Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0355/16.5BEPNF
Data do Acordão:02/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24196
Nº do Documento:SA1201902110355/16
Data de Entrada:01/28/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, B………… e C…………, intentaram, no TAF de Penafiel, contra Caixa Geral de Aposentações (doravante CGA), acção administrativa especial peticionando a anulação dos atos administrativos que definem os valores das pensões mensais de aposentação, referidos nos n.º 19, 31 e 42 da petição, respetivamente para cada um dos Autores e, em consequência ordenado o recálculo desses montantes de acordo com a legislação, jurisprudência e os argumentos supra expostos, devendo ainda ser decretada a inconstitucionalidade do art.43.º do EA

O TAF julgou a acção procedente e anulou os despachos impugnados condenando a CGA a calcular novamente as pensões dos autores, tendo por base o regime legal vigente à data da apresentação dos seus requerimentos.

E o TCA Norte, para onde a CGA apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a CGA vem recorrer (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Está em causa identificar qual o regime de aposentação antecipada aplicável aos Autores, questão controversa visto estes defenderem que se lhes devia aplicar o Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29.12, por ser ele que vigorava aquando da apresentação dos seus requerimentos e a CGA a sustentar que o regime aplicável era o que estava em vigor à data do despacho que lhes reconheceu o direito à aposentação por tal resultar do disposto no art.º 43.º do Estatuto da Aposentação (DL n.º 498/72, de 09.12).
O TAF considerou que a razão estava do lado dos Autores pelo que julgou a acção procedente. Fê-lo pelas razões que se destacam:
“...
Resumindo, de tudo quanto vem de dizer-se, somos de concluir que o art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29.12, se manteve em vigor para os funcionários de justiça, por força da ressalva expressa prevista na primeira parte do n.º 1 do art.º 81.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31.12 ....
Pelo que, tendo em conta as datas de apresentação dos requerimentos de aposentação – Dezembro de 2013 - conclui-se que, nessa data, ainda estava em vigor o regime do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29.12, para os funcionários judiciais.
.....
Porém, a conclusão a que chegamos apenas responde à primeira parte da solução a dar ao caso concreto. Isto porque, há ainda a ter em conta o disposto na Lei n.º 11/2014, de 06.03.
Segundo o que se prevê no n.º 1 do art.º 1.º deste diploma, com o regime jurídico ali instituído visa-se estabelecer mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito que a lei procede ainda à revogação das normas que estabelecem acréscimos de tempo de serviço para efeitos de aposentação no âmbito da Caixa Geral de Aposentações.
....
Temos, assim, que o requerimento foi apresentado pelos aqui Autores em Dezembro de 2013 .... ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n.º 11/2014, de 06.03, que apenas ocorreu em 07.03.2014; mas, por outro lado, o pedido de aposentação foi decidido já após a entrada em vigor da lei ... sendo ainda certo que no cálculo da pensão foi considerado o regime da Lei n.º 11/2014, de 06.03 .....
Pelo que se coloca a questão de saber se é aplicável o regime em vigor à data da apresentação do pedido de aposentação ou o regime jurídico em vigor aquando da decisão tomada pela entidade demandada. O que implica a análise do art.º 43.º, n.º 1, do EA.
.....
Em face do exposto, e tendo por base o entendimento do Tribunal Constitucional, que vimos seguindo, e que fazemos nosso, deve ser recusada a aplicação do disposto no art.º 43.º, n.º 1, do EA, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12, por violação do princípio da segurança jurídica, quando interpretado no sentido de que se aplicam aos funcionários judiciais que apresentaram o requerimento de aposentação antes da entrada em vigor da Lei n.º 11/2014, de 06.03, o regime legal vigente à data da prolação do despacho que reconheceu o direito à aposentação.
Além disso, deve ainda ser afastada a aplicação do mesmo preceito por violação do princípio da igualdade. Com efeito, e como referem os autores, o critério legislativo pode, por si mesmo, gerar situações de desigualdade, na medida em que faz depender o conteúdo do direito do momento da decisão administrativa (pelo que consideramos que a invocação do princípio da justiça se resume à análise da igualdade). O que significa que se dois funcionários, reunindo os mesmos pressupostos, requeressem a aposentação em simultâneo poderiam ainda assim obter decisões distintas consoante o momento em que a Administração despachasse o seu pedido.
.....
Perante este juízo de afastamento da aplicação do art.º 43.º, n.º 1, do EA, sempre será de concluir no sentido de procedência da ação, anulando o ato, e condenando a entidade demandada a proceder a novo cálculo da pensão, tendo por base o regime legal vigente à data em que os autores apresentaram os respetivos requerimentos de aposentação.

O TCA confirmou essa decisão pela seguinte ordem de razões:
“Certo que na data em que os autores apresentaram o seu pedido de aposentação antecipada já estava em vigor desde 2013-01 a redação dada ao art.° 43.º do Estatuto da Aposentação (EA) pelo art° 79.º da Lei n.° 66-B/2012, de 31/12, onde se estabelece que as pensões são calculadas em função da lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.
O tribunal “a quo”, apesar de reconhecer que assim sucedia, honrou que perante a Lei Fundamental não poderia dar-se aval à aplicação dessa lei ordinária.
.....
A recorrente coloca toda a ênfase argumentativa em ordem à demonstração de rejeição de qualquer fenómeno de retroactividade e de afectação da segurança e confiança jurídicas.
....
Mas, bem - ou mal - que, ao que parece, o mesmo tribunal tivesse encarado toda essa equação como compreendida na afirmação de inconstitucionalidade do dito Ac. n.° 195/2017 - que julgou "Inconstitucional, por violação dos artigos 2.º e 13°, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 43.º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, no segmento que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação" -, é fora de dúvidas que, sempre em fundamento na desaplicação normativa levada a cabo pelo tribunal “a quo” teve por base .... a violação do “princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição”.
O que a impugnação agora trazida a recurso totalmente silencia, nada identificando que por aí tenha ocorrido um qualquer erro de julgamento.”

3. A CGA pede a admissão desta revista com base nas seguintes conclusões:
“1.ª Verificam-se, no presente caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no artigo 150.º do CPTA, já que se pretende obter uma melhor interpretação e aplicação da Lei, concretamente da norma vertida no artigo 43º do Estatuto da Aposentação (EA), na redação conferida pelo artigo 79º da Lei. n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, cujo n.º 2 prescreve, expressamente. que “As alterações introduzidas ao Estatuto de Aposentação aplicam-se aos pedidos e prestações apresentadas após a entrada em vigor da presente lei.” (ou seja: 2013-01-01),
2.ª Estamos perante um universo alargado de subscritores que requereram a aposentação nas mesmas circunstâncias dos Recorridos, cuja decisão tem impacto ao nível da determinação dos montantes das pensões, sendo que, a par da presente ação, existem dezenas de outras ações judiciais em curso sobre a esta matéria nos Tribunais Administrativos.
3.ª É essencial determinar claramente, para uma melhor aplicação do direito, qual o sentido e alcance da regra constante no artigo 43.º do EA, na redação conferida pelo artigo 79.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, cuja interpretação defendida no Acórdão 195/2017, de 26/04 é divergente da que sempre foi seguida pelo Tribunal Constitucional, como resulta da jurisprudência mais adiante citada.
4ª O presente recurso justifica-se, ainda, na nossa ótica, pelo facto de esta ser uma questão que extravasa do caso concreto, suscita dificuldades superiores ao comum, e que não mereceu ainda tratamento jurisprudencial por parte do Supremo Tribunal Administrativo.”

4. Como resulta do exposto a questão suscitada nesta revista é complexa pois traduz-se em saber qual o regime jurídico que se deve aplicar ao pedido de aposentação antecipada formulado pelos Autores, o que envolve não apenas a interpretação das regras do Estatuto da Aposentação mas também a sua conexão com o Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29.12. Ou seja, e dito de maneira diferente, importa saber se o regime aplicável é o que estava em vigor na data da apresentação dos respectivos requerimentos ou é o regime que vigorava à data do despacho que lhes reconheceu o direito à aposentação.
Sobre esta concreta questão não existe ainda qualquer decisão deste STA.
Ora, essa questão tem efectivamente relevância social e jurídica bastante para justificar a admissão da revista. – nesse sentido vd. Acórdão de 14.6.2018 (rec. 533/18).

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 11 de Fevereiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.