Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01220/06
Data do Acordão:03/07/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
JUROS MORATÓRIOS.
JUROS DE MORA.
ANATOCISMO.
Sumário:I – Destinando-se os juros indemnizatórios e moratórios a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente cobrada, eles não são cumulativos.
II – Assim, os primeiros são devidos até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado – artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
III – E os segundos a partir daí e até efectivo e integral pagamento – artigo 102.º, n.º 2, do mesmo diploma.
IV – Como está em causa a reparação da privação da disponibilidade da prestação tributária, é sobre esta importância (a quantia ilegalmente liquidada) que os juros - indemnizatórios e moratórios - são calculados.
V – Está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros – artigo 560.º do Código Civil.
Nº Convencional:JSTA00064014
Nº do Documento:SA22007030701220
Data de Entrada:12/14/2006
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO - DGI
Recorrido 1:A...
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:LGT98 ART43 N1 ART100 ART102 N2.
CONST97 ART22.
CPPTRIB99 ART146 N1.
CPTA02 ART170.
CCIV66 ART560 N1 N2 N3.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG180.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 3ED PAG336.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
O Ministério Público e a Direcção-Geral dos Impostos vêm recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que condenou a administração tributária a pagar a ..., SA, juros indemnizatórios em cumulação com juros de mora, e juros de mora sobre juros indemnizatórios, no processo de execução de sentença para pagamento de quantia certa, referente ao acórdão do STA de 9 de Fevereiro de 2005, processo n.º ... que esta sociedade intentara naquele tribunal.
Fundamentou-se a decisão em que os juros indemnizatórios “são liquidados e pagos no prazo de 90 dias, contados a partir do início do prazo da sua execução espontânea da decisão, ou seja, contados a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução” – artigos 61.º, n.os 1 e 2, e 146.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, “ou seja, no caso em apreço deveriam ter sido pagos até 11/07/2005”, sendo que, “por outro lado, dispõe o n.º 3 do artigo 61.º do CPPT que os juros indemnizatórios serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.(…)
“E, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 102.º da LGT, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo para a execução espontânea da sentença, quando esta implicar a restituição do tributo já pago e for peticionada pelo contribuinte”.
O Ministério Público apresentou as seguintes conclusões:
1. Os juros indemnizatórios visam ressarcir o contribuinte pelo desapossamento do capital correspondente ao imposto indevidamente liquidado, pelo que são devidos desde a data do pagamento deste até ao termo do prazo de execução espontânea do julgado – artigo 43.º da Lei Geral Tributária;
2. Já os juros moratórios visam ressarcir o contribuinte pela demora no pagamento do seu crédito resultante do acto anulado, pelo que são devidos após o termo do prazo de cumprimento da decisão anulatória;
3. Destinando-se tais juros, ainda que de forma diferenciada, a ressarcir o mesmo dano, não podem acumular-se no mesmo período;
4. Não havendo convenção ou disposição legal expressa, não são devidos juros sobre juros, sob pena de anatocismo, o que está vedado por Lei – 560.º do Código Civil;
5. Ao condenar no pagamento de juros indemnizatórios e moratórios em acumulação e em juros moratórios sobre o montante devido a título de juros indemnizatórios, a Mma. Juiz incorreu em vício de violação de lei, pelo que deve a sentença ser revogada nessa parte.
E a Direcção-Geral dos Impostos concluiu que:
1.ª Não se discute o reconhecimento pela sentença recorrida do direito ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Recorrida, não obstante estes só terem sido peticionados em sede de execução de julgados;
2.ª Já se discorda, porém, que a mesma sentença tenha ordenado o pagamento de juros indemnizatórios e de juros moratórios no mesmo período temporal, ou seja, entre o termo do prazo para a execução espontânea e a data legal em que deveria ocorrer o pagamento.
3.ª Como também se discorda que deva haver lugar ao pagamento de juros moratórios sobre a contagem de juros indemnizatórios hipoteticamente devidos entre o período de 11.07.2005 até à data do seu pagamento.
4.ª Quando, na verdade, deve haver lugar tão só ao pagamento de juros indemnizatórios sobre a dívida propriamente dita até à data da execução espontânea e o pagamento de juros moratórios sobre a mesma dívida só deve ocorrer a partir daquela data e até à data do integral pagamento.
5.ª Sob pena de serem violados os artigos 43.º, 100.º e 102.º da LGT.
Por sua vez, contra-alegou a exequente:
1. A exequente adere por inteiro, dando-a por reproduzida, à douta sentença recorrida, quão no tocante ao seu dispositivo, à sua substância fundada e condenação a que proceda;
2. A executada pretende tão somente, com o devido respeito, manter um “status quo” de primazia do “Estado administração” sobre os particulares, impeditivo da plena afirmação do princípio do “império da Lei”, da separação de poderes – independência dos tribunais enquanto garante último dos direitos dos particulares,
3. daí que “esqueça” quer a natureza e função dos juros indemnizatórios enquanto sanção,
4. quer a que preside à dos juros moratórios.
5. E como não busca a essência conceptual da diferença, não alcança que numa diferença os respectivos efeitos jurídicos possam reproduzir-se concomitantemente – em cumulação ou sem ela, consoante a verificação das respectivas previsões.
Assim,
6. nada impedindo a cumulação,
7. e encontrando-se todos face a sentença “exemplar” e a Executada, pretendendo “não pagar ou protelar o pagamento”, “erra” nas alegações,
8. permanecendo “intocável” a douta sentença recorida,
pelo que,
9. mantendo a mesma na íntegra,
Fará V. Exa. Justiça!
E, colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
A) Em 03/07/1997, a impugnante pagou o imposto referente à liquidação de IVA de 1991 e juros compensatórios no montante de € 44.206,47;
B) Em 09/02/2005, foi proferido Acórdão do STA que julgou procedente a impugnação deduzida pelo ora requerente relativamente à liquidação mencionada na alínea anterior e, em consequência, anulou a liquidação.
C) O acórdão mencionado alínea anterior transitou em julgado.
D) O processo de impugnação mencionado na alínea B) foi remetido ao Serviço de Finanças de Setúbal 1 em 11/04/2005.
E) O presente pedido de execução de sentença foi deduzido em 17/08/2005 (Cfr. fls. 2 dos autos);
F) A administração tributária restituiu à requerente, em 19/01/2006, o montante de € 44.206,47, referente ao pagamento indevido do imposto mencionado na alínea A).
Vejamos, pois:
São duas as questões dos autos: por um lado, cumpre saber se os juros indemnizatórios podem, ou não, ser cumulados com juros de mora; por outro, importa conhecer se estes podem, ou não, ter como objecto aqueles.
Quanto à cumulação de juros indemnizatórios com juros moratórios:
O artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe "pagamento indevido da prestação tributária", determina serem "devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Tais juros enquadram-se na teoria da responsabilidade civil extracontratual, com fundamento constitucional - artigo 22º da Constituição da República Portuguesa. Destinam-se, pois, a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária.
Por sua vez, o artigo 102.º da mesma LGT, epigrafado "execução de sentença", estabelece – nº 2 - que, no "caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea".
Assim, "os juros de mora a favor do sujeito passivo, que são admitidos nos casos em que não seja cumprida, pela Administração Tributária, no prazo fixado na lei, uma obrigação de pagamento de uma quantia ao sujeito passivo, destinam-se a reparar os prejuízos presumivelmente sofridos por este, derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente, tendo natureza idêntica à dos juros de mora previstos na lei civil".
Cfr. Jorge de Sousa, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, p. 180. Mas, assim sendo, eles têm a mesma natureza, correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária.
Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes, - num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento - sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade.
E, justamente, dos mesmos prejuízos, ou de igual natureza.
Mas, assim sendo, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.
Como refere o mesmo autor – Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 3.ª edição, p. 336 -, "na medida em que haja juros de mora, não haverá direito a juros indemnizatórios, pois, naturalmente, não se poderia justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga".
Nem em contrário se objecte com a parte final do artigo 100.º da dita LGT onde se estabelece que a plena e imediata reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litigio, a que a Administração está obrigada, compreende "o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".
É que, como igualmente ali se refere, "sendo o n.º 2 do artigo 102.º uma norma especial sobre a execução de sentença, enquanto o artigo 100.º assume a natureza de uma norma geral sobre a execução de decisões favoráveis ao sujeito passivo, ela deverá prevalecer sobre a do artigo 100.º, quando a decisão a executar é uma decisão judicial", como acontece no caso concreto.
É, assim, de concluir serem devidos juros indemnizatórios até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado e juros moratórios a partir daquele prazo e até efectivo e integral pagamento.
QUANTO À POSSIBILIDADE DE OS JUROS MORATÓRIOS SEREM CALCULADOS COM ATINÊNCIA AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS DEVIDOS:
A sentença ora em crise condenou a administração tributária no pagamento de juros de mora “calculados sobre os juros indemnizatórios que são devidos à requerente, calculados a partir [do prazo da execução espontânea do julgado] até ao integral pagamento”.
Nos preditos termos do artigo 43.º da LGT, determinando-se, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, são devidos juros indemnizatórios.
Obrigação que se mantém durante o prazo da execução espontânea do julgado – 30 dias, nos termos do artigo 170.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 102.º, n.º 1, da LGT, e 146.º, n.º 1, do CPPT.
Findos estes 30 dias, passam a ser devidos juros moratórios que, como se disse, têm a mesma natureza indemnizatória que aqueles, pois radicam no atraso da restituição do imposto indevidamente pago.
E estando em causa a reparação do mesmo dano (a dita privação da disponibilidade da prestação tributária), é sobre esta importância – a quantia ilegalmente liquidada - que os juros - indemnizatórios e moratórios - são calculados.
Ou seja: os juros moratórios pretendem, ainda, findo o prazo de execução espontânea, indemnizar a privação do capital indevidamente cobrado ao contribuinte, e não recompensá-lo pelo não pagamento de juros indemnizatórios neste prazo.
Pelo que tais juros se calculam sobre a quantia indevidamente cobrada pela administração tributária (e não sobre a quantia indemnizatória que o contribuinte não recebeu no prazo em que o fisco estava obrigado a repor a legalidade).
Por outro lado, o artigo 560.º do Código Civil proíbe, por regra, o anatocismo. Há, todavia, três situações em que o anatocismo é permitido, sendo que, em princípio, “só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano” – n.º 2 do dito artigo 560.º.
Assim, “para que os juros vencidos produzam juros [I] é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, [II] a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização” – n.º 1.
Contudo, [III] estas restrições “não são aplicáveis (…) se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio” – n.º 3.
Ora, no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias. E, ainda que assim não fosse, como é, uma vez que, por natureza, as leis tributárias não podem ser tidas como “regras ou usos particulares do comércio”, nunca o anatocismo seria possível no caso dos autos já que, por força daquele n.º 2, quando os juros são devidos por período inferior a um ano, o anatocismo é absolutamente proibido.
Assim, está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros.
Pelo que os juros moratórios nunca poderiam ser calculados sobre os juros indemnizatórios devidos.
Termos em que se acorda conceder provimento aos recursos, revogando-se a sentença recorrida no segmento ora sub judice e determinando-se a execução do julgado nos termos expostos.
Custas pela exequente, na proporção do vencido, na instância e neste Supremo Tribunal Administrativo, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 07 de Março de 2007. Brandão de Pinho (relator) – Pimenta do ValeLúcio Barbosa. (Vencido. Entendo que os juros moratórios incidem também sobre os juros indemnizatórios. Estes constituem uma verdadeira e própria indemnização, pelo que nada impede que os juros moratórios incidam também sobre eles).