Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0927/10
Data do Acordão:05/04/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO JUDICIAL
ADVOGADO
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Tendo sido constituído mandatário judicial no procedimento tributário de reclamação é obrigatória a notificação deste do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa, não sendo esta notificação substituível pela notificação do reclamante (artigo 40.º do CPPT).
II - Sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (artigo 266.º n.º 3 da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados (artigo 40.º do CPPT) como condição de eficácia do acto notificando (artigo 36.º n.º 1 do CPPT), ter-se-á de concluir que a notificação feita na pessoa do reclamante é ineficaz, designadamente para o efeito da determinação do termo inicial do cômputo do prazo de impugnação do indeferimento expresso da reclamação, não sendo, por isso, intempestiva, a impugnação deduzida.
Nº Convencional:JSTA00066945
Nº do Documento:SA2201105040927
Data de Entrada:11/25/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2010/04/14 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART36 N1 ART40 ART102 N2.
CONST97 ART266 N3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 14 de Abril de 2010, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação judicial absolvendo a Fazenda Pública da instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. A Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente para apreciar o presente recurso jurisdicional (por força do artigo 280.º n.º 1 do CPPT, “in fine”), porquanto se pretende discutir aqui matéria exclusivamente de direito.
2. Por notificação datada do passado dia 29 de Abril de 2010, tomou o recorrente conhecimento da douta sentença proferida nos presentes autos, mediante a qual foi julgada improcedente a impugnação que por si havia sido apresentada, por se ter considerado que a mesma foi extemporaneamente deduzida.
3. Os presentes autos de impugnação judicial foram instaurados na sequência de processo de reclamação graciosa, que correu termos no Serviço de Finanças de Gondomar 2, no âmbito dos quais foi proferido despacho de indeferimento.
4. Aquando da apresentação da referida reclamação graciosa o recorrente constituiu mandatário, tendo feito a junção aos autos, nessa mesma altura, da correspondente procuração forense.
5. Estabelece o art. 40.º n.º 1 do CPPT que “As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório”.
6. Sucede, todavia, que a Administração notificou o Recorrente – e não o seu mandatário – da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
7. A Administração Fiscal, por um lado, notificou quem não devida ter notificado e, por outro lado, não notificou quem deveria notificar.
8. “Ora, a prática de um acto que a lei não prevê não pode ter como efeito a sanação da falta do acto legalmente previsto.”
9. Estamos, portanto, perante uma situação de preterição de formalidade essencial,
10. Sendo certo que “os actos em matéria tributária que afectem direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
11. A preterição da formalidade afectou, “in casu”, a defesa do Recorrente, já que, não tendo a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa sido efectuada na pessoa do seu mandatário, acabou por não deduzir a impugnação judicial atempadamente.
12. O recorrente não é profissional do foro; não sabe nem tem que saber as regras da contagem dos prazos nem a importância da exacta data em que se recebe uma notificação.
13. Aliás, por não ter conhecimentos nesta área é que confiou o seu processo a um advogado, devidamente habilitado para tal efeito.
14. Por terem sido preteridas formalidades essenciais do procedimento tributário, o acto de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa efectuado pela Administração Fiscal não produziu quaisquer efeitos, sendo totalmente ineficaz e invalidando todo o processado ulterior.
Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e ser ordenada a remessa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, a fim de ser proferida decisão que ordene a Administração Fiscal a proceder à notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na pessoa do mandatário do ora Recorrente.
Assim se fará, como sempre, inteira JUSTIÇA.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Ministério Público não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se deve ter-se por tempestivamente apresentada a impugnação deduzida em razão da omissão da notificação ao mandatário judicial constituído do indeferimento expresso da reclamação graciosa.
5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1 – A ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IRS do ano de 1999 e ora em discussão, em 25.03.2004, cfr. fls. 3 da reclamação apensa.
2 – Em 12-05-2004, pelo Exmo Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar, 2, foi proferido despacho de indeferimento do pedido de anulação da liquidação de IRS do ano de 1999.
3 – O impugnante foi notificado do indeferimento da reclamação graciosa em 16 de Junho de 2004, cfr. fls. 56 a 58 da reclamação apensa e que aqui se dão por reproduzidas.
4 – A presente impugnação judicial foi remetida por via postal com registo, ao Serviço de Finanças de Gondomar, 2, em 02 de Julho de 2004, cfr. fls. 50 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
6 – Apreciando
6.1 Da tempestividade da impugnação
A sentença recorrida, a fls. 78 a 80 dos autos, absolveu a Fazenda Pública da instância de impugnação deduzida pelo ora recorrente em razão da procedência da excepção da caducidade do direito de deduzir impugnação judicial, invocada pela Fazenda Pública na sua contestação (a fls. 60 a 62 dos autos) e que o tribunal “a quo”, com base nos factos fixados no probatório, julgou verificada, pois que o prazo para impugnação da decisão de indeferimento expresso de “reclamação graciosa” é, nos termos do n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de 15 dias contados após a notificação do indeferimento; conforme consta da matéria de facto dada como assente, o impugnante foi notificado do despacho proferido na reclamação graciosa em 16 de Junho de 2004; o prazo de 15 dias (…) terminou no dia 1 de Julho de 2004; sendo que a petição inicial foi enviada por via postal com registo de 02 de Julho de 2004 (…) ou seja, para além do prazo previsto na lei (cfr. sentença recorrida, a fls. 80 dos autos).
Discorda do decidido quanto à julgada excepção de caducidade o recorrente, alegando, em síntese, que a decisão de indeferimento da “reclamação graciosa” não foi notificada ao advogado constituído no procedimento de reclamação, apenas tendo sido notificado do indeferimento o próprio reclamante, que a notificação ao mandatário constituído era obrigatória nos termos do artigo 40.º do CPPT e condição de eficácia do acto (artigo 36.º n.º 1 do CPPT), pelo que a sua omissão afectou o direito de defesa do recorrente, pois que o impediu de apresentar do prazo legal a impugnação deduzida.
Vejamos.
A sentença recorrida alicerçou a decisão de procedência da excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação nos factos fixados no probatório dela constante, em face dos quais a decisão quanto à extemporaneidade da impugnação apresentada se impunha.
Não obstante, como alega o recorrente e se constata pela consulta do apenso relativo ao processo de reclamação junto aos autos (cfr. a procuração forense junta a fls. 30 do apenso), o recorrente havia constituído advogado para o representar no procedimento de reclamação, constatando-se igualmente que a notificação do indeferimento expresso da reclamação foi (apenas) dirigida ao reclamante (cfr. fls. 56 a 58 do apenso), e não ao seu mandatário constituído.
Dispõe o artigo 40.º do CPPT, sob a epígrafe notificações aos mandatários que as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório (cfr. o seu n.º 1), que quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, além da notificação ao mandatário, será enviada carta ao próprio interessado, indicando a data, o local e o motivo da comparência (n.º 2) e que as notificações serão feitas por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, podendo estes ser notificados pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal (n.º 3).
Resulta do normativo transcrito que era legalmente obrigatória a citação do mandatário, não a substituindo a notificação feita ao reclamante, que seria também legalmente imposta quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, o que não é o caso dos autos.
Ora, no caso dos autos, foi efectuada notificação do indeferimento expresso da reclamação ao reclamante mas não o foi ao seu mandatário constituído no procedimento, sendo esta legalmente devida e não substituível por aquela, pelo que, como bem alega o recorrente a Administração Fiscal, por um lado, notificou quem não deveria ter notificado e, por outro lado, não notificou quem deveria notificar, o que não pode deixar de ter consequências no que respeita à tempestividade da impugnação deduzida na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa.
É que, sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (artigo 266.º n.º 3 da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados (artigo 40.º do CPPT) como condição de eficácia do acto notificando (artigo 36.º n.º 1 do CPPT), ter-se-á de concluir que a notificação feita na pessoa do reclamante é ineficaz, designadamente para o efeito da determinação do termo inicial do cômputo do prazo de impugnação do indeferimento expresso da reclamação.
E sendo assim, juridicamente, a impugnação deduzida terá de ser entendida como tendo sido efectuada ainda antes do termo inicial do prazo de que o reclamante dispunha para deduzir impugnação (15 dias após a notificação do indeferimento de reclamação graciosa, nos termos do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT), o que implicará a tempestividade da mesma.
Observe-se que a omissão da notificação devida não se consubstancia, in casu, em nulidade processual (pois que não foi cometida no âmbito de qualquer processo, antes no termo do procedimento de reclamação), antes de um vício procedimental, que não pode deixar de reflectir-se na tempestividade da impugnação devendo esta ter-se como tempestivamente apresentada.
Impõe-se, assim, constatada a junção de procuração forense junto ao apenso referente ao procedimento administrativo e a omissão de notificação ao mandatário do indeferimento da reclamação, concluir pela ineficácia da notificação efectuada na pessoa do reclamante e julgar a impugnação judicial deduzida tempestivamente apresentada, revogando a sentença recorrida que assim o não entendeu.
O recurso merece, pois, provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar tempestiva a impugnação deduzida, baixando os autos ao tribunal recorrido para que prossigam, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Maio de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - António Calhau - Dulce Neto.