Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01369/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:HOSPITAL
ACIDENTE
NEGLIGÊNCIA
CULPA
RESPONSABILIDADE
PRESUNÇÃO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RECURSO DE REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista se o problema que vem indicado para a justificar não é susceptível de discussão útil.
Nº Convencional:JSTA000P21304
Nº do Documento:SA12017011101369
Data de Entrada:12/05/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA, EPE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A……………., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu pai, B……………….. – com intervenção principal espontânea dos também herdeiros C………………… e D………… – intentou acção administrativa comum, contra os Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E., peticionando a sua condenação ao pagamento de € 58.614,13 acrescidos de juros de mora, por danos decorrentes de queda daquele primeiro nas instalações do réu, causados por atuação negligente deste – omissão de vigilância e falta de segurança nas instalações.
Note-se, desde já, que o óbito do pai da autora e intervenientes principais não tem relação com a queda e danos a que respeita o presente processo.

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, por sentença de (fls. 430/441), julgou verificar-se uma «evidente ausência de facto ilícito» e julgou «improcedente o pedido, dele se absolvendo o Réu».

1.3. Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, foi-lhe negado provimento, por acórdão de 17.06.2016 (fls. 532/560).

1.4. É desse acórdão que a Autora vem requerer a admissão de revista, ao abrigo do artigo 150.º, 1, do CPTA

1.5. O recorrido defende a não admissão da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Nos termos da alegação da recorrente, «No tocante à admissão do recurso, o mesmo tem em vista a intervenção numa matéria tão importante para ações similares, ou seja, da valoração das presunções judiciais, nomeadamente perante o dever de vigilância por parte de uma entidade pública como o Serviço de Saúde, o que se traduz também na necessidade de não deixar fixar-se no ordenamento jurídico português, decisão judicial que colide com as unanimemente reconhecidas decisões do STA e por isso mesmo torna essencial uma melhor análise e aplicação do direito.
Facto é que este Supremo Tribunal Administrativo tem admitido, sem qualquer dúvida, a aplicação das presunções de culpa previstas no art. 493º, n.º 1, do C. Civil, admitindo assim que a regulamentação do Dec. Lei 48.051 não é exaustiva e que a remissão do art. 4° não é restritiva aos artigos ali referidos (art. 487° e 497° do C. Civil) — cfr. acórdão, de 29.4.98, do Pleno desta 1ª Secção e de 3.10.02 (R° 45 160) e de 20.3.02 (R° 45 831).

«Ora, a “vexata quaestio” de relevante importância jurídica e social que apela à melhor aplicação do direito, prende-se com o entendimento de que a ilisão de uma presunção “juris tantum” só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o “non liquet” prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.
Sobre o R. impendia o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua».

Verifica-se, portanto, que o essencial trazido à admissão da revista respeita a problemática de presunções de culpa.

Ocorre que logo a sentença havia considerado, entre o mais:
«[…] não ficou provado que a precipitação do doente para o local onde foi encontrado, a nível do rés-do-chão, haja resultado de qualquer acto inadvertido da sua parte, passível de previsão e prevenção por parte dos serviços do Réu, evidenciando-se, antes, enquanto resultado de um comportamento consciente, ainda que irrazoável, aparentemente dirigido ao abandono clandestino das instalações hospitalares. Não se provou, por outro lado, qualquer deficiência quanto à segurança do doente no serviço onde se encontrava internado.
O Hospital Réu observou o cuidado mínimo exigível quanto à restrição das possibilidades de abandono do local de internamento, dotando a porta de acesso de um mecanismo adequado a evitar que os doentes saiam sem o conhecimento do pessoal auxiliar e de enfermagem».

«O progenitor da autora e intervenientes não foi vítima da queda em altura em consequência de qualquer omissão dos serviços do Hospital réu, relativamente às instalações».
«Ora não exigível ao Réu que interne ao nível do Rés do chão todos os doentes que em estado de confusão mental ameacem abandonar o hospital, muito menos ainda, que imobilize tais doentes no leito ou lhe administre medicação com o único fim de impedir ou dificultar a saída.
Tem, assim, de concluir-se pela não verificação de um dos pressupostos essenciais da obrigação de indemnizar: o facto, ou omissão, ilícitos.
Na apontada conformidade, verificando-se uma evidente ausência de facto ilícito, sem necessidade de outras considerações, em razão da imprescindibilidade de verificação cumulativa de todos os pressupostos que determinam a obrigação de indemnizar, a pretensão da Autora tem de fracassar».

Resulta que a sentença tem um discurso que respeita inicialmente à não prova de alguma omissão, mas passa, depois, há própria conclusão de que há prova de que não houve actuação ou omissão ilícitas.

Ora, o acórdão recorrido seguiu no mesmo quadro.
Trouxe a seu favor acórdão do mesmo TCA no qual, para além de outras considerações, se concluía que «a vigilância permanente ou o confinamento da recorrente, sem justificação aparente, seria contrária ao paradigma aconselhado para o tratamento de doentes do foro psiquiátrico que, como referido, se pauta pelo princípio de que “os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível”».

Aduziu acórdão deste Supremo Tribunal: «A falta de previsibilidade objectiva afasta a violação do dever objectivo de cuidado em que se traduz a ilicitude a que alude o art. 6.º do DL 48051».

E concluiu: «E é essa previsibilidade que aqui não pode ser afirmada».
«Pese relato da sua intenção de abandonar o internamento, tentativa de fuga do Serviço – vontade que não é incomum em internamentos involuntários – isso não dá como suficientemente caracterizada uma situação em que a defenestração surgisse como risco sério, hipótese que houvesse que encarar e prevenir por um fundado receio, sempre ideia de força de qualquer medida cautelar».

Decorre do citado e de todo o mais, que o acórdão recorrido não assentou em qualquer discussão sobre presunções de culpa em situações como a presente. O que o acórdão concluiu, no seguimento da sentença, foi que não tinha havido qualquer actuação ilícita por parte do demandado; não em função da intervenção de qualquer regra jurídica sobre presunções ou ónus de prova, mas em função mesmo da prova produzida.
Ora, a matéria de facto assente, nela se incluindo as ilações de facto a que o acórdão chegou, não é, por si, susceptível de sindicância em revista – artigo 150.º, 3 e 4, do CPTA.

E outros elementos que intervieram na apreciação, como, por exemplo, o que respeita à Lei de Saúde Mental não vêm sequer postos causa.

O presente recurso não se apresenta, pois, capaz de permitir a discussão jurídica que a recorrente intenta ser justificativa da revista.
No resto, verifica-se que as instâncias julgaram em sintonia, tendo aportado fundamentação plausível e consistente para a decisão.

De onde, não estão preenchidos os pressupostos de admissão do recurso de revista.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Costa Reis – São Pedro.