Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0439/14
Data do Acordão:04/15/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
FALTA
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - São requisitos dos recursos por oposição de acórdãos a que se aplica o ETAF de 2002, a identidade da(s) questão(ões) de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, supondo-se estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica e ainda que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, contactando-se que se perfilharam, nos dois arestos, solução oposta através de decisões expressas e não apenas implícitas.
II - Não se verifica o 1.º requisito se a divergência dos acórdãos em confronto não resultou de entendimentos divergentes expressos quanto à mesma questão fundamental de direito.
Nº Convencional:JSTA000P18841
Nº do Documento:SAP201504150439
Data de Entrada:04/23/2014
Recorrente:A..., LDA E OUTRAS
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1 - RELATÓRIO:

A………………, Ldª e outras dirigiu ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do nº 2 do artº 25º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), recurso da decisão arbitral de 24 de Fevereiro de 2014, proferida no processo nº 209/2013-T CAAD, instaurado na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado por si e mais 3 sociedades identificadas nos autos, invocando para o efeito a oposição dessa decisão com o acórdão deste STA, de 06/07/2011, proferido no processo nº 0281/11.

As recorrentes apresentaram alegações que integram as seguintes conclusões:

«1.ª O presente recurso vem interposto em virtude da evidente oposição entre o acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento que havia sido proferido, sobre a mesma questão fundamental de Direito, por esse doutro tribunal em 06.07.2011, no âmbito do processo n.º 0281/11;
2.ª A identidade da questão fundamental de Direito existente entre o acórdão-fundamento e o acórdão-recorrido resulta da circunstância de, em ambas as decisões, estarmos na presença de despesas apuradas e suportadas pelos sujeitos passivos, sujeitas a tributações autónomas, sem prejuízo de, a final, serem discutidas distintas questões conexas;
3.ª É decisiva para a resolução dos acórdãos a delimitação da natureza das tributações autónomas, maxime a sua incidência sobre a despesa ou não, enquanto núcleo essencial do problema jurídico solucionado;
4.ª A divergência de julgamento de Direito é a seguinte:
- Para o acórdão recorrido, as tributações autónomas não constituem um imposto sobre a despesa mas sim sobre o rendimento, o qual tributam, ainda que indiretamente. Assim, não obstante anuir que o facto gerador das mesmas se reporta à realização da despesa, sendo, portanto, um elemento de obrigação única, ainda assim devem ser exigidas a título de IRC, não tendo qualquer caráter sancionatório,
- Para o acórdão-fundamento, as tributações autónomas constituem imposto sobre a despesa, impostos indiretos, e não diretos, não tributam o rendimento, visam penalizar determinados encargos incorridos pela empresa e configuram um facto tributário instantâneo, que se verifica no momento em se incorre nas despesas sujeitas;
5.ª Acresce que o acórdão recorrido, para o que releva, se fundamentou essencialmente nos seguintes elementos estruturantes: ausência de caráter punitivo, conexão material e formal das tributações autónomas com o IRC, neste último ponto relevando o momento de formação do facto tributário considerado de acordo com as regras previstas para o IRC;
6.ª Quanto ao primeiro elemento, ressalve-se que a fundamentação para a inserção no Código do IRC das tributações autónomas assentou, alegadamente, na “dificuldade de distinção entre o carácter privado e a natureza empresarial de determinadas despesas, bem como no facto de existirem certas formas de rendimento que não eram tributadas nas pessoas dos seus beneficiários, ou porque não eram conhecidos ou porque o rendimento não era determinável com rigor”, cf. refere CLOTILDE CELORICO PALMA, devendo concluir-se nomeadamente da análise histórica das normas aplicáveis às tributações autónomas, que as mesmas se afiguram um imposto independente do IRC;
7.ª De igual modo, o atual conceito de tributação autónoma deverá considerar-se independente, no sentido de ser alheio à base de incidência do IRC e no sentido de permitir gerar, de forma autónoma, receita tributária, sendo que em comum com aquele imposto tem apenas o facto de partilhar a mesma Declaração;
8.ª No acórdão recorrido entendeu-se que as tributações autónomas penalizam os sujeitos passivos no mesmo sentido que qualquer tributo, enquanto encargo patrimonial, penaliza quem o suporta, i.e., sem especial caráter sancionatório, sendo que o acórdão fundamento perfilha o entendimento de que as mesmas penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC, com vista a dissuadir as sociedades a apresentá-las com regularidades e de elevado montante, para evitar que os sujeitos passivos de IRC utilizem determinadas despesas para proceder a distribuição camuflada de lucros e para evitar a fraude e a evasão fiscal;
9.ª O caráter de penalização das tributações autónomas resulta ainda do objetivo de evitar que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis, justificadas pelo facto de a generalidade das situações abrangidas pelo Código do IRC respeitar a casos de evasão fiscal, como é o caso das despesas não documentadas e das relativas a pagamentos a não residentes e sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável;
10.ª No que respeita ao segundo elemento caracterizador das tributações autónomas apontado pelo acórdão recorrido, resulta que a delimitação das tributações autónomas por força da sua conexão com o IRC, permite concluir todavia, que a tributação autónoma de determinadas despesas, tal como está inscrita no Código do IRC, poderia estar inscrita no Código do IVA, no Código do Imposto do Selo ou em diploma autónomo, do mesmo modo que poderia ser liquidada conjuntamente com outro imposto diferente do IRC ou autonomamente, pois os factos tributários sujeitos a tributação autónoma não são os mesmos que os factos tributários sujeitos a IRC stricto sensu;
11.ª Com efeito, diversamente do IRC em sentido estrito, que incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação (cf. artigo 1.º do Código do IRC), a tributação autónoma incide somente sobre determinadas despesas taxativamente elencadas no atual artigo 88.º do Código do IRC, pelo que terá que se concluir que a inserção no Código do IRC das taxas de tributação autónoma foi efetuada de forma errónea, por motivos meramente pragmáticos, porquanto as mesmas assumem, isso sim, natureza de despesa, embora formalmente inseridos naquele Código;
12.ª No que contende com a conexão formal entre as tributações autónomas e o IRC, especialmente com o momento de determinação do facto gerador do imposto, resulta do acórdão recorrido que, sendo embora um elemento de obrigação única, ainda assim as tributações autónomas devem ser exigidas a título de IRC, no fim do respetivo período tributário, por incidirem sobre o rendimento;
13.ª Contudo, a solução perfilhada pelo acórdão fundamento afigura-se mais correta, pelo que deverá prevalecer na situação sub judice, maxime no que respeita à determinação de que cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo, por si só, num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro, pelo que cada taxa de tributação autónoma deve ser aplicada a cada despesa;
14.ª Não pode igualmente proceder o entendimento do acórdão a quo de acordo com o qual “(...) na perspetiva do legislador, as tributações autónomas integrarão, efetiva e inequivocamente o regime do IRC, sendo devidas a titulo deste imposto, como resulta do artigo 12.º do CIRC, já vigente à data dos factos”, pois verifica-se que o legislador se limitou a interpretar o que já resultava a priori da natureza das tributações autónomas;
15.ª Com efeito, encontra-se demonstrado, no acórdão fundamento do recurso, que as tributações autónomas devem distinguir-se claramente do IRC enquanto imposto direto, periódico, que tributa o rendimento, pois as mesmas configuram impostos indiretos e instantâneos que tributam a despesa;
16.ª Considere-se que, enquanto que o lucro tributável sujeito a IRC é de formação sucessiva, as despesas sobre as quais incide a tributação autónoma constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única, pelo que não pode proceder o entendimento do acórdão recorrido segundo o qual as despesas constituídas com o pagamento das tributações autónomas constituem encargos não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável;
17.ª Em consequência, tendo sido feita a demonstração da natureza jurídico-tributária das taxas de tributação autónoma enquanto imposto indireto, é forçoso que se considerem os respetivos encargos fiscalmente dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do disposto nos artigos 17.º, 23.º e 45.º, n.º 1, alínea a), por interpretação a contrario, todos do Código do IRC;
18.ª Pois a tributação autónoma deve configurar, à semelhança de qualquer imposto indireto, como sejam o Imposto do Selo, os Impostos Especiais sobre o Consumo ou o IVA, um gasto aceite para efeitos fiscais;
19.ª Pelo que, em face do exposto, não poderá o acórdão-recorrido deixar de ser anulado, firmando-se o entendimento ora prescrito e fixado no acórdão-fundamento.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, encontrando-se demonstrado no caso vertente a manifesta oposição dos julgados em confronto, deve o presente recurso ser julgado procedente, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º e no n.º 1 do artigo 26.° do RJAT, com a consequente fixação da jurisprudência firmada no acórdão-fundamento, bem como a anulação do acórdão-recorrido, e com subsequente anulação dos atos tributários em crise, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»

A autoridade tributária e aduaneira a fls. 86/101 dos autos, veio apresentar as suas contra alegações com as seguintes conclusões:
«1 São requisitos de admissibilidade do recurso por uniformização de jurisprudência; a) a existência de contradição entre um acórdão arbitral e um acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo; b) o trânsito em julgado do acórdão fundamento; c) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e, d) desconformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;
II Relativamente aquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto (Como se sumariou no acórdão proferido pelo STA, em 23/03/1993, no processo nº 028258 «I- Para que se possa reconhecer a existência de oposição de julgados é necessário que se reconheça a unidade da questão jurídica nos acórdãos ditos em conflito. II - A unidade da questão jurídica só verdadeiramente se descobre na perspectiva da específica finalidade deste recurso em contencioso administrativo que é apenas, a uniformização da jurisprudência do Tribunal no sentido de impedir o tratamento desigual de casos iguais e não a uniformidade na interpretação da lei. III - Não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, simultânea, às questões de direito e às situações da vida..” (disponível em www.dgsi.pt) uniformização de jurisprudência.) e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.
III O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos, sendo significativo o facto de a Recorrente não esboçar qualquer esforço no sentido de demonstrar a sua presença, limitando-se a afirmar, sem escalpelizar o exacto contexto em que tal foi proferido, que, num lado, se afirma que as tributações autónomas são TRC (acórdão recorrido) e, que, noutro, as tributações autónomas não o serão (acórdão fundamento).
IV O que, por si só, justifica se considere incumprido o disposto no nº 3 do artigo 152º do CPTA quando exige que o Recorrente, na alegação, identifique de “forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada”.
V No caso concreto, não há similitude de factos.
VI No acórdão recorrido o que está em causa é a não-aceitação, por parte da Autoridade Tributária, da dedutibilidade fiscal dos encargos suportados com tributações autónomas, por não caber na regra geral da dedutibilidade de encargos fiscais prevista no artigo 23.º, nº1, al. f) do CIRC, enquanto que no acórdão fundamento, diversamente, o que se discute é a questão da retroactividade/retrospectividade da lei fiscal, proveniente da alteração legal das taxas de tributação autónoma introduzida pela Lei nº 64/2008.
VII Logo, as situações de facto não podem ser analisadas à luz do recurso para uniformização de jurisprudência.
VIII À data actual, existem mais de dez decisões arbitrais (processos nºs 187/2013-1, 209/2013-T, 246/2013-1, 255/2013-T, 260/2013-1, 261/2013-1, 282/2013-1, 298/2013-1, 6/2014-1, 93/2014-T) que concluem no sentido de que as tributações autónomas que incidem sobre os encargos dedutíveis em IRC integram o dito regime, sendo por isso devidas a título deste imposto, encontrando-se abrangidas pelo disposto no artigo 45.º, n.º 1, al. a), do CIRC, na redacção introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, não constituindo encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, “devendo, em consequência, improceder a presente acção arbitral”.
IX À fundamentação que consta nas mencionadas decisões arbitrais acresce que o valor resultante da aplicação das tributações autónomas, constantes no artigo 88.º do CIRC, não é, nem nunca foi, passível de ser deduzido para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas.
X Na mesma medida em que não são dedutíveis ao lucro tributável outros tributos suportados pelos sujeitos passivos, também não são dedutíveis impostos que incidem sobre as despesas em relação às quais o legislador e acima de tudo, a lei excluiu de dedutibilidade.
XI Na realidade, formalmente, as tributações autónomas são IRC, apresentando-se como uma sua componente, um seu complemento.
XII Paralelamente, da leitura dos Acórdãos 617/2012 e 85/2013, lavrados em sede de Constitucional, não se retira que as tributações autónomas sejam efectivamente um imposto distinto do IRC, o que desde logo justifica a sua não dedutibilidade no apuramento do lucro tributável, nos termos disposto no artigo 45.º nº 1, alínea a), do CIRC.
XIII Tanto o legislador como a lei, no artigo 12.º do CIRC, consideram as tributações autónomas componente do IRC.
XIV A nova redacção do artigo 23°-A, nº 1, alínea a), introduzida pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, tem um manifesto alcance esclarecedor para o futuro quanto ao seguinte facto: as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC.
XV Aliás, esse alcance clarificador segue a linha da única interpretação possível do pretérito artigo 45.º, nº 1, al. a), do CIRC, bem como segue a linha de pensamento (e de vontade) do legislador que os encargos das tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável das empresas.
XVI Tanto numa perspectiva teleológica, sistemática como funcional, as tributações autónomas são um autêntico adicional do IRC.
XVII Desde sempre, a intenção manifestada pelo legislador foi a da indedutibilidade das tributações autónomas, até porque o seu objectivo foi o de evitar um certo efeito de círculo vicioso, ou seja, a permissão de que o imposto se permitisse deduzir a si próprio, desta forma evitando o esvaziamento do âmago do artigo 88.º do CIRC.
XVIII As tributações autónomas estão funcionalmente imbricadas no IRC, sendo que, e paralelamente, existe uma norma (artigo 88.º/14 do CIRC) que faz depender a aliquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.
XIX Permitir o concurso para o apuramento do lucro tributável das Recorrentes conduziria que a própria liquidação de tributações autónomas reduzisse, por conseguinte, a liquidação do TRC a pagar, em confronto directo com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à utilização de certos bens e serviços de uso misto.
XX As tributações assumem uma clara natureza anti-abuso, uma vez que com elas se pretende prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos, prosseguindo, por esta via, o objectivo de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.»

O Mº Pº junto deste STA emitiu parecer a a fls. 105/107 dos autos do seguinte teor:
«1. O presente recurso vem interposto da decisão do tribunal arbitral proferida no processo n° 209/2013 T, ao abrigo do disposto no artigo 152° do CPTA e artigos 25° e 26° do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Dec.-Lei n° 10/2011, de 20 de Janeiro, e com o fundamento de a referida decisão estar em manifesta oposição com o acórdão proferido pela secção do CT do STA de 06/07/2011, proferido no processo n° 0281/11.
Entende a Recorrente que ambas as decisões em confronto partem da mesma questão jurídica fundamental, “qual seja a determinação da natureza das tributações autónomas, tendo ambos concluído de forma diametralmente oposta”, motivo pelo qual considera que as respectivas decisões são contraditórias.
E termina pedindo a anulação da decisão arbitral, a qual deve ser substituída por decisão que adopte o entendimento sufragado no acórdão fundamento e determine a anulação das liquidações impugnadas.
2. Nos termos dos n°s 2 e 3 do artigo 25° do RJAT, aprovado pelo Dec.-Lei n° 10/2011, de 20 de Janeiro, a decisão arbitral “sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é . ...susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo”, sendo aplicável, “com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
De acordo com o preceituado no art. 152° do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do mesmo TCA ou do STA ou entre acórdãos do STA;
b) que essa contradição recaía sobre a mesma questão fundamental de direito; e) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento;
d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
E relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados tem sido adoptado pelo STA (cfr. acórdãos do Pleno da Secção do CT do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente; E acórdão da secção do CA do STA de 05/06/2012, proc. nº 0420/12) e sufragado pela doutrina (Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in comentário ao CPTA, 2005, pág. 765), o entendimento no sentido de que devem adoptar-se os seguintes critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
a) - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
b) - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; c) - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
d) - a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
3. Enquadramento da questão nas duas decisões (decisão arbitral e acórdão fundamento).
a) Acórdão Fundamento:
Como se invoca no acórdão fundamento, «a única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se a norma contida no art° 5°, n° 1 da Lei n° 64/2008, de 5 de Dezembro, que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no art° 1°-A da mesma Lei, o qual alterou o art° 81º do CIRC, agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, consubstancia um caso de retroactividade fiscal, com ofensa do disposto no art° 103°, nºs 2 e 3 da CRP».
E no âmbito da apreciação dessa questão de constitucionalidade violação do princípio da irretroactividades da lei fiscal -, o tribunal apreciou por sua vez uma sub-questão, com aquela intrincada, qual seja a natureza das tributações autónomas. E a propósito da apreciação desta sub-questão considerou o tribunal que:
«De facto, as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos indirectos e não directos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo. Por outro lado, enquanto que o lucro tributável sujeito a IRC é de formação sucessiva, as despesas sobre as quais incide a tributação autónoma constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única;
O facto de a tributação autónoma ser devida com referência a um determinado período que coincide com o ano civil tão pouco afasta a natureza de facto tributário instantâneo. Assim, o facto tributário verifica-se no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma, pelo que se conclui que, contrariamente ao que entendeu o tribunal recorrido, não pode deixar de ser considerado materialmente inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103° da CRP, o artigo 5°, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que atribui eficácia retroactiva à redacção conferida por aquela mesma lei ao n.º 3 do artigo 81º do Código do IRC, na medida em que se aplica a factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor;».
b) Decisão arbitral recorrida:
Por sua vez o tribunal arbitral elegeu como questão decidenda a de saber:
«devem as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento submetido àquele imposto?».
E no âmbito da apreciação dessa questão considerou o tribunal arbitral que estava em causa “a tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex. nºs 3 e 4 do artigo 88º do CIRC)” e que “as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime e são devidas a título deste imposto e, como tal, estão abrangidas pela disposição da alínea a) do nº1 do artigo 45º do CIRC, não constituirão as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável”, tendo assim concluído pela improcedência da acção.
4. Como se alcança do resumo sucinto das duas decisões, as mesmas não só não versam sobre a mesma questão de direito, como as semelhanças das questões fácticas subjacentes são meramente circunstanciais. Enquanto no acórdão fundamento estava em causa uma questão de inconstitucionalidade por violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal, no caso da decisão arbitral estava em causa a dedução das tributações autónomas para efeitos de determinação do lucro tributável.
Por outro lado a resolução das questões em causa em cada um dos processos convoca diferentes quadros normativos.
É certo que em ambas as decisões se abordou a questão da natureza das tributações autónomas, mas a eventual diversidade da construção doutrinal dessas abordagens não constitui fundamento do recurso de uniformização de jurisprudência.
Afigura-se-nos, assim, que o recurso não deve ser admitido, por não estarem reunidos os pressupostos da sua admissibilidade supra assinalados e previstos no artigo 152º do CPTA.»

2- Fundamentação
Matéria de facto assente no CAAD fls. 39 dos autos (decisão recorrida):
17.1 Nas declarações modelo 22 dos exercícios 2008, 2009, 2010 e 2011, das requerentes foram apurados os montantes de tributações autónomas evidenciados no ponto 3 do relatório (supra).
17.2 Naquelas mesmas declarações, os montantes apurados e suportados pelas Requerentes correspondentes às tributações autónomas não foram deduzidos ao lucros tributável para efeitos do cálculo do montante de IRC devido sobre aquele.
17.3 No dia 21 de dezembro de 2012, as Requerentes apresentaram, individualmente, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, nº1 da Lei Geral tributária (LGT), pedidos de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação de IRC dos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011.
17.4 A ATA não apreciou os referidos pedidos de revisão oficiosa no prazo de 4 meses previsto no nº1 do art.º 57.º da LGT.
17.5 No dia 30 de Agosto de 2013, as Requerentes apresentaram, em cumulação de pedidos e coligação de autores, o presente pedido de pronúncia arbitral.

Matéria de facto assente no acórdão fundamento proc. 0281/11 de 06/07/2011 do STA:
a) A impugnante procedeu à autoliquidação de IRC do exercício de 2008, com base na apresentação da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, em 29.05.09, na qual indicou o montante de € 364.024,67 referente a tributação autónoma, a qual foi corrigida para um valor de € 363.469,70, através de uma declaração de substituição entregue em 22.06.09, não considerada na liquidação de imposto para esse ano - cfr. D.P. de fls. 35 a 38, dos autos e “Prints Informáticos” de fls. 39 a 42, do P.A. apenso.
b) O acto tributário referido supra foi objecto de reclamação graciosa, com fundamento na não consideração do valor corrigido através da declaração de substituição e da aplicação indevida da taxa de 10%, sobre os encargos com viaturas ligeiras e despesas de representação, a qual foi deferida parcialmente quanto aos valores corrigidos e indeferida quanto à tributação daqueles encargos, por despacho de 29.01.2010, emitido pela D.J. Adm., cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, devidamente notificada ao interessado. – cfr. fls. 28 a 33, dos autos e fls. 4 a 33, do Proc Recl. Graciosa, apenso.

3. DO DIREITO:

DECIDINDO NESTE STA:
Desde já se adianta que se subscreve na íntegra a conclusão do parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste STA de que as duas decisões, em análise não só não versam sobre a mesma questão de direito, como as semelhanças das questões fácticas subjacentes são meramente circunstanciais. E, que a resolução das questões em causa em cada um dos processos convocou diferentes quadros normativos.
Vejamos mais em pormenor:
Face ao disposto no artigo 25º do Dec. Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime jurídico da arbitragem em matéria tributária), a decisão proferida na sequência de pedido de pronúncia arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (nº 2), sendo aplicável a tal recurso, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do CPTA (nº 3).

Termos em que importa, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o invocado acórdão fundamento do Pleno da Secção Tributária do STA quanto à mesma questão fundamental de direito.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 29 de Março de 2006, rec. n.º 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).
Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).

Acresce referir que como se deu nota no acórdão do Pleno desta Secção de 4/06/2014, no proc. nº 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».

Em suma, este tipo de recurso pressupõe uma identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes), pois sem essa identidade não será possível vislumbrar a emissão de proposições jurídicas opostas, sobre a mesma questão fundamental de direito, que careça de uniformização jurisprudencial.

Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.

Desde logo, importa referir que o acórdão tido por fundamento já transitou em julgado (vide fls. 294).

A questão que constitui o objecto do presente é a alegada distinta consequência jurídica extraída em termos decisórios relativamente aos actos de liquidação de IRC sindicados.

No caso dos autos os árbitros, no âmbito do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) julgaram improcedente o pedido de pronúncia arbitral (que era a revisão das autoliquidações de IRC que haviam apresentado para os anos de 2008 a 2011) sendo que lhes foi apresentada a tese de que a tributação autónoma incidindo sobre a despesa e à semelhança dos impostos indirectos como o imposto de selo, dos impostos especiais sobre o consumo ou o IVA (quando não for dedutível), aquela tributação é dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC.

No caso do acórdão fundamento proferido em processo em que também estava em causa uma liquidação de IRC, conclui-se, que sofre de inconstitucionalidade por violação do princípio da não rectroactividade fiscal a norma do artigo 5º da Lei nº 64/2008 de 05/12 que determinou que o agravamento da taxa de sobre despesas de representação e encargos de viaturas ligeiras de passageiros resultante da nova redacção dada ao artigo 81º nº 3 al. a) do CIRC produzisse efeitos a partir de 01/01/2008 uma vez que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tinha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, relativamente a despesas já realizadas.

Ocorre oposição de acórdãos?

Afigura-se-nos que não, pela singela razão de que o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre a questão nuclear da inconstitucionalidade do artº 5º da Lei nº 64/2008 de 05/12. E, embora haja uma análise/resposta similar de que a tributação autónoma incide sobre a despesa a verdade é que o acórdão fundamento não aborda qualquer questão atinente àquilo que interessa às oras recorrentes ou seja a possibilidade de deduzirem em sede de IRC a título de custos os montantes despendidos com a autoliquidação de tributação autónoma de determinadas despesas devidamente identificadas.
É bom de ver que, o Tribunal Arbitral apreciou expressa e especificamente uma questão nuclear distinta (dedutibilidade ou não) da que preocupou o STA (inconstitucionalidade ou não) e por isso não se mostram reunidos os pressupostos enunciados do recurso por oposição de acórdãos a que alude inúmeros acórdãos deste STA desde logo o Ac. de 18/09/2013 tirado no recurso nº 0966/12.
Por isso, se subscrevem, sem reservas, as doutas considerações expressas no parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto, junto deste STA, supra espelhado, que o levaram a emitir parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido, por não estarem reunidos os pressupostos da sua admissibilidade supra assinalados e previstos no artigo 152º do CPTA.
Aqui chegados e, preparando a decisão formulam-se as seguintes proposições:

1) São requisitos dos recursos por oposição de acórdãos a que se aplica o ETAF de 2002, a identidade da(s) questão(ões) de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, supondo-se estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica e ainda que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, contactando-se que se perfilharam, nos dois arestos, solução oposta através de decisões expressas e não apenas implícitas.

2) Não se verifica o 1.º requisito se a divergência dos acórdãos em confronto não resultou de entendimentos divergentes expressos quanto à mesma questão fundamental de direito.


4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.

Dê-se conhecimento ao CAAD.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Abril de 2015. – José da Ascensão Nunes Lopes (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado - Ana Paula da Fonseca Lobo – José Maria da Fonseca Carvalho - Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.