Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02087/13.7BELRS
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28781
Nº do Documento:SA22022011202087/13
Data de Entrada:09/21/2021
Recorrente:A................. E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………. e B……………….., Impugnantes/Recorrentes no processo à margem referenciado, notificados do Acórdão deste douto Tribunal Central Administrativo Sul de 03.12.2020, vêm, nos termos e para os efeitos do art. 285º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), interpor recurso do mesmo para o Supremo Tribunal Administrativo.

Alegaram, tendo concluído:
1ª O Acórdão recorrido confirmou a Sentença da 1ª Instância, onde se manteve a liquidação tributária impugnada, considerando ser obrigatória a imputação dos lucros tributáveis da Sociedade no IRS dos seus sócios, nos termos do regime da Transparência Fiscal, ainda que não tenha existido distribuição de lucros, tributando nessa sede, com aplicação das respectivas regras e escalões, como rendimento dos Impugnantes, quantias que os mesmos nunca receberam: um contribuinte paga imposto sobre os rendimentos de outro contribuinte.
2ª RECURSO INTERPOSTO NOS TERMOS DO ART. 285º, Nº 1, DO CPC
2ª.1 Admissibilidade do recurso I: estamos numa situação em que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – o Acórdão é uma má decisão judiciária;
a. O Acórdão sub judice padece de uma estruturante contradição intrínseca (cfr. nºs. 1 a 6 destas Alegações);
b. Equívocos ou erros nos pressupostos quanto ao dever de decisão (cfr. nºs. 7 a 11 destas Alegações);
c. Manifesto lapso do Acórdão sub judice quanto à Sentença da 1ª Instância (cfr. nºs. 12 a 15 destas Alegações);
d. O erro/equívoco quanto à presunção ilidível do art. 6º, nº 1, do CIRC (cfr. nºs. 16 a 19 destas Alegações);
e. O Acórdão recorrido desrespeita frontalmente o regime legal aplicável, bem como jurisprudência e doutrina consolidadas, em particular o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.02.2012, Acórdão fundamento na parte deste recurso interposta por contradição de Acórdãos (cfr. nº. 20 destas Alegações);
2ª.2 Admissibilidade do recurso II: está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental
3ª A Sentença e o Acórdão recorrido limitam-se a invocar a teleologia do regime da Transparência fiscal num plano puramente teórico, isto é, os objetivos legais anunciados pelo próprio legislador (neutralidade fiscal; combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios), sem verificarem/atenderem à situação concreta que nos ocupa e à relevância desses objetivos nesta situação. De facto, esses objetivos do legislador nada têm que ver com a situação que aqui se discute, onde nenhum facto foi suscitado nesse contexto, pelo que essa invocação é de todo inútil e desadequada, não podendo suportar a solução desta contenda.
De facto, importa constatar: (i) sendo a neutralidade (transparência) fiscal que aqui se questiona/impugna nas situações em que não haja distribuição dos resultados, não faz sentido responder a essa questão dizendo que o legislador pretendeu essa neutralidade/transparência fiscal; (ii) porque não estamos perante uma situação de evasão fiscal (que nunca esteve em causa nem foi suscitada), não faz sentido invocar esta pretensão na situação que nos ocupa; de facto, há algum regime fiscal que não pretenda combater a evasão fiscal?; assim, também não faz sentido invocar aqui essa (natural) pretensão legislativa; (iii) porque na situação que nos ocupa não houve distribuição de resultados, também não faz aqui qualquer sentido invocar a pretensão legislativa de eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios. Em suma, para julgar improcedente a impugnação deduzida, a Sentença e o Acórdão recorrido fundamentaram-se/refugiaram-se em questões que nada têm que ver com a situação que nos ocupa, o que é lamentável.
Do mesmo modo, porque não vem suscitado nos autos (e muito menos demonstrado) que a solução defendida pelos Recorrentes (tributação em sede de IRC, e não pelo IRS dos seus sócios, dos resultados não distribuídos da Sociedade) ponha em causa os objetivos relevantes do legislador (combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios) nada obsta a que essa solução seja adotada.
4ª A aplicação do regime da Transparência fiscal nos casos em que os resultados que se pretendem tributar aos sócios não lhes foram distribuídos é ilegal e inconstitucional: a. por um lado, não resulta demonstrado que in casu esteja em risco (i) a dupla tributação económica dos lucros ou (ii) haja um perigo de evasão fiscal, mediante a criação de sociedades fictícias (são estas razões que compõem a “ratio legis” do regime da transparência fiscal); b. por outro lado, as Sociedades de Advogados são obrigatoriamente sociedades profissionais, para efeitos de aplicação do CIRC, já que apenas se admite a inclusão de profissionais advogados, pelo que se encontram obrigatoriamente submetidas ao regime da Transparência Fiscal.
5ª O regime da Transparência Fiscal imposto às sociedades de advogados é um regime desatualizado e descontextualizado (a realidade configurada em 1988 no CIRS e no CIRC não é a realidade deste século, das sociedades de advogados atuais e, em geral, do tecido e da dinâmica económica, empresarial e societária): as razões que determinaram em 1988 a grave perturbação que este regime vem trazer à ordem e à dogmática jurídicas do Direito dos impostos sobre o rendimento (os sócios pagam impostos sobre rendimentos que não auferiram; um contribuinte paga imposto sobre os rendimentos de outro contribuinte) já não se verificam neste século; este regime e as referidas perturbações que envolve não têm qualquer suporte material que possa justificar a sua aplicação em 2011 ou em 2018, tendo o legislador já optado (2015) pela tributação das sociedades de advogados de acordo com o regime fiscal previsto para as sociedades constituídas sob a forma comercial;
6ª O art. 6º, nº 1, do CIRC, ao determinar que o rendimento coletável das sociedades de advogados seja tributado a título IRS aos seus sócios, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, viola a Lei de autorização legislativa ao abrigo da qual esse Código foi aprovado, o que também determina a sua ilegalidade e inconstitucionalidade, material e orgânica;
7ª As inconstitucionalidades materiais do art. 6º, nº 1, do CIRC, nos termos que foi interpretado e aplicado no Acórdão recorrido: (i) viola o princípio da proibição de tributação de rendimentos ficcionados, não auferidos, inexistentes para o sócio: o IRS é um imposto sobre rendimentos auferidos, pelo que pretender que o contribuinte pague IRS sobre rendimentos que não auferiu é, para além do mais, uma gritante e inadmissível deformação da própria genética deste imposto; (ii) viola o princípio da capacidade contributiva: este regime, no seu teor literal aplicado no Acórdão recorrido, determina, sempre, a obrigação de o sócio da sociedade pagar IRS por rendimentos que o mesmo não recebeu, sem atender por qualquer forma à capacidade contributiva do mesmo: esse sócio é obrigado a pagar esse imposto por rendimentos obtidos pela sociedade e não distribuídos aos sócios, mesmo que não tenha quaisquer outros rendimentos; (iii) viola o princípio da igualdade: na violação do princípio da igualdade podem autonomizar-se, pelo menos, 3 tipos de relações a estabelecer: a. a relação entre as sociedades de advogados e as demais sociedades de profissionais liberais (médicos, de enfermagem, de arquitetos, veterinários, economistas, biólogos, engenheiros, etc.), podendo estas optar pelo regime da transparência fiscal ou pelo regime geral das sociedades comerciais, o que está vedado às sociedades de advogados; b. a relação entre as sociedades de advogados e as sociedades comerciais, pois os lucros destas sociedades comerciais é tributado às próprias sociedades à taxa de 23,5%, não suportando os sócios quaisquer impostos sobre esses lucros, e os lucros das sociedades de advogados são tributados aos sócios a uma taxa de 48%, independentemente da respetiva distribuição; c. a relação entre contribuintes portugueses e entre contribuintes portugueses e estrangeiros.
8ª Para salvar esta inconstitucionalidade (interpretação conforme à Constituição), o art. 6º, nº 1, do CIRC terá que ser interpretado no sentido de estabelecer uma presunção ilidível de distribuição dos resultados da sociedade aos seus sócios: os sócios seriam tributados em sede de IRS pelos lucros da sociedade se não demonstrassem que esses lucros não lhes haviam sido distribuídos; caso contrário, se essa demonstração fosse feita, esses sócios não poderiam ser tributados por um rendimento que não tiveram. Assim, porque os Recorrentes ilidiram essa presunção (cfr. facto assente B), não podem ser obrigados a pagar um imposto sobre rendimentos (o IRS) por rendimentos que não auferiram.
Na decisão do Acórdão recorrido, não só o art. 6º, nº 1, do CIRC não foi tido como estabelecendo uma presunção, como se considerou irrelevante o facto de essa presunção ter sido ilidida no processo. Assim, para além de uma errada interpretação e violação deste preceito, o Acórdão recorrido também desrespeitou o direito fundamental à ilisão de presunções de rendimento no direito fiscal expressamente prescrito no art. 73º da Lei Geral Tributária: “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
9ª Assim, a interpretação e aplicação que a Administração Fiscal, a Sentença da 1ª Instância e o Acórdão recorrido fizeram dos arts. 6º, nº 1, do CIRC e 20º do CIRS no sentido que os lucros de uma sociedade de advogados devem ser imputados e tributados, ao abrigo do regime da Transparência Fiscal, no IRS dos sócios dessa sociedade, ainda que não tenha existido distribuição de lucros (tributando-se como rendimento desses sócios, quantias que os mesmos nunca receberam) é inconstitucional por violar os arts. 1º, 2º, 13º, 58º, 61º, nº 1, 103º, nº 1, 104º, nº 1, e 266º da CRP.
10ª A tributação assim imposta aos Recorrentes viola manifestamente os princípios/objetivos comunitários que resultam dos Tratados da União Europeia: (i) liberdade de circulação de trabalhadores; (ii) liberdade de estabelecimento; e (iii) a liberdade de prestação de serviços, pois cria aos Recorrentes, Advogados, reais entraves à sua liberdade para exercer a sua atividade e para prestar os seus serviços a qualquer entidade da sua escolha e sob a forma que entendam adequada, integrando, ou não, a estrutura do respetivo capital.
11ª Assim, a interpretação e aplicação que o Acórdão recorrido fez dos arts. 6º do CIRC e 20º do CIRS no sentido que os lucros tributáveis de uma sociedade de advogados devem ser imputados e tributados, ao abrigo do regime da Transparência Fiscal, no IRS dos sócios dessa sociedade, ainda que não tenha existido distribuição de lucros (tributando-se como rendimento desses sócios, quantias que os mesmos nunca receberam) viola ostensivamente, para além dos referidos princípios constitucionais, também os direitos e garantias fundamentais tutelados nos arts. 49º, 56º e 57º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia e nos arts. 15º, 16º e 45º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
12ª Os “pecados capitais” do regime da Transparência Fiscal nos termos aplicados no Acórdão recorrido radicam nas seguintes razões: (a) tributam a mera existência dos Contribuintes ou a sua qualidade de sócios, pois imputam-lhe rendimentos que não são seus, mas sim da sociedade de que são sócios, desconsiderando, designadamente, a medida da sua contribuição para a obtenção de tais rendimentos; (b) tributam a totalidade daqueles rendimentos aos Contribuintes, independentemente de os mesmos lhes terem sido disponibilizados, desconsiderando, portanto, se foram realmente recebidos pelos Contribuintes e se, por isso, são rendimentos reais; (c) tributam a totalidade daqueles rendimentos aos Contribuintes, desconsiderando, de forma desigual, “a força económica real do contribuinte”, isto é, tributando mais do que apenas os recursos que lhe restam disponíveis, desatendendo aos custos que suportam na obtenção dos mesmos;
A tributação imposta pelo Acórdão recorrido aos Recorrentes exige-lhes um esforço fiscal inadmissível, que o afasta da capacidade contributiva que lhes deveria ser assegurada, constituindo uma clara e inconstitucional discriminação dos Impugnantes, que assim têm que suportar uma carga fiscal desajustada à sua capacidade contributiva.
13ª Entretanto, designadamente pelas razões que ficaram referidas, o legislador alterou este estado de coisas: o art. 213º, nº 15, do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro, prescreve a aplicação às Sociedades de Advogados do “regime fiscal previsto para as sociedades constituídas sob a forma comercial”.
14ª A decisão do Acórdão recorrido está em contradição com a decisão do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, proc. nº 0441/11, Acórdão fundamento que aqui se invoca, sobre a mesma questão fundamental de direito.
Os dois Acórdãos em oposição foram proferidos no domínio da mesma legislação: artigo 6º, nº 1 (anterior artigo 5º, nº 1, com a mesma redação) do CIRC e 73º da Lei Geral Tributária.
A interpretação que deve prevalecer é a que foi sufragada no Acórdão fundamento. As razões que suportam este entendimento são, entre outras, as seguintes:
a. O princípio da capacidade tributária efetiva proíbe que se tributem rendimentos inexistentes, rendimentos que o sujeito passivo não obteve;
b. Se uma disposição de Direito Fiscal (neste caso o art. 6º, nº 1, do CIRC) imputa a um contribuinte singular (como sócio) determinados rendimentos obtidos por outro contribuinte (sociedade de advogados sujeita ao regime da transparência fiscal) a fim de os tributar nessa esfera individual, tem que se entender que essa norma encerra uma presunção legal, a de que esse contribuinte singular recebeu esses rendimentos;
c. Tratando-se de uma presunção legal, no âmbito de normas de incidência tributária, por força do art. 73º da LGT essa presunção tem sempre que admitir prova em contrário: em Direito Fiscal as presunções legais são sempre ilidíveis;
d. Ilidida essa presunção, o contribuinte singular não pode ser tributado por rendimentos que não recebeu, sob pena de violação dos princípios fundamentais da capacidade tributária efetiva, da justiça, proporcionalidade e igualdade dos contribuintes.
O entendimento sufragado no Acórdão fundamento é assim aquele que respeita o Direito aplicável ao caso sub judice. Entender o contrário implicaria uma frontal violação do princípio da capacidade tributária efetiva e do direito à ilisão de presunções legais em Direito Fiscal uma vez que (i) permitiria tributar um rendimento que o sujeito passivo nunca obteve e (ii) recusaria ao contribuinte o seu direito à ilisão da presunção legal.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido, julgando-se a questão controvertida nos termos decididos no Acórdão fundamento.

Na sequência de acórdão proferido pelo mesmo TCA Sul que conheceu das nulidades assacadas ao acórdão recorrido vieram os recorrentes reafirmar o que já consta destas alegações iniciais.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir.

No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
«A) A…………………. e mulher B………………… (ora impugnantes) são os únicos sócios da sociedade de Advogados C…………………….;
B) Conforme deliberação da Assembleia Geral de 31-03-2012 a sociedade não procedeu à distribuição dos lucros relativos ao exercício de 2012, tendo apurado um lucro de €130.235,48, e transferido para os resultados transitados da sociedade (doc n° 4, da pi);
C) Em 31-05-2013 os impugnantes efectuaram a entrega, via internet, da declaração de rendimentos, Modelo 3 de IRS, do exercício de 2012, acompanhada dos anexos A, B (2), D (2), F, G e H, cujo teor se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais (fls 63 a 67, do pa);
D) Em 18-08-2013 a Administração Tributária (AT) emitiu a liquidação, conforme fls 58, do pa;
E) Da liquidação resultou, em 09-07-2013, a emissão da nota de cobrança n° 2013 1945060, que inclui a liquidação n° 2013 5004319096, com imposto a pagar de €44.414,10;
F) Bem como emitiu a demonstração da liquidação de IRS do ano de 2012, junta como doc n° 1, da pi:
[IMAGEM]
G) Foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3344201301123270, para cobrança do valor da liquidação.
Nada mais se levou ao probatório do acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

O presente recurso funda-se, essencialmente, no facto de os recorrentes entenderem que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que entendem que a decisão do TCA Sul é uma má decisão judiciária.
Pretendem que este Supremo Tribunal se debruce sobre a questão de saber se o Tribunal recorrido apreciou e aplicou correctamente o disposto no artigo 6º, n.º 1 do CIRC, no que respeita ao facto de aí estar consagrada uma presunção ilidível e o Tribunal recorrido ter considerado, face aos contornos concretos do caso, que se tratava, afinal, de uma presunção inelidível.
Porque, não se vislumbra que este Supremo Tribunal se tenha debruçado sobre esta questão de forma consistente e porque a mesma é susceptível de ser replicada em outras situações idênticas, impõe-se a admissão do recurso, essencialmente para aferir, tal como atrás se identificou, se o Tribunal recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação do comando ínsito no referido artigo 6º, n.º 1 do CIRC, tendo em conta a especificidade do caso concreto, uma vez que da solução que venha a ser dada a estes autos se poderá firmar jurisprudência para casos semelhantes.
Assim, justifica-se a admissão do presente recurso, com o alcance atrás apontado.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em admitir o presente recurso de revista.
Custas a final pelo vencido.
D.n.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2022. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – José Gomes Correia.