Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0703/14
Data do Acordão:01/21/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
VEÍCULO LIGEIRO
PASSAGEIRO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:Uma vez que a AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artº. 266.º, n.º 2, da CRP e artº. 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. artº. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artº. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso.
Nº Convencional:JSTA000P18492
Nº do Documento:SA2201501210703
Data de Entrada:06/16/2014
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………………, SA, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) datada de 20 de Fevereiro de 2014, que julgou parcialmente procedente a impugnação que havia deduzido na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada por erro na autoliquidação do IRC referente ao exercício de 2008. A sentença determinou que a Fazenda Pública anule parcialmente a liquidação impugnada, sendo tributado autonomamente à taxa de 5% o montante de € 173.793,62, declarado nos campos 421 e 414 do modelo 22, da impugnante e seja restituído o montante de € 8.689,68, pago em excesso.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A. A impugnação judicial já foi deferida com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 5.°, n.° 1 da Lei n.° 64/2008, de 5 de dezembro.
B. São devidos juros indemnizatórios quando se apurou que houve erro imputável aos serviços e o tal erro de direito persiste de forma igual, independentemente, se se trata de um ato de liquidação praticado pela Autoridade Tributária ou um ato de autoliquidação praticado pelo próprio contribuinte.
C. Ou seja, nem a circunstância de estar em causa nos autos um ato de autoliquidação constitui um óbice ao pagamento daqueles juros ao abrigo do preceituado no artigo 43.° da LGT, nem tão-pouco poderá sustentar-se a inexistência de erro imputável aos serviços com fundamento na adstrição da Administração Tributária ao cumprimento da lei e no facto de estar na base da ilegalidade do ato de autoliquidação impugnado a inconstitucionalidade material de uma norma.
D. A este respeito pronunciou-se já por diversas vezes este Supremo Tribunal no sentido de o dever de obediência da Administração Tributária à lei compreender todas as fontes normativas (de quanto resulta um dever de obediência, prima facie, à Constituição da República Portuguesa, enquanto Lei Fundamental do Estado) e de o direito do contribuinte a juros indemnizatórios, atenta a função reparadora dos mesmos em face de uma atuação ilegal da Administração Tributária, estar dependente apenas da existência de um comportamento ilegal por parte da Administração Tributária de quando resultem prejuízos para o contribuinte, como sucedeu no caso sub judice.
E. Desta forma, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data da emissão da respetiva nota de crédito, o que na presente data perfaz o valor de €1701,75.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a decisão na parte em que decidiu pela improcedência relativa aos juros indemnizatórios.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida. No essencial o Ministério Público entendeu que não houve erro imputável aos serviços visto que estes estão em regra, obrigados a cumprir uma norma tributária constante de diploma legal, que veio a ser declarada inconstitucional pelo acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 617/2012. E na sequência desse cumprimento, entende o MP que a AT não poderia de deixar de indeferir a reclamação graciosa deduzida da autoliquidação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 29.05.2009 a Impugnante apresentou a sua Modelo 22 do exercício de 2008 apurando o montante de tributações autónomas de 18.966,22€, correspondente a 10% dos montantes declarados como “encargos com viaturas” e como “despesas de representação” e a 5% das “despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” (cfr. fls. 36 a 40 dos autos).
B) Do montante total de 187.150,00€ de encargos com viaturas e despesas de representação consideradas pela Impugnante no exercício de 2008, o montante de 173.793,62€ respeita a despesas incorridas entre 01.01.2008 e 05.12.2008 (cfr. fls. 70 a 118 dos autos).
C) Em 16.02.2011 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação do IRC do exercício de 2008, a qual foi instaurada com o nº 3433201104000773 do Serviço de Finanças de Cascais 2 (cfr. fls. 1 e 2 da reclamação graciosa constante do PA).
D) Em 01.06.2011 foi elaborada informação por funcionária da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa propondo o indeferimento da mesma (cfr. fls. 132 a 134 da reclamação graciosa constante do PA).
E) Após notificação para o exercício do direito de audição prévia, não exercido, foi proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, em 14.09.2011, despacho definitivo de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 120 a 122 dos autos).
F) O despacho mencionado na alínea antecedente foi notificado à Impugnante em 19.09.2011 (cfr. fls. 143 a 145 da reclamação graciosa constante do PA).
G) A presente impugnação judicial foi apresentada em 27.09.2011 (cfr. fls. 3 dos autos).
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A única questão que se coloca no presente recurso passa por saber se a administração fiscal está ou não obrigada ao pagamento dos juros indemnizatórios à recorrente, uma vez que a autoliquidação do imposto foi anulada e restituído parte do imposto, por se ter considerado que a aplicação retroativa do disposto no artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, violava o disposto no artigo 103º, n.º 3 da CRP - princípio da proibição da retroatividade fiscal.

Dispõe o artigo 43º da LGT, na parte com interesse, que, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, cfr. n.º 1, devendo considerar-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, cfr. n.º 2.
Este Supremo Tribunal tem-se pronunciado de forma uniforme sobre as circunstâncias em que a Administração fiscal está obrigada ao pagamento dos juros indemnizatórios, em caso de anulação da liquidação do imposto quando o montante desse mesmo imposto já se encontrasse pago.
Entre outros, escreveu-se no acórdão datado de 04/11/2009, recurso n.º 0665/09, em que se analisou de forma criteriosa a distinção entre a anulação da liquidação com fundamento em ilegalidades procedimentais e a anulação da liquidação com fundamento em ilegalidades substantivas inerentes à relação jurídica tributária:
“As situações em que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios são indicadas no art. 43.º da LGT.
Relativamente a anulação de actos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é indicado no n.º 1 deste artigo, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito.
Mas, a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito…
Na verdade, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» têm um âmbito mais restrito do que a expressão «vício», que é utilizada legislativamente para referenciar qualquer ilegalidade.
Por outro lado, constata-se que no CPPT se utiliza a expressão «vícios» quando se pretende aludir, genericamente, a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença).
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.
Esta é, aliás, uma restrição que se compreende.
Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais e formais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade.
Mas, o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, não implica qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Fiscal com base no acto inválido, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou preterição de formalidade legal ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não estando em dúvida que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada, através da fixação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte…”.

Não havendo qualquer dúvida que a anulação da liquidação que vinha impugnada nestes autos ocorreu por razões inerentes à própria relação jurídica tributária, isto é, a autoliquidação fundou-se em norma legal que veio a ser declarada inconstitucional por violar um dos princípios estruturantes do direito fiscal, o da proibição da retroatividade fiscal, artigo 103º, n.º 3 da CRP, só nos resta apurar se esse “erro sobre os pressupostos de direito”, isto é, se a errada consideração no apuramento do imposto a pagar de norma julgada inconstitucional, pode ou não ser imputável aos serviços do fisco.

Já vimos que toda a problemática dos autos teve origem numa autoliquidação de imposto que seguiu as regras estabelecidas pelo disposto no artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, sendo que, suscitada a apreciação da conformidade constitucional de tal norma ao Tribunal Constitucional, primeiramente, por este veio a ser sufragado o entendimento de que não ocorria a violação daquele princípio da proibição da retroatividade fiscal, cfr. acórdão n.º 18/2011, datado de 12/01/2011, e posteriormente, nos acórdãos n.ºs 310/2012 e 617/2012, respectivamente de 20/06/2012 e de 19/12/2012, veio a ser sufragado o entendimento de que ocorria a violação de tal princípio quando aplicado o disposto naquela norma aos factos ocorridos anteriormente.

Como resulta da matéria de facto que se julgou assente, a recorrente apresentou em 29/05/2009 autoliquidação do IRC do exercício de 2008 e em 16.02.2011 apresentou reclamação graciosa contra aquela autoliquidação, que veio a ser indeferida por despacho datado de 14/09/2011, por se ter entendido ser de aplicar aquele artigo 5º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008.

Também se depreende daquela matéria de facto que a autoliquidação não resultou do facto de a recorrente ter seguido quaisquer orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, nos termos do disposto naquele artigo 43º, n.º 2 da LGT, antes fundou-se na aplicação da Lei vigente.

Portanto, apenas nos resta, agora, saber se a Administração Tributária poderia ou não fazer aquele “julgamento” de conformidade constitucional do disposto no artigo 5º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008, para daí podermos concluir que a mesma tenha decidido a reclamação graciosa, ancorada em erro sobre os pressupostos de direito.

Sobre esta questão, e em caso semelhante, já se pronunciou este Supremo Tribunal em sentido negativo, nos seguintes termos:
“…a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.
A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.
É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).
No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.
Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).
Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal…”, cfr. entre outros, os recentes acórdãos datados de 26/02/2014, recurso n.º 0481/13 e de 12/03/2014, recurso n.º 01916/13.

Face a esta doutrina, não podemos deixar de concluir que a Administração Tributária não poderia ter decidido de modo diferente a reclamação graciosa que a recorrente lhe dirigiu, quer porque não lhe assiste o direito a recusar a aplicação de norma que no seu entender poderia ser inconstitucional, porque não lhe é permitido formular um juízo sobre essa constitucionalidade, quer porque já anteriormente a essa decisão havia sido proferido pelo Tribunal Constitucional acórdão em que se havia concluído pela conformidade constitucional do concreto preceito legal, sobre o qual, posteriormente, veio recair o julgamento de inconstitucionalidade.
De resto, recentemente já este Supremo Tribunal concluiu - acórdão datado de 29/10/2014, proferido no recurso n.º 01502/12 -, que tal obrigação indemnizatória por parte da AT, verificava-se sempre, e independentemente de culpa, quando a ilegalidade não pudesse ser assacada ao contribuinte ou a terceiro -“…assiste-lhe (ao impugnante) o direito a juros indemnizatórios, contados nos termos do nº 3 do artº 61º do CPPT, tendo em conta que a Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços…”.
Nesse caso concreto era imputada à AT a ilegalidade da liquidação em causa, que deu origem ao pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, precisamente porque a interpretação que a AT fez dos preceitos legais vigentes afrontava directamente o primado do Direito Comunitário, bem como, pelo menos, uma decisão do TJUE, que já se havia pronunciado anteriormente sobre a desconformidade da legislação nacional com a proibição de discriminação em razão da nacionalidade e do direito de livre circulação de capitais, consagrados nos arts. 12º e 56º do Tratado de Roma.
Temos, assim, que concluir que no presente caso, e para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser assacado aos serviços do fisco qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu.

Pelo que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.N.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.