Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01391/14 |
Data do Acordão: | 06/25/2015 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | AUDIÊNCIA DO INTERESSADO PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO RECLAMAÇÃO GRACIOSA RECLAMAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO |
Sumário: | I - Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão, a menos que seja inequívoco que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso, se impunha aproveitá-la pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo. II - A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente. III - Para a formulação do juízo de prognose póstuma, no âmbito de aplicação do princípio do aproveitamento do acto tributário, é irrelevante a procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial. IV - O facto de a matéria tributável que serviu de base à liquidação se dever considerar já estabilizada e fixada em procedimento autónomo de avaliação no qual o contribuinte teve oportunidade de participar, não significa, sem mais, que seja dispensável a notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação pois o direito de audiência não tem como única finalidade a possibilidade de participar na fixação da matéria colectável, antes podendo essa participação (que o direito de audiência visa assegurar) assumir muitos outros domínios da formação da decisão final. V - Tendo o contribuinte interposto reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa tido a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação. |
Nº Convencional: | JSTA00069271 |
Nº do Documento: | SA22015062501391 |
Data de Entrada: | 11/25/2014 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF AVEIRO |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. |
Legislação Nacional: | LGT98 ART60 N1 N2 ART86 N1. CPA91 ART163 N1. CPPTRIB99 ART134 N1 N2. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC01071/06 DE 2007/02/15.; AC STAPLENO PROC01374/13 DE 2014/10/15. |
Referência a Doutrina: | LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LGT ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG515. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 18/14.6BEAVR
1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) vem recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A……………. (a seguir Recorrido ou Impugnante) na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, anulou, com fundamento em preterição do direito de audiência prévia, a liquidação adicional de Imposto de Selo (IS) efectuada relativamente aos imóveis que lhe foram adjudicados em excesso sobre a quota na escritura de partilhas por óbito de sua mãe. 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: « I – O objecto do recurso I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………. contra a liquidação adicional de Imposto do Selo, datada de 14-05-2013, pretendendo a Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação totalmente improcedente. II. O douto Tribunal a quo entendeu anular a liquidação com fundamento em vício de preterição de formalidade legal, por não ter sido o impugnante notificado para exercer o direito de audição previamente à liquidação de ISelo. III. Assim, as questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em saber se, na situação sub judice: II – O entendimento do douto Tribunal a quo IV. A liquidação adicional ficou a dever-se ao facto de, por força da avaliação desencadeada em sede de IMI após a celebração da escritura de partilha, ter sido achada uma matéria colectável superior à inicial. V. Face a esta factualidade, entendeu o douto Tribunal a quo que a AT deveria, previamente à referida liquidação de ISelo, ter notificado o impugnante para o exercício do direito de audição. III – Da degradação em formalidade não essencial VI. Conquanto o direito de audição constitua uma importantíssima garantia de defesa dos administrados, não deixa de ser um direito instrumental podendo, em certos casos, ser dispensado. VII. Desde logo, importa abordar a questão sob o prisma da relevância limitada dos vícios de forma, i.e., saber se, numa situação concreta como a dos presentes autos, a prática daquele acto (o exercício do direito de audição) reveste ou não um carácter de essencialidade. VIII. Entende a recorrente que a falta de notificação do impugnante para a audiência prévia constitui uma formalidade que se degradou em não essencial, porquanto IX. Não deverá ser ordenada a anulação do acto quando “se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final”. X. É que a liquidação adicional de ISelo impugnada resultou da avaliação aos prédios transmitidos na partilha outorgada pelo impugnante, pelo que XI. Se tratou de uma liquidação que decorre expressa e inequivocamente da lei (artigo 9.º n.º 4 do CISelo, artigos 12.º n.º 4 regra 11.ª e 14.º do CIMT, artigo 15.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro). XII. Destarte, tendo o VPT, que serviu de base à liquidação, sido alterado em função da avaliação que os prédios sofreram (nos termos do artigo 14.º do CIMT e do n.º 1 do artigo 15.º), não restaria outra possibilidade à AT que não promover a impugnada liquidação adicional, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IMT. XIII. Logo, trata-se de um caso em que, por um lado, a AT se encontrava obrigada, por força da lei, a efectuar aquela liquidação e, por outro, atendendo a que em momento algum o recorrido manifestou qualquer discordância quanto ao quantum da liquidação ou aos seus fundamentos, a sua participação no procedimento decisório redundaria num acto totalmente inútil. XIV. Por conseguinte, cremos que o acto consubstanciado na liquidação não deveria ter sido considerado inválido e anulado por preterição de formalidade legal. XV. Porém, mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria lugar à aplicação IV - Do princípio do aproveitamento do acto administrativo XVI. Com efeito, se atendermos à conexão entre o vício procedimental e o resultado, não faz qualquer sentido anular o acto, visto que, por força da vinculação a que a AT se encontra adstrita neste particular, o novo acto a ser praticado não poderia divergir do anterior (acórdão do STA, de 31.01.2012, processo n.º 017/12). XVII. Deste modo, “se o tribunal não tiver dúvidas que a decisão tomada pela Administração corresponde à solução imposta pela lei, então, em aplicação dos princípios da eficiência e da «economia de actos públicos», tem o dever de não o anular”. XVIII. Logo, concluindo-se que, in casu, a reinstrução do procedimento para efeito de audição da recorrida não vai ditar um acto de conteúdo diferente do impugnado ou que, mesmo com conteúdo idêntico, possa haver qualquer vantagem resultante da anulação do acto, tem aqui plena aplicabilidade o invocado princípio do aproveitamento do acto administrativo, o qual conduzirá a que a liquidação ora impugnada seja mantida na ordem jurídica. V - Da caducidade do direito à liquidação XIX. Embora a impugnante tenha invocado a caducidade do direito à liquidação, tratou-se de um vício cujo conhecimento ficou prejudicado em virtude de o douto Tribunal a quo ter anulado a liquidação pela aludida preterição de formalidade legal. XX. No entanto, atendendo à possibilidade de o douto Tribunal ad quem fazer uso do preceituado no n.º 2 do artigo 665.º do CP Civil, sempre se dirá que, XXI. Constituindo-se a obrigação tributária no momento da assinatura do contrato (escritura de partilhas, em 27/02/2007), alega o impugnante que a liquidação adicional ocorreu mais de quatro anos depois da transmissão, verificando-se a caducidade do direito de liquidar tal imposto. XXII. Porém, a liquidação adicional de imposto poderá realizar-se até decorridos 4 anos contados da liquidação a corrigir, ou seja, XXIII. O prazo de caducidade de 4 anos conta-se, não desde a data da transmissão (27/02/2007), mas desde a data da liquidação a corrigir (25/06/2009). XXIV. Logo, tendo a liquidação agora impugnada sido emitida em 14/05/2013 e notificada ao impugnante em 17/05/2013, foi integralmente respeitado o prazo de caducidade de 4 anos previsto na lei. XXV. Deste modo, em face do exposto, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito, tendo sido violado o disposto no artigo 60.º da LGT, bem como o artigo 135.º do CPA, devendo tais normas ser aplicadas e interpretadas no sentido de que a falta de notificação para o direito de audição pode degradar-se em formalidade não essencial ou, ainda que assim não seja, tal não impede a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a douta decisão por erro de julgamento de direito e substituindo-a por outra que considere a impugnação totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA». 1.3 O Impugnante não contra-alegou. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «Mantém-se a posição assumida a fls. 41, em face de pese embora não ter sido dada oportunidade à audição antes da liquidação, não resultar qualquer elemento no sentido de não ser de aproveitar o acto». 1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos. 1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro decidiu correctamente ao anular a liquidação com fundamento em violação do direito de audiência prévia à liquidação ou se, como sustenta a Recorrente, deveria fazer-se funcionar o princípio do aproveitamento do acto, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se estão verificados os pressupostos para o funcionamento desse princípio. * * * 2. FUNDAMENTOS 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «1- Por carta datada de 15.05.2013 foi o impugnante notificado para proceder ao pagamento do imposto de selo ora em discussão nos termos constantes de fls. 6 do PA e que aqui se dá por reproduzida, cujos extractos a seguir se transcrevem: “(...) Fica V. Exa. por este meio notificado, (.. .) para, (… ) efectuar o pagamento da quantia de € 12.212,46, sendo € 10.115,82 de IMT e de € 2.096,64 de IMPOSTO DE SELO, liquidada com base na escritura de partilhas, correspondente ao excesso de imóveis sobre a quota parte do adquirente, devido nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do já citado diploma legal. Partilha por óbito de B….. (…)”. 2- Dá-se aqui por reproduzida a escritura de partilha celebrada em 27.02.2007 e constante do PA de fls. 8 a 13. 3- Dá-se aqui por reproduzida a demonstração da liquidação do imposto de selo ora impugnada e constante do PA a fls. 16. 4- Contra a liquidação identificada em 1), o impugnante apresentou reclamação graciosa nos termos constantes de fls. 2 a 5 do PA e que aqui se dão por reproduzidas. 5- A reclamação graciosa referida em 4) foi indeferida por despacho proferido em 13.12.2013, cfr. fls. 18 a 23 do PA e que aqui se dão por reproduzidas». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, com fundamento em preterição do direito de audiência prévia, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………… na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra a liquidação adicional de IS que lhe foi efectuada relativamente aos prédios que lhe foram adjudicados em excesso sobre a sua quota na escritura de partilhas por óbito de sua mãe. 2.2.2 DO PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO E RESPECTIVA APLICABILIDADE AO CASO SUB JUDICE A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto – princípio que não tem suporte directo em disposição legal alguma, mas que assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei –, nos termos do qual se admite que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do acto final do procedimento (in casu a liquidação adicional de IS), anulação que é a sua consequência, de acordo com o previsto no n.º 1 do art. 163.º do Código do Procedimento Administrativo («São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção».). Essa omissão nem sempre conduzirá à anulação, «designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 60.º, págs. 515 e segs.). 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser conhecida a questão respeitante à invocada caducidade do direito à liquidação. Sem custas. * Lisboa, 25 de Junho de 2015. - Francisco Rothes (relator) – Fonseca Carvalho – Casimiro Gonçalves. |