Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0255/17.1BESNT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
CRÉDITO DE IMPOSTO
DUPLA TRIBUTAÇÃO
DERRAMA
Sumário:I - Se determinado sujeito passivo residente em território nacional obtém rendimentos no estrangeiro que aí foram sujeitos a tributação, em face da regra da universalidade poderá ocorrer uma situação de dupla tributação em território nacional. Sucede, assim, uma dupla tributação jurídica internacional quando o mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, é tributado no mesmo período em diferentes Estados, podendo o Estado de residência do beneficiário do rendimento permitir a sua eliminação. O mecanismo do crédito de imposto consiste em deduzir à colecta do I.R.C. determinada quantia de imposto já paga no outro país com o limite daquela que seria liquidada em território nacional. Estamos perante a consagração unilateral do método de imputação ordinária. O imposto pago no estrangeiro constitui um crédito relativamente ao tributo devido no Estado de residência (Portugal), mas tal crédito não excederá o valor de I.R.C. que seria devido no caso de tais rendimentos terem sido originados no nosso país. O mesmo é dizer que a dupla tributação é totalmente eliminada quando o imposto pago no estrangeiro for igual ou inferior ao liquidado no estado de residência e será, apenas, atenuada caso seja superior (cfr.artº.91, do C.I.R.C.).
II - Actualmente prevista no artº.18, da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 73/2013, de 3/9 (cfr.anterior artº.14, da Lei 2/2007, de 15/01), a derrama municipal deve configurar-se como um verdadeiro imposto, o qual incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de I.R.C. dos sujeitos passivos desta cédula tributária, na proporção do rendimento gerado na área geográfica do município em causa, mais acrescendo ao imposto principal de cuja existência prévia depende.
III - O artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2013, não distingue as situações em que existe ou não CDT, sob pena de se postergar o princípio da igualdade tributária, na correcção ao cálculo do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, pelo que a derrama municipal, à semelhança da derrama estadual, integra o cálculo da "fracção do IRC" aí prevista.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA00071304
Nº do Documento:SA2202111100255/17
Data de Entrada:07/12/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………, S.A
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IRC
Área Temática 2:CONVENÇAO DUPLA TRIBUTAÇÃO
Legislação Nacional:Artigo 91º do CIRC, artº.18, da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 73/2013, de 3/9,
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, constante a fls.147 a 174-verso do processo físico, a qual julgou parcialmente procedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrente, " A……………….., S.A.", tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2013 e no valor a reembolsar de € 355.903,32, conforme a respectiva demonstração de acerto de contas.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.179 a 192 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-A AT, ressalvando desde já o devido respeito considera que o Tribunal não fez correta interpretação jurídica do segmento da correção que procede ao cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional, na parte da dedução de imposto sobre o rendimento suportado pela sucursal de Angola, no valor de € 26.013,90, por aplicação da taxa de 25,7 %, com fundamento no facto de não haver nem base legal nem instrumento internacional (CDT) que permita considerar, para este efeito, a derrama municipal;
B-A partir do elemento literal do regime previsto neste art. 91º do CIRC não flui a ideia de que relativamente ao cálculo da dedução do imposto a derrama municipal nele se mostre contemplada;
C-Concordamos, que o elemento literal é apenas o princípio da interpretação jurídica, mas para ver inserida a Derrama Municipal na noção de “Fração do IRC” teremos forçosamente de a enquadrar em função da sua natureza, dos motivos jurídicos e extrajurídicos que estão na base da sua vigência, nomeadamente, após a entrada em vigor da nova Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei nº 72/2013, de 03 de setembro e do entendimento manifestado pela Doutrina, e, pela Jurisprudência do Tribunal Constitucional e deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo, neste particular;
D-Hoje em dia, e, à data dos factos – a derrama municipal já se caracterizava pela sua autonomia, já não incidindo sobre a coleta do imposto principal (IRC) mas sobre o lucro tributário declarado, fundando a doutrina tal convicção na circunstância de que todos os seus elementos essenciais constam da lei ou dependem da vontade dos municípios, cujo interesse é determinante na decisão quanto ao respetivo lançamento (…) que não prejudica nem obsta à existência de relações jurídico-tributárias autónomas entre os dois impostos. (Saldanha Sanches in A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios”, Fiscalidade, n.º 38, 2009, p. 137);
E-O que tem relevância acrescida no capítulo da ratio legis porque, se, como bem afirma o CAAD, a expressão “Fração do IRC” nunca sofreu alterações nem o legislador sentiu a necessidade de o fazer, e, se a partir da hermenêutica jurídica da alínea b), do nº 1, do art. 91º do CIRC já não se retirava que a Derrama Municipal lá pudesse estar contemplada, muito menos o estará, agora que perdeu a ligação ao próprio IRC (coleta);
F-Irremediavelmente, já não faz sentido relacionar a expressão “Fração do IRC” a um imposto que com ele já não depende diretamente. Haveria algum mínimo de correspondência se ligação houvesse à coleta de que a Derrama Municipal pudesse ser sua fração. Mas não. As sucessivas alterações legislativas fizeram com que a Derrama Municipal se autonomizasse e já só fosse apurada em função do lucro tributável;
G-Não é diretamente da expressão “fração do IRC” que jaz a solução sobre aquela que é a vontade do legislador em distinguir as situações em que se exige uma CDT daquelas em que isso não ocorre relativamente à efetivação do crédito de imposto, pois que foi a autonomia adquirida pela Derrama Municipal face ao IRC que a logrou desintegrar da expressão “fração do IRC”, já não apurada em função da coleta do imposto convencional que à partida dispensaria a CDT;
H-E o mesmo sucede no que respeita ao elemento teleológico, porquanto, por esse prisma, ou seja, sobre aquilo que motiva (elemento finalístico) um Estado a conceder um crédito fiscal, reforçam-se as razões pelas quais não fará sentido que o Estado Residência permita que os rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos no estrangeiro possam concorrer para inclusão da derrama municipal no cálculo da percentagem de dedução do imposto dada a sua dimensão não convencional e o seu âmbito geográfico;
I-Saldanha Sanches dava conta, por todos, da circunstância de que os elementos essenciais da Derrama Municipal constarem de lei autónoma (LFL), dependente da vontade dos municípios, cujo interesse é determinante na decisão quanto ao respetivo lançamento, alertando para a existência de relações jurídico-tributárias autónomas entre os dois impostos. Sublinhando que:“(…) a derrama incide, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º, sobre a proporção do rendimento da empresa gerado na área geográfica do município, circunstância que explica que alguma doutrina tenda a perscrutar em tal critério uma manifestação do princípio do benefício, no sentido de que o montante de imposto a pagar por cada empresa a cada município visa compensar os custos consideráveis em que este incorreu para que aquela pudesse gerar rendimento;
J-Entendimento ao qual este Colendo STA aderiu de que é exemplo o recentíssimo Acórdão de 13 de janeiro de 2021, proferido no processo nº 03652/15.3BESNT:“II. As derramas municipais têm, para legitimação, de se ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo.
(…)
IV. O lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do território nacional (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários exclusivos, daquela);
K-O Tribunal Arbitral reconduz a noção de similitude (do tratamento fiscal in casu) à noção de igualdade. O que, com todo o respeito, que merece, é uma afirmação tecnicamente imperfeita;
L-Falha a visão global e conjugada do Direito Tributário, ou seja, da conformação das regras de tributação com as regras relativas à dedução do imposto, nomeadamente, face aquele que é o entendimento deste Colendo STA no acórdão citado no enquadramento jurídico;
M-Falhou a visão global e conjugada do Direito Tributário enunciada no acórdão arbitral e adotada pelo Tribunal a quo, ambos se dispensando de conformar as regras de tributação com as regras relativas à dedução do imposto, nomeadamente, face aquele que é o entendimento deste Colendo STA no acórdão citado supra;
N-Ficciona-se a obtenção do rendimento em território nacional para efeitos de dedução ao imposto (isto sem prejuízo do que já dissemos sobre a autonomia da derrama municipal), já o mesmo não fazendo quando se trata de tributar esse mesmo rendimento obtido no estrangeiro no apuramento da derrama municipal – aí se afirmando que ele tem de ser expurgado… aí não se ficciona como tendo sido obtido cá;
O-Há um erro de raciocínio lógico porque a suposta similitude fica aquém da igualdade relevada pelo próprio tribunal a quo. Bem vistas as coisas, a igualdade alcança-se precisamente por não permitir que se deduza o que no polo oposto da equação também não permite que possa concorrer para a tributação;
P-Estando em causa a derrama municipal, nas não faz sentido afirmar que se pretende salvaguardar a neutralidade da exportação se na sua base está um rendimento que se pretende que seja virtualmente obtido em território nacional, fomentando, sem justificação fiscal, o limite da dedução e de um imposto que tem como elemento essencial teleológico a variável geográfica donde o mesmo foi obtido;
Q-À luz da jurisprudência do STA, e, estando em causa, porventura, um estabelecimento estável localizado em Angola, facilmente se concluiria que a pegada deixada através das infraestruturas, dos serviços e imobilizado corpóreo, haveria de ser colmatada pelo pagamento naquele país de um tributo que tivesse como escopo, também ali, o financiamento do município onde se mostra implantado o Estabelecimento Estável;
R-Inexistindo Estabelecimento Estável, nem se vislumbra ou concebe, que pegada poderia ter sido causada pela Impugnante fora do território nacional sujeita a um qualquer tributo fiscal que, uma vez pago, a legitimasse a fazer incluir uma percentagem da Derrama Municipal para efeitos dedução, tanto mais, que, como dissemos, a Impugnante já não é tributada em território nacional pela Derrama Municipal relativamente aos rendimentos auferidos no estrangeiro. Donde, em qualquer dos casos, a desigualdade fiscal;
S-Finalmente as considerações que tece relativamente ao elemento sistemático da interpretação, onde se tecem preocupações de natureza económica (investimento, etc…) para justificar o efeito fiscal da norma, e, de forma absolutamente paradoxal, menosprezar o efeito económico que uma CDT poderia produzir nesse particular a qual nunca logrou ser acordada entre Portugal e Angola e, relativamente, a uma varável da dedução que não assume relevância económica nesse particular face à localização geográfica interna que carateriza a própria derrama municipal;
T-Pugnando, de forma antinómica, pelo incentivo ao investimento no exterior através de um argumento que visa ficcionar o rendimento como obtido em território nacional;
U-No caminho traçado pelo acórdão arbitral a que aderiu o Tribunal a quo, a relevância que o princípio do benefício assume em termos derrama municipal e que a caracteriza (ironicamente defendido, aliás, doutrinariamente, por um dos árbitros signatários da decisão e sufragada pelo STA) ter-se-á perdido no que à sua dedução diz respeito, aparentemente, substituída pela relevância de um outro princípio (neutralidade da exportação) que não se vislumbra deva sequer ser ponderada dada a própria natureza da derrama municipal e os fins que esta prossegue;
V-O Tribunal a quo não cuidou nem de apreciar a bondade jurídica da solução pugnada na decisão arbitral do CAAD que suportou a sua fundamentação, criando uma decisão que, face ao decidido, geraria ela sim um foco de desigualdade fiscal entre sujeitos passivos que não estão ao mesmo nível ou no mesmo plano, quando se trata de auferir rendimentos em território nacional e rendimentos produzidos, in casu, em Angola – o que configura evidente erro de julgamento por incorreta apreciação jurídica;
X-Nem logrou apurar a coerência do entendimento veiculado no acórdão arbitral à luz da doutrina e da jurisprudência com que enquadrou juridicamente a questão, incorrendo, em contradição na sua própria fundamentação e por incorreta apreciação jurídica (erros de julgamento) sobre a natureza ontológica que a própria derrama municipal atualmente assume em termos fiscais, nomeadamente no que à sua autonomia diz respeito e nos efeitos que esta produz em termos daquela que é a admissibilidade da dedução do imposto nos termos do art.91º, nº 1, alínea b), do CIRC (princípio do benefício) que por esse motivo só poderia ser ultrapassada mediante a celebração de uma CDT com o país fonte dos rendimentos tal como decorre da fundamentação do RIT (cabendo ao legislador fazê-lo e não ao intérprete), violando, em termos reflexos, a doutrinária, mas sobretudo a orientação jurisprudencial sufragada por este Colendo STA no acórdão citado supra;
Z-Afigura-se-nos, assim que bem andaram os SIT no que ao 2º segmento da correção diz respeito, fazendo correta subsunção jurídica do art. 91º, nº 1, alínea b), do CIRC, o qual tendo sido interpretado com fundamento e no limite do disposto na norma enunciada, deverá fazer improceder a atribuição de juros indemnizatórios por daí não resultar pagamento de imposto indevido, nos termos do art. 43º da LGT.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.200 a 203 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.149-verso a 156-verso do processo físico):
A-A Impugnante é a sociedade dominante do “Grupo B………….”, sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) – [facto não controvertido, alegado no artigo 1º da petição inicial e que se, igualmente, se extrai do Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT), da OI201600071, a fls. 265/539 [53] do PA];
B-No exercício de 2013, o “Grupo B…………..” integrava a sociedade C…………….. S.A., com o NIPC …………….. - [facto não controvertido, alegado no artigo 2º da petição inicial e que se, igualmente, se extrai do Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT), a fls. 265/539 [53] do PA];
C-Em 30.05.2014, a ora Impugnante submeteu, por via eletrónica, a declaração de rendimentos “Modelo 22” referente ao “Grupo B………….”, referente ao exercício de 2013 - [cf. fls. 265/539 [38/46] dos autos];
D-Em 18.06.2014, a C……………. S.A. apresentou a declaração de rendimentos “Modelo 22”, por via eletrónica, com o código de identificação 1562-C6137-17, referente ao exercício de 2013 - [cf. fls. 265/539 [25/36] dos autos];
E-Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201600069, emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária foi determinado o início da ação inspetiva externa, de âmbito parcial, em IRC, à C…………… S.A., ao exercício de 2013, com início em 04.04.2016 – [cf. RIT a fls. 265/539 [64/94] do PA];
F-Em 08.09.2016, foi elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), no âmbito do qual foram efetuadas correções ao cálculo do imposto. – [cf. RIT, a fls. 265/539 [64/94] do PA];
G-Do relatório de inspeção referido em F), constam, designadamente, os seguintes factos e fundamentos das correções ao IRC do exercício de 2013:
“III. – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III. – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC)


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(…)” - [cf. RIT, a fls. 265/539 [68/94] do PA];
H-Do relatório de inspeção referido em F), consta, ainda o seguinte:
“(…)


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I-Em 16.09.2016, o Diretor Adjunto da UGC, em substituição, por delegação, exarou despacho concordante com o RIT, referido em F) - [cf. RIT, a fls. 265/539 [64] do PA];
J-Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201600071, emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária foi determinado o início da ação inspetiva à aplicação do Regime de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), tendo como base a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC (do grupo) de substituição nº 1562-2014-C5569-26, do exercício de 2013, com início em 18.05.2016 – [cf. RIT a fls. 265/539 [48/61] do PA];
K-Em 04.11.2016, foi elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), no âmbito do qual foram efetuadas correções ao apuramento do lucro tributável, no valor de € 234.272,33 e ao cálculo do imposto, no montante de € 619.871,94, do exercício de 2013 – [cf. RIT, a fls. 265/539 [48/61] do PA];
L-Do relatório de inspeção referido, na alínea que antecede, constam, designadamente, os seguintes factos e fundamentos das correções ao IRC do exercício de 2013:
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M-Do relatório de inspeção referido em K), consta, no que toca às “III.2 – Correções ao cálculo do Imposto do grupo”, consta, designadamente, o seguinte:


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N-Em 09.11.2016, o Diretor-Adjunto da UGC, em substituição, por delegação, exarou o despacho concordante com o relatório de inspeção referido em K). - [cf. RIT, de fls. 265/539 [48] dos autos];
O-Em 30.05.2018, a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa, com referência à autoliquidação do exercício de 2013 - [cf. fls. 265/539 [250/275] dos autos];
P-Na sequência das correções à matéria tributável/cálculo do imposto do exercício de 2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira, Imposto sobre o Rendimento emitiu o ato tributário de liquidação adicional de IRC nº 2016 8510036467, em 16.11.2016, que se reproduz:


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Q-Em 18.11.2016, foi emitida a “Demonstração de Acerto de Contas”:


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- [cf. fls. 100 dos autos].

X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, que devam julgar-se como não provados…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso e informações oficiais juntas e não impugnadas, tal como se foi fazendo referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório…".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial, em consequência do que anulou a liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2013 e identificada na al.P) do probatório supra, na parcela em que a A. Fiscal efectuou uma correcção no montante de € 26.013,90, por aplicação da taxa de 25,7%, ao invés da taxa de 26,34%, com fundamento na desconsideração da derrama municipal, em sede de dedução por dupla tributação jurídica internacional, relativa às retenções na fonte efectuadas sobre a facturação emitida pela sucursal de Angola da sociedade impugnante e ora recorrida aos respectivos clientes (cfr.als.G) e H) do probatório).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a sentença recorrida não fez uma correcta interpretação jurídica do segmento da correcção que procede ao cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional, na parte da dedução de imposto sobre o rendimento suportado pela sucursal de Angola, no valor de € 26.013,90, por aplicação da taxa de 25,7 %, ao invés da taxa de 26,34%, com fundamento no facto de não haver, nem base legal, nem instrumento internacional (CDT) que permita considerar, para este efeito, a derrama municipal. Que os diversos elementos de interpretação da norma em causa, o artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2013, não conduzem à conclusão a que chegou a sentença recorrida, desde logo, devido à actual natureza da derrama municipal, a qual reveste uma total autonomia face à colecta de I.R.C. Que, por consequência, igualmente deverá improceder a atribuição de juros indemnizatórios à sociedade recorrida, visto ser legal a questionada correcção, assim não resultando o pagamento de qualquer imposto indevido (cfr.conclusões A) a Z) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Em primeiro lugar, é mester vincar-se que não deve este Tribunal conhecer do pedido de improcedência da atribuição de juros indemnizatórios à sociedade recorrida, em face da parcial procedência da impugnação decretada pelo Tribunal "a quo", visto que matéria não examinada e decidida pelo mesmo, nada constando do dispositivo da sentença recorrida sobre tal tema, assim não tendo a entidade recorrente ficado vencida e carecendo de legitimidade para o erigir como objecto da apelação (cfr.artº.631, nº.1, do C.P.Civil).
Quanto ao verdadeiro objecto do recurso, abordemos, em primeiro lugar, a figura da derrama municipal.
Actualmente prevista no artº.18, da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 73/2013, de 3/9 (cfr.anterior artº.14, da Lei 2/2007, de 15/01), a derrama municipal deve configurar-se como um verdadeiro imposto, o qual incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de I.R.C. dos sujeitos passivos desta cédula tributária, na proporção do rendimento gerado na área geográfica do município em causa, mais acrescendo ao imposto principal de cuja existência prévia depende (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/05/2014, rec.1543/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/01/2021, rec.3652/15.3BESNT; ac.Tribunal Constitucional 197/2013, 9/04/2013, proc.602/12; Joaquim Freitas Rocha, Direito Financeiro Local, 3ª. Edição, Almedina, 2019, pág.192 e seg.).
"In casu", cumpre aferir se no cálculo do limite à dedução de imposto, por dupla tributação jurídica internacional, previsto no artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2013, se deve ou não incluir a derrama municipal, portanto, se esta se deve compreender na "fracção do IRC" a que faz menção a previsão da norma.
O Tribunal "a quo" entende que sim.
A entidade recorrente defende que não. Por um lado, porque as deduções referidas no artº.90, nº.2, do C.I.R.C., designadamente, no que diz respeito ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, são apenas relativas à coleta de I.R.C., assim não incluindo a derrama municipal. Por outro porque, no caso concreto, os rendimentos em causa foram gerados em Angola, país com o qual o Estado Português não tem CDT celebrada, assim não podendo o valor apurado a título de derrama municipal concorrer para o cálculo da "fracção do IRC" previsto no artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C.
Vejamos quem tem razão.
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Se determinado sujeito passivo residente em território nacional obtém rendimentos no estrangeiro que aí foram sujeitos a tributação, em face da regra da universalidade poderá ocorrer uma situação de dupla tributação em território nacional. Sucede, assim, uma dupla tributação jurídica internacional quando o mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, é tributado no mesmo período em diferentes Estados, podendo o Estado de residência do beneficiário do rendimento permitir a sua eliminação. O mecanismo do crédito de imposto consiste em deduzir à colecta do I.R.C. determinada quantia de imposto já paga no outro país com o limite daquela que seria liquidada em território nacional. Estamos perante a consagração unilateral do método de imputação ordinária. O imposto pago no estrangeiro constitui um crédito relativamente ao tributo devido no Estado de residência (Portugal), mas tal crédito não excederá o valor de I.R.C. que seria devido no caso de tais rendimentos terem sido originados no nosso país. O mesmo é dizer que a dupla tributação é totalmente eliminada quando o imposto pago no estrangeiro for igual ou inferior ao liquidado no estado de residência e será, apenas, atenuada caso seja superior (cfr.artº.91, do C.I.R.C.; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.761 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.205 e seg.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição Actualizada, Almedina, 2007, pág.748 e seg.).
Avancemos.
No que diz respeito à exegese do artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2013, desde logo, se deve chamar à colação o elemento histórico de interpretação, tal como a própria letra da lei (enquanto limite de interpretação da norma - cfr.artº.9, nº.2, do C.Civil), atentando na evolução do texto da norma, ou seja, na utilização, pelo legislador da expressão "fracção do IRC". Ora, esta expressão permanece inalterada no texto legal desde a primitiva redação do Código do I.R.C. (cfr.artº.73, al.b), do C.I.R.C., na versão aprovada pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11). O que assume particular relevo interpretativo, porquanto, inicialmente, o crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional apenas era conferido aos rendimentos oriundos de países com os quais Portugal tivesse em vigor uma CDT.
Ou seja, na redacção inicial da norma, a expressão "fracção do IRC" tinha, necessariamente e em todos os casos, que ser interpretada em conformidade com os textos convencionais, sendo que a própria Convenção Modelo da OCDE (cfr.artº.2, nº.1, com a epígrafe "impostos visados"), independentemente da formulação em concreto utilizada, abrange a derrama municipal.
Quando, mais tarde, o legislador decidiu que Portugal, enquanto país da residência, passaria a atribuir, unilateralmente (ou seja, independentemente da existência de uma CDT) um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, não alterou a expressão "fracção do IRC". Ou seja, também a análise da evolução do elemento literal da norma não permite, em momento algum, surpreender uma vontade legislativa de distinguir entre a efectivação (as colectas às quais pode ser deduzido) do crédito de imposto nas situações em que existe uma CDT e aquelas em que não existe, em que a concessão de tal crédito é unilateral, resultante da lei interna (cfr.Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.206 e seg.).
O elemento teleológico da interpretação também aponta no mesmo sentido. A decisão de Portugal passar a conceder, unilateralmente (i. e., na ausência de uma CDT que o imponha), aos seus residentes com rendimentos oriundos do estrangeiro, um crédito em razão do imposto pago nos países da fonte dá expressão ao chamado princípio da neutralidade na exportação: "os sujeitos passivos que obtenham rendimentos noutros estados devem ficar abrangidos por um tratamento fiscal similar ao aplicável àqueles cujos rendimentos sejam obtidos exclusivamente no estado de residência". Está, pois, em causa uma igualdade entre residentes, que não deve resultar limitada por interpretações restritivas da lei, ou seja, por interpretações que restrinjam a possibilidade efectiva, ainda que parcial, de dedução de um tal crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.
Ainda como elemento racional ou teleológico de interpretação, se deve chamar à colação as obrigações assumidas por Portugal, nomeadamente, no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC), as quais vão no sentido da eliminação de restrições à livre concorrência internacional em matéria de investimento, as quais resultarão mais cabalmente cumpridas se, no plano fiscal, se evitarem diferenciações entre os residentes que invistam no exterior, consoante o país onde tais investimentos aconteçam. Por outras palavras, mesmo que se possa entender que tais compromissos internacionais não vinculam directamente o legislador fiscal, o intérprete não poderá deixar de os ter presentes, em nome da unidade do sistema jurídico, considerado no seu todo. A interpretação que assegura a coerência do sistema jurídico é, certamente, a que corresponde "à solução legal mais acertada" que é suposto ter sido acolhida pelo legislador (cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil - "ratio legis").
Com estes pressupostos, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que o artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2013, não distingue as situações em que existe ou não CDT, sob pena de se postergar o princípio da igualdade tributária, na correcção ao cálculo do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, pelo que a derrama municipal, à semelhança da derrama estadual, integra o cálculo da "fracção do IRC" aí prevista, mais se devendo mencionar em defesa desta perspectiva hermenêutica da norma a jurisprudência do Tribunal Constitucional e a doutrina (cfr. ac.Tribunal Constitucional 603/2020, 11/11/2020, proc.172/20; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.762, em anotação ao artº.91, do C.I.R.C.).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a entidade recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha – (Vencido conforme voto que infra segue) - Anabela Ferreira Alves e Russo.




“Voto vencido o presente acórdão, por entender que, além do elemento literal de interpretação – o qual não sugere o alargamento do conceito de “fracção do IRC” – concorrem ainda no sentido sufragado pela Recorrente dois outros argumentos relevantes.
Em primeiro lugar, entendo que só havendo a necessidade de fazer cumprir o acordado numa CDT é que se impõe uma interpretação conforme deste conceito com as obrigações fiscais internacionais do Estado Português, atento o âmbito objectivo das Convenções de Dupla Tributação previsto no artigo 2.º das mesmas, que não se restringe ao IRC, antes abarcando outros impostos sucedâneos sobre o rendimento.
O facto de, por força da evolução legislativa verificada, se ter passado a eliminar unilateralmente a dupla tributação jurídica internacional mesmo nos casos em que não exista Convenção de Dupla Tributação em vigor (como sucedia, à data, com Angola) – pese embora mantendo-se a mesma expressão “fracção de IRC” – não implica que o sentido interpretativo a dar à mesma se tenha de manter inalterado. Não se nos afigura, portanto, decisivo o argumento relativo à evolução legislativa do método unilateral de eliminação da dupla tributação jurídica internacional.
Acresce a este um outro argumento, que respeita à natureza autónoma da derrama e distinta do IRC e que conduz, não raramente, ao apuramento de coletas distintas num e noutro imposto.
Com efeito, a derrama possui, de há vários anos, uma natureza indiscutivelmente independente da do IRC, com ele apenas partilhando (e, ainda assim, apenas parcialmente) a base de incidência, traduzida no lucro tributável e não na matéria colectável (como se prevê no IRC). Assim, como explica Saldanha Sanches, “a sua relação com o IRC cinge-se, portanto, para efeitos do seu cálculo e por razões de simplicidade, a uma base tributável comum, que não prejudica nem obsta à existência de relações jurídico-tributárias autónomas entre os dois impostos” – do autor, cfr. “A derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios”, Fiscalidade, n.º 38, 2009, p. 137.
Tal implica que os raciocínios de similitude que, noutros tempos (quando a derrama se podia configurar como um adicional ao IRC), poderiam porventura fundar uma equivalência de tratamento – para mais assente no princípio Acessorium sequitur principale – se encontram, em nossa opinião, hoje completamente ausentes. E isto, apesar de, para efeitos de uma Convenção de Dupla Tributação (a existir), a derrama configurar, em nossa opinião, um imposto claramente abrangido pela mesma.
Tenderíamos, em suma, a conceder provimento ao presente Recurso.

Gustavo Lopes Courinha”