Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:084/22.0BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IMPOSTO SOBRE VEÍCULO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
Sumário:Estando a questão objecto do recurso pendente de apreciação no TJUE, impõe-se suspender os presentes autos de recurso até à emissão de pronúncia por aquele Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P31806
Nº do Documento:SAP20240124084/22
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a decisão arbitral proferida em 4 de maio de 2022 no processo arbitral n.º 607/2021-T, vem, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), dela interpor recurso por alegada oposição com o decidido pela Decisão Arbitral proferida no Processo nº 350/2021-T, de 22/02/2022, na parte referente à conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, das liquidações de ISV efetuadas em 2021, ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV à data em vigor (redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021).

A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal Administrativo da Decisão Arbitral proferida em 04/05/2022 no Processo 607/2021-T, por estar em contradição com a Decisão Arbitral proferida em 22/02/2022 no Processo nº 350/2021-T, no segmento decisório respeitante à anulação parcial da liquidação de ISV efetuada em 2021, ao abrigo do nº 1 artigo 11.º do CISV, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021.
B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a Decisão Arbitral que se indica como fundamento, relativamente ao entendimento da conformidade do nº 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
C) A Decisão Arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que o nº 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro, não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, e não reflete a doutrina que resulta do acórdão do TJUE, de 2 de setembro de 2021, no Processo C-169/20, porquanto tal redação não tem em consideração a depreciação real do veículo, quando aplica distintas taxas de redução de imposto sobre veículos às componentes cilindrada e ambiental dos veículos admitidos de outro Estado membro da União Europeia.
D) Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com a Decisão Arbitral fundamento, a anulação parcial da liquidação de ISV impugnada, condenando a AT a restituir o montante de imposto indevidamente pago pelo Recorrido (acrescido de juros indemnizatórios).
E) Na Decisão Arbitral fundamento, tendo por base também atos tributários de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) efetuados em 2021, entendeu, e bem, que a nova redação do nº 1 do artº 11.º do CISV introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro, está em conformidade com o direito da União Europeia, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE, e de acordo com a decisão do TJUE proferida no Processo C-169/20, pois na sua decisão o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já o foi mediante a alteração ao n.º 1 do art.º 11.º do CISV, na nova redação dada pelo art.º 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro.
F) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com a conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, das liquidações de ISV efetuadas em 2021, ao abrigo da redação do nº 1 do artigo 11.º do CISV introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão contestada, com substituição da mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de anulação parcial do ato de liquidação de ISV, com todas as consequências legais, ao abrigo do nº 6, do artigo 152º do CPTA.
G) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral considera que o nº 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE.
H) Todavia, conforme resulta da Proposta de Lei do OE para 2021, a nova redação nº 1 do artigo 11.º do CISV, teve, precisamente, em vista: “(…) salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu” prevendo-se “à semelhança do que já sucede com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia passem a beneficiar de um desconto sobre a componente ambiental do ISV, o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se, deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal”.
I) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
J) Sendo certo que, o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária prevê, no respetivo artigo 25º, nºs 2 e 3 que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
K) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
L) Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.
M) Decorre, de todo o exposto, que a Decisão Arbitral recorrida, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a Decisão fundamento, devendo a decisão recorrida ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de anulação parcial do ato de liquidação de ISV.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada a contradição entre a Decisão Arbitral proferida no Processo 607/2021-T, em 04/05/2022 e a Decisão Arbitral fundamento, proferida no Processo nº 350/2021-T, em 22/02/2022, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral de anulação parcial da liquidação de ISV impugnada, com todas as consequências legais.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de que de que se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, porquanto ambas as decisões arbitrais se debruçaram sobre a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (na decisão arbitral recorrida também se apreciou a legalidade de atos à luz do disposto na mesma disposição legal na redação introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2017, mas não é deste segmento que vem interposto o recurso), tendo os tribunais arbitrais perfilhado soluções divergentes e a decisão arbitral recorrida não está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que se desconhece qualquer pronúncia do STA sobre esta questão, tendo por base a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro e, quanto ao mérito, impõe-se a confirmação da decisão arbitral recorrida, julgando-se improcedente o recurso.


4 - Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA.
- Fundamentação -

5 - Questões a decidir

Importa averiguar previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

6 – Matéria de facto
6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:
a. O Requerente é uma pessoa singular que titula como adquirente/proprietário da Declaração Aduaneira de Veículo “DAV” para introdução no consumo em Portugal 2021/..., de 08.09.2021.
b. O teor da DAV n.º 2021/..., é referente a 1 veículo automóvel de passageiros, tipo de combustível gasolina, cilindrada 3798 cc, emissão de CO2 combinado, ciclo NEDC, 279 g/km, com cobrança de ISV no total de € 13.859,66, pela liquidação de ISV n.º 2021/..., com data de 08.09.2021 cfr. documento junto ao PPA (cópia da DAV) bem como documentos juntos ao PA.
c. No Quadro F desta DAV relativo a “Apresentação do Veículo”, campo 55, consta a indicação “Veículo: Usado” (campo 55).
d. No mesmo Quadro F consta a indicação “País de procedência: DE-Alemanha”.
e. No Quadro R desta DAV relativo a “Cálculo do ISV” consta com relevância para a causa a “Tabela ISV aplicável” com o seguinte teor:
“Imagem no original”
f. Foi pago pelo Requerente o ISV no valor de € 13.859,66, conforme quadro T da DAV junta ao PPA e PA, data de cobrança 08.09.2021.
g. O cálculo do ISV em causa considerou, na componente” Redução de Anos de Uso”, para a componente cilindrada, 75%, e, para a componente ambiental, 52%, cfr. campo 04.a e campo 04.b do Quadro R da DAV, em conjugação com os respetivos campos 01 e 02.
h. O Requerente apresentou o PPA no dia 23.09.2021.


6.3 Por seu turno, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:
1. A Requerente introduziu em Portugal, entre 28/10/2020 e 19/01/2021, veículos ligeiros de passageiros usados, provenientes de diferentes Estados-membros da UE, (cfr. Doc. 1 à Impugnação e no processo administrativo), designadamente constantes das seguintes DAVs:
2. Em resultado da apresentação das DAVs acima referidas, a AT, através do Diretor da Alfândega de Peniche, liquidou ISV no valor global de € 23.082,77.
3. De acordo com a informação constante das mencionadas DAVs, o valor global de ISV liquidado tem como parcela um montante de € 39.391,88 referente à componente cilindrada, e um montante de € 3.179,57, referente à componente ambiental.
4. No que concerne à componente cilindrada referente às DAVs acima referidas, foi deduzida uma quantia total no valor de € 19.306,77, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados.
5. Em relação à parcela da componente ambiental (de € 3.179,57), não foi aplicada qualquer percentagem de redução relativamente às liquidações efetuadas em 2020, ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV (com referência à redação estabelecida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2017).
6. Porém, em relação às liquidações efetuadas em 2021, resultantes das DAV n.º 2021/..., n.º 2021/... e n.º 2021/..., foi aplicada uma redução, pelo montante total de € 181,90, à componente ambiental, nos termos da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV e correspondente tabela D (i.e., ao abrigo da redação atribuída pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2021).
Em resumo, o quadro abaixo espelha as reduções respetivamente aplicáveis às componentes cilindrada e ambiental, por DAV:
7. Por não se conformar, em parte, com a liquidação de ISV efetuada pela AT, na medida em que o respetivo cálculo não contemplou qualquer redução de taxa da componente ambiental (para as liquidações de 2020) ou uma redução de taxa equivalente àquela que é utilizada para a componente cilindrada (para as liquidações de 2021), a Requerente apresentou, em 11/02/2021, junto da Alfândega de Peniche, um pedido de revisão oficiosa dos correspondentes actos de liquidação de ISV.
8. Tal pedido de revisão foi indeferido, por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Peniche, notificado à Requerente em 02.06.2021 (cfr. Doc. 7 da Impugnação e do processo administrativo).


7 – Decidindo
7.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência
Vem o presente recurso para uniformização de jurisprudência interposto da decisão arbitral n.º 607/2021-T proferida nos presentes autos por alegada contradição do ali decidido com o que o foi no Processo nº 350/2021-T, de 22/02/2022, na parte referente à conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, das liquidações de ISV efetuadas em 2021, ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV à data em vigor (redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021).
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso dos autos.
Na decisão arbitral recorrida está em causa um pedido de anulação parcial da liquidação de ISV, relativo a uma admissão de veículo usado no território nacional em 08/09/2021, e reembolso da quantia de € 5.002,69 euros, com a invocação de que na redução prevista no artigo 11º do CISV, se devia aplicar à componente ambiental, em que foi utilizada a taxa de 52%, a mesma taxa aplicada à componente cilindrada de 75%, sob pena de violação do disposto no artigo 110º do TFUE.
O Tribunal arbitral julgou procedente a pretensão do impugnante, adoptando o entendimento vertido na decisão arbitral proferida no processo nº 372/2021, com a seguinte fundamentação: «(…) é, pois, entendimento deste tribunal arbitral que a atual redação não tem em consideração a depreciação real do veículo, quando aplica distintas taxas de redução, conforme se está na componente de cilindrada ou na competente ambiental. Sendo a viatura a mesma, não se justifica a existência de diferentes depreciações, por efeito da imposição de objetivos ambientais, porque dessa forma se gera, uma vez mais, um fator discriminativo, ainda que de menor dimensão, por continuar a exceder o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.»
Por sua vez na decisão arbitral fundamento estavam em causa vários pedidos de anulação de liquidações de ISV referentes a outros tantos factos tributários ocorridos nos anos de 2020 e 2021, sendo que para efeitos do presente recurso importa apenas o segmento da decisão relativa aos factos ocorridos em janeiro de 2021 (fls. 28 e seguintes da decisão), em que nas liquidações do ISV foi feita uma redução de 52% na componente da cilindrada e uma redução de 28% na componente ambiental, ao abrigo do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro.
Tendo nesta sede o tribunal arbitral considerado, após invocar o entendimento sufragado pelo TJUE na decisão proferida no processo C-169/20: «Pelo que se acompanha a conclusão da Requerida no sentido de que “na sua decisão o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do art.º 11.º do CISV, na nova redação dada pelo art.º 391º da Lei nº 75B/2020, de 31 de dezembro”».
Como decorre do exposto, ambos os arestos se debruçaram sobre a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (na decisão arbitral recorrida também se apreciou a legalidade de atos à luz do disposto na mesma disposição legal na redação introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2017, mas não é deste segmento que vem interposto o recurso), tendo os tribunais arbitrais perfilhado soluções divergentes.
Não havendo, por enquanto, jurisprudência deste STA sobre a questão tendo por base a aplicação do nº1 do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, haverá, pois que conhecer do mérito do recurso.

7.2 Do mérito do recurso
Sucede, porém, que por Acórdão deste STA do passado dia 22 de novembro, no processo do Pleno Tributário n.º 25/23.8BALSB, em que se colocava questão idêntica à dos presentes autos, foi determinado o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciação da seguinte questão: o artigo 110º do TFUE e os comandos ínsitos no acórdão do TJUE n.º C-169/20, são afrontados pela alteração legislativa de 2020 do artigo 11º do CISV, que estabeleceu as regras de desvalorização da componente ambiental, mas em que a desvalorização da componente ambiental obedece a critérios distintos da desvalorização da componente da cilindrada, o que implica taxas de desvalorização distintas e, nessa medida, poderá acarretar um efeito discriminatório sobre os veículos usados importados de outros países da União?
Estando a questão pendente de apreciação no TJUE, impõe-se suspender os presentes autos de recurso até à emissão de pronúncia por aquele Tribunal, dando-se conhecimento a este processo do Acórdão que venha a ser emitido pelo TJUE, quando o for.
- Decisão -
Nestes termos, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em:
A) julgar verificada a oposição de julgados;
B) Quanto ao mérito do recurso, suspender os presentes autos até que seja proferida decisão pelo TJUE no reenvio prejudicial a que se procedeu no processo n.º 25/23.8BALSB, devendo o Acórdão que vier a ser proferido pelo TJUE ser junto a este processo.

Custas a final.
Notifique.
Lisboa, 24 de janeiro de 2024. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (Relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.