Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01367/14.9BELRS 0205/18
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24345
Nº do Documento:SA22019032001367/14
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 23 de Novembro de 2017, que julgou procedente a impugnação deduzida por A………….. e B…………., contra os actos de liquidação de Imposto de Selo referentes ao ano de 2013, relativo a património imobiliário. Foram anulados os actos tributários impugnados e ordenada a restituição aos impugnantes do valor de imposto pago com as legais consequências.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. Face aos factos provados não poderia o respeitoso tribunal a quo, decidir como fez, pois face aos factos dados como provados, a conclusão a retirar deveria ser outra.
II. Na verdade, resulta provado que os Impugnantes são co-proprietários na proporção de 50%, de um prédio urbano em propriedade total, situado na Rua .............. n.° 3 a n.° 9, em Lisboa, composto por habitação da porteira com duas divisões, loja garagem com uma divisão; 1° Dt° com 16 divisões; 1° Esq. Com 16 divisões; 2° Dt° com 16 divisões; 2° Esq. com 16 divisões; 3° Dt°. Com 16 divisões; 3° Esq. com 16 divisões; 4° Dt° com 16 divisões; 4° Esq. com 16 divisões; 5° Dt° com 16 divisões; 5° Esq. com 16 divisões; 6° Dt° com 16 divisões e 6° Esq. com 16 divisões (cfr. fls. 60 a 69 do processo administrativo em apenso aos autos), sendo que o VPT de €2.178.380,00, pelo que é um valor superior a € 1.000.000,00, não estando, portanto, submetido ao regime de propriedade horizontal.
III. Assim, relativamente aos prédios constituídos em propriedade total, para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo, verba 28 da TGIS, são considerados pela sua totalidade como um único prédio, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário.
IV. Pois não se destinando a norma em apreço a imóveis que tenham afectação exclusiva a habitação, mas sim a imóveis com afectação habitacional de VPT superior a € 1.000.000,00, não se vislumbra qualquer violação da norma de incidência, ao invés, afigura-se-nos que o referido prédio reúne os requisitos para a aplicação da verba 28 da TGIS.
V. Porquanto, atendendo à norma em causa, a incidência refere-se, conforme expressão literal aí constante, ao “prédio” pelo que, por um lado, não cabe ao intérprete distinguir onde o legislador o não faz, e por outro, a matéria relativa à incidência tributária está sujeita ao princípio da legalidade tributária, princípio basilar do direito fiscal.
VI. Deste modo, se o prédio foi constituído em propriedade total, integra o conceito jurídico tributário de “prédio”, ou seja, uma única unidade, e o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afectação habitacional e sendo este superior a € 1.000.000,00 há sujeição ao imposto do selo da verba 28º da TGIS.
VII. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.
VIII. Com o devido respeito, que é muito, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou acertadamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais.
IX. Não o entendendo assim, a douta sentença recorrida violou os preceitos legais invocados, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Os impugnantes são co-proprietários, na proporção de 50%, do imóvel situado na Rua ............, n° 3 a n° 9, em Lisboa;
2. O imóvel referido no ponto 1, supra, encontra-se inscrito na matriz predial urbana na ex freguesia de ............... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial 395;
3. O imóvel supra identificado, é um prédio em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e composto por loja e seis andares com cinco vãos exteriores, terraços na parte posterior, composto por habitação da porteira com duas divisões, loja garagem com uma divisão; 1° Dt° com 16 divisões; 1° Esq. Com 16 divisões; 2° Dt° com 16 divisões; 2° Esq. com 16 divisões; 3° Dt°. Com 16 divisões; 3° Esq. com 16 divisões; 4° Dt° com 16 divisões; 4° Esq. com 16 divisões; 5° Dt° com 16 divisões; 5° Esq. com 16 divisões; 6° Dt° com 16 divisões e 6° Esq. com 16 divisões;
4. Cada um dos andares e divisões com utilização independente tem um valor patrimonial tributário próprio, determinado separadamente;
5. Os impugnantes foram notificados pela A.T. das seguintes notas de cobrança referentes ao Imposto de Selo de 2013, calculado nos termos da verba 28.1 da TGIS:

B…………..
Nota de CobrançaData de LiquidaçãoMontanteAndarValor Patrimonial
2014000421679417.03.2014€301,651°  Dto€180.990,00
2014000421680017.03.2014€301,651°  Esq€180.990,00
2014000421680617.03.2014€304,682º  Dto€182.800,00
2014000421681217.03.2014€304,682° Esq.€182.800,00
2014000421681817.03.2014€304,683° Dto.€182.800,00
2014000421682417.03.2014€304,683° Esq.€182.800,00
2014000421683017.03.2014€307,694° Dto.€184.610,00
2014000421683617 03.2014€307,694º  Esq€184.610,00
2014000421684217.03.2014€307,695° Dto.€184 610,00
2014000421684817.03.2014€307,695° Esq.€184.610,00
2014000421685417.03.2014€288,986º  Dto€173.380,00
2014000421686017.03.2014€288,986° Esq.€173.380,00




A…………..
Nota de CobrançaData de LiquidaçãoMontanteAndarValor Patrimonial
2014000421679717.03.2014€301,651°  Dto€180.990,00
2014000421680317.03.2014€301,651°  Esq€180.990,00
2014000421680917.03.2014€304,682º  Dto€182.800,00
2014000421681517.03.2014€304,682° Esq.€182.800,00
2014000421682117.03.2014€304,683° Dto.€182.800,00
2014000421682717.03.2014€304,683° Esq.€182.800,00
2014000421683317.03.2014€307,694° Dto.€184.610,00
2014000421683917 03.2014€307,694º  Esq€184.610,00
2014000421684517.03.2014€307,695° Dto.€184 610,00
2014000421685117.03.2014€307,695° Esq.€184.610,00
2014000421685717.03.2014€288,986º  Dto€173.380,00
2014000421686317.03.2014€288,986° Esq.€173.380,00



6. Das notas de cobrança consta, além do mais, a seguinte menção: “Valor Patrimonial do prédio — total sujeito a imposto: € 2.178.380,00”;
7. Em 11/04/2014, os Impugnantes efectuaram o pagamento dos quantitativos resultantes das liquidações em causa nos autos e identificados no ponto 5, supra.
Nada mais se levou ao probatório.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão colocada pela recorrente já não é nova, vindo a ser decidida ao longo do tempo por este Supremo Tribunal de modo uniforme e sem divergências, impondo-se por isso, nos termos do disposto no artigo 8º, n.º 3 do CC que se mantenha a doutrina até aqui seguida.
Como se deixou escrito no acórdão datado de 30.01 do corrente ano, recurso n.º 02573/14.1BELRS, a “…questão de fundo (definir se o âmbito da verba 28/28.1 da TGIS, aditada pelo art. 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, abrange os prédios urbanos com um único artigo matricial, mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes e a que foram atribuídos independentes Valores Patrimoniais Tributários, cada um destes inferior a um milhão de euros).
Trata-se, aliás, de questão relativamente à qual este Supremo Tribunal tem vindo a dar resposta uniforme no sentido acolhido na sentença recorrida, como sublinha o MP e como aliás, pode ver-se, entre muitos outros, dos acórdãos proferidos em 01/02/2017, proc. nº 0711/16, em 09/09/2015, proc. nº 047/15 e em 04/05/16, proc. nº 0166/16.
E porque não se vê razão para divergir da fundamentação ali constante (tanto mais que, por um lado, a recorrente não aporta razões inovatórias em relação à anterior argumentação e, por outro lado, se verifica similitude quanto à questão de facto e à matéria de direito), também aqui se acolhe tal jurisprudência, pelo que, seguindo o que se deixou exarado no citado aresto de 01/02/2017, proc. nº 0711/16, desta mesma formação, se dirá:
«Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016.
No presente recurso não se coloca a necessidade de apreciação da norma em apreço à luz de tais princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional.
O legislador ao redigir a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1.000.000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%; (…)”, não efectuou qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e prédios em regime de propriedade total, reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, pelo que não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.
Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, constituídos por partes susceptíveis de utilização independente as quais têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, pois, para efeitos de liquidação e arrecadação de IMI tais partes com utilização independente são tidas como independentes e, a circunstância de estarem de facto reunidas no mesmo imóvel nenhuma diferença introduz na sua determinação, não havendo um IMI total, a liquidar por correspondência à soma dos diversos VPT a que respeite o mesmo artigo matricial, como decorre do art. 12.º do n.º 3 do Código do IMI.
Nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o Código do IMI» o que não nos conduz a diversa interpretação dado que analisando as normas do Código do IMI verificamos que os prédios em propriedade vertical dispõem de uma inscrição matricial idêntica àqueles que estão constituídos em propriedade horizontal com atribuição de um único artigo matricial que se desdobra nas diversas fracções autónomas que o compõem, como, neste caso se desdobra em cada uma das partes com utilização independente.» (fim de citação).
É este julgamento que aqui igualmente se reitera. No sentido de que, por um lado, a lei não impõe a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, e de que, por outro lado, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da TGIS.
E assim, atenta a factualidade que vem provada, nomeadamente, a circunstância de nenhuma das partes do imóvel com utilização independente e destinadas à habitação ter um VPT superior a € 1.000.000,00, é de concluir que a sentença recorrida, que fez idêntica interpretação da referida verba 28, não enferma de qualquer erro de julgamento, impondo-se, pois, a sua confirmação e a improcedência do recurso, quer no que respeita às liquidações de Imposto de Selo relativas ao ano de 2012, quer no que respeita às liquidações de Imposto de Selo relativas ao ano de 2013, todas reportando às fracções susceptíveis de utilização independente integrantes do prédio questionado nos autos.
Assim, também, agora este recurso terá que improceder, posto que a decisão recorrida também seguiu este mesmo sentido interpretativo das normas legais.

Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 20 de Março de 2019. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.