Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0259/18
Data do Acordão:07/05/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
ATRASO NA DECISÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:I - Constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.
II - Àquela vítima impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.
III - Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.
IV - O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.
Nº Convencional:JSTA000P23504
Nº do Documento:SA1201807050259
Data de Entrada:05/07/2018
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. “A………, SA”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/L] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o “ESTADO PORTUGUÊS”, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 03 e segs. dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a condenação deste no pagamento à A. de «quantia não inferior a 40.000,00 €» a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento.

2. O TAC/L, por sentença de 31.03.2017 [cfr. fls. 198/207], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

3. A A. interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] que, por acórdão de 19.12.2017, negou provimento ao recurso, julgando-o improcedente e mantendo o decidido [cfr. fls. 268/310].

4. Invocando o disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], a A., de novo inconformada agora com o acórdão proferido pelo TCA/S interpôs, então, o presente recurso de revista, produzindo alegações [cfr. fls. 317 e segs.], com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«
1. A ora Recorrente, instaurou uma ação administrativa comum contra o Estado Português, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, uma quantia não inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, invocando a violação, pelo Réu, do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e artigo 6.º da CEDH).
2. Sucede que, por douta Sentença proferida em 31 de março de 2017, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido, fixou à causa o valor de 40.000,00 € e condenou a Autora nas custas.
3. Não conformada com a decisão supra referida, a Autora ora Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, o qual foi admitido, tendo sido proferido o Acórdão ora recorrido, com data de 19 de dezembro de 2017, com a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul o seguinte: I - Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão recorrida. II - Condenar a Recorrente nas custas do presente recurso jurisdicional. III - Registe e notifique”.
3. Daquele Acórdão vem a Recorrente interpor o presente Recurso de Revista.
(…)
10. Por um lado, em ações de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável a jurisprudência entende que deve ser conhecida, sempre, e primeiramente, a existência de um facto ilícito, o qual será a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável cfr. Acórdão do STA, de 9 de outubro de 2008: “A violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável constitui, sem dúvida, violação do direito fundamental a uma tutela judicial efetiva, nos termos dos já citados art. 20.º, n.º 4, da CRP e art. 6.º, n.º 1, da CEDH, mas, em primeiro lugar há que demonstrar essa violação e, portanto, o facto ilícito e culposo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado aqui em causa, o que incumbe aos AA., nos termos do art. 487.º, n.º 1, do CC. Só depois de objetivamente provada essa violação, é que funciona a presunção natural ou judicial de dano moral, de que dessa violação resulta um dano moral para o interessado naquela decisão judicial, presunção que, todavia, pode ser ilidida por mera contraprova” (Processo n.º 0319/08, Relator Rosendo José, acórdão disponível em www.dgsi.pt).
11. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que proferiu sentença no âmbito dos presentes autos deu como provados todos os factos invocados pela Recorrente, donde deveria dar como provada a existência de um facto ilícito, tendo, contudo, eximindo-se de conhecer a existência de um facto ilícito.
12. Estamos perante uma verdadeira omissão de pronúncia pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e que determina a nulidade da douta sentença recorrida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA, o que se alegou no Recurso de Apelação.
13. Nulidade que é extensível ao Acórdão ora recorrido, que, em evidente contradição com a citada jurisprudência deste Supremo Tribunal - e, mais do que isso, ignorando tal jurisprudência! -, reiterou a argumentação tecida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
14. A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado no respeito e garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 2.º da CRP), que se subordina à Constituição e a validade dos seus atos depende da sua conformidade com a Constituição (artigo 3.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, sendo tarefa fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático (artigo 9.º, alínea b), da CRP).
15. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição e as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza (artigo 12.º, da CRP), sendo os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias diretamente aplicáveis às entidades públicas e privadas (artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da CRP).
16. Em particular, e com relevância para o caso sub judice, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP).
17. Nos termos do artigo 22.º, da CRP, “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”, o que é concretizado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
18. Assim, a violação de um direito fundamental deverá gerar, per si, o direito a uma indemnização, sob pena de se ver esvaziado o sentido e estatuto daquele direito.
19. Sucede que, a posição assumida pelo Tribunal a quo no que respeita ao pressuposto do dano não é unânime na jurisprudência nacional, e colide com a jurisprudência do TEDH.
20. O STA, em Acórdão datado de 09 de outubro 2008 - supra citado -, proferido no âmbito do processo no processo 0319/08, defende que o dano decorrente da violação do direito fundamental em apreço gera um dano psicológico e moral comum que constitui um facto notório, e como tal não carecendo, como vimos, de alegação (nem de prova).
21. Também o TEDH admite uma verdadeira presunção de dano não patrimonial a favor do administrado que decorre de uma justiça morosa, e admite a presunção de que a duração excessiva de um processo causa nas partes um dano não patrimonial que estas não estão obrigadas a provar (cfr. Acórdão do TEDH, de 29 de março de 2006, caso Riccardi Pizzati c. Itália - Acórdão que é, de resto, invocado na decisão objeto do presente recurso; e Acórdão do TEDH, de 22 de junho de 2004, caso Bartl c. República Checa, ambos disponíveis em www.europa.eu).
22. Pelo que se impunha, no caso em apreço, em primeiro lugar aferir da existência de um facto ilícito, para que, concluindo que existe uma violação do direito fundamental à realização da justiça em prazo razoável, retirar daí um dano moral decorrente dessa mesma violação, enquanto facto notório …».

5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 339 e segs.] concluindo nos seguintes termos:
«
3.º A não apreciação do pressuposto ilicitude não constitui causa de nulidade da sentença, prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, porquanto basta a não verificação de um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual para a improcedência da ação.
4.º No caso em apreço, uma vez que não foi concretizado o dano não patrimonial na P.I. (ou sequer quaisquer outros danos), e não se encontrando demonstrada a sua existência na factualidade provada, o que incumbia à Autora (art. 342.º do C. Civil), não é, sequer, possível concluir pela verificação da ilicitude na atuação do Tribunal de Execuções.
5.º A ilicitude, para efeitos de integração dos pressupostos de responsabilidade civil, não significa a mera violação de uma disposição legal, exigindo a lei que se traduza na violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios e que resultem violados direitos ou interesses juridicamente protegidos dos administrados, ou disposições legais destinadas a assegurar posições jurídico-subjetivas dos cidadãos, lesão que não foi demonstrada in casu, pelo que inexiste facto ilícito (cf. art. 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12) - Ac. do STA, de 21/05/2015, proc. n.º 072/14 Ac. do STA de 27/10/2004, Proc. 011214/02, Ac. do mesmo Tribunal, de 07/03/1989, Proc. 026525, e do TCA Sul, de 9/11/2017, processo n.º 11 505/14.
6.º Assim, uma vez que o alegado atraso não foi lesivo de quaisquer direitos da ora Recorrente, e dado que, não tendo comprovado nenhum dano moral ou de qualquer outra natureza, também não demonstrou o nexo de causalidade relativamente ao mesmo (Acs. supracitados e também do TCA Sul supracitado).
7.º Porém, faltando um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, não tinha o Tribunal que se pronunciar sobre a existência do requisito da ilicitude, uma vez que a ação soçobrou com fundamento na inexistência de outro pressuposto igualmente relevante e determinante da improcedência da ação - o dano não patrimonial.
8.º Pelo que, não constando, sequer, da P.I. o dano em questão, na qual se limita a emitir juízos de valor ou conclusões jurídicas (arts. 52.º e 53.º), não foi cumprido pelo Autor o ónus de alegação e da prova que sobre o mesmo impendia, nos termos do art. 342.º do C. Civil (cf. também art. 5.º do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA).
9.º Não podendo o Estado Português ter sido condenado pela prática de facto ilícito e considerar que o dano moral é notório, para além do mais tratando-se de uma pessoa coletiva com um fim lucrativo.
10.º Factos notórios são, de acordo com o disposto no artigo 412.º do CPC, os factos que são do conhecimento geral, o que obviamente não é o caso, não se podendo ficcionar factos que possam configurar um dano não patrimonial relativamente à Autora.
11.º Contrariamente ao invocado pela ora Recorrente, o dano não patrimonial, apesar de ser a consequência normal, não é automática da configuração da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, e embora se presuma como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada, é ilidível (como resulta da jurisprudência citada, quer na sentença, quer no douto Acórdão recorrido em cuja transcrição se fundamenta o Recorrido).
12.º Mas, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum (cf. Jurisprudência do TEDH citada e transcrita na douta sentença da 1.ª instância), a presunção deixa de existir, sendo esta a situação do caso sub judice, conforme já salientado.
13.º E, como bem fundamenta o TAC, “O entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não obsta à necessidade (ónus) de alegação, pela Autora, do essencial dos factos constitutivos (do direito à indemnização) que pretende ver beneficiários dessa presunção, salientando as diferenças entre o caso em apreço e aquele de que tratou o referido Acórdão que não permitem sequer a transposição da sua ratio decidendi para o caso vertente” - cfr. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, no dia 21/05/2009, no processo n.º 09A0643 e do STA 09/10/2008, proc. n.º 0319/08.
14.º Entendimento que é o correto e o único possível no caso em apreço, e se assim não fosse como poderia o Réu, ora Recorrido, exercer o seu devido direito ao contraditório, se bastasse a mera alegação da existência de um dano sem o fundamentar.
15.º Pelo que, a Autora/recorrente não demonstrou os factos constitutivos do seu direito, atrás explicitados, e bem andou o Tribunal a quo em manter a sentença da 1.ª instância que julgou a ação improcedente e absolveu o Estado Português do pedido.
16.º Nenhuma razão assistindo ao ora Recorrente, não podendo ser indemnizado, por via dos factos provados e ao abrigo dos preceitos, doutrina e jurisprudência citados no douto Acórdão em apreço, uma vez que não se mostram, sequer, minimamente provados e preenchidos os requisitos essenciais da responsabilidade civil extracontratual do Estado in casu.
17.º Assim, deve ser negado provimento ao recurso e ser mantido o douto Acórdão recorrido que não ofendeu a jurisprudência invocada pela Recorrente, nomeadamente do TEDH, a qual não tem aplicação no presente caso, ou sequer quaisquer normas legais, não se verifica nulidade por omissão de pronúncia e erro de julgamento …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 12.04.2018, o presente recurso de revista foi admitido [cfr. fls. 355/357].

7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em Conferência.


DAS QUESTÕES A DECIDIR
8. Constitui objeto de apreciação nesta sede o aferir se a decisão judicial recorrida, ao negar provimento ao recurso de apelação deduzido pela A., ora recorrente, julgando-o improcedente, incorreu, conforme alegado, por um lado, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC [na redação da Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário] e, pelo outro, em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto, mormente, nos arts. 20.º e 22.º da CRP, 06.º da CEDH, 483.º, 487.º do CC, 05.º, n.º 2, al. c), e 412.º, n.º 1, do CPC [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].




FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
9. Resulta apurado nas instâncias o seguinte quadro factual:
I) No dia 07 de maio de 2007, foi distribuído, sob o número de processo 13504/07.5YYLSB, na 2.ª Secção do 1.º Juízo de Execução de Lisboa, requerimento executivo apresentado pela aqui A. contra a sociedade “B………., Lda.” [artigo (s) 1 da «p.i.» e 12 da contestação].
II) O referido requerimento executivo foi formulado com fundamento em sentença condenatória [artigo (s) 1 da «p.i.» e 12 da contestação].
III) No referido requerimento a A. pede a cobrança da quantia global de 78.605,08 € [artigo (s) 1 da «p.i.» e 12 da contestação].
IV) No dia 22 de maio de 2007, foi aceite por solicitador de execução a nomeação como Agente de Execução no processo 13504/07.5YYLSB [artigo (s) 2 da «p.i.» e 12 da contestação].
V) No dia 05 de junho de 2007, o Agente de Execução realizou a consulta do Registo Informático de Execuções [artigo (s) 3 da «p.i.» e 12 da contestação].
VI) Por notificação de 06 de junho de 2007, a secretaria da 2.ª Secção do 1.º Juízo de Execução de Lisboa notificou o Agente de Execução de que naqueles autos não havia lugar a citação prévia, devendo proceder à penhora dos bens da Executada [artigo (s) 4 da «p.i.» e 12 da contestação].
VII) No dia 20 de dezembro de 2007, o Agente de Execução informou o Tribunal das diligências realizadas [artigo (s) 5 da «p.i.» e 12 da contestação].
VIII) No dia 16 de janeiro de 2008 o Agente de Execução realizou buscas nas bases de dados do Registo Automóvel e da Segurança Social [artigo (s) 6 da «p.i.» e 12 da contestação].
IX) No dia 16 de janeiro de 2008 o Agente de Execução requereu o levantamento de sigilo fiscal [artigo (s) 7 da «p.i.» e 12 da contestação].
X) No dia 19 de junho de 2008, o mandatário da A. (então exequente) requereu ao Tribunal a notificação do Agente de Execução para que apresentasse «o relatório das diligências a que se refere o artigo 837.º do Código de Processo Civil» [artigo (s) 8 da «p.i.» e 12 da contestação].
XI) Em 17 de dezembro de 2009 a Meritíssima Juiz de Direito proferiu os seguintes despachos:
«Notifique a exequente para, em 10 dias, demonstrar nos autos que a executada foi dissolvida/liquidada e, caso tal demonstre, para dizer se pretende fazer uso do mecanismo previsto no art. 162.º do Código das Sociedades Comerciais ou se requer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide». «Atento o disposto nos arts. 833.º, n.º 3 e 519.º-A, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, e uma vez que se mostra necessário para o apuramento de bens penhoráveis e que tal facto se mostra justificado pelas diligências já efetuadas, autorizo o (a) Agente da Execução a aceder às declarações e outros elementos protegidos pelo sigilo fiscal junto da Direção-Geral de Contribuições e Impostos e/ou do Serviço de Finanças competente respeitantes ao(s) executado(s), necessários e suficientes para os estritos fins e informações pretendidas no requerimento em apreço, informações essas que não poderão ser injustificadamente divulgadas, nem constituir objeto de ficheiro de informações nominativas» [artigo (s) 9 da «p.i.» e 12 da contestação].
XII) Tais despachos foram notificados ao mandatário da Exequente e ao Agente de Execução por cartas de 22 de dezembro de 2009 [artigo (s) 10 da «p.i.» e 12 da contestação].
XIII) Por requerimento de 08 de janeiro de 2010, a A., então Exequente, declarou expressamente que pretendia fazer uso do mecanismo previsto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais e que a execução prosseguisse contra os sócios da Executada [artigo (s) 11 da «p.i.» e 12 da contestação].
XIV) No dia 14 de janeiro de 2010 a Meritíssima Juiz de Direito, exarou o seguinte despacho:
«Considerando que a sociedade executada foi extinta, conforme fls. 60, considera-se a mesma substituída pelos seus sócios, representados pelos liquidatários, não sendo necessária habilitação, ao abrigo do disposto no art. 162.º, n.ºs 1 e 2, do Código dos Sociedades Comerciais.
Pelo exposto, determino que os autos prossigam contra os sócios da executada, representados pelos liquidatários. Considerando que se desconhece a identificação e morada dos liquidatários da executada, notifique a exequente para, em 10 dias, fornecer tais dados aos autos» [artigo (s) 12 da «p.i.» e 12 da contestação].
XV) Aquele despacho foi notificado ao mandatário da A., então Exequente, e ao Agente de Execução, por cartas elaboradas no dia 26 de janeiro de 2010 [artigo (s) 13 da «p.i.» e 12 da contestação].
XVI) Por requerimento apresentado pela A., então Exequente, no dia 08 de fevereiro de 2010, esta informou o Tribunal do seguinte: «pese embora os esforços empreendidos, não foi ainda possível obter os dados em falta, assim e de acordo com o princípio da cooperação, vem requerer que seja concedida a prorrogação do prazo por igual período de 10 dias para que a Exequente possa obter as informações necessárias» [artigo (s) 14 da «p.i.» e 12 da contestação].
XVII) No dia 11 de fevereiro de 2010, a A., então Exequente, informou o Tribunal de que «o único sócio da Executada e, portanto, seu liquidatário é a seguinte pessoa: - C…………, solteiro, maior, residente no Edifício ……… n.º …., esquerdo frente, da freguesia de ………, da cidade de Ponta Delgada, nos Açores» [artigo (s) 15 da «p.i.» e 12 da contestação].
XVIII) No dia 19 de agosto de 2010, o Agente de Execução efetuou nova busca à base de dados da Segurança Social [artigo(s) 16 da «p.i.»] - cfr. o(s) documento(s) n.º 01 anexo(s) à «p.i.», reproduzido(s) a fls. 72 dos autos.
XIX) Com data de 23 de setembro de 2010, o Tribunal notificou o Agente de Execução do teor do requerimento da Exequente de 11 de fevereiro de 2010 [artigo(s) 17 da «p.i.»] - cfr. o(s). documento(s) n°1 anexo(s) à «p.i.», reproduzido(s) a fls. 73 dos autos.
XX) No dia 26 de outubro de 2010, o Agente de Execução requereu ao Tribunal que fosse ordenada a introdução no sistema informático, como executado, dos dados de C……….., com o fim de poder dar início às buscas necessárias para localização de bens penhoráveis [artigo(s) 18 da «p.i.»] - cfr. o(s) documento(s) n.º 01 anexo(s) à «p.i.», reproduzido(s) a fls. 74 dos autos.
XXI) No dia 11 de novembro de 2010, o Agente de Execução elaborou o relatório das diligências efetuadas no processo, dirigido ao Juiz de Direito, do qual consta como último ato praticado a inserção de dados do liquidatário [artigo(s) 19 da «p.i.»] - cfr. o(s) documento(s) n.º 01 anexo(s) à «p.i.», reproduzido(s) a fls. 75 dos autos.
XXII) Nos anos de 2011 e de 2012 não foi praticado qualquer ato no processo [artigo(s) 20 da «p.i.»].
XXIII) No dia 05 de abril de 2013, o Agente de Execução apresentou novo pedido de que fosse ordenada a introdução no sistema informático, como executado, dos dados de C……….. [artigo(s) 21 da «p.i.»] - cfr. o(s) documento(s) n.º 01 anexo(s) à «p.i.», reproduzido(s) a fls. 76 dos autos.
XXIV) No dia 19 de março de 2014, o Agente de Execução informou o mandatário da Exequente de que «foi requerido ao Tribunal que procedesse à introdução no sistema dos sócios/liquidatários como partes, ato imprescindível ao prosseguimento dos autos, pois sem a introdução destes como parte, não podemos localizar bens. Sendo que não obtivemos resposta do Tribunal vamos insistir» [artigo(s) 22 da «p.i.» e 13 da contestação].
XXV) No dia 19 de março de 2014, o Agente de Execução requereu a inserção na aplicação «CITIUS», na qualidade de executado, dos dados de C…………. [artigo(s) 23 da «p.i.»] - cfr. o (s) documento(s) n.º 01 anexo(s) à «p.i.», reproduzido(s) a fls. 88 dos autos.
XXVI) No dia 06 de maio de 2014, o Escrivão Auxiliar lavrou cota consignando que «foi inserido no sistema Habilus, C……….., na qualidade de Executado nos presentes autos» [artigo(s) 24 da «p.i.» e 13 da contestação].
XXVII) No dia 07 de maio de 2014, o Escrivão Auxiliar abriu conclusão, informando o Tribunal de que, «consultado o histórico do processo no sistema Habilus, verifica-se que já consta o nome de C………… associado como legal Representante da Executada B…………, Lda.. Mais se informa que, atento o solicitado, foi inserido o referido legal representante, na qualidade de executado nos presentes autos, pelo que V. Ex.ª ordenará o que tiver por conveniente» [artigo(s) 25 da «p.i.» e 13 e 17 da contestação].
XXVIII) Por despacho datado de 07 de maio de 2014, foi proferido despacho judicial que consignou que «face ao exposto, nada há a ordenar» [artigo(s) 26 da «p.i.» e 13 da contestação].
XXIX) No dia 28 de maio de 2014, o Agente de Execução tentou efetuar nova busca na base de dados da Segurança Social, reportando a mesma que «não existem registos» [artigo(s) 27 da «p.i.»].
XXX) No dia 30 de maio de 2014, o Agente de Execução, mediante requerimento dirigido ao Meritíssimo Juiz, informou e requereu o seguinte: «notificada do douto despacho de inclusão do sócio Gerente C…………. como Executado, nos autos acima melhor identificados, vem requerer a V. Exa. se digne ordenar que seja facultada à ora a identificação civil e fiscal do mesmo uma vez que a mesma não consta do processo» [artigo(s) 28 da «p.i.» e 13 da contestação].
XXXI) No dia de 09 de fevereiro de 2015, o Agente de Execução solicitou ao Tribunal «que seja facultada a identificação civil e fiscal do Executado C…………» [artigo(s) 29 da «p.i.»].
XXXII) No dia 17 de abril de 2015, o Agente de Execução apresentou requerimento, formulado nos seguintes termos: «na sequência do requerimento anteriormente formulado vem renovar o pedido de inserção do Executado C……….. no sistema informático, afim de podermos proceder às diligências de localização de bens» [artigo(s) 30 da «p.i.» e 13 da contestação].
XXXIII) Por requerimento de 03 de julho de 2015, o Agente de Execução requereu ao Meritíssimo Juiz de Direito «que confirme a receção do N/Requerimento datado de 13.05.2015» [artigo(s) 31 da «p.i.»].
XXXIV) No dia 09 de novembro de 2015, a presente ação deu entrada em juízo [facto complementar].
XXXV) Entre os dias 18 de abril de 2015 e o dia 09 de novembro de 2015, não foi praticado no processo 13504/07.5YYLSB nenhum ato pela Secretaria ou por Magistrado Judicial [artigo(s) 32 da «p.i.»].
XXXVI) Para que o agente de execução pudesse proceder às diligências prévias à penhora, carecia do n.º de informação fiscal de C………...
XXXVII) O n.º de identificação civil e o n.º de informação fiscal de C………… não eram de consulta acessível ao agente de execução [artigo(s) 19 da contestação].

«*»

DE DIREITO
10. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões supra enunciadas.
*
DA NULIDADE DE DECISÃO

11. Sustenta a recorrente que o acórdão objeto de impugnação enferma de nulidade, porquanto tendo o TAC/L decidido da sua pretensão indemnizatória, julgando-a improcedente, sem haver analisado o requisito da ilicitude, posicionamento esse mantido pelo TCA/S, tal conduz a que a decisão deste, que confirmou aquele juízo, padeça também ela de omissão de pronúncia e, como tal, se mostre lavrada em infração do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC [conclusões 10.ª) a 13.ª)].

12. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA os acórdãos são suscetíveis da imputação não apenas de erros materiais, mas, também, de nulidades.

13. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade” e na parte que ora releva, que as decisões judiciais são nulas «quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as «… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» - [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] - se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...» [n.º 4].

14. Caracterizando a nulidade em questão temos que a mesma se traduz na infração ao dever que impende sobre o tribunal de, por um lado, resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2 do CPC] e de, por outro, o fazer observando os limites do pedido [cfr. art. 609.º, n.º 1, do CPC].

15. Com efeito, o tribunal deve analisar, no quadro dos seus limites, todos os pedidos/pretensões formulados, ressalvados apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.

16. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio.

17. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes.

18. Só existirá omissão de pronúncia e, consequente, nulidade [art. 615.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte, do CPC] se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objetos e fundamentos por ela alegados, visto que a ação/pretensão ou a exceção só podem ser julgadas improcedentes se nenhum dos objetos ou dos fundamentos puder proceder.

19. Presentes os considerandos caracterizadores do fundamento de nulidade de decisão invocado temos que, no caso, não se descortina ter ocorrido qualquer omissão de pronúncia por parte do acórdão recorrido já que, vistas e analisadas as alegações e conclusões do recurso de apelação que foram produzidas pela A./Recorrente junto do tribunal a quo, não se vislumbra que, quanto às mesmas, haja ficado alguma questão ou fundamento por apreciar e que, por isso, possa a demais pronúncia firmada ser contaminada com a invocada nulidade.

20. A sua discordância com o julgamento feito pelo TCA/S quanto à arguida nulidade por omissão de pronúncia acometida à decisão do TAC/L não conduz à nulidade daquele acórdão pelo simples e mero facto de haver confirmado o juízo que nela havia sido feito, visto tal se poder reconduzir, tão-só, a erro de julgamento que, também, in casu não ocorre.

21. É que inexistindo uma ordem legalmente imposta de conhecimento dos requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e sendo tais requisitos ou pressupostos de verificação cumulativa, não estava impedido o juiz de começar o seu juízo pela apreciação do requisito do dano dado não estar obrigado a apreciar previamente da verificação do requisito da ilicitude, nem de igual estava obrigado a proceder ao posterior conhecimento do requisito da ilicitude quando havia concluído pelo não preenchimento do requisito do dano, já que inútil e prejudicado.

22. De harmonia com o exposto, não poderá imputar-se ao acórdão recorrido qualquer omissão de pronúncia, termos em que soçobra a arguida nulidade que lhe foi assacada.
*
DO ERRO DE JULGAMENTO

23. Presentes aquilo que constitui a argumentação desenvolvida pela A./Recorrente e o que se mostra decidido no acórdão recorrido está em causa nesta sede aferir da existência de erro de julgamento daquela decisão no segmento em que na mesma se considerou de que, in casu, não ocorre o requisito ou pressuposto do dano e se julgou improcedente a pretensão indemnizatória deduzida pela A. [demais conclusões].
Analisemos.

24. Mostra-se adquirido e consensualizado nos autos que, no plano do ordenamento jurídico português à data vigente [nomeadamente, arts. 20.º, n.ºs 4 e 5, e 268.º, n.ºs 4 e 5, da CRP, 06.º e 13.º da CEDH (aprovada por ratificação através da Lei n.º 65/78, de 13.10 (DR I Série, n.º 236) e aplicável na ordem jurídica interna desde 09.11.1978 (cfr. Aviso de depósito do instrumento de ratificação - Aviso do MNE publicado no DR, I Série, n.º 1/79, de 2.01) e art. 12.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEEP) - aprovado e em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12.2007], o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva extensível a qualquer tipo de processo [cível, penal, administrativo/tributário, laboral, etc.] e que a infração a tal direito constituiu o Estado Português em responsabilidade civil extracontratual [art. 22.º da CRP, 06.º e 13.º do CEDH em conjugação/articulação com o regime legal ordinário interno decorrente do referido art. 12.º do RRCEEEP].

25. Constitui objeto do litígio sub specie o reconhecimento da existência de responsabilidade civil por parte do R. Estado Português, decorrente do anormal funcionamento da máquina ou do aparelho judiciário em sede ação executiva cível instaurada na então 2.ª Secção do 1.º Juízo de Execução de Lisboa e que corre termos sob o n.º 13504/07.5YYLSB, e do consequente dever de indemnizar, importando, então, em face das questões que se nos mostram colocadas analisar, primeiramente, do preenchimento requisito do dano [no caso, da existência de dano não patrimonial].

26. Entrando na apreciação da questão importa cotejar aquilo que constitui, desde logo, o quadro normativo a atender.

27. E, nessa sede, decorre do n.º 1 do art. 06.º da CEDH, na parte que aqui releva, que «[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela», derivando do art. 13.º da mesma Convenção que «[q]ualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que atuaram no exercício das suas funções oficiais».

28. Resulta, por sua vez, do n.º 1 do art. 12.º do RRCEEEP que «é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa», e do n.º 1 do art. 07.º do mesmo regime que «[o] Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício» e de que os mesmos «são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço» [n.º 3 do referido preceito].

29. E, em termos de obrigação de indemnizar, dispõe-se no art. 03.º do referido regime que «[q]uem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» [n.º 1], e que «[a] indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa» [n.º 2], sendo que «[a] responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito» [n.º 3].

30. Resulta, igualmente, do n.º 1 do art. 483.º do CC que «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», sendo que «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» [cfr. art. 562.º do CC] e que «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito» [cfr. n.º 1 do art. 496.º do mesmo código].

31. Em decorrência daquilo que são as obrigações assumidas com a adesão à CEDH pelo Estado Português e com uma adequada aplicação e observância do próprio princípio da subsidiariedade haverá que interpretar-se e aplicar-se o quadro normativo interno em matéria de definição dos requisitos e pressupostos do regime de responsabilidade civil do Estado por violação do art. 06.º, § 1º, daquela Convenção [direito a uma decisão em prazo razoável e a sua reparação] à luz dos princípios da Convenção e tal como os mesmos são interpretados pela jurisprudência do TEDH [cfr., neste aspeto, entre outros os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. (caso) «Apicella v. Itália», §§ 80 e 81, e c. «Riccardi Pizzati v. Itália», §§ 80 a 82 - disponíveis em «www.hudoc.echr.coe.int/» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos do referido Tribunal sem expressa referência em contrário; vide, ainda, os Acs. deste Supremo Tribunal de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e de 11.05.2017 - Proc. n.º 01004/16 todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

32. Cientes deste pressuposto norteador da apreciação e julgamento de litígios como o sub specie temos que constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de que «o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar» [cfr., entre outros, os seus Acs. de 17.03.2005 - Proc. n.º 0230/03, de 17.01.2007 - Proc. n.º 01164/06, de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, de 10.09.2014 - Proc. n.º 090/12, de 13.07.2016 - Proc. n.º 0783/14, e de 11.05.2017 - Proc. n.º 01004/16].

33. É também certo que para haver obrigação de indemnizar constitui condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].

34. E de que o dever de indemnizar compreende não só os danos patrimoniais, mas, também, os danos não patrimoniais, sendo que se neste domínio importa considerar, no plano interno, o regime legal que decorre do art. 496.º do CC temos que tal regime carece de ser interpretado e aplicado «de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH» [cfr., neste sentido, os referidos Acs. deste Supremo Tribunal de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e de 11.05.2017 - Proc. n.º 01004/16].

35. Resulta, assim, que o julgador nacional, para a decisão a proferir no que respeita à verificação/existência dos “danos não patrimoniais” e à sua concreta valoração pecuniária, deverá, no contexto da factualidade apurada, atender aos fatores expressamente referidos na lei, mas interpretados nos termos e à luz do que se mostra a conformação dada pelo «TEDH» aos referidos fatores, cientes de que este vem entendendo que, relativamente aos danos não patrimoniais suportados pelas vítimas de violação da CEDH a sua dignidade indemnizatória não se mostra restringida aos de especial gravidade.

36. Discute-se nos autos da existência de alegação suficiente por parte da A. do requisito da responsabilidade civil extracontratual do Estado relativo ao dano na sua componente do dano não patrimonial decorrente de atraso na administração da justiça em face da interpretação e aplicação que vem sendo feita neste âmbito pelo TEDH, nomeadamente, se a alegação é idónea ao operar ou ao fazer funcionar de uma presunção [cfr. arts. 341.º, 342.º e 349.º e segs. do CC], ou se estamos em face de facto notório [cfr. art. 412.º do CPC (correspondente ao art. 514.º do anterior CPC)].

37. O TEDH vem afirmando sucessivamente que o dano não patrimonial: i) constitui uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, presumindo-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; que ii) essa forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou, até, nenhum dano desta natureza, sendo que, então, o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente; e que, iii) quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. «Scordino v. Itália n.º 01», §§ 203 e 204, e de 29.03.2006 - c. «Riccardi Pizzati v. Itália», § 94; e, também, o Ac. do TEDH (2.ª Secção) de 10.09.2008 - c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», §§ 54 e 55].

38. Aliás, do último dos acórdãos acabados de citar resultou a condenação do Estado Português no pagamento de indemnização aos ali requerentes por danos não patrimoniais, pretensão que lhe havia sido negada no âmbito da ação administrativa instaurada internamente e na qual se havia julgado que, apesar de ultrapassado o prazo razoável, os requerentes não tinham produzido prova da existência de um dano moral próprio, não havendo lugar ao operar de uma qualquer presunção da existência daquele tipo de danos.

39. Discordando frontalmente deste juízo afirmou o TEDH no referido acórdão que não poderia aceitar a posição ali assumida de «os danos causados pela duração excessiva de um processo judicial não justificarem, por si só, reparação», relembrando que «o ponto de partida do raciocínio das jurisdições nacionais na matéria deve ser a presunção sólida, ainda que elidível, nos termos da qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral. Bem entendido, em determinados casos, a duração de um processo não gera senão um dano moral mínimo, ou nem sequer qualquer dano moral. O juiz nacional deverá então justificar a sua decisão motivando-a suficientemente», notando «com satisfação que o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 28 de novembro de 2007, aceita esta interpretação e respeita inteiramente os princípios que emanam da jurisprudência do Tribunal», mas que tal jurisprudência não parecia à data «ainda suficientemente consolidada na ordem jurídica portuguesa», reputando como necessário «que o Supremo Tribunal Administrativo ponha termo a esta incerteza» [sublinhados nossos].

40. Tal entendimento foi sinalizado e acolhido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal [vide, nomeadamente, os citados Acs. de 17.01.2007 - Proc. n.º 01164/06, de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e de 11.05.2017 - Proc. n.º 01004/16].

41. Daí que se assim é e deve ser entendido, então, dúvidas não podem existir de que neste domínio, tal como afirmado e reiterado por este Supremo, «é de presumir - embora se admita prova em contrário - que da violação do direito à obtenção em prazo razoável da decisão judicial que regule definitivamente o caso que submeteu a juízo resulta um dano moral» e de que «danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso», na certeza de que se «a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu», sendo que «não se trata de um “dano automático”, decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental», já que «para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada» [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e reiterada, nomeadamente, no Ac. de 11.05.2017 - Proc. n.º 01004/16].

42. Ressuma do entendimento exposto que, uma vez constatada uma violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, que seria sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.

43. E isso, salvo se se alegar e provar que, em concreto, o mesmo dano não ocorreu, ou que inexiste o necessário nexo de causalidade entre tal violação e o dano, cientes de que àquela vítima, ou sobre a mesma, impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.

44. À luz da jurisprudência do TEDH estamos, pois, em face de uma forte presunção natural da existência daquele dano não patrimonial comum, presunção essa que é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.

45. Daí que não se mostrará operativo, assim, in casu e neste contexto, um apelo à figura do “facto notório” [cfr. art. 412.º do CPC (art. 514.º do anterior CPC)], visto que assente em pressupostos e com consequências que ultrapassam, ou mesmo podem contraditar, o referido entendimento jurisprudencial no segmento que, mormente, funda ou desenha a presunção relativa ao dano psicológico e moral comum e permite a sua elisão [cfr. arts. 410.º, 412.º do CPC, 341.º, 342.º, 346.º e 349.º e segs. do CC], assim dissentindo, apenas neste estrito segmento, do que foi sustentado e concluído no acórdão deste Supremo de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08].

46. Mas o funcionar da presunção em referência para a produção do dano psicológico e moral comum, sofrido pelas pessoas que se dirigem aos tribunais, como a A., e não veem as suas pretensões resolvidas em tempo razoável, exigirá que, nos autos, resulte demonstrada ou constatada a violação do direito previsto no § 1.º do art. 06.º da CEDH, razão pela qual o demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.

47. Nessa medida, do atrás exposto e ora acabado de afirmar não poderá acolher-se a tese e o pressuposto sustentado pelas instâncias, já que o entendimento ali afirmado não se mostra compatível com a jurisprudência do TEDH em termos da operatividade e da existência de uma forte presunção da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, visto a mesma, para operar, bastar-se com a alegação e demonstração da existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, não carecendo, assim, duma concreta alegação de danos não patrimoniais [comum e/ou específicos], tanto mais que caberia era ao demandado a ilisão da referida presunção, mediante alegação e prova de factualidade que a afastasse.

48. De notar, ainda, que da falta de alegação e da prova de dano não patrimonial que exceda o dano comum não se pode minimamente retirar a inexistência deste último, nem tal pode corresponder à prova em ou do contrário, ou seja, à prova de que, em concreto, não houve aquele dano comum, ou que, havendo-o, o mesmo não seria indemnizável por ser devido a causas diferentes do atraso irrazoável na administração da justiça.

49. E também da alegação de específicos danos não patrimoniais e da sua não prova não deriva o afastamento da existência daquele dano não patrimonial comum, na certeza de que alegados e assentes danos dessa natureza, por prova direta, não há lugar, no caso, à discussão sobre se o tribunal teria ou não de considerar, por presunção, a existência de danos não patrimoniais, porquanto onde houver prova direta não deve, nem poderá julgar-se por mera presunção.

50. Assim, uma conclusão final e firme que aponte no sentido da inexistência daquele dano não patrimonial comum, decorrente da operatividade e funcionamento da presunção em referência, apenas poderia e poderá ser feita se e uma vez constatada a inexistência de uma violação objetiva do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, decorrente da ausência, na situação em presença, de um atraso na administração da justiça, e consequente não preenchimento in casu do pressuposto da ilicitude.

51. Um tal juízo não se mostra feito pelas instâncias, nem tal juízo, aliás, recaiu sobre os demais requisitos ou pressupostos de responsabilidade civil, impondo-se, por conseguinte, a sua revogação e a baixa ao TCA [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 05.05.2010 - Proc. n.º 0122/10; e de 10.09.2014 - Proc. n.º 090/12] para a sua ulterior apreciação considerando o entendimento ora firmado, cientes de que, também como é jurisprudência uniforme e constante do TEDH, não se poderá considerar que as pessoas coletivas, incluindo sociedades, estejam ou possam ser excluídas, automática e genericamente, do recebimento de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de atraso na administração da justiça [cfr., entre outros, o Ac. TEDH (GC) de 06.04.2000 c. «Comingersoll, SA v. Portugal», §§ 27/37; os Acs. do TEDH (Secção) de 31.07.2003, c. «Sociedade Agrícola do Peral v. Portugal», §§ 21, 26, e 31; de 05.07.2007, c. «Provide, SRL, v. Itália», §§ 17, 29/32 e 46; de 01.10.2008, c. «Conceria Madera, SRL v. Itália», §§ 6, 15, 16, 21; de 22.06.2010, c. «Toscana Restaura SAS e Azienda Agricola S. Cumano, SRL v. Itália», §§ 12, 16, e 24; de 23.01.2014, c. «East/West Alliance Limited v. Ucrânia», §§ 252, 253].

52. De harmonia com o exposto, na procedência do recurso impõe-se a revogação do acórdão recorrido e que seja ordenada a baixa dos autos ao TCA/S para aí ser apreciada da responsabilidade civil extracontratual do R. por atraso na administração da justiça.






DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie e revogar o acórdão recorrido, determinando a baixa dos autos ao TCA/S nos termos e para os efeitos supra apontados.
Custas a cargo do R., aqui ora recorrido.

D.N..



Lisboa, 5 de julho de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.