Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:027/21.9BALSB
Data do Acordão:07/01/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO
LAPSO
ERRO INDESCULPÁVEL
Sumário:Não é de ter-se por desculpável, ao menos para um destinatário profissional, necessariamente familiarizado com as regras da tramitação processual, uma errada perceção relativamente a uma decisão judicial singular (despacho do Relator), tomando-a como uma decisão do coletivo de juízes, se, não obstante nela se ter incluído, por lapso, a menção “sem vistos legais (cfr. arts. 36º nºs 1 al. f) e 2 do CPTA), vêm os autos à conferência para decidir”, todo um conjunto de circunstâncias, globalmente consideradas, no contexto da própria decisão em causa, levava necessariamente a concluir pela natureza singular desta decisão, pelo que a única reação legalmente admissível contra a mesma seria através de reclamação para a conferência e não através de recurso.
Nº Convencional:JSTA00071208
Nº do Documento:SAP20210701027/21
Data de Entrada:06/15/2021
Recorrente:ORDEM DOS ENFERMEIROS
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO
Objecto:DESP RELATOR STA
Decisão:INDEFERIDA
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Área Temática 2:REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPTA ART 27.º, 1, al. H)
CPTA ART 27.º, 2
CRP ART 2.º
CRP ART 20.º, 4
CPC ART. 8.º
CPC ART 615.º, 1, al. A)
CPC ART 666.º, 1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1. ORDEM DOS ENFERMEIROS (OdE) veio intentar, contra a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS (PCM), providência cautelar de suspensão da eficácia de normas, com força obrigatória geral, a ser apensa a ação administrativa de impugnação de normas a interpor nos termos do artigo 72º e segs. do CPTA, formulando o pedido ser a PCM condenada a abster-se de executar, e a garantir a não execução, do artigo 7º nºs 2 a 5 do Decreto nº 3-D/2021, de 29/1 (cfr. fls. 4 e segs. SITAF).

2. Na sequência de tramitação na Secção de Contencioso Administrativo deste STA, foi, por decisão sumária, de 6/3/2021, da Sra. Juíza Conselheira Relatora, decidido “indeferir a presente providência cautelar e, em consequência, absolver o requerido da instância nos termos do artigo 89º nº 4 do CPTA (cfr. fls. 430 e segs. SITAF).

3. Inconformada com esta decisão, que considerou procedente a exceção de sua ilegitimidade ativa, interpôs a Requerente OdE recurso da mesma, juntando as respetivas alegações (cfr. fls. 452 e segs. SITAF).

4. Por despacho subsequente, de 29/3/2021, da Sra. Juíza Conselheira Relatora, foi decidido não admitir o recurso interposto, uma vez que “das decisões sumárias do Relator proferidas em primeiro grau de jurisdição não cabe recurso, mas reclamação para a conferência nos termos do nº 2 do artigo 27º do CPTA” e que “só é admissível a convolação do requerimento de interposição do recurso em reclamação para a conferência se o requerimento tiver dado entrado dentro do prazo da reclamação”, observando-se, porém, que “o prazo de reclamação para a conferência é de 10 dias, sendo reduzido para metade quando se trate de processos urgentes, como é o caso da presente providência cautelar (cfr. artigo 149º do CPC, aplicável ex vi dos arts. 1º e 140º do CPTA, e 36º nº 1 al. f) nº 4 e 147º do CPTA)”, pelo que “já não é possível a convolação do requerimento de recurso de apelação em reclamação para a conferência, pois, quando deu entrada em juízo o presente recurso de apelação, já tinha terminado o prazo dentro do qual o direito à reclamação podia ser exercido” (cfr. fls. 492 SITAF).

5. Inconformada, também, com esta decisão da Sra. Juíza Conselheira Relatora, de não admissão do recurso que interpusera, veio a OdE apresentar, da mesma, reclamação para a conferência, peticionando a final que “a presente reclamação seja considerada procedente e, em consequência, seja revogado o despacho reclamado e, em consequência, seja admitido o recurso, seguindo o mesmo os seus devidos termos” (cfr. fls. 498 e segs. SITAF).

6. Por Acórdão de 22/4/2021 proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em resposta à referida reclamação para a conferência interposta pela Requerente OdE, foi julgado “indeferir a presente reclamação” e “manter o despacho reclamado” (cfr. fls. 511 e segs. SITAF):

7. É deste julgamento da Secção que vem interposto, pela Requerente OdE, o presente recurso jurisdicional para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, cujas alegações remata com as seguintes conclusões (cfr. fls. 522 e segs. SITAF):

«A) A ora Recorrente, e o seu Mandatário, quando foram notificados da decisão de 06/03/2021, assumiram que a mesma tinha sido adotada pela conferência e não pela Exma. Juiz Conselheira Relatora do processo. Essa assunção teve por fundamento o texto da referida decisão e foi com base nessa assunção que a Recorrente reagiu à mesma.

B) A decisão que determinou o indeferimento da providência cautelar e, em consequência, absolveu o requerido da instância, não foi apresentada como uma decisão do relator, mas sim da conferência.

C) De facto, do ponto 8, do capítulo I, da decisão recorrida, cujo recurso não foi admitido, é referido o seguinte: “[s]em vistos legais (cfr. arts. 36.º, n.os 1, al. f), e 2, do CPTA), vêm os autos à conferência para decidir” (negrito nosso).

D) Resulta do exposto que a decisão foi adotada em conferência, e não pelo Relator, motivo pelo qual a decisão não foi adotada nos termos do artigo 27.º, do CPTA, mas sim do n.º 5, do artigo 17.º, do ETAF, e do artigo 119.º, n.º 3, do CPTA.

E) Em momento algum a decisão que determinou o indeferimento da providência cautelar refere (expressa ou tacitamente) o artigo 27.º, do CPTA, como norma habilitadora da decisão, antes pelo contrário, como vimos (ver ponto 8, do capítulo I, da decisão que determinou a improcedência da providência).

F) Apenas nos casos em que o Relator faça uso singular dos poderes processuais para o julgamento da instância – e disso faça referência –, é aplicável o regime postulado no artigo 27.º, n.º 2, do CPTA – reclamação para a conferência –, e já não para aqueles casos em que o coletivo, no qual reside o poder jurisdicional de decisão do litígio, tiver funcionado.

G) Em face do exposto, resulta notório que a ora Recorrente reagiu, de forma correta, contra a decisão que determinou o indeferimento da providência cautelar, submetida à conferência. Ao entender de forma distinta, o despacho recorrido interpreta e aplica incorretamente a parte final da al. h), do n.º 1 e o n.º 2, do artigo 27.º, o n.º 3, do artigo 119.º, ambos do CPTA e o n.º 5, do artigo 17.º, do ETAF. Os referidos preceitos devem ser interpretados e aplicados no presente caso no sentido de que, quando o processo é submetido a conferência para decisão, a forma de reação à mesma é através de recurso e não de reclamação.

H) O Acórdão recorrido determinou a improcedência da reclamação apresentada por entender que a decisão que recaiu sobre a providência cautelar padece de erro de escrita com os seguintes fundamentos:

a) No cabeçalho da decisão não consta a frase “Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo tribunal Administrativo”;

b) Na decisão refere-se “decide-se indeferir” e não “acordam os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo (…)”;

c) No SITAF a referida decisão vem identificada como “decisão sumária”.

I) Ainda que se admita que a decisão de 06/03/2021 padece de erro – porque é o próprio Acórdão Recorrido – o mesmo não é um erro de escrita nos termos e para os efeitos do artigo 249.º, do CC.

J) O primeiro argumento avocado pelo Acórdão recorrido no sentido de sustentar que o erro é manifesto é a circunstância de na decisão não constar a frase “Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo tribunal Administrativo”.

K) Sendo certo que a referida frase não consta da decisão de 06/03/2021, também não menos verdade é que não consta a referência de que a decisão é adotada pela Relatora nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do CPTA.

L) O segundo argumento avocado pelo Acórdão recorrido no sentido de sustentar que o erro é manifesto é a circunstância de na decisão de 06/03/2021 constar a frase “decide-se indeferir” e não “acordam os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo (…)”.

M) Sendo verdade que a referida decisão tem esse excerto, igualmente verdade é que, antes, no ponto 8, do capítulo I, é referido que “(…) vêm os autos à conferência para decidir”

N) O terceiro argumento avocado pelo Acórdão recorrido no sentido de sustentar que o erro é manifesto é a circunstância de no SITAF a decisão de 06/03/2021 ser identificada como “decisão sumária”.

O) Contudo, a forma como um documento é classificado no SITAF não é determinante da sua natureza jurídica.

P) Em face do exposto, e admitindo-se que a decisão de 06/03/2021 padece de erro – por tal ser reconhecido pelo Acórdão recorrido –, cumpre salientar que o referido erro, como se viu, foi determinante na escolha da forma de reação da ora Recorrente, e, consequentemente, no prazo em que o fez.

Q) Assim sendo, não admitir o recurso interposto – nem o convolar em reclamação, apesar do erro agora reconhecido pelo Acórdão Recorrido –, atenta manifestamente contra o princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e contra o dever de boa-fé processual, previsto no artigo 8.º, do CPC. Os referidos preceitos devem ser interpretados no sentido de que, numa situação em que existe um erro na decisão contra a qual se reage e em que, fruto desse erro, é apresentado um recurso quando o meio processual adequado (se não tivesse existido o erro) seria uma reclamação para a conferência, o Tribunal deve (i) convolar o recurso em reclamação se o prazo de recurso tiver sido respeitado; ou (ii) admitir o recurso.

NESTES TERMOS e nos mais de direito que Vs. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, suprirão, requer-se que o presente recurso seja considerado procedente e, em consequência, seja revogado o despacho proferido em 29/03/2021 e, em consequência, seja o recurso apresentado da decisão de 06/03/2021 admitido ou, caso assim se não entenda, seja o mesmo convolado em reclamação para a conferência».

8. O presente recurso, para o Pleno da Secção, foi admitido, na Secção, por despacho de 9/6/2021 da Sra. Juíza Conselheira Relatora (cfr. fls. 539 SITAF).

9. A Entidade Requerida, CM, não contra-alegou.

10. O Ministério Público não emitiu parecer.

11. Sem vistos, dada a natureza urgente dos autos - art. 36º nºs 1 f) e 2 do CPTA -, mas com prévia divulgação do projeto de acórdão pelos Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido a julgamento, cumprindo apreciar e decidir.

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II - DA QUESTÃO A DECIDIR

12. Em consonância com as conclusões das alegações apresentadas pela Requerente/Recorrente OdE – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do presente recurso (ressalvando-se as eventuais questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua consideração), nos termos dos arts. 635º nº 4 do CPC, ex vi do art. 1º e 140º nº 3 do CPTA -, a questão a resolver resume-se em saber se o erro de escrita constante da decisão da Relatora impugnada justifica a admissão de convolação do recurso interposto dessa decisão para reclamação para a Conferência, quando, segundo o regime legal aplicável, tal convolação não seria já possível, por extemporaneidade; em consequência, decidir se o Acórdão recorrido decidiu bem ao julgar que tal convolação se não justificava “in casu”.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

13. Como resulta do Relatório e da transcrição das conclusões das alegações de recurso da Requerente/Recorrente OdE, esta não se conformou com a decisão tomada nos presentes autos, em 6/3/2021 (cfr. fls. 430 e segs. SITAF), de absolvição da instância da Entidade Requerida, CM, e consequente indeferimento da providência cautelar requerida, por julgada ilegitimidade ativa da Requerente/Recorrente.

Assim, reagiu contra tal decisão, fazendo-o através da interposição de recurso, que denominou “de apelação”, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA.

Porém, aquela decisão, de 6/3/2021, fora tomada pelo Sra. Juíza Conselheira Relatora, nos termos previstos e permitidos pelo art. 27º nº 1 h) do CPTA, pelo que não era da mesma admissível interposição de recurso mas apenas reclamação para a Conferência, como resulta do disposto no nº 2 do referido art. 27º do CPTA.

Por outro lado, também já não era possível convolar aquele recurso para reclamação para a Conferência, em razão de extemporaneidade, isto é, por a sua interposição ter ocorrido quando já expirara o prazo (de 10 dias) para a admissão de uma tal reclamação para a Conferência.

14. A Requerente/Recorrente alega que se impõe, no presente caso, a admissão do recurso que interpôs da decisão de 6/3/2021 ou, pelo menos, a sua convolação para reclamação para a Conferência, uma vez que incorreu em erro ao tomar aquela decisão singular da Relatora como decisão de coletivo de juízes da Secção – erro que foi provocado pelo lapso de escrita constante da decisão singular, ao ali escrever-se «(…) 8. Sem vistos legais (cfr. arts. 36º, nºs 1, al. f), e 2, do CPTA), vêm os autos à conferência para decidir».

Assim, o erro da Requerente/Recorrente, provocado por este lapso de escrita constante da decisão singular da Relatora, deve ser considerado “desculpável” – pois terá reagido de forma correta (por interposição de recurso) perante as circunstâncias - e, portanto, levar a admitir a sua admissão como recurso ou como convolada reclamação para a Conferência, sob pena de violação do processo equitativo e dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança (arts. 2º e 20º nº 4 da CRP) e do dever de boa-fé processual (art. 8º do CPC).

Errou, pois, a seu ver, o Acórdão recorrido, ao confirmar o despacho reclamado de não admissão do recurso ou da sua convolação em reclamação para a Conferência.

15. Independentemente do referido lapso de escrita constante do despacho de 6/3/2021, ou da aparência deste, é incontroverso que o mesmo se tratou de uma decisão singular da Sra. Juíza Relatora.

Assim sendo, e independentemente – repete-se - da alegada “desculpabilidade”, ou não, do erro praticado pela Requerente/Recorrente, a verdade é que não é admissível recurso “de apelação” de uma tal decisão singular, apenas sendo legalmente viável uma reclamação para a Conferência, como claramente dispõe o nº 2 do art. 27º do CPTA.

Em consequência, das pretensões invocadas pela Requerente/Recorrente, só é, em abstrato, atendível a convolação como reclamação para a Conferência do recurso que interpôs, mas nunca a sua admissão como recurso “de apelação”.

16. Colocando-se, no presente caso, o obstáculo da extemporaneidade para permitir a convolação do (inadmissível) recurso interposto em (admissível) reclamação para a Conferência, há que ponderar e decidir, pois, se, não obstante tal obstáculo, tal convolação deve, ainda assim, efetuar-se, justificada em “erro desculpável” por parte da Requerente/Recorrente na interposição do recurso (em vez de reclamação) induzido pela alegada aparência de “decisão coletiva” que a decisão singular de 6/3/2021 faria transparecer – por aplicação, então, dos princípios da boa-fé, da segurança jurídica, da tutela jurisdicional e do processo equitativo.

O Acórdão recorrido julgou que não – que não se justificava a admissão da convolação do recurso interposto em reclamação, mau grado o aludido lapso de escrita constante da decisão de 6/3/2021 –, pois que sempre resultava manifesto tal lapso de escrita e a natureza singular da decisão em causa.

A Requerente/recorrente discorda, nos termos que resultam das suas alegações no presente recurso e, particularmente, das respetivas conclusões.

Vejamos.

17. A Requerente/Recorrente justifica o alegado erro em que incorreu com a circunstância de, na decisão em causa, constar – já vimos que por lapso – a menção «sem vistos legais (cfr. arts. 36º, nºs 2 al. f) e 2 do CPTA) vêm os autos à conferência para decidir».

E, sem dúvida, tal menção, tomada por si, era indicadora que se estaria perante uma deliberação da conferência, isto é, de um colectivo de juízes da Secção, pelo que, se assim fosse, a reação impugnatória legalmente adequada seria, efetivamente, a da interposição de recurso para o Pleno da Secção.

Porém, o Acórdão recorrido afirma que essa menção não pode ser considerada de forma isolada e, se contextualizada na leitura integral da decisão, «facilmente se pode perceber e concluir de evidente erro de escrita».

Refere o Acórdão recorrido que, para além de tal errada frase, «não há qualquer outra menção à pretensa intervenção do coletivo e a um julgamento em conferência». E prossegue: «Com efeito, do cabeçalho da decisão (sumária) não consta a frase “Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo”». Por outro lado, no segmento decisório, é dito «decide-se indeferir a presente providência cautelar (…), uma vez mais não havendo qualquer menção à intervenção da conferência (ou seja, não consta a seguinte frase: “Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo (…)”». Salienta, ainda, o Acórdão recorrido que: «Não menos importante, a decisão da relatora que indeferiu a providência cautelar vem formalmente identificada como “decisão sumária” (cfr. fls. 430 a 445 – paginação SITAF), o que, aliás, explica que dela não constem outras assinaturas que não seja a da presente Relatora».

A Requerente/Recorrente contrapõe, no presente recurso, que o lapso na introdução da mencionada frase - «sem vistos legais (cfr. arts. 36º, nºs 2 al. f) e 2 do CPTA) vêm os autos à conferência para decidir» - não era evidente por si, nem se tornava patente do contexto da decisão, uma vez que:
- não vem referida o art. 27º do CPTA como norma habilitadora da decisão singular;
- a não menção de frases alusivas à intervenção de um Coletivo de Juízes, no intróito e na parte final decisória, é contrabalançada pela expressa referência à intervenção da “conferência” na citada frase introduzida por lapso; e
- a forma como um documento é classificado no SITAF não é determinante da sua natureza jurídica.

18. É verdade que a menção introduzida, por lapso, na decisão singular - «sem vistos legais (cfr. arts. 36º, nºs 2 al. f) e 2 do CPTA) vêm os autos à conferência para decidir» - leva, por si, a entender que se estaria perante uma deliberação em conferência, tomada por um coletivo de juízes da Secção.

Mas também é verdade que essa errada menção não pode ser percecionada de forma isolada, mas sim no contexto da decisão emitida.

Por outro lado, é verdade, como refere a Requerente/Recorrente, que a não menção (expressa, portanto) à intervenção de um Coletivo pode considerar-se contrabalançada, numa perceção do destinatário, pela menção constante da frase por lapso introduzida, em que expressamente se aludia à intervenção da conferência.

Por outro lado, também é certo, como alega a Requerente/Recorrente que a classificação de um documento ou peça processual no SITAF não é, por si, determinante da respetiva natureza jurídica.

No entanto, se cada uma destas circunstâncias não é, por si só, determinante, a verdade é que o que releva é a sua apreciação em conjunto, ou seja, em suma, saber se, de uma forma necessariamente contextualizada, a alegada perceção da Requerente/Recorrente – de que se estaria perante uma deliberação de um Coletivo, quando, na realidade, se tratava de uma decisão singular -, foi, ou não, dadas todas as circunstâncias, “desculpável”.

Ora, sem menosprezar o peso da expressa alusão a intervenção da conferência constante da frase introduzida por lapso na decisão da Relatora, a verdade é que:

- a não referência, quer no início (intróito) quer no final (segmento decisório), a uma decisão, ou deliberação, por parte de um Coletivo de Juízes – seja através das menções de estilo (“Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo” e “Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo…”), seja através de quaisquer outras menções equivalentes, se não demonstra, por si só, a inexistência de uma deliberação em Coletivo, não deixa de ser, para um normal destinatário, habituado a lidar com tramitação processual, um claro indício dessa inexistência, designadamente se aliado a outros indícios no mesmo sentido; e

- também a classificação, no SITAF, da decisão em causa como “decisão sumária”, se não demonstra, por si só, a natureza da peça, não deixa de ter de considerar-se como mais um claro indício de se tratar de uma decisão singular, e não de um Acórdão de um Coletivo de Juízes, designadamente se aliado a outros indícios no mesmo sentido, tendo-se, ademais, em conta que essa classificação no SITAF não foi efetuada apenas por uma vez, pois a decisão surge como aí classificada como “decisão sumária” por 4 vezes – cfr., respetivamente, fls. 430, fls. 446, fls. 447 e fls. 448 do SITAF.

Mas se a acumulação destes indícios já levaria, contextualmente, a concluir estar-se perante uma decisão singular, e não de um coletivo de Juízes, o que se apresenta como decisivamente determinante é, a juntar a tais indícios, a circunstância de a peça em causa se apresentar assinada por um único juiz – a Conselheira Relatora -, sem outra qualquer assinatura, indispensável no caso de que se tratasse de uma deliberação de 3 Juízes – cfr. arts. 615º nº 1 a) e 666º nº 1 do CPC - ou sem qualquer eventual referência do Relator consignando e atestando o voto de conformidade dos restantes 2 Juízes do suposto Coletivo, como hoje é legalmente possível, nos termos previstos no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 1/5.

Como o Acórdão recorrido refere, é a relevante circunstância «que dela [decisão em causa] não constem outras assinaturas que não seja a da presente Relatora».

Assim sendo, entende-se que esta circunstância de a decisão em causa se apresentar só assinada por um único juiz – a Conselheira Relatora –, sem assinaturas de outros juízes e sem qualquer referência a votos de outros juízes, é suficientemente demonstrativa – ademais, se somada aos outros indícios referidos (inexistência de menções, no intróito e no segmento decisório a “acordam” de juízes; e classificação no SITAF, por 4 vezes, da peça em questão como “decisão sumária”) – da intervenção de apenas um juiz, decidindo singularmente, sem intervenção de Coletivo.

Deste modo, ao menos para um destinatário profissional, necessariamente familiarizado com as regras da tramitação processual, não pode aceitar-se como “desculpável”, ou justificada, nas circunstâncias verificadas, uma alegada “errada perceção” da decisão singular em questão como decisão coletiva de juízes.

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IV - DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes que compõem o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Negar provimento ao recurso jurisdicional “sub specie” deduzido pela Requerente/Recorrente “Ordem dos Enfermeiros (OdE)”, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da Requerente/Recorrente.

D.N.

Lisboa, 1 de julho de 2021 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa, Conselheiro Carlos Luís Medeiros de Carvalho, Conselheiro José Augusto Araújo Veloso, Conselheiro José Francisco Fonseca da Paz, Conselheira Ana Paula Soares Leite Martins Portela, Conselheira Maria do Céu Dias Rosa das Neves e Conselheiro Cláudio Ramos Monteiro).