Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01082/11
Data do Acordão:02/23/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
TRANSMISSÃO
Sumário:I – É o acto de usucapião de imóvel usucapido que constitui o objecto de incidência de tributação em imposto de selo e não também a aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente no mesmo imóvel.
II – Deste modo, tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
Nº Convencional:JSTA00067433
Nº do Documento:SA22012022301082
Data de Entrada:11/28/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E MULHER
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2011/05/25 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - SELO
Legislação Nacional:CIS03 ART1 N1 N3 ART2 N2 B ART3 N1 N3 B ART5 R ART13 N1
LGT ART11 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1120/11 DE 2012/02/08; AC STA PROC805/09 DE 2010/12/18; AC STA PROC242/10 DE 2010/09/10; AC STA PROC53/10 DE 2010/05/12
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 25 de Maio de 2011, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…… e mulher B……, melhor identificados nos autos, contra as liquidações de imposto de selo n.° 321970, no valor de €2.448,50 e n.° 21969 no valor de € 2448,50, de 21.12.2011, decorrentes de uma escritura de justificação de um prédio urbano, outorgada em 15.03.2004 no Segundo Cartório Notarial de Leiria.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) Foram postas em causa as liquidações de Imposto de Selo nº 321970 e nº 21969, do ano de 2004, no montante total de 4.897,00€, efectuadas pela Administração Fiscal nos termos dos artigos 1°/3-a), 2°/2-b), 3°/3-a), 5°/r e 13°/4 do Código respectivo.
B) Às referidas liquidações subjaz a aquisição por usucapião de prédio urbano (moradia) construído pelos usucapientes em terreno adquirido, em 1968, por doação verbal.
C) A respectiva escritura de justificação foi outorgada em 2004-03-15.
D) A douta sentença sob recurso entendeu que só o acto de aquisição do prédio usucapido é que podia inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo, e não o acto de aquisição das obras ou benfeitorias nesse prédio realizadas, determinando em consequência a anulação das liquidações impugnadas na parte em que exorbitassem as normas de incidência objectiva do CIS.
E) O recorte discordante do presente recurso centra-se no facto de, face à legislação fiscal, não ser possível distinguir/deduzir um valor do outro em sede do valor tributável de Imposto de Selo, havendo, por conseguinte, de este valor incluir aquele valor referente às benfeitorias realizadas no prédio.
F) Pois que a legislação fiscal em matéria de aquisições por usucapião contém especificidades face à lei civil: por um lado, opta claramente por considerar o direito do Estado ao imposto logo no momento do título justificativo da usucapião e, por outro, não consagra nenhuma regra específica para determinar o valor tributável em tais aquisições, havendo assim que recorrer-se à regra geral, ou seja, o art. 13°/1 do CIS.
G) Pelo que o valor tributável da aquisição por usucapião terá de ser o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, no momento do nascimento da obrigação tributária, tal como a lei fiscal a configura, resultando impossível deduzir o eventual direito de crédito do usucapiente sobre o proprietário relativamente às benfeitorias por aquele realizadas nos termos das regras do enriquecimento sem causa, porque, no caso concreto, um e outro são a mesma e única pessoa.
H) Assim, nas aquisições por usucapião assiste-se à inclusão do valor das benfeitorias no valor patrimonial tributário, pelo que nenhuma ilegalidade pode ser assacada às liquidações impugnadas que, em conformidade, devem ser mantidas.
I) Ao não decidir neste sentido, a douta sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação dos artigos 216°, 473° e 1273° do CC e dos artigos 1°/3-a), 50-r) e 13°/1 do CIS, pelo que não deve manter-se na ordem jurídica».
2 - Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, sufragando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, que cita, e invocando, em síntese, a seguinte fundamentação:
«(…..) 2. No caso sob análise: a)tendo o prédio urbano que se encontra implantado na parcela de terreno para construção adquirida por usucapião sido construído pelos impugnantes, não se poderá considerar que o mesmo lhes foi transmitido por título gratuito b) a edificação construída pelos impugnantes no terreno para construção, adquirido por usucapião, constitui uma benfeitoria útil (art.216° C. Civil) c) o Imposto de Selo deve incidir apenas sobre o valor patrimonial tributário do terreno adquirido por usucapião, constante da matriz à data da transmissão (art. 13° nº1 CIS).
3. A jurisprudência do STA-SCT tem-se pronunciado de forma consistente no sentido propugnado (acórdãos 26.11.2008 processo n° 376/08; 21.10.2009 processo nº 652/09; 27.01.2010 processo n° 922/09; 13.01.2010 processo n° 1124/09; 20.01.2010 processo n° 773/09; 24.02.2010 processo n° 806/09; 3.03.2010 processo n° 1190/09; 22.09.2010 processo n° 334/10)»
4 – Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
4.1 Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) Por escritura pública de Justificação e Compra e Venda, outorgada em 15/03/2004, no Segundo Cartório Notarial de Leiria, os impugnantes declararam-se donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto de rés-do-chão, primeiro andar para habitação, com a superfície coberta de sessenta metros quadrados, dependência com de vinte metros quadrados e logradouro com noventa e um metros quadrados, a confrontar de Norte com C……, Sul com D……, Nascente Com E……, Lda e Poente com C……, inscrito na matriz sob o artigo 1.063, da freguesia de Barreira - fls. 7 a 12.
B) Na mencionada escritura, declararam os impugnantes «Que o identificado imóvel foi por eles mandado construir há mais de trinta e cinco anos, num terreno que lhes foi doado verbalmente por F……. e mulher G……, em mil novecentos e sessenta e oito (sendo então já casados) e assim, não têm eles primeiros outorgantes título formal de aquisição do referido imóvel. Certo é porém e do conhecimento geral, que o vêm possuindo, ostensivamente e sem oposição de ninguém, na convicção que sempre tem sido também a das outras pessoas, de serem eles os seus verdadeiros e únicos donos (. . .)}) - fls 7 a 12.
C) A casa de habitação aludida na escritura de justificação, foi construída pelos impugnantes, há mais de 35 anos, em terreno que havia sido doado verbalmente pelos pais do impugnante marido.
D) A coberto dos ofícios de fls. 22 e 23, cada um dos impugnantes foi notificado da liquidação de imposto de selo no montante de 2448,50€»..
4.2. Do mérito do recurso
A questão objecto do presente recurso prende-se com a legalidade da liquidação de Imposto de Selo, nomeadamente saber se o Imposto de Selo deveria ter sido liquidado reportando-se ao valor do prédio rústico originariamente adquirido pelos recorridos, ou ao valor que se encontrava inscrito na matriz à data da escritura de justificação notarial nos termos dos arts. 1º, ns. 1 e 3, 2º nº 2, al. b), 3º, ns. 1 e 3 al. b), 5º, al. r), e 13º nº 1 do CIS.
A decisão recorrida considerou (vide fls. 82 e segs.) que o prédio urbano que a administração tributária julgou transmitido para os impugnantes não lhes foi transmitido, antes foi pelos mesmos construído sobre um terreno que, esse sim, lhe foi transmitido por doação verbal.
E que tendo o edifício que se encontra implantado no terreno transmitido, e aqui em causa, sido construído pelos impugnantes jamais se pode considerar, por um lado, que o mesmo lhes foi transmitido e, por outro, que o foi a título gratuito.
Por isso concluiu-se na sentença recorrida que são ilegais as liquidações de imposto do selo impugnadas na medida em que consideram verificada tal transmissão e na medida em que incidem sobre a mesma tomando em linha de conta o valor das benfeitorias que integram o prédio urbano.
Contra o assim decidido insurge-se a Fazenda Pública alegando que a factualidade dos presentes autos preenche os pressupostos de incidência previstos no CIS, sendo, por isso passível de tributação nos exactos moldes que o foram e que constam dos actos tributários ora em crise.
Desde já se dirá que o recurso não merece provimento.
Com efeito a questão suscitada tem sido objecto de jurisprudência consolidada da secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo a qual se vem pronunciando no sentido de que tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi edificado um prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo – cf. neste sentido, para além dos todos Acórdãos citados no Parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto, os Acórdãos 1120/11, de 08.02.2012, 805/09 de 18.12.2010, 242/10, de 9.10.2010, e 53/10, de 12.05.2010, todos in www.dgsi.pt.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que, para obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC), remetemos para o sobre tal matéria se disse nos Acórdãos 1190/09 de 03.03.2010 e 53/10 de 12.05.2010, publicados in www.dgsi.pt.
Como se sublinha naquele primeiro aresto, «revogado que foi, a partir de 1/1/2004, o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações pelo DL 287/2003, de 12/11, as transmissões gratuitas de imóveis passaram a ser reguladas pelo Código do Imposto de Selo, cujo artigo 1.º, no que aqui interessa, dispõe que o imposto de selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião, sendo sujeitos passivos do imposto neste caso os respectivos beneficiários [artigos 1.º, n.º 3, alínea a) e 2.º, n.º 2, alínea b) do CIS]. Constituindo o imposto encargo do adquirente dos bens, nos termos do preceituado no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea a) do mesmo CIS.
Por seu turno, no que toca ao nascimento da obrigação tributária, determina a alínea r) do artigo 5.º do CIS que esta se considera constituída nas aquisições por usucapião na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial.
Sendo que, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do CIS, o valor dos imóveis a atender nas transmissões a título gratuito é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI ou o determinado por avaliação, quanto aos prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial. Por último, estabelece o artigo 11.º, n.º 3 da LGT que “deve atender-se à substância económica dos factos tributários”. É no confronto com este quadro normativo que importa apurar se a liquidação impugnada se encontra ferida de ilegalidade.
Ora, de acordo com o probatório fixado, o que resulta é que no caso em apreço a AF tributou o prédio urbano integrado por edifício construído pelos impugnantes em terreno que estava na sua posse e que adquiriram por usucapião, considerando ter o mesmo lhes sido transmitido, quando não foi isso que sucedeu.
O que lhes foi efectivamente transmitido por usucapião foi, sim, um prédio rústico sobre o qual os mesmos edificaram aquele prédio urbano.»
Acresce dizer, citando também o Acórdão desta secção proferido no recurso 53/10 de 12.05.2010, que tratou de caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, que «mesmo que houvesse dúvidas sobre o sentido interpretativo das normas de incidência – e pensamos que não há – sempre seria de considerar a substância económica dos factos e, a esta luz, parece-nos indiscutível que edifício construído no terreno resultou do investimento de activos patrimoniais dos Impugnantes e, como tal, não se pode considerar que lhes foi transmitido e muito menos a título gratuito – cfr. Artº. 11º, nº 3 da LGT. Finalmente, refira-se que o facto de a norma do artº. 5º alínea r) do CIS estatuir que a obrigação tributária se considera constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial e de a norma do artº. 13º, n° 1 do CIS referir que o valor dos imóveis a considerar nas transmissões gratuitas ser o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, não permite, em nosso entender, extrair qualquer argumento no sentido de que o valor a considerar para efeitos de tributação é o valor de todo o prédio incluindo, portanto, o edifício que nele se acha implantado.
E não permite porque, previamente à questão do valor do bem imóvel a considerar, coloca-se, como prius lógico, a questão da determinação do bem imóvel que foi objecto da transmissão gratuita tributável...” Na realidade, o que está em causa não é simplesmente o valor a atender para efeitos de imposto de selo, ou o momento apenas em que esse valor deve ser atendido.
A questão que, antes de todas, importa equacionar, previamente a saber qual o valor a atender para efeitos de imposto de selo, é a questão de saber qual o objecto de incidência do imposto de selo devido no caso: o acto de aquisição do prédio usucapido, ou também o acto de aquisição das benfeitorias nesse prédio levadas a cabo pelos impugnantes, ora recorridos? E o certo é que só o acto de aquisição do prédio usucapido é que pode inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo, e não o acto de aquisição das obras ou benfeitorias nesse prédio realizadas.»
No caso subjudice resulta manifesto do probatório (pontos A a C) que só o prédio rústico foi objecto de aquisição por usucapião, e, sendo assim, só o valor deste deve ser considerado na determinação do valor a atender para efeitos de imposto de selo.
Sendo que a Administração Fiscal tributou o prédio urbano integrado por edifício construído pelos impugnantes em terreno que estava na sua posse e que adquiriram por usucapião, considerando que o mesmo lhes havia sido transmitido, quando não foi isso que sucedeu.
Neste contexto, como vem entendendo a já citada jurisprudência deste Tribunal, o acto de aquisição por usucapião de imóvel objecto dessa aquisição é, de facto, incidente de tributação em imposto de selo, não o sendo, porém, já o acto de aquisição de benfeitorias entretanto realizadas no mesmo imóvel pelo sujeito beneficiário da usucapião.
A decisão recorrida que assim entendeu deve, por isso, ser confirmada, com o esclarecimento de que as liquidações impugnadas devem ser anuladas na exacta medida em que as mesmas exorbitam dos limites legais de incidência objectiva, balizados apenas pelo acto de «aquisição por usucapião», fora do qual se encontra o acto de aquisição de obras ou de benfeitorias realizadas pelo usucapiente.
5. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando, com esta fundamentação, a decisão recorrida, e anulando-se, em consequência, a liquidação impugnada na parte respeitante ao valor das benfeitorias.
Custas pela recorrente Fazenda Pública,
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012. – Pedro Delgado (relator) – Valente Torrão – Francisco Rothes.