Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0188/15.6BEMDL
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL
Sumário:I - O art. 45º nº 3 do CIRC visou, de forma imediata, combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata, obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar.
II - Na situação dos autos, tal como refere a AT, a redução do capital social para a cobertura de resultados negativos não colocou em crise o valor patrimonial da participação da ora Recorrente na sua participada, na medida em que aquela operação e registo contabilístico não alteraram o capital próprio da participada, porquanto, o valor da diminuição do capital social foi compensado em igual montante na cobertura de prejuízo.
III - Isto para dizer que, em sede de IRC, a realidade em apreço não releva para efeitos de apuramento da matéria colectável por não estarem em causa quaisquer gastos ou perdas nos termos do art. 23º do CIRC nem qualquer variação patrimonial negativa de acordo com o aludido art. 24º do CIRC, na medida em que não existiu qualquer alteração, quer do activo, quer do passivo da participada, não se descortinando qualquer desvalorização da participação, pois que apenas foi modificada a composição do seu capital, não se vislumbrando qualquer alteração no seu património.
IV - Em termos de eventuais menos-valias, diga-se que, tal como decidido, só as menos-valias realizadas, e não também as menos-valias potenciais ou latentes, constituem custos ou perdas de exercício para efeitos de IRC, o que significa que uma diminuição do capital social com redução proporcional do valor das quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonial negativa, pelo que não é custo ou perda relevante para os efeitos apontados.
Nº Convencional:JSTA000P28751
Nº do Documento:SA2202201120188/15
Data de Entrada:01/07/2019
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 188/15.6BEMDL (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO

“A…………, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 23-11-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação de IRC do exercício de 2009, no valor de € 114.404,95.

Formulou as respectivas alegações, no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

i. A douta decisão de que se recorre não traduz uma correta valoração e interpretação da matéria factual dada como provada, nem fez uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes.

ii. O facto tributário ocorrido no exercício de 2009 configura uma "diferença negativa" do património líquido da sociedade impugnante, originada pela redução, por parte da sociedade participada do seu capital para cobertura dos prejuízos.

iii. A "redução" do capital, não é mais do que a imposição aos sócios, da obrigação destes de "quinhoar" nas perdas, prevista no art.º 22.º do CSC.

iv. Para efeitos fiscais, a diferença entre "quinhoar nos lucros" e "quinhoar" nas perdas, traduzia-se, à data dos factos, em sujeitar a tributação a "diferença positiva", o lucro quinhoado,

v. e em considerar, como perdas, apenas metade da "diferença negativa" da perda quinhoada.

vi. Opção que o legislador de modo claro, objetivo e evidente considerou no n.º 2 do art.º 45.º do CIRC.

vii. Disposição que, de modo expresso e sem ambiguidades se reporta a "diferenças negativas" provenientes não apenas da "transmissão onerosa de partes de capital" mas também de outros factos relativos a partes de capital, como sejam a remição, a redução de capital para amortização de perdas e outros, ali expressamente previstos.

viii. O lucro tributável corresponde, por força das disposições conjugadas nos art.º 3.º, 17.º, 18.º 23.º e 45.º todos do Código do IRC, à diferença positiva entre o património líquido no fim e no início do período de tributação corrigido nos termos daquelas disposições legais.

ix. Correções, que nuns casos, os do art.º 23.º do CIRC, assentam no poder, vinculado mas discricionário da AT, e noutros, como é o caso do art.º 45.º em poder apenas vinculado.

x. E esta disposição não deixa margem para uma interpretação diferente da que lhe foi dada pela recorrente.

xi. A recorrente no ano de 2009, registou a "diferença negativa" que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos.

xii. E se foi nesse período que registou a perda efetiva é nesse período que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no n.° 3 do art.° 45.° do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor.

xiii. Esta é a interpretação que decorre da letra da lei, ponto necessariamente de partida para a actividade interpretativa de qualquer norma.

xiv. O princípio constitucional do lucro real e da capacidade contributiva impõem, também eles, o reconhecimento das perdas efetivas, e já não meramente potenciais, no período em que ocorrem (princípio da especialização económica)

xv. Tratar a imputação dos prejuízos - "diferença negativa" ­ apenas no período em que ocorre a liquidação e partilha e tratar a imputação dos lucros - "diferença positiva" - no momento em que ocorre, é tratar de modo desigual o que é substantivamente idêntico.

xvi. A decisão recorrida viola o princípio da capacidade contributiva, da legalidade e da igualdade.

xvii. A decisão recorrida que julgou improcedente a impugnação assentou em errada interpretação dos factos e errada interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes.

Em face do exposto deverá revogar-se a decisão recorrida com as consequências legais, como é de JUSTIÇA.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em apreciar o alcance e significado da tal “diferença negativa” registada no ano de 2009 que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos bem como o facto de ter sido nesse período que se registou a perda efetiva, o que implica que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no nº 3 do art. 45º do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. A Impugnante encontra-se registada pelo exercício de compra e venda de bens imobiliários, CAE 68100 - Fls. 3 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT);
2. A contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária cujo RIT aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque:

“(…)

[Imagem]

(…)”

3. Nessa sequência a AT notificou a Impugnante da liquidação em IRC do ano de 2013, e para pagar o montante de 114.404,95 € até 13/12/2013 - cfr. art.° 1 e 2 da PI de Reclamação graciosa a fls. não numeradas do PA;

4. Após reclamação graciosa e recurso hierárquico, a AT manteve a liquidação adicional de IRC de 2009 na parte em que manteve a correcção à matéria tributável no valor de 416.666,66 €, relativa à redução da participação para amortização de prejuízos - Cfr. fls. não numeradas do PA relativas à reclamação graciosa e recurso hierárquico e, também, decisão datada de 17/12/2014 referente ao recurso hierárquico.”


«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar o alcance e significado da tal “diferença negativa” registada no ano de 2009 que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos bem como o facto de ter sido nesse período que se registou a perda efetiva, o que implica que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no nº 3 do art. 45º do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor.

Nas suas alegações, a Recorrente aponta que o facto tributário ocorrido no exercício de 2009 configura uma "diferença negativa" do património líquido da sociedade impugnante, originada pela redução, por parte da sociedade participada do seu capital para cobertura dos prejuízos, sendo que a "redução" do capital, não é mais do que a imposição aos sócios, da obrigação destes de "quinhoar" nas perdas, prevista no art.º 22.° do CSC e para efeitos fiscais, a diferença entre "quinhoar nos lucros" e "quinhoar" nas perdas, traduzia-se, à data dos factos, em sujeitar a tributação a "diferença positiva", o lucro quinhoado, e em considerar, como perdas, apenas metade da "diferença negativa" da perda quinhoada, opção que o legislador de modo claro, objetivo e evidente considerou no n.º 2 do art.º 45.º do CIRC, disposição que, de modo expresso e sem ambiguidades se reporta a "diferenças negativas" provenientes não apenas da "transmissão onerosa de partes de capital" mas também de outros factos relativos a partes de capital, como sejam a remição, a redução de capital para amortização de perdas e outros, ali expressamente previstos.

Mais refere que o lucro tributável corresponde, por força das disposições conjugadas nos art.º 3.º, 17.º, 18.º 23.º e 45.º todos do Código do IRC, à diferença positiva entre o património líquido no fim e no início do período de tributação corrigido nos termos daquelas disposições legais, correções, que nuns casos, os do art.º 23.º do CIRC, assentam no poder, vinculado mas discricionário da AT, e noutros, como é o caso do art.º 45.º em poder apenas vinculado e esta disposição não deixa margem para uma interpretação diferente da que lhe foi dada pela recorrente que, no ano de 2009, registou a "diferença negativa" que resultou da amortização do capital social para cobertura de prejuízos e se foi nesse período que registou a perda efetiva é nesse período que a mesma tem e deve ser sujeita a tributação, sempre com observância do disposto no n.° 3 do art.° 45.° do CIRC, ou seja, na proporção de 50% do seu valor, sendo esta a interpretação que decorre da letra da lei, ponto necessariamente de partida para a actividade interpretativa de qualquer norma, para além de que o princípio constitucional do lucro real e da capacidade contributiva impõem, também eles, o reconhecimento das perdas efetivas, e já não meramente potenciais, no período em que ocorrem (principio da especialização económica).

Que dizer?

Como é sabido, a decisão recorrida julgou improcedente a presente impugnação judicial, na medida em que só as menos-valias realizadas, e não também as menos-valias potenciais ou latentes, constituem custos ou perdas de exercício para efeitos de IRC, apontando que uma diminuição do capital social com redução proporcional do valor das quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonial negativa, pelo que não é custo ou perda.

Pois bem, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 17-02-2016, Proc. nº 01401/14, www.dgsi.pt, “… A determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC faz-se nos termos do n.º 1 do art. 17.º do respectivo Código: «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
De acordo com o disposto no art. 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, «[c]onsideram-se rendimentos [antes, proveitos e ganhos] os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente (…) h) Mais-valias realizadas; (…)»
No art. 23.º, n.º 1, do mesmo Código especificam-se quais gastos [antes, custos ou perdas] que a lei releva. Após uma definição ampla do conceito de gastos fiscais – «os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» –, o preceito faz uma enumeração meramente exemplificativa, na qual inclui as «menos-valias realizadas» [cfr. alínea l)].
Quanto às variações patrimoniais positivas, diz o n.º 1 do art. 21.º do CIRC: «Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no período de tributação, excepto (…) b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal».
Paralelamente, quanto às variações patrimoniais negativas, dispõe o art. 24.º, n.º 1, do mesmo Código: «Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto (…) b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade».
O n.º 1 do art. 46.º do CIRC dá-nos a definição de mais e menos-valias: «Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: a) Activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes activos tenha sido reclassificado como activo não corrente detido para venda; b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º».
O n.º 2 do mesmo artigo indica o método para o respectivo cálculo: «As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correcções de valor previstas no artigo 35.º, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do n.º 5 do artigo 30.º». O valor de realização é definido no n.º 3 do mesmo artigo. Ou seja, em princípio (Desde que respeitem os requisitos do art. 23.º do CIRC.), as menos-valias e as perdas realizadas por uma sociedade com uma determinada operação comercial concorrem, negativamente, para a formação do lucro tributável do respectivo exercício.
Mas existem algumas limitações, entre as quais ora nos interessa considerar a do art. 45.º do CIRC, com a epígrafe «Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», que no seu n.º 3 estabelecia: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Esta norma restritiva do montante de menos-valia susceptível de dedução não existia na versão original do CIRC (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro.). Designadamente, no art. 42.º, que correspondia ao referido art. 45.º, nenhuma restrição havia relativamente à dedução das menos-valias. Como deixámos já dito, apenas se afirmava, na alínea l) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que se consideravam gastos «as menos-valias realizadas».
A referida norma foi aditada (sob o n.º 3) ao então art. 42.º do CIRC (depois 45.º) pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado ara 2003), com a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento do Estado de 2003 (Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2003&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.), após referir «[n]o que respeita às receitas, estabelecem-se desde logo duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável» (pág. 34), enquadrou a medida de «exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas» no âmbito das alterações em sede de IRC em ordem ao «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade» (pág. 53).
Ulteriormente, com a entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o referido n.º 3 do então art. 42.º do CIRC recebeu a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para este Orçamento (Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2006&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.) enquadrou esta alteração no âmbito do «combate à fraude e evasão fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental» (pág. 31).
Ou seja, o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável. Sob essa óptica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.
Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».
A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal. Tenha-se presente que, após a republicação do CIRC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a norma em questão passou a ser o n.º 3 do art. 45.º.

Recordemos aqui a exposição do acórdão arbitral de 25 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 108/2013-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=108%2F2013&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=200.), relatado pelo Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, no que se refere à interpretação do n.º 3 do art. 45.º do CIRC:
«[…]
A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:
a. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;
b. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;
c. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”».

A própria AT reconhece que a situação sub judice não se enquadra na situação da alínea a), pelo que resta verificar da possibilidade de enquadramento nas alíneas b) e c) supra, sendo que a AT sustenta, conclusivamente, que a situação se enquadra na segunda parte da norma (a aditada pelo Orçamento para 2006), afirmando que «o legislador pretendeu abarcar outras situações que não decorressem unicamente de transmissões onerosas da partes de capital» (cfr. conclusões X e seguintes, maxime XII).

Retomemos a exposição do citado acórdão arbitral:

«A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa [refere-se às situações elencadas sob as alíneas b) e c)], poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas”, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo [leia-se, pelo Decreto-Lei n.º] 159/2009, de 13 de Dezembro. Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

· “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

· “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção actual do artigo 45.º/3 do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

a. Custos;

b. Perdas;

c. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

A previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do actual 45.º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes. E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigo 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregue a mesma distinção.

[…]

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º/3 do CIRC aplicável, se reportará a:

a. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;

b. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e

c. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” [a fls. 31 (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/BAFFC60A-E1B8-4217-89E1-17440629A6BA/0/ManualQ07201104052V.pdf.)], a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. […]». …”.

Nesta sequência, pode dizer-se que a existência desta norma visou, de forma imediata, combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata, obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar.

Tendo presente o que vimos de dizer, podemos avançar no sentido de que as referidas “diferenças negativas” também não se enquadram nas situações previstas sob as alíneas b) e c) acima descritas.

Na verdade, tal como refere a AT, a redução do capital social para a cobertura de resultados negativos não colocou em crise o valor patrimonial da participação da ora Recorrente na sua participada, na medida em que aquela operação e registo contabilístico não alteraram o capital próprio da participada, porquanto, o valor da diminuição do capital social foi compensado em igual montante na cobertura de prejuízo.

Isto para dizer que, em sede de IRC, a realidade em apreço não releva para efeitos de apuramento da matéria colectável por não estarem em causa quaisquer gastos ou perdas nos termos do art. 23º do CIRC nem qualquer variação patrimonial negativa de acordo com o aludido art. 24º do CIRC, na medida em que não existiu qualquer alteração, quer do activo, quer do passivo da participada, não se descortinando qualquer desvalorização da participação, pois que apenas foi modificada a composição do seu capital, não se vislumbrando qualquer alteração no seu património, sendo que, em termos de eventuais menos-valias, diga-se que, tal como decidido, só as menos-valias realizadas, e não também as menos-valias potenciais ou latentes, constituem custos ou perdas de exercício para efeitos de IRC, o que significa que uma diminuição do capital social com redução proporcional do valor das quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonial negativa, pelo que não é custo ou perda relevante para os efeitos apontados, o que equivale a dizer que a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 12 de Janeiro de 2022.- Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.