Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0864/14
Data do Acordão:10/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:TABELA DO IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
AFECTAÇÃO
HABITAÇÃO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional, mas resultando do art. 6º do CIMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei nº 55-A/2012, de 29/10), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P18118
Nº do Documento:SA2201410290864
Data de Entrada:07/10/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A………., S.A., anulou a liquidação de Imposto de Selo (IS) que, no montante total de Euros 296.609,80 (correspondendo a Euros 98.869,93, cada uma das respectivas prestações), lhe foi efectuada com referência ao ano de 2012 e a um terreno para construção de que é proprietária, denominado Lote …….. inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …….. sob o nº 11476, com fundamento em vício de violação de lei, porquanto, contrariamente ao que entendeu a Administração tributária (AT), os terrenos para construção, ainda que o seu valor patrimonial tributário (VPT) iguale ou exceda € 1.000.000,00, não se enquadravam na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) na sua redacção inicial, que foi aditada pelo art. 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, uma vez que não têm afectação habitacional.

1.2. Termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
Deve ser dado provimento ao presente recurso, porquanto:
1 – A, aliás, douta sentença recorrida julgou mal por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.
2 – Desde que, como temos por certo, aquela disposição comporta a hipótese dos terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional.
3 – Sentido e alcance que dão apoio sólido e decisivo a letra da lei, o seu espírito, e, a alteração da redacção proposta na LOE para 2014.
4 – A letra sustenta realmente a solução que defendemos, pois “afectar” no sentido rigoroso do verbo significa o mesmo que aplicar, destinar; quer dizer, exige que o destino do bem já esteja decidido, mas não a sua materialidade, a efectiva e concreta utilização, no presente.
5 – O espírito da lei conduz ao mesmo resultado, pois não colide antes corresponde ao ambiente de crise económica e financeira, assegura as novas necessidades, e, as tendências da tributação, manifestadas aquando da sua elaboração.
6 – A alteração do preceito presente na proposta de LOE é uma mera modificação de forma, que nem por isso passou a ter alcance e significação diversos do que tinha.
7 – Na verdade, a nova redacção confirma, sem sombra de dúvida, a interpretação que defendemos.
Termina pedindo que seja revogada a sentença.

1.3. Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 108 a 127 dos autos, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida e formulando as Conclusões seguintes:
A. A disposição transitória constante do artigo 6º, número 1, alínea f), da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, estabelece as taxas aplicáveis para os prédios com afectação habitacional, pelo que sendo o imóvel objecto da liquidação impugnada um terreno para construção, sempre estaria excluído da norma constante da alínea f) do número 1 do art. 6º, da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro.
B. Um terreno para construção não é um prédio com afectação habitacional, como aliás resulta inequivocamente da classificação dos prédios urbanos constante do art., nº 1, do CIMI.
C. A classificação de um prédio urbano como terreno para construção não obedece a qualquer afectação, donde, a remissão legal para a afectação habitacional só pode ter como consequência que não estarão abrangidos pela norma de incidência constante da alínea f) do número 1 do art. 6º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro os terrenos para construção, pelo que sempre será a liquidação de IS impugnada nula, conforme decidiu a sentença recorrida.
D. Conclui-se, na senda da sentença recorrida, que o sentido da expressão «afectação» confirma-se pelo artigo 3º do CIMI em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», evidenciando, assim, que a afectação é concreta, efectiva.
E. No mesmo sentido do entendimento adotado no aresto recorrido, "um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível de ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante".
F. Um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime de jurídico que regula as edificações urbanas ou o fraccionamento de prédios rústicas, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo se, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efectiva concretização.
G. Referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
H. Na esteira da decisão recorrida, conclui-se que "os terrenos para construção que não têm utilização definida não podem ser considerados prédios com afectação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afectação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido. Uma interpretação no sentido de que a verba nº 28.1 se reporta a prédios cuja afectação é desconhecida não tem o mínimo de correspondência verbal na letra daquela norma, pelo que um hipotético pensamento legislativo desse tipo não pode ser considerado pelo intérprete da lei, em face da proibição que consta do nº 2 do artigo 9º do Código Civil".
I. A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, nº 1, alínea a), do CIMI. Tal interpretação não teria apoio legal, face aos princípios contidos nos arts. 9º do Código Civil e 11º da Lei Geral Tributária.
J. Se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código.
K. Resultando do art. 6º, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".
L. Corroborando o entendimento supra exposto, refere a douta sentença recorrida que "deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim".
M. A idênticas conclusões chegaram os Senhores Árbitros do Centro de Arbitragem administrativa, no âmbito dos Processos nºs. 49/2013-T e 53/2013-T, bem como o Supremo Tribunal Administrativo, nos seus arestas recentes de 9 Abril e de 23 de Abril, afirmando que resulta do artigo 6º do Código do IMI «uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção"», não podendo, assim, estes ser considerados como "prédios com afectação habitacional" para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.
N. A liquidação ora impugnada configura uma verdadeira duplicação de colecta face à liquidação referida no número precedente, pois incidem ambas sobre o mesmo período temporal.
O. Uma vez liquidado o Imposto do Selo respeitante ao exercido de 2012, nos termos da verba 28 da TGIS, não pode a Administração Tributária voltar a liquidar o mesmo imposto, com base no mesmo imóvel e facto temporal, só porque o proprietário se manteve em 31 de Dezembro do mesmo ano.
P. Conforme decidiu o TCA Sul em 02/06/2009, "a duplicação de colecta, por referência a um elemento temporal e estrutural, verifica-se quando, estando paga uma colecta, se liquida e exige outra da mesma natureza, em relação ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo."
Q. O diploma que introduziu as alterações ao Código do Imposto do Selo ('CIS') a fim de nele consagrar a tributação em sede daquele imposto da propriedade de prédios urbanos, através da verba nº 28 - Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro -, padece de invalidado insanável porquanto está em clamorosa oposição com os princípios constitucionais da igualdade, que se manifesta nomeadamente através do princípio da capacidade contributiva, e da protecção da confiança.
R. Porque as medidas não têm um carácter temporário, mas antes permanente, não colhe o argumento, tantas vezes utilizado em outras ocasiões, de que o novo imposto visou assegurar necessidades extraordinárias de receita, com o que violou o legislador o princípio constitucional da proporcionalidade, sendo este o critério último para aferir da tutela jurídico-constitucional da confiança.
Termina pedindo o não provimento do recurso.

1.4. O MP emite douto Parecer nos termos seguintes:
«Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Loulé de 19.05.2014 que julgando procedente a impugnação deduzida por "A…….., S.A." anulou a liquidação impugnada.
Sobre as questões suscitadas emiti na Impugnação nº 1870/13 o parecer que em parte se transcreve e que é do seguinte teor:
"A questão que cumpre apreciar centra-se em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Out, se integram ou não os "terrenos para construção" com um VPT superior a 1 milhão de euros, ou seja, se os mesmos podem ser considerados como prédios urbanos com "afectação habitacional".

Entende-se que a resposta é negativa, em conformidade com o ponto de vista expresso na sentença recorrida e no parecer do MP da 1ª Instância.
Com efeito, não resultando das normas relativas ao imposto de selo qualquer definição do que sejam "prédios com afectação habitacional" e estabelecendo o art. 6º do CIMI, diploma para o qual remete o nº 2 do art. 67º do CIS, uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não poderão estes, sem mais, ser considerados como "prédios com afetação habitacional", ainda que os mesmos comportem essa potencialidade futura. De resto, a expressão "prédios com afectação habitacional" imediatamente sugere uma efectiva e actual utilidade e não, como é o caso, uma realidade que se poderá concretizar ou não no futuro.
Como bem se refere na douta sentença recorrida, o conceito de "terreno para construção" «não integra necessariamente o conceito afetação habitacional», para efeitos de sujeição à verba 28.1 da Tabela do Imposto de Selo e a evolução legislativa entretanto verificada claramente sufraga esse entendimento (cfr. a alteração à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, operada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dez., à qual não foi atribuída carácter interpretativo").
Nesta conformidade, concluindo como nesse parecer, pronuncio-me pela improcedência do presente recurso e, consequentemente, pela manutenção do julgado.»

1.5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) A Impugnante é proprietária do imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo 11476, da freguesia de …….. (cfr. fls. 37 dos autos);
B) O prédio referido na alínea anterior está descrito na caderneta predial com “Valor patrimonial actual de € 29.660.979,60” e "Tipo de coeficiente de localização: Habitação." (cfr. fls. 37 dos autos);
C) Por avaliação feita em 30/10/2006, o Serviço de Finanças de Silves fixou o valor patrimonial em € 28.166.400,00 (cfr. fls. 17 dos autos);
D) Na caderneta predial e na ficha de avaliação de imóvel, o prédio descrito na alínea A) está classificado como "terreno para construção" (cfr. fls. não numeradas do p.a.);
E) Em 07/11/2012 foi emitida liquidação nº 2012001855702 no valor de € 148.304.90 (cfr. fls. 39 dos autos);
F) Em 20/12/2012, a Impugnante procedeu ao pagamento do Imposto de selo referido na alínea anterior (cfr. fls. 40 do p.a.);
G) Em 21/03/2013, foi emitida liquidação nº 20013000292517 no valor de € 98.869,93 (cfr. fls. 42 dos autos);

2.2. Referenciando, embora, o montante que corresponderá a uma prestação (2ª) a impugnante/recorrida deduziu impugnação judicial da liquidação aqui em causa.
E, atendendo ao decidido e ao teor das alegações e contra-alegações, a questão que importa decidir é a de saber qual o âmbito de incidência da verba nº 28.l. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10, nomeadamente se nela se incluem terrenos para construção, ou, mais precisamente, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a € 1.000.000 podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afectação habitacional” a que alude a referida verba.

3. Pretende a recorrente, ao contrário do decidido na sentença recorrida, que os terrenos para construção inseridos em zona urbana e habitacional, devem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de questão relativamente à qual este Supremo Tribunal tem vindo a pronunciar-se repetidas vezes, decidindo maioritariamente em sentido contrário àquele que é propugnado pela recorrente, como pode ver-se, entre muitos outros, dos acórdãos proferidos em 10/9/2014, no proc. nº 0740/14; em 9/7/2014, no proc. nº 0676/14; em 2/7/2014, no proc. nº 0467/14; em 28/5/2014, nos procs. nºs. 0425/14, 0396/14, 0395/14; em 14/5/2014, nos procs. nºs. 055/14, 01871/13 e 0317/14; em 23/4/2014, nos procs. nºs. 270/14 e 272/14; em 9/4/2014, nos procs. nºs. 1870/13 e 48/14; em 23/4/2014, no proc. nº 0271/14; em 9/7/2014, no proc. nº 0676/14; em 24/9/2014, no proc. nº 0739/14.
E porque não se vê agora razão para divergir da fundamentação ali constante (tanto mais que, por um lado, a recorrente não aporta razões inovatórias em relação à anterior argumentação e, por outro lado, se verifica identidade da questão de facto e identidade da matéria de direito), também aqui se acolhe tal jurisprudência, pelo que, seguindo o que se deixou exarado no citado aresto de 9/4/2014, proc. nº 01870/13 se dirá:
«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei nº 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba nº 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 (Proposta de Lei nº 96/XII – 2ª, Diário da Assembleia da República, série A, nº 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo nº 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs. 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro» (fim da citação).
Neste contexto, considerando que também na sentença recorrida se decidiu neste preciso sentido, havemos de concluir pela improcedência do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Outubro de 2014. – Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes – Aragão Seia.