Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02086/17.0BEPRT-S1 |
Data do Acordão: | 02/06/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO ADMISSÃO DO RECURSO APENSAÇÃO |
Sumário: | I - É aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário, regulado pelo RGIT, a norma do art. 73.º, n.º 2, do RGCO, em que se permite aos tribunais superiores aceitar recursos da sentença, ou do despacho referido no art. 64.º do mesmo RGCO, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior a ¼ da alçada do tribunal tributário. II - Deve também aceitar-se esse recurso quando interposto de despachos susceptíveis de condicionar a decisão final a proferir, sob pena de se consumar uma situação de facto lesiva e que o recurso da sentença poderia nunca ser suficiente para reparar. III - Verificando-se os requisitos da apensação de processos de contra-ordenação, impõe-se ao juiz de qualquer desses processos, ou pedir os demais processos para proceder à sua apensação, caso o seu processo seja o mais antigo, ou remeter os autos ao processo mais antigo, a fim de ser apensado a este, tudo nos termos do disposto nos arts. 28.º, alínea c) e 29.º do CPP, aplicável subsidiariamente [art. 3.º, alínea b), do RGIT e art. 41.º n.º 1 do RGCO]. |
Nº Convencional: | JSTA00070871 |
Nº do Documento: | SA22019020602086/17 |
Data de Entrada: | 10/23/2018 |
Recorrente: | ESTADO PORTUGUÊS |
Recorrido 1: | A............, LDA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | RECURSO JURISDICIONAL |
Objecto: | SENTENÇA DO TAF DO PORTO |
Decisão: | CONCEDE PROVIMENTO |
Área Temática 1: | CONTRAORDENAÇÃO |
Legislação Nacional: | Arts. 28.º, alínea c) e 29.º do CPP, art. 3.º, alínea b), do RGIT e art. 41.º n.º 1 do RGCO |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório – 1 – O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorre para este Supremo Tribunal do despacho de 9 de Janeiro de 2018 – a fls. 65 dos autos -, pelo qual o juíz “a quo” indeferiu o pedido de apensação ao processo de outros sete processos de contra-ordenação, que identifica, no entendimento de que não sendo o dos autos o recurso primeiramente instaurado, não se mostram verificadas as condições legais para a apensação dos restantes recursos de contraordenação aos presentes autos. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos: 1.ª- QUESTÃO PRÉVIA: o recurso deve ser admitido, apesar do valor da coima aplicada e do disposto no artigo 83.º, n.º 1 do RGIT, atento o disposto no artigo 73.º, n.º 2 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82 de 27/10. 2.ª- Nos autos foi aplicado à arguida e impugnante uma coima que não ultrapassa um quarto (€ 1.250,00) da alçada fixada para os Tribunais Judiciais da Primeira Instância, pelo que nos termos do art. 83.º, n.º 1 do RGIT, não seria admissível recurso do despacho em crise. 3.ª- Todavia, o STA tem vindo a entender ser admissível recurso em casos justificados, com base nos fundamentos previstos no art. 73.º, n.º 2 do RGCO, aplicável por força do disposto no art. 3.º, alínea b) do RGIT, quando tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cf. acórdãos do STA de 9/5/2012, 19/9/2012, 08/05/2013 e de 05/02/2014, proferidos nos P. 243/12, 703/12, 655/13 e 1071/13, disponíveis em www.dgsi.pt). 4.ª- Ora, nos termos daquele art. 73.º, n.º 2 do RGCO, poderá ser admissível recurso quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, que se afigura ser o caso da decisão ora recorrida. 5.ª- No caso dos autos, a decisão recorrida adotou um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contraordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, o Tribunal recorrido deveria ter decidido qual era o processo, Juiz ou Tribunal competente para proceder ao julgamento conjunto das impugnações de coimas apresentadas, ordenando a remessa dos autos para o processo primeiramente instaurado ou solicitando o envio de todos os outros, para apensação a estes autos, caso sejam estes os instaurados em primeiro lugar. 6.ª- E, sendo o recurso judicial de contraordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, por força do disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, impõe-se a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP. 7.ª- É pacífico na jurisprudência do STA que a apensação deverá também ser efectuada pelo Tribunal e sucede que neste TAF, na prática, não acontecem as referidas apensações, para julgamento do arguido num mesmo e único processo, com a invocação do disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, ou seja, de que a apensação deveria ter sido requerida no processo instaurado em primeiro lugar e ao qual todos os outros tenham que ser apensados – no sentido de que a apensação deve ser ordenada e efectuada pelo Tribunal, veja-se o decidido nos acórdãos do STA de 03/04/2015, proferido no P. 1396/14, de 08/04/2015, proferido no P. 75/15, de 17/06/2015, proferido no P. 137/15, de 07/10/2015, proferido no P. 645/15 e de 04/11/2015, proferido no P. 72/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 8.ª- Ora, é nosso entendimento que as normas do art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC não têm aplicação no processo penal, tal como se decidiu no acórdão do TRC de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt e assim sendo, e porque importa que se proceda a apensação dos referidos processos, tal como entendido na jurisprudência do STA, afigura-se-nos manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito a admissão do presente recurso, para se aclarar se o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, tem ou não aplicação no processo penal. 9.ª- Nos termos do art. 73.º, n.º 2 do RGCO, poderá ser admissível recurso quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, que se afigura ser o caso da decisão ora recorrida, e há manifesta necessidade para melhoria de aplicação do direito quando ocorrem erros claros na decisão judicial, de tal forma que repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito, o que acontece com a solução jurídica encontrada pela decisão recorrida, pelo que é manifestamente necessário a admissão do recurso. 10.ª- Assim, caso não fosse admissível recurso, ficariam sem controlo jurisdicional decisões proferidas com duvidosas soluções jurídicas, ao arrepio da unânime jurisprudência do STA sobre a questão da apensação destes processos, com manifesta violação do direito, claro prejuízo do direito fundamental do cidadão ao recurso judicial das decisões administrativas e do interesse público da economia e boa gestão processual, pelo que deverá ser admitido o presente recurso. 11.ª- A QUESTÃO OBJETO DE RECURSO: O despacho recorrido não ordenou a apensação de outras impugnações de coimas fiscais que o mesmo arguido tem pendentes neste TAF, por a apensação dever ser ordenada no processo instaurado em primeiro lugar, por força do disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, aplicável subsidiariamente atento o previsto no art. 3.º, al. b) do RGIT, art. 41.º, n.º 1 do RGCO aprovado pelo DL 433/82 de 27/10 e art. 4.º do CPP. 12.ª- Ora, chegados os recursos à fase judicial, nos termos do art. 25.º do CPP, deveria ser ordenada a apensação neste Tribunal dos recursos de contraordenação interpostos pelo mesmo arguido. 13.ª- O MP recorrente não se conforma com a decisão e a interpretação perfilhada pelo despacho recorrido porquanto adoptou-se um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contra-ordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, e sendo o recurso judicial de contra-ordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, atento o disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, o Tribunal recorrido deveria ter ordenado a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP. 14.ª- Ou seja: é nosso entendimento que o Tribunal recorrido deveria decidir, como este não é o processo mais antigo, julgar competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de contra-ordenação o processo mais antigo e ordenar a remessa destes autos ao mesmo, para apensação. 15.ª- E, dando-se o caso do processo onde se aprecia a apensação ser o mais antigo, há que se declarar esse Tribunal o competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de coima apresentadas e solicitar a remessa de todos os outros processos para apensação ao mesmo, e tudo por simples aplicação do disposto na al. c), do art. 28.º do CPP, sendo inaplicável ao processo penal o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, e sendo em tudo uma situação idêntica à que se depara, quando o Tribunal se declara territorialmente incompetente para julgar a acção e declara outro o competente para o efeito, remetendo-lhe o processo para decisão. 16.ª- Por outro lado, a apensação destes recursos de contraordenação impõe-se também pela aplicação da regra da economia e da boa gestão processual prevista no art. 130.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao CPP por força do seu art. 4.º e ao RGCO e ao RGIT, de modo a impedir que se pratiquem repetidos actos de prolação de sentenças e notificações absolutamente iguais, para os mesmos intervenientes, com evidentes prejuízos para uma boa e célere administração da justiça, para além, dos inerente e consequentes prejuízos orçamentais e financeiros que daí resultam. 17.ª- Assim sendo, impõe-se que se proceda a apensação de todos os recursos ou impugnações judiciais de contraordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, por força do disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP, e sem se chamar à decisão as regras consagradas no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC – neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt. 18.ª- Ou seja: a conexão de processos pode e deve ser apreciada oficiosamente, logo que no processo conste a comprovação de uma das situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do CPP, não tendo aplicação subsidiária no processo-crime o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, na medida em que as regras para determinar o Tribunal competente para se proceder a julgamento conjunto de todas as impugnações de coima interpostas pelo mesmo arguido estão previstas no CPP, nomeadamente na al. c) do seu art. 28.º. 19.ª- As normas legais do processo civil, como direito subsidiário, só são aplicáveis ao processo penal, desde que no CPP não haja regras próprias e que se demonstre a sua harmonia com os princípios do processo penal, o que no caso da citada norma do CPC não acontece. 20.ª- Foram violados os artigos 4.º, 24.º, 25.º e 28.º, al. c) do CPP, art. 41.º, n.º 1 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82 de 27/10, art. 3.º, al. b) do RGIT e art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC. Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido, para que seja substituído por outro que decida que não é este o processo para julgamento conjunto do arguido pelas impugnações das coimas aplicadas e sim o que primeiramente foi instaurado, ordenando-se a remessa dos autos para apensação ao referido processo mais antigo, e assim se fazendo a habitual JUSTIÇA. - Fundamentação – 4 – Questões a decidirImporta primariamente decidir da admissibilidade do recurso, interposto ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO. Decidindo-se no sentido da sua admissão, importa conhecer do alegado erro de julgamento do despacho recorrido, ao indeferir o pedido de apensação ao processo de outros recursos de contra-ordenação fiscal por factos semelhantes, interpostos pela mesma arguida, e cuja apensação requereu. 5 – É do seguinte teor o despacho recorrido: A Recorrente interpôs recurso da coima aplicada no processo de contra-ordenação n.º 1902201606116779, requerendo, desde logo, a apensação dos processos de contraordenação que identificou no seu requerimento inicial. Cumpre, agora, apreciar a requerida apensação. Dispõe o art.º 29.º n.º 2, do CPP (subsidiariamente aplicável ex vi arts. 3.º, alínea b), do RGIT e 41.º n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27/10) que “Se tiverem já sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime (leia-se contraordenação) determinante da competência por conexão”. Sendo certo que “A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento” (cfr. art. 24.º, n.º 2, do CPP). Por seu turno, resulta do art. 28.º, alínea c) do CPP, que é competente para conhecer de todos os processos o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia de quaisquer crimes (leia-se contraordenações). No caso em apreço, resulta da informação prestada pela secção central, inserta a fls. 46 e 47 (do processo físico), que em nome da aqui Recorrente correm termos, além do presente, vários recursos de contraordenação por infrações decorrentes da falta de pagamento de IVA. Por conseguinte, existe, de facto, uma conexão entre os processos, que devem ser apensados aquele que respeitar à contraordenação determinante da competência por conexão, ou seja, àquele onde primeiro tiver havido notícia da contraordenação (cfr. art.º 28.º, alínea c), do CPP). Ora, da informação prestada pela secção central resulta que existem vários autos de notícia com a mesma data de levantamento daquele que é referente ao presente recurso (23/11/2016), pelo que, dentre os processos que se encontram na mesma fase, a apensação deverá ser determinada no processo instaurado em primeiro lugar (cfr. art.º 267.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi arts. 3.º, alínea b), do RGIT, 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27/10 e 4.º do CPP). Assim, não sendo este o recurso primeiramente instaurado, não se mostram verificadas as condições legais para a apensação dos restantes recursos de contraordenação aos presentes autos. Notifique. 6 – Apreciando. 6.1 Da admissibilidade do recurso Vem o presente recurso interposto de despacho que indeferiu pedido de apensação de outros processos de contraordenação tributários a processo da mesma natureza cujo valor da causa impede a admissibilidade de recurso ordinário, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 83.º do RGIT. O recurso foi interposto pelo Ministério Público ao abrigo do n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, subsidiariamente aplicável, alegando o recorrente que a admissão do recurso se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, pois caso não fosse admitido ficariam sem controlo jurisdicional decisões proferidas com duvidosas soluções jurídicas, ao arrepio da unânime jurisprudência do STA sobre a questão da apensação destes processos, com manifesta violação do direito, claro prejuízo do direito fundamental do cidadão ao recurso judicial das decisões administrativas e do interesse público da economia e boa gestão processual (cfr. conclusões 1 a 10.ª das alegações de recurso). Entendemos, com o recorrente, que se justifica a admissão do recurso. O facto de em causa estar um despacho interlocutório que decide pela não apensação de processos - não directamente subsumível ao disposto no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO –, não constitui, para este Supremo tribunal, por si mesmo, obstáculo à admissão do recurso, pois que admitiu já, ao abrigo do mesmo preceito legal, recursos de despachos sobre a apensação de processos (embora nos casos já decididos as decisões fossem no sentido da apensação e não da não apensação dos processos – cfr, entre muitos outros posteriores, os Acórdãos do STA de 4 de Março de 2015, rec. n.º 1396/14 e de 9 de Setembro de 2015, rec. n.º 70/15), atendendo a que não se admitir o recurso imediato de tal despacho – que ordenou a apensação por conexão – poderíamos deparar-nos com uma situação de facto lesivo consumado, cujo recurso da sentença poderia nunca ser suficiente para alcançar a sua reparação. - Decisão -
Sem custas (artigo 94.º, n.º 4 do RGCO). |