participada, na medida em que aquela operação e registo contabilístico não alteraram o capital próprio da participada, porquanto, o valor da diminuição do capital social foi compensado em igual montante na cobertura de prejuízo. Isto para dizer que, em sede de IRC, a realidade em apreço não releva para efeitos de apuramento da matéria colectável por não estarem em causa quaisquer gastos ou perdas nos termos do art. 23º do CIRC nem qualquer variação patrimonial negativa de acordo com o aludido art. 24º do CIRC, na medida em que não existiu qualquer alteração, quer do activo, quer do passivo da participada, não se descortinando qualquer desvalorização da participação, pois que apenas foi modificada a composição do seu capital, não se vislumbrando qualquer alteração no seu património, sendo que, em termos de eventuais menos-valias, diga-se que, tal como decidido, só as menos-valias realizadas, e não também as menos-valias potenciais ou latentes, constituem custos ou perdas de exercício para efeitos de IRC, o que significa que uma diminuição do capital social com redução proporcional do valor das quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonial negativa, pelo que não é custo ou perda relevante para os efeitos apontados, o que equivale a dizer que a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 12 de Janeiro de 2022.- Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |