Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0109/21.7BCLSB
Data do Acordão:04/07/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
Sumário:Não é de admitir revista se as instâncias decidiram, no essencial, no mesmo sentido e o acórdão recorrido parece estar correctamente fundamentado, através de um discurso plausível, quanto às questões submetidas pela Recorrente à sua apreciação, não se vendo igualmente, que a concreta questão que nos autos se discute detenha uma relevância jurídica ou social superior ao normal para este tipo de problemática.
Nº Convencional:JSTA000P29268
Nº do Documento:SA1202204070109/21
Data de Entrada:03/21/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:VITÓRIA SPORT CLUBE – FUTEBOL SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Federação Portuguesa de Futebol interpõe a presente revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul de 03.02.2022 que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em sede de arbitragem necessária, tendo o TAD proferido acórdão, em 15.07.2021, julgando procedente o pedido de revogação interposto pela Vitória Sport Clube – Futebol SAD [Vitória, SAD], da decisão proferida pelo Pleno, da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que, no âmbito do processo disciplinar nº ………, decidiu condenar a aqui Recorrida pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo art. 87º-A, nºs 4 e 5 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol na pena de multa no valor de €5.000,00 e na sanção de realização de um jogo à porta fechada.
A FPF interpõe a presente revista, alegando que esta visa a apreciação de questão com elevada relevância jurídica e social.

Em contra-alegações a Recorrida defende a inadmissibilidade do recurso, ou a sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Vitória, SAD impugnou no TAD o acórdão proferido pelo Pleno, da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), em 17.05.2021, que, no âmbito do processo disciplinar nº ………., decidiu condená-la pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo art. 87º-A, nºs 4 e 5 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol na pena de multa no valor de €5.000,00 e na sanção de realização de um jogo à porta fechada.


O TAD julgou procedente “o pedido de revogação do Acórdão recorrido que condenou o Demandante pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 87º-A, n.ºs 4 e 5 do RD da LPFP, na sanção de realização de um jogo à porta fechada e de multa de € 5.000,00 (…)”.

O TCA Sul para o qual a FPF apelou, considerou, nomeadamente, o seguinte [tendo em conta os factos provados nºs 7 a 9 e, que, a Recorrente se limitara a afirmar singelamente que o tribunal (arbitral) devia ter desconsiderado os nºs 8 e 9 dos factos assentes, sendo que nem sequer questionou o facto nº 7, do qual resulta que o sistema de videovigilância se encontra aprovado pelas entidades competentes],:“Incontornavelmente foi incumprido o ónus de impugnação da matéria de facto pela Recorrente, pois que se limitou a discordar genericamente sobre o teor de parte da prova produzida.
Consolidada que está a matéria de facto, ficou, por natureza, condicionado tudo quanto se poderá decidir a final.
Com efeito, estando aprovado pelas entidades competentes (Comissão Técnica da LPFP e PSP) o sistema de videovigilância, o qual não prevê a gravação de som em todas as câmaras do estádio, mal se compreende como poderia a SAD do Vitória ser penalizada pelo facto de não ter facultado o registo sonoro de todas as imagens de videovigilância facultadas, tanto mais que se não concretiza quais os registos sonoros em falta, refugiando-se a Federação em afirmações meramente genéricas e conclusivas, como sejam ficheiros sonoros “(…) correspondentes a imagens captadas por várias câmaras componentes do sistema de videovigilância, que não tem som.”
Estando instalado um sistema de vigilância, composto por 56 câmaras, e não estando todas dotadas com sistema de gravação de som, naturalmente que não poderia ser fornecido algo inexistente e que, mal ou bem, não foi previsto no sistema aprovado.
Admite-se que o sistema seria mais eficaz com a simultânea recolha de som e imagem, mas não foi isso que foi previsto, aprovado e instalado, uma vez que só existirá recolha de som por zona e não por câmara, sendo que em cada zona haverá mais do que uma câmara.
Assim sendo, a imputação de infrações a factos alegadamente praticados teria que concretizar exatamente quais as situações alegadamente em falta, com a definição das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que as ditas infrações se teriam verificado.
É claro que a SAD do Vitória, bem sabe o que está em causa, mas tal circunstância não permite que lhe sejam imputadas responsabilidades disciplinares por algo que não dispõe e a que não estava obrigada a dispor, em função do sistema de videovigilância instalado no seu estádio, aprovado por quem tem competência para tal.
Acresce ainda que a acusação não poderia ser vaga e conclusiva, sob pena de impedir, ou pelo menos limitar, um adequado contraditório e defesa. (…).
Só uma acusação elaborada de forma clara, precisa, detalhada e circunstanciada permite ao arguido no procedimento disciplinar, conhecer os factos que lhe são imputados e, dessa forma, defender-se, de forma cabal e completa, assim se assegurando em pleno o seu direito de defesa (cfr. os artigos 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3 ambos da CRP).
Acresce ainda, e no mesmo sentido, se dúvidas houvesse, o referido no artigo 222.º, n.º 3 do RD onde se refere que “Os acórdãos da Secção Disciplinar devem ser fundamentados de facto e de direito mediante a enunciação sintética da respetiva motivação em termos claros e sucintos.”
O acórdão elaborado pelo Conselho de Disciplina da FPF e que foi revogado pela decisão em sindicância é claramente violador do preceito vindo de citar, posto que não fundamenta os factos constitutivos da infração disciplinar imputada ao arguido.

Alega a Recorrente na presente revista que o acórdão recorrido teria incorrido na nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, devendo os autos baixar ao TCA para aí ser apreciada a factualidade melhor identificada sob os nºs 3, 4, 5 e 6, bem como que teria o mesmo errado no que respeita à inobservância por parte da Recorrente do ónus de impugnação da matéria de facto. Mais alega, em síntese, que o Tribunal a quo violou o art. 87º-A, nºs 4 e 5 da RD da LPFP, aplicável ex vi do art. 35º, nº 1, al. t) do RCLPFP19, al. u) do art. 6º do Anexo VI deste Regulamento, bem como dos nºs 1 e 2 do art. 18º da Lei nº 39/2009, de 30/7.

A Recorrente questiona a decisão do acórdão recorrido quanto à matéria de facto, alegando mesmo que a decisão seria nula por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).
No entanto, tal invocada nulidade não se vislumbra já que que o acórdão recorrido contém fundamentação de facto e, igualmente, o que motivou que não tenha procedido a qualquer alteração da mesma, como pretenderia a Recorrente, pelo que é desde já, óbvio que não ocorre nulidade de decisão por omissão de pronúncia que justifique a admissão da revista.
De todo o modo, a apreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, mesmo em caso de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, sendo que a Recorrente não invoca que se esteja perante qualquer uma das circunstâncias previstas na segunda parte do nº 4 do art. 150º do CPTA que permita esse juízo.
Acresce que, igualmente não se vê que haja qualquer erro ostensivo por parte do acórdão recorrido ao considerar que foi incumprido o ónus de impugnação da matéria de facto pela Recorrente, pois que, conforme se diz no mesmo, se limitou a discordar genericamente do teor dos factos provados [limitando-se a Recorrente a remeter quanto aos factos 8 e 9, na sua conclusão 42. do recurso de apelação, para a declaração de voto de vencido do Árbitro indicado do TAD (indicado pela FPF), o qual, se limitou a concluir que tais factos não estavam demonstrados, pelos fundamentos constantes desse voto].
Termos em que, atento o disposto no art. 150º, nºs 2, 3 e 4 do CPTA, a revista não é nessa parte admissível.
Quanto à alegada violação do art. 87º-A, nºs 4 e 5 aplicável ex vi do art. 35º, nº 1, al. t) do RCLPFP19, al. u) do art. 6º do Anexo VI deste Regulamento, bem como dos nºs 1 e 2 do art. 18º da Lei nº 39/2009, de 30/7, no juízo sumário que a esta Formação de apreciação preliminar cumpre fazer, afigura-se que não assiste razão à Recorrente.
Com efeito, o acórdão recorrido não parece padecer de qualquer erro ostensivo, mostrando-se fundamentado de forma consistente e plausível, nos termos acima transcritos.
Assim sendo, e porque as instâncias decidiram, no essencial, no mesmo sentido e o acórdão recorrido parece estar correctamente fundamentado, através de um discurso plausível, quanto às questões submetidas pela Recorrente à sua apreciação, não se justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito, não se vendo igualmente, que a concreta questão que nos autos se discute detenha uma relevância jurídica ou social superior ao normal para este tipo de problemática, pelo que não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de Abril de 2022. - Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.