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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0152/12.7BEAVR
Data do Acordão:03/09/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
SISA
ISENÇÃO
REVENDA
REEMBOLSO
Sumário:I - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação.
II - No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a citada peça processual.
III - O Imposto Municipal de Sisa (o dec.lei 308/91, de 17/8, alterou a designação do imposto de sisa para imposto municipal de sisa, tendo em vista a afectação das respectivas receitas aos municípios), criado pelo dec.lei 41969, de 24/11/58 (diploma que aprovou o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações), podia definir-se como um imposto directo, de obrigação única, características reais e sobre o património, incidindo nas transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, ou de figuras parcelares desse direito, relativamente a bens imóveis (cfr.preâmbulo e artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D.).
IV - A isenção prevista no artº.11, 3º., do C.I.M.S.I.S.D. (verdadeiro benefício fiscal), é uma isenção real condicionada, a título resolutivo, na medida em que caducará se ao prédio adquirido for dado destino diferente, ou se a venda for efectuada para além do prazo fixado na lei ou se for, novamente, vendido para revenda (cfr.artº.16, 1º., do C.I.M.S.I.S.S.D.). Esta isenção do tributo apenas se mantém enquanto se verificarem os pressupostos que a lei consagrou para a sua atribuição, operando automaticamente e com efeitos "ex tunc" a citada caducidade, logo que apurado algum dos factos que a lei enumera como constituindo condição resolutiva deste benefício fiscal, mais cabendo, então, ao sujeito passivo solicitar a liquidação da sisa (artº.91, do C.I.M.S.I.S.S.D.) no prazo de 30 dias, contados da data da referida ocorrência.
V - O artº.179, do C.I.M.S.I.S.S.D., consubstanciava uma disposição de cariz excepcional e natureza administrativa, pelo que o contribuinte apenas podia lançar mão deste meio de reembolso nos casos expressamente contemplados na norma. A faculdade de restituir ao abrigo do artigo sob exegese somente deveria ser utilizada para corrigir situações de claro "locupletamento à custa alheia", mais não devendo deixar dúvidas de que estivéssemos perante tributo indevidamente cobrado. Os pressupostos do reembolso reconduziam-se à dita cobrança indevida da sisa e à apresentação do pedido no prazo de quatro anos, contados da data da cobrança. Além disso, deviam afastar-se as situações de erro imputável aos serviços da A. Fiscal, porquanto, nestes casos, a anulação oficiosa devia ser efectuada ao abrigo do artº.149, do C.I.M.S.I.S.S.D. Por último, o pedido de reembolso não podia, igualmente, ser utilizado se ainda fosse possível recorrer aos meios previstos nos artºs.150 a 153, do mesmo diploma, tal como no caso do contribuinte ainda puder recorrer aos meios previstos na L.G.T., nomeadamente, a revisão dos actos tributários (cfr.artº.78, da L.G.T.; artº.93, do anterior C.P.Tributário).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator
Nº Convencional:JSTA000P29072
Nº do Documento:SA2202203090152/12
Data de Entrada:12/15/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, constante a fls.39 a 45-verso do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação pela sociedade recorrida, "A…………, S.A.", intentada e tendo por objecto mediato o acto de liquidação de Imposto Municipal de SISA, relativo ao ano fiscal de 2003 e no montante total de € 298.074.78.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.47 a 56-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-O Tribunal a quo anulou a liquidação impugnada na parte em que excede o valor de 3.882.493.50 € por considerar que o CIMSISSD continha normas suscetíveis de, em situações como a dos autos, sustentar um pedido de reembolso parcial do Imposto de Sisa, como é o caso do artigo 179º.
2-Das duas questões que se discutem nos autos, i) saber se os atos impugnados padecem de errónea qualificação e quantificação da matéria coletável, ii) saber se a reclamação graciosa foi ou não apresentada tempestivamente, a recorrente aceita a douta decisão na parte que considera a apresentação da reclamação graciosa tempestiva, mas não concorda com a decisão de anulação do ato impugnado, na parte em que excede o valor de 3.882.493.50 €.
3-A sentença é nula quando não justifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artº 615º nº 1 alínea b) do CPC).
4-A sentença é omissa quanto aos motivos da decisão de anular a liquidação de Sisa inserta no Termo de Declaração n.º 3174/26/2006, na parte que excede o valor de 3.882.493,50 €.
5-A impugnante pediu ao Tribunal que se pronunciasse sobre o direito à restituição parcial da Sisa relativa ao ano de 2003, na parte referente à diferença entre o valor que serviu de base à liquidação (4.692.936,66 €) e o valor definitivo da transmissão (3.882.493,50 €).
6-O tribunal decidiu dar razão à impugnante, sem citar especificamente as normas legais em que se baseia a decisão.
7-No que respeita aos fundamentos de direito o Tribunal, citou abstratamente os artigos 47º, 152º e 155º do CIMSISSD.
8-E aponta o artº 179º do CIMSISSD como norma suscetível de, em situações como a dos autos, sustentar um pedido de reembolso parcial do Imposto de Sisa.
9-A decisão padece de vício de falta de fundamentação, gerador de nulidade da mesma, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto não se consegue alcançar em que medida e quais os pressupostos verificados no caso concreto, atendendo aos factos dados como provados face ás várias normas citadas, quais as que assenta a decisão.
10-Com efeito, da análise da fundamentação expressa na douta sentença a quo não se consegue retirar qual o concreto enquadramento ou qualificação jurídicos que o tribunal fez relativamente aos factos dados como provados e nos quais se baseou para decidir a causa.
11-Ainda que assim não se entenda, do que não se prescinde, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos quanto ao regime da anulação proporcional do imposto de Sisa constante do artigo 153.º do CIMSISD, e que deverá conduzir à sua revogação.
12-Não se questiona, o facto de a liquidação de Sisa ter por base um valor tributável provisoriamente fixado de 4.692.936,66 €, e em virtude da alteração do preço de venda para 3.882,493,50 €, esse valor foi objeto de redução.
13-O que a recorrente questiona é a decisão de anulação do ato impugnado, na parte em que excede o valor de € 3.882.493.50.
14-Com devido respeito pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, o entendimento exposto na sentença recorrida contém uma incorreta interpretação e aplicação do regime jurídico e das normas estabelecidos no CIMSISD quanto ao regime de anulação proporcional do imposto, quando se verifique condição resolutiva.
15-Com efeito, nos termos do corpo do artigo 153.º do CIMSISD, “[se antes de decorridos oito anos sobre a transmissão, (…) vier a verificar-se a condição resolutiva ou se der a resolução do contrato, (…) pode obter-se, por meio de reclamação ou de impugnação judicial, a anulação proporcional do imposto municipal de sisa”.
16-Sendo que, em tais casos, o imposto será anulado em importância equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltarem para oito (Cfr. artigo 153º, § 1º do CIMSISD).
17-Tendo o facto tributário ocorrido em 28/07/2003, e a condição resolutiva em 14/04/2008, a anulação do imposto respeita aos anos que ainda não tiverem decorrido até se prezarem 8 anos após a transmissão.
18-O Tribunal a quo não decidiu corretamente quando entendeu anular o ato impugnado, na parte em que excede o valor de 3.882.493.50 €, porque viola a referida norma.
19-O Tribunal a quo defende que a solução encontrada para o caso dos autos se encontra no artigo 179º do CIMSISD.
20-Porque segundo o Tribunal a quo tal norma prevê que o Ministro das Finanças pode ordenar o reembolso da sisa ou do imposto sobre as sucessões e doações, pagos nos últimos quatro anos, quando os considere indevidamente cobrados.
21-Ora neste caso ao contrário do que defende o Tribunal a quo não há imposto indevidamente cobrado como aquele defende, a aquisição titulada pela escritura de compra e venda de 28/07/2003 estava sujeita a sisa pelo valor declarado.
22-O que ocorreu é que foi celebrada uma escritura de ajustamento do preço final em que foi fixado um preço inferior ao inicial, antes de decorridos oito anos sobre a aquisição, pelo que seria aplicável o regime da anulação proporcional do imposto da sisa liquidado anteriormente aquando da aquisição, constante do artigo 153.º do CIMSISD.
23-A escritura pública de ajustamento do preço inicial, com a fixação definitiva do preço de compra e venda do prédio aqui em questão subsume-se nas situações de facto que, nos termos do artigo 153.º do CIMSISD, impõe a respetiva anulação proporcional da liquidação do imposto.
24-A escritura de compra e venda de 28/07/2003, constitui uma aquisição titulada por contrato, e sobre ela incidiu o imposto de Sisa sobre o valor declarado inicialmente, que pode vir a ser reduzido por ocorrer uma condição resolutiva, tal como se encontra estabelecido no artigo 153º do CIMSISD.
25-Não pode é ser reembolsado o imposto de sisa, com fundamento em ter sido indevidamente cobrado, ao abrigo do artigo 179º do CIMSISD como defende o Tribunal a quo, pois a situação em análise não se subsume na previsão desta norma, pois o imposto cobrado inicialmente estava correto, a sisa incidiu sobre o valor declarado pelas partes.
26-A verificação de condição resolutiva do contrato e a cobrança de imposto indevido constituem figuras diferentes, a primeira surge com base num facto posterior à celebração do contrato, fundamentada numa das cláusulas do contrato, enquanto a segunda diz respeito a uma cobrança de imposto que não deveria ter ocorrido.
27-A douta sentença recorrida violou os artigos 153º e 179º do CIMSISD.
28-A recorrente pede ainda a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 616º nº 3 do CPC, conforme os fundamentos invocados no corpo das presentes alegações.
X
A sociedade impugnante e ora recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.59 a 69 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no processo n.º 152/12.7BEAVR do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente procedente o pedido formulado pela Impugnante, ora Alegante, que aí pugnava pela anulação da liquidação de Imposto Municipal de Sisa, constante do termo de declaração de Sisa n.º 3174/26/2006, relativa ao ano de 2003, no montante de € 298.074,78.
B-Uma leitura, ainda que superficial, da decisão ora em crise indicia-nos, logo à partida, que o Tribunal a quo decidiu de forma prudente e motivada, ponderando irrepreensivelmente os diversos elementos probatórios disponíveis nos autos.
C-A questão decidenda dos presentes autos traduzia-se em saber i) se a reclamação graciosa foi ou não apresentada tempestivamente; e ii) se o ato impugnado padece de erro quanto aos pressupostos, por errónea quantificação da matéria coletável.
D-Apreciando e decidindo sobre o mérito da questão contravertida, o Tribunal recorrido em julgar a presente impugnação totalmente procedente, considerando como tempestiva a reclamação graciosa apresentada, e determinando a anulação dos atos impugnados.
E-Conforme resulta das conclusões de recurso, a Fazenda Pública aceita a douta decisão na parte em que considera a apresentação da reclamação graciosa tempestiva, pelo que quanto a este segmento, formou-se caso julgado.
F-Com efeito, a Fazenda Pública insurge-se somente quanto ao segmento decisório que determina a anulação parcial do ato de liquidação de Sisa impugnado, na parte em que excede o valor de € 3.882.493,50, imputando-lhe o i) vício de falta de fundamentação; e o ii) erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos.
DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
G-No que respeita ao alegado vício de fundamentação, ao contrário do entendimento da Recorrente, e s.m.o., o Tribunal a quo enquadrou e fundamentou corretamente a sua decisão.
H-Pelo que, não merece censura a sentença recorrida que, como vimos se encontra cabalmente fundamentada, quer de facto, quer de direito, sendo facilmente apreendido o seu sentido e decisão.
I-Por outro lado, sempre se dirá que a nulidade decorrente da falta de fundamentação só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos.
J-No caso dos autos, como vimos, não estamos perante uma falta de fundamentação em absoluto, pelo que a nulidade com o vício apontado não se verifica.
K-Perante o exposto, e salvo o devido respeito, não pode proceder a tese recursiva na medida em que aponta à sentença recorrida o vício de falta de fundamentação e a consequente nulidade.
DO ERRO DE JULGAMENTO
L-Quanto ao invocado erro de julgamento, o diferendo que opõe a Fazenda Pública reside no seguinte: a) O Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial e determinou a anulação parcial da liquidação de imposto de Sisa, na parte em que excede o valor de € 3.882.493,50. Sendo este, não o valor do imposto em si, mas o valor da matéria coletável sobre a qual recaiu o cálculo do imposto; b) A Recorrente entende, ao invés, que o imposto deveria ser anulado em importância equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltarem para oito, nos termos do artigo 153.º do CIMSISSD.
M-Conforme resulta da leitura e interpretação do artigo 153.º do CIMSISSD, se antes de decorridos oito anos se verificar a resolução contratual, poderá obter-se, por meio de reclamação ou impugnação judicial, a anulação proporcional do imposto, sendo essa anulação equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltarem para oito.
N-A Recorrente defende que a escritura pública de “determinação do preço e quitação”, com a fixação definitiva do preço de compra e venda do prédio, aqui em questão, se subsume nas situações de facto que, nos termos do artigo 153.º do citado diploma, impõem a respetiva anulação proporcional da liquidação do imposto. E é aqui que, salvo o devido respeito, reside o logro intelectivo da Recorrente.
O-Isto porque, ao reconduzir a celebração da escritura de ajustamento do preço inicial à verificação de uma condição resolutiva ou à resolução contratual, a Recorrente faz uma interpretação e uma subsunção errada da matéria controvertida.
P-Com efeito, no caso dos autos não se operou qualquer resolução contratual, já que a relação jurídica estabelecida pelas partes se manteve, assim como a propriedade do imóvel se manteve no património da Recorrida, e o preço pago no património do vendedor.
Q-A redução do preço operada pelas partes, através da denominada escritura de “determinação de preço e quitação” apenas constitui uma modificação nos pressupostos da relação negocial inicialmente estabelecida, mas já não a sua resolução.
R-Em suma, a redução do preço inicialmente e provisoriamente fixado irá produzir efeitos no cômputo da matéria coletável para cálculo do imposto devido, pelo que, tendo sido calculado imposto sobre o montante da matéria coletável (preço da compra e venda), que veio, posteriormente, a ser reduzido pelas partes, a liquidação de imposto de Sisa é ilegal por errónea quantificação da matéria coletável, o que determina a sua ilegalidade parcial, na parte em que excede o cálculo sobre o valor de € 3.882.493,50.
S-Não se verificando, como defende a Recorrente, uma hipótese de resolução contratual, mas outrossim, uma situação de cobrança indevida do imposto.
T-Isto dito, não se verificando, no caso dos autos, uma situação de resolução contratual, tampouco se verificando uma condição resolutiva, estava arredada a possibilidade de aplicação do artigo 153.º do CIMSISSD, como defende a Recorrente.
U-Pelo que, seja pela via do artigo 179.º do CIMSISSD, seja pela aplicação conjugada dos artigos 68.º do CPPT e 100.º da LGT, sempre deveria a liquidação de imposto ser anulada parcialmente, na parte em que excede o cálculo sobre o valor de € 3.882.493,50.
PERANTE O EXPOSTO,
V-Em face do bem decidido e fundamentado pela sentença a quo (e para a qual, brevitates causae se remete) dir-se-á apenas ser inaceitável o argumento esgrimido pela Recorrente para imputar ao Tribunal a quo erro de julgamento.
W-Devendo manter-se a decisão recorrida, nos termos da qual se determinou julgar totalmente procedente a impugnação e, nessa medida, manter-se a anulação dos atos impugnados, incluindo a liquidação de Sisa inserta no Termo de Declaração n.º 3174/26/2006, na parte em que excede o valor de € 3.882.493,50.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo, emitindo douto parecer no qual conclui pelo provimento do recurso (cfr.fls.75 a 78 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.40 a 42 do processo físico):
A-Em 28/07/2003, no 1.º Cartório Notarial de Vila do Conde, a fls. 31/35, do livro de notas para escrituras diversas n.º 404-D, foi lavrada escritura pública de compra e venda, pela qual a sociedade “A………, S.A.”, aqui impugnante, declarou adquirir a B…………., C………… e D……….. e marido E……….., para revenda, pelo preço de 4.692.936,66 €, o prédio misto, sito na Rua ………., n.º ……… e Rua …………, na freguesia de Campanhã, concelho do Porto, descrito na Conservatória do registo Predial do Porto sob o n.º ………, da freguesia de Campanhã - cfr. fls. 8/17 do processo administrativo apenso aos autos.
B-Da mencionada escritura pública ficou a constar, para além do mais, o seguinte:
“Na eventualidade da futura aprovação camarária do alvará de loteamento vir a determinar uma capacidade construtiva inferior ou superior a vinte e oito mil oitenta e quatro metros quadrados e sessenta decímetros de área bruta de construção acima do solo conforme resulta da certidão da aprovação camarária, planta síntese e quadros de áreas identificados, respectivamente, como anexos segundo e terceiro, as primeiras outorgantes e a representada do segundo outorgante, procederão ao reajustamento do preço final, para mais ou para menos, em função do valor predeterminado e desde já definido neste contrato para cada metro quadrados; Por conta do preço receberam já da representada do segundo outorgante a quantia de UM MILHÃO E DUZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, da qual elas primeiras outorgantes, dão quitação; (…)”
- cfr. fls. 8/17 do processo administrativo apenso aos autos.
C-Ficou ainda a constar da mencionada escritura pública que “Este acto está isento de sisa nos termos do nº 3 do art.º 11 do Código do Imposto Municipal de Sisa.” - cfr. fls. 8/17 do processo administrativo apenso aos autos.
D-O imóvel mencionado na alínea A) supra não foi sujeito a revenda no prazo legalmente previsto - cfr. fls.91 do processo administrativo apenso aos autos; facto não controvertido.
E-Pelo que, em 31/07/2006, no seguimento do pedido de liquidação apresentado pela aqui impugnante junto do serviço de Finanças do Porto - 1, procedeu-se à liquidação de Imposto Municipal de Sisa, pelo Termo de Declaração n.º 3174/26/2006, no montante de 298.074,78 €, que foi pago pela impugnante - cfr. fls. 54 e 91 do processo administrativo apenso aos autos; facto não controvertido.
F-Em 14/04/2008, no Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, da Notária ………., a fls. 42/45, verso, do livro de notas para escrituras diversas n.º 7-A, foi lavrada escritura pública de “Determinação do preço e quitação”, na qual B…………, C……….. e D……….. e marido E………., como primeiros outorgantes, e a aqui impugnante, como segunda outorgante, declararam entre o mais, que:
“(…) em resultado da evolução da relação negocial o preço inicial foi objecto de ajustamento para o montante de QUATRO MILHÕES, SEISCENTOS E CINQUENTA E DOIS MIL, DUZENTOS E NOVENTA E DOIS EUROS E NOVENTA E TRÊS CÊNTIMOS, em resultado da fixação final da área de construção, para o que se tomou em consideração o critério constante do oficio camarário identificado com a referência OF/NOVE CINCO SETE/ZERO CINCO/DMGUII da Câmara Municipal do Porto, que os outorgantes declararam conhecer, tendo sido posteriormente reduzido de acordo com os seguintes critérios:
a) Redução por força da indemnização paga pela representada dos segundos outorgantes nos termos da cláusula primeira e item segundo da cláusula segunda do protocolo subscrito pelos contraentes em vinte e nove de Julho de dois mil e quatro, que arquivo, no valor de quarenta e quatro mil, noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos;
b) Redução estabelecida na cláusula quarta do identificado protocolo, no valor de setenta e cinco mil euros;
c) Redução consignada na cláusula oitava do protocolo identificado na antecedente alínea a), pelo período compreendido entre o dia um de Agosto de dois mil e quatro e vinte e quatro de Outubro de dois mil cinco, no valor de duzentos e sessenta e quatro mil, quinhentos e noventa e um euros e quarenta e um cêntimos;
d) Redução em resultado do pagamento de honorários devidos pela elaboração de projetos, conforme cláusula décima do sobredito protocolo, no valor de mil setecentos e oitenta e cinco euros;
e) Redução em resultado do pagamento pela segunda outorgante de taxas camarárias devidas à Câmara Municipal do Porto, imputadas aos primeiros outorgantes de harmonia com a cláusula g) da escritura aditanda, no valor de trezentos e oitenta e quatro mil, trezentos e vinte e oito euros e vinte e sete cêntimos.
Assim, pela presente escritura os outorgantes, por si e nas qualidades em que intervêm, determinam o preço do contrato de compra e venda celebrado por aquela escritura no sentido de fixar definitivamente o preço de compra e venda do referido prédio em TRÊS MILHÕES, OITOCENTOS E OITENTA E DOIS MIL, QUATROCENTOS E NOVENTA E TRÊS EUROS E CINQUENTA CÊNTIMOS. (…)”
- cfr. fls. 19/27 do processo administrativo apenso aos autos.
G-Em 06/05/2008 a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira - 2 requerimento, nos termos do artigo 45.º do CIMT, a solicitar a anulação parcial do Imposto de Sisa, pago em 31/07/2006, na parte referente à diferença entre o valor que serviu de base à liquidação (4.692.936,66 €) e o valor definitivo da transmissão (3.882.493,50 €) - cfr. fls. 7 do processo administrativo apenso aos autos.
H-O requerimento a que se alude na alínea anterior foi convolado em reclamação graciosa - cfr. fls. 2/6 do processo administrativo apenso aos autos.
I-Em 30/03/2009 a Chefe de Finanças Adjunta do Serviço do Porto-1 emitiu projeto de decisão de indeferimento liminar da reclamação graciosa por extemporaneidade - cfr. fls. 54/55 do processo administrativo apenso aos autos.
J-Em 17/04/2009 a impugnante exerceu o direito de audição prévia sobre o projeto de decisão mencionado na alínea anterior - cfr. fls. 59/62 do processo administrativo apenso aos autos.
K-Em 26/05/2009 o Chefe do Serviço de Finanças do Porto - 1 emitiu despacho de indeferimento liminar da reclamação graciosa, convertendo em definitivo o projeto de decisão referido na alínea I) supra - cfr. fls. 71/72 do processo administrativo apenso aos autos.
L-Em 08/06/2009 a impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 77/83 do processo administrativo apenso aos autos.
M-Em 24/08/2011, com base na informação n.º 3043/2011, de 05/08/2011, da Direção de Serviços de IMT, a Subdiretora Geral dos Impostos emitiu projeto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico - cfr. fls. 89 do processo administrativo apenso aos autos.
N-Em 06/10/2011, com base na informação n.º 3804/2011, de 03/10/2011, da Direção de Serviços de IMT, a Subdiretora Geral dos Impostos emitiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico - cfr. fls. 102/103 do processo administrativo apenso aos autos.
O-Pelo ofício n.º 16291, de 16/11/2011, expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 12/12/2011, a impugnante foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
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A sentença recorrida considerou como factos não provados: "…para além dos factos acima elencados, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes do suporte físico dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, bem como da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou os actos impugnados, sendo a liquidação de Imposto Municipal de Sisa identificada na al.e) do probatório supra, na parte que excede o facto tributário no valor de € 3.882.493,50.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
Antes de mais, deve vincar-se que houve trânsito em julgado da sentença recorrida no que diz respeito à decidida tempestividade da reclamação graciosa identificada nas als.G) e H) do probatório supra (cfr.conclusão 2 do recurso; artºs.628, 635, nºs.2 e 5, e 639, nº.1, todos do C.P.Civil).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que a sentença recorrida padece de vício de falta de fundamentação, gerador de nulidade da mesma, ao abrigo do artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, dado que o Tribunal "a quo" decidiu considerar procedente a impugnação, apesar de não citar, especificamente, as normas legais em que se baseia a decisão (cfr.conclusões 3 a 10 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão.
Deslindemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença/acórdão, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença/acórdão padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da mesma peça processual, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a citada peça processual (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/07/2021, rec.1709/05.8BEPRT; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.357 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, no que se refere à fundamentação de direito da decisão recorrida (constante de fls.42 a 45-verso do processo físico), ela existe, sendo que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme vincado supra, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, a decisão do Tribunal "a quo" não padece da nulidade acabada de examinar, assim se julgando improcedente este esteio do recurso.
Aduz o recorrente, em segundo lugar e em sinopse, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, dado ter feito uma incorrecta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos quanto ao regime da anulação proporcional do imposto de Sisa constante do artº.179, do C.I.M.S.I.S.S.D. Que ao contrário do que defende a decisão recorrida não há imposto indevidamente cobrado, dado que a aquisição titulada pela escritura de compra e venda de 28/07/2003 estava sujeita a sisa pelo valor declarado. Que não pode ser reembolsado o imposto de sisa, com fundamento em ter sido indevidamente cobrado, ao abrigo do citado artº.179, do C.I.M.S.I.S.S.D., como defende o Tribunal "a quo", pois a situação dos autos não se subsume na previsão desta norma. Que a sentença recorrida violou o regime previsto nos artºs.153 e 179, ambos do C.I.M.S.I.S.S.D. (cfr.conclusões 11 a 27 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto Municipal de Sisa (o dec.lei 308/91, de 17/8, alterou a designação do imposto de sisa para imposto municipal de sisa, tendo em vista a afectação das respectivas receitas aos municípios), criado pelo dec.lei 41969, de 24/11/58 (diploma que aprovou o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações), podia definir-se como um imposto directo, de obrigação única, características reais e sobre o património, incidindo nas transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, ou de figuras parcelares desse direito, relativamente a bens imóveis (cfr.preâmbulo e artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D.; Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.588 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.285 e seg.).
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.S.D.; Nuno Sá Gomes, Incidência da Sisa, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.6, pág.35 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, em sede de regime de direito transitório, tal como decidiu o Tribunal "a quo", atento o disposto no artº.32, nº.3, do dec.lei 287/2003, de 12/11, o C.I.M.T. apenas entrou em vigor em 01/01/2004, estabelecendo ainda o artº.31, nº.5, do mesmo diploma legal, que o C.I.M.S.I.S.S.D. continua a aplicar-se aos factos tributários ocorridos até à data da entrada em vigor do primeiro diploma. Com estes pressupostos, considerando que o facto tributário - transmissão - ocorreu em 28/07/2003 (cfr.al. a) do probatório supra), será de aplicar o C.I.M.S.I.S.S.D., "in casu".
Retira-se do probatório que a sociedade impugnante e ora recorrida celebrou na citada data de 28/07/2003 escritura pública de compra e venda de imóvel, tendo beneficiado de isenção de Sisa, em virtude de destinar o prédio adquirido a revenda, tudo ao abrigo do artº.11, nº.3, do C.I.M.S.I.S.S.D. (cfr.al.c) do probatório supra).
A isenção em causa (verdadeiro benefício fiscal), é uma isenção real condicionada, a título resolutivo, na medida em que caducará se ao prédio adquirido for dado destino diferente, ou se a venda for efectuada para além do prazo fixado na lei ou se for, novamente, vendido para revenda (cfr.artº.16, 1º., do C.I.M.S.I.S.S.D.). Esta isenção do tributo apenas se mantém enquanto se verificarem os pressupostos que a lei consagrou para a sua atribuição, operando automaticamente e com efeitos "ex tunc" a citada caducidade, logo que apurado algum dos factos que a lei enumera como constituindo condição resolutiva deste benefício fiscal, mais cabendo, então, ao sujeito passivo solicitar a liquidação da sisa (artº.91, do C.I.M.S.I.S.S.D.) no prazo de 30 dias, contados da data da referida ocorrência (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/02/2022, rec.1604/11.1BELRS; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª. Edição, 1997, págs.194 e seg.).
Mais se retira da factualidade provada que a própria sociedade impugnante e ora recorrida, em virtude de ter ocorrido a caducidade da isenção de Sisa de que beneficiara aquando da aquisição do imóvel em causa, estruturou pedido de liquidação do mesmo tributo e efectuou o seu pagamento (em conformidade com o disposto nos artºs.16, 1º., e 115, 5º., do C.I.M.S.I.S.S.D.) sendo o valor tributável base da estruturação do mesmo acto tributário o constante da escritura pública de compra e venda realizada em 28/07/2003, portanto € 4.692.936,66 (cfr.als.d) e e) do probatório supra).
Em 14/04/2008, a sociedade recorrida celebrou uma segunda escritura, na qual o preço do imóvel foi reduzido para € 3.882.493,50. Na verdade, resulta da escritura pública de 28/07/2003, que o preço final poderia variar, em função da capacidade construtiva, decorrente da futura aprovação camarária do alvará de loteamento, razão pela qual veio a ser celebrada esta posterior escritura de "determinação do preço e quitação" (cfr.als.b) e f) do probatório supra).
Como consequência da escritura celebrada em 14/04/2008, a sociedade recorrida, em 6/05/2008, apresentou requerimento, ao abrigo do artº.45, do C.I.M.T. (diploma que, como já supra se concluiu, não se aplica ao caso dos autos), a solicitar a anulação parcial da Sisa, na parte referente à diferença entre o valor que serviu de base à liquidação (€ 4.692.936,66) e o valor definitivo da transmissão (€ 3.882.493,50), tudo conforme se evidencia na al.g) do probatório supra.
A sentença recorrida, no que se refere ao citado pedido de anulação parcial de Sisa, julga procedente o mesmo, para tanto chamando à colação o artº.179, do C.I.M.S.I.S.S.D., norma que ostentava a seguinte previsão e estatuição em 2003 (redacção do dec.lei 472/99, de 8/11):
Artº.179
(Reembolso da sisa e do imposto)
Independentemente da anulação da liquidação, o Ministro das Finanças poderá ordenar o reembolso da sisa ou do imposto sobre as sucessões e doações, pagos nos últimos quatro anos, quando os considere indevidamente cobrados, observando-se, na parte aplicável, o disposto no corpo e no § 1.º do artigo 155.º.

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as normas fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
O artº.179, do C.I.M.S.I.S.S.D., consubstanciava uma disposição de cariz excepcional e natureza administrativa, pelo que o contribuinte apenas podia lançar mão deste meio de reembolso nos casos expressamente contemplados na norma. A faculdade de restituir ao abrigo do artigo sob exegese somente deveria ser utilizada para corrigir situações de claro "locupletamento à custa alheia", mais não devendo deixar dúvidas de que estivéssemos perante tributo indevidamente cobrado.
Os pressupostos do reembolso reconduziam-se à dita cobrança indevida da sisa e à apresentação do pedido no prazo de quatro anos, contados da data da cobrança (estamos face a prazo de caducidade do direito).. Além disso, deviam afastar-se as situações de erro imputável aos serviços da A. Fiscal, porquanto, nestes casos, a anulação oficiosa devia ser efectuada ao abrigo do artº.149, do C.I.M.S.I.S.S.D. Por último, o pedido de reembolso não podia, igualmente, ser utilizado se ainda fosse possível recorrer aos meios previstos nos artºs.150 a 153, do mesmo diploma, tal como no caso do contribuinte ainda puder recorrer aos meios previstos na L.G.T., nomeadamente, a revisão dos actos tributários (cfr.artº.78, da L.G.T.; artº.93, do anterior C.P.Tributário; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª. Edição, 1997, pág.796, em comentário ao artº.179).
No caso "sub iudice", o imposto foi liquidado na sequência de declaração das partes, não tendo a A. Fiscal qualquer interferência na fixação do valor tributável em sede de Sisa (cfr.als.a), c), d) e e) do probatório supra).
Não se verificam os pressupostos de aplicação da norma à situação dos autos, desde logo, porque não nos encontramos perante situação de cobrança indevida de Sisa. O imposto foi devidamente cobrado, uma vez que incidiu sobre o valor por que os bens foram transmitidos, nos termos do artº.19, do C.I.M.S.I.S.S.D. A circunstância de, decorridos cinco anos, os contraentes decidirem reduzir o preço inicialmente fixado é completamente irrelevante, para efeitos de fixação da matéria colectável de Sisa. Na verdade, salvo as excepções previstas na lei, o momento a atender para a definição da incidência do imposto sobre transmissão de bens é o da verificação do facto tributário (sendo que se trata de imposto de prestação única, conforme supra mencionado), pelo que não são relevantes quaisquer posteriores ocorrências, salvo se a lei assim o decidir, tal não sendo o caso dos autos.
Por último, haverá que examinar o artº.153, do C.I.M.S.I.S.S.D., norma que a entidade recorrente defende dever aplicar-se ao caso dos autos. Alega que tendo sida celebrada uma escritura de ajustamento do preço final em que foi fixado um preço inferior ao inicial, antes de decorridos oito anos sobre a aquisição, seria aplicável o regime da anulação proporcional do imposto da sisa liquidado anteriormente no momento da aquisição, constante do citado artº.153, do C.I.M.S.I.S.S.D., por considerar que a redução do preço configura uma condição resolutiva, segundo percebemos.
O artº.153, do do C.I.M.S.I.S.S.D., ostentava a seguinte previsão e estatuição em 2003:
Artº.153
(Revogação da doação, devolução de bens, condição resolutiva ou resolução do contrato)

Se antes de decorridos oito anos sobre a transmissão o doador dispuser dos bens nos casos previstos no n.º 1 do artigo 959.º do Código Civil, for revogada a doação nos termos dos artigos 970.º e 1765.º do mesmo Código, houver devolução de bens ou caducar a doação nos termos dos n.ºs 2 e 3 do seu artigo 2002.º-D, vier a verificar-se a condição resolutiva ou se der a resolução do contrato, for reduzida a liberdade por inoficiosidade, tiverem os sucessores do ausente ou as pessoas chamadas em sua vez de entregar quaisquer bens, poderá obter-se, por meio de reclamação ou de impugnação judicial, a anulação proporcional do imposto municipal de sisa ou do imposto sobre as sucessões e doações. Os prazos para deduzir a reclamação ou a impugnação com tais fundamentos contam-se a partir da ocorrência do facto.
§ 1.º O imposto será anulado em importância equivalente ao produto da sua oitava parte pelo número de anos completos que faltarem para oito.
[…]

A recorrente considera ter-se verificado uma condição resolutiva do contrato, mas não tem razão, uma vez que a resolução, prevista no artº.432, do C.Civil, consiste no direito conferido a uma das partes ou a ambas, de resolver o contrato, sendo que "a resolução importa a destruição do negócio e a consequente restituição de tudo o que as partes houverem recebido." (cfr.Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1982, pág.384 e seg.). Ora, no presente caso, as partes não subordinaram a resolução do contrato a um acontecimento futuro e incerto, nos termos do artº.270, do C.Civil, apenas clausularam que o preço poderia vir a ser reponderado, em resultado da capacidade construtiva do imóvel objecto do contrato de compra e venda.
Pelo que, igualmente não se encontram reunidas as condições previstas no artº.153, do C.I.M.S.I.S.S.D., visando a aplicação ao caso dos autos.
Com estes pressupostos, deve concluir-se pela legalidade do acto de liquidação de Sisa objecto do processo.
Sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, mais se julgando improcedente a presente impugnação na parcela não transitada em julgado, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA, JULGAR IMPROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO E CONFIRMAR O ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE SISA (cfr.al.e) do probatório supra) NA PARCELA OBJECTO DO PRESENTE PROCESSO.
X
Condena-se a sociedade recorrida em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), mais a dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 9 de Março de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.