Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0905/14
Data do Acordão:01/21/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
ANTIGUIDADE NA CATEGORIA
CLASSIFICAÇÃO DE MUITO BOM
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário:I – Apesar do que se dispõe no art. 617º do CPC, o verdadeiro destinatário da arguição de nulidade de uma decisão sob recurso é sempre o tribunal «ad quem».
II – Um acórdão só é nulo por falta de fundamentação se ela for total.
III – O RIJ aprovado pela deliberação n.º 55/2003, do CSM, que vigorou na jurisdição administrativa, não era inconstitucional ou ilegal.
IV – O art. 16º, n.º 4, desse RIJ – que condicionava a atribuição normal da nota de Muito Bom a um exercício efectivo da «judicatura durante 10 anos» – não era susceptível de uma interpretação que abrangesse um exercício de funções como Magistrado do MºPº durante esse tempo.
V – Se o acto que classificou um Juiz com a nota de Bom com Distinção não assumiu os requisitos que aquele art. 16º, n.º 4, previa para uma atribuição excepcional da classificação de Muito Bom, é impossível afirmar que o CSTAF estivesse vinculado a atribuir-lhe essa classificação máxima.
VI – A possibilidade de excepcionalmente se atribuir a nota de Muito Bom, prevista no art. 16º, n.º 4, do RIJ, corresponde a um espaço de discricionariedade imprópria cujo exercício só é contenciosamente sindicável havendo erro grosseiro ou manifesto.
VII – Mas a recusa dessa atribuição excepcional, enquanto fundada no não exercício da judicatura durante 10 anos, não fere quaisquer princípios administrativos nem o disposto no art. 47º, n.º 2, da CRP.
VIII – O Juiz que discuta contenciosamente a sua classificação de serviço não goza da isenção de custas processuais.
Nº Convencional:JSTA00069524
Nº do Documento:SAP201601210905
Data de Entrada:11/11/2015
Recorrente:A.......
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Legislação Nacional:CPC13 ART615 N1 B ART627 N1.
ETAF02 ART12 N3.
DEL 55/2003 CSM.
RGU CSTAF ART37.
RGUIJ CSMJ ART16 N1 A N4.
EMJ85 ART33 ART34 N2 ART37 N1.
L 21/85 DE 1985/07/30 ART136 ART149 A E ART33 ART37 ART132 ART135 ART160 ART162.
CONST76 ART112 N8 ART164 M ART217 N1 ART199 B ART47 N2.
CPTA02 ART87 N2.
RCP08 ART4 N1 C.
Jurisprudência Nacional:AC TC 61/02 DE 2002/02/06.; AC TC 381/97.; AC TC 356/98.; AC TC 174/93.; AC TC 497/97.; AC STA PROC044059 DE 1998/11/25.; AC STA PROC032981 DE 1995/02/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

O Dr. A……., Juiz de Direito identificado nos autos, veio interpor o presente recurso do acórdão da Secção que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial em que ele acometera o acto do CSTAF que lhe atribuiu a classificação de Bom com Distinção e em que pedira a condenação da entidade demandada a praticar um novo acto, que o classificasse com a nota de Muito Bom.
O recorrente findou o seu recurso, oferecendo as conclusões seguintes:
1. O Acórdão recorrido deve ser anulado, nos termos do artigo 615º nº 1 al. b) do CPC e sem prejuízo do artigo 149º nº 1 do CPTA, por ter omitido a especificação de factos relevantes para a discussão e até para a sua própria decisão da causa, factos, aliás, alegados na PI, nos artigos 1 a 9, devendo o que o substituir nos termos do artigo 149º nº 1 do CPTA dar como provados todos os factos alegados nos artigos 1 a 9 da PI.
2. O artigo 16º do Regulamento das Inspecções Judiciais carece de qualquer habilitação legal, pelo que viola o princípio da legalidade da actuação da Administração (artigo 3º do CPA), tal como – et pour cause – o acto impugnado e, logo, o acórdão ora recorrido.
3. Ao fixarem abstractamente o decurso de um determinado tempo (dez anos) de exercício da “judicatura” como requisito para se ter a classificação de Muito Bom, os nºs 1 a) e 4 artigo 16º) do Regulamento das Inspecções Judiciais do CSM, aplicado ex vi artigo 37º do regulamento do CSTAF publicado no DR II série de 22/6/2007, violam os artigos 33º, 34º 2 e 37º 1 do EMJ, pelo que o acto impugnado, tal como o acórdão recorrido, ao fundarem-se neles, violaram estas normas legais.
4. Nada no artigo 37º do EMJ obriga ao entendimento de que o tempo de serviço na judicatura só pode relevar para a avaliação do mérito em relação directa e não numa relação inversa, isto é, no sentido de que determinado desempenho meritório com pouco tempo de serviço pode ser mais meritório do que o seria com muito, na medida em que revela aquisição precoce das competências e produtividade que consubstanciam esse mérito.
5. Para além de ilegais em face daqueles artigos do EMJ e do artº 3º do CPA aplicável, os nºs 1 a) e 4 do artigo 16º do R.I. estão inquinados de inconstitucionalidade orgânica por disporem normativamente em matéria de reserva absoluta de Lei da A.R. conforme artº 164º alínea m) da Constituição.
6. Num contexto em que a nota de Bom Com Distinção tem sido atribuída como nota regra aos juízes com cinco ou mais anos de serviço, atenta contra as mais elementares exigências dos princípios jus-administrativos de Justiça e de Igualdade avaliar o desempenho do Recorrente — a quem se reconhece “produtividade elevada e excelente qualidade técnica” — com essa mesma nota.
7. Desaplicadas as sobreditas normas regulamentares, acolhido o mais que se refere no relatório em vista da atribuição da nota de Muito Bom e do imperativo de justiça relativa supra enunciado, a única conclusão justa e racional possível é a de acolher a nota proposta pelo Exmº Inspector, pelo que assiste ao Autor o Direito ao acto devido da atribuição da nota proposta, de Muito Bom.
8. A jurisprudência do acórdão nº 61/2002 do TC é demasiado vetusta para interferir decisivamente com um julgamento actual, para além de não se tratar ali de um Juiz com vinte anos de carreira pregressa no MP.
9. O acórdão nº 46/15 nada tem a ver com o caso sub judice, em que é da avaliação do mérito (e não de uma ascensão na categoria com reflexos apenas na remuneração) que se trata.
Sem conceder:
10. Historicamente a norma regulamentar do artigo 16º do RI não pode ter-se representado a situação de um Juiz recrutado como o foi o Autor, pelo que carece de ser objectiva actualística e extensivamente interpretada, de modo a entender-se que para os juízes recrutados entre magistrados do MP nos termos da Lei nº 1/2008 a antiguidade pregressa no MP supre a limitação resultante do nº 4 quanto ao acesso à classificação de Muito Bom.
11. A deliberação impugnada – e o acórdão recorrido – ao recusarem a relevância da carreira no MP, em ordem ao reconhecimento excepcional de uma compatibilidade do tempo de serviço na magistratura judicial com a classificação proposta, violam os princípios da Justiça, consagrado no artigo 6º do CPA, da Igualdade e da proporcionalidade, consagrados no artigo 5º do CPA, bem como o direito fundamental consagrado no artigo 47º nº 2 da CRP.
Sem conceder:
12. Não podem a douta deliberação impugnada e o douto acórdão recorrido sustentar que o relatório inspectivo não ressalta a excepcionalidade, mesmo essa literalmente mencionada no artigo 16º nº 4 do RIJ, quando é certo que ali se diz, que as “qualidades pessoais já demonstradas no âmbito de um serviço particularmente complexo justificam a atribuição da classificação de Muito Bom, apesar do exercício efectivo da judicatura ser inferior a dez anos.
Sobre a isenção de custas:
13. A falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da PI por parte não isenta é uma excepção dilatória que não foi apreciada no despacho saneador.
14. Assim, o acórdão recorrido, na parte em que considera não ocorrer a isenção alegada pelo Autor e o condena, consequentemente, em custas viola o disposto no artigo 87º nº 2 do CPTA e o caso julgado formado no despacho saneador, pelo que deve em qualquer caso ser revogado, ao menos nesta parte.
15. Em todo caso o objecto da presente acção inclui-se no âmbito da isenção legal invocada (artigo 4º nº 1 al. c) do RCP), pois, a bem da independência dos Juízes, é mister que estes possam pôr jurisdicionalmente em crise a apreciação do seu mérito, sem qualquer constrangimento financeiro.

O CSTAF contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
A) Nos termos do artigo 617º, n.º 1, do NCPC, não cabe recurso da decisão de indeferimento da nulidade invocada, pelo que a questão está definitivamente resolvida.
B) Este Conselho reitera todo o expendido em sede de contestação.
C) Reafirmando que o CSM, como órgão constitucional (artigo 2l8.º da CRP) tem a necessária competência regulamentar, tal como a tem o CSTAF.
D) Podendo usá-lo em sede de definição de critérios de atribuição de classificações, ao abrigo dos artigos 33.º a 37.º, 160.º a 162.º, e 149.º do EMJ, devidamente citados como normas legais de enquadramento da iniciativa regulamentar aqui em causa (cfr. artigo 112º, n.º 7, da CRP).
E) O poder regulamentar é um instrumento, reconhecido por lei, de que o CSM/CSTAF dispõem para a prossecução das competências que lhes estão cometidas, desde logo a inspectiva.
F) “quanto ao uso daqueles poderes, não pode deixar de se registar que, competindo constitucionalmente ao CSM a gestão e a disciplina dos juízes, nelas compreendendo-se a classificação ou avaliação, têm de caber-lhe poderes para emitir normas regulamentares, tendo, assim, o Regulamento em causa cabimento na competência subjectiva e objectiva do respectivo órgão emissor. É que, tem de aceitar-se que, mesmo por natureza, é inerente ao CSM, como órgão constitucional que é (citado artigo 217.º, n. 1), o poder regulamentar, à semelhança do poder regulamentar do Governo (...)“ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 61/02 Processo n.º 380/00, de 6/2/20).
G) Esta apreciação do Tribunal Constitucional mantém toda a sua actualidade e exactidão, visto que o teor das normas, no que a esta matéria respeita, se mantém.
H) Sendo que as normas constantes do Regulamento de Inspecções são normas de segundo grau relativamente ao EMJ, concretizando-o ou desenvolvendo-o.
I) Não ocorre a alteração estatutária invocada pelo Recorrente nem, consequentemente, a violação do artigo 164º, alínea m), da CRP.
J) O estatuto dos juízes consta dos artigos 217.º a 220.º da CRP, versando sobre a magistratura dos tribunais judiciais, garantias e incompatibilidades, nomeação, colocação, transferência e promoção de juízes e o Conselho Superior da Magistratura (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República - P000081995, votado em 27-04-95).
K) O estabelecimento de subcritérios em matéria de avaliação do serviço dos magistrados, desenvolvendo os critérios base presentes no EMJ, corresponde ao exercício de uma competência do CSM/CSTAF, incumbidos da gestão e disciplina das respectivas jurisdições, não estando em causa a definição de normas estatutárias.
L) Segundo o EMJ, o tempo de serviço é um dos factores a ponderar (cfr. artigo 37º do EMJ).
M) Cabendo nos poderes regulamentares do órgão de gestão e disciplina definir em que moldes o tempo de serviço é ponderado em matéria de avaliação da prestação dos juízes.
N) “Cabendo elas [as normas do Regulamento] nos poderes regulamentares do CSM, como órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial (cfr. artigo 136. º 1), são o prolongamento e o aprofundamento das regras constantes do Estatuto e relativas à apreciação do mérito profissional dos juízes (artigos 149.º, b) e) e f)) e não constituem a disciplina primária dessa apreciação” (acórdão do TC n.º 356/98 de 1 2.5.98)
O) Não ocorre, pois, a alegada inconstitucionalidade orgânica (cfr. citado Acórdão do TC n.º 61/02).
P) O artigo 16º do RIJ não é norma inovatória face à lei, “pois os citados preceitos do Estatuto constituem “o seu quadro de referência ou a sua matriz”. (cfr. Acórdão do TC n.º 61/02).
Q) A exigência de um período de tempo, no caso 10 anos, de exercício de actividade como magistrado justifica-se pela necessidade de um substrato de experiência suficientemente consistente para ser demonstrativo de elevado mérito.
R) Estando em causa uma avaliação no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, é a qualidade da prestação profissional nesta área que está sob avaliação — e não o percurso na jurisdição comum.
S) Solução que não padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, pois “o CSM, ao considerar a antiguidade na carreira, não age com injustiça, nem com parcialidade, interpretando e aplicando os elementos relevantes para a classificação do magistrado, pois sempre se há-de entender que, numa situação de antiguidade na carreira inferior a dez anos, ele não dispõe ainda de conhecimentos e experiência que lhe permitam exercer mais seguramente e eficientemente a sua actividade. A diferenciação de tratamento entre magistrados com antiguidade na carreira superior ou inferior a dez anos tem assim justificação material bastante. E — acrescente-se — todos os magistrados com antiguidade na carreira inferior a dez anos são tratados de igual modo, só excepcionalmente podendo ser-lhes atribuída nota de Muito Bom, “desde que se evidencie manifestamente pelas suas qualidades pessoais e profissionais”, não podendo, assim, afirmar haver uma distinção arbitrária entre eles (...)” (Ac. do TC n.º 61/02; cfr. ainda Ac. do TC n.º 356/98).
T) A Jurisprudência é uma fonte de Direito, na categoria de fonte mediata, que, não tendo força vinculativa própria, influencia o processo de formação e revelação de normas jurídicas.
U) O Tribunal Constitucional é o máximo conhecedor da Constituição, sendo decisiva a sua interpretação e aplicação das normas constitucionais.
V) Quanto à relevância da invocação do Acórdão n.º 46/2015, de 27.1.2015, trata-se de estabelecer um lugar paralelo.
W) A exigência de uma durabilidade mínima de experiência profissional na jurisdição administrativa e fiscal, independentemente da experiência detida na jurisdição comum, como condição da possibilidade de atribuição de um direito ou benefício, não é caso único, sendo também uma exigência para passagem a juiz de círculo (cfr. artigo 58.º, n.º 5, do ETAF).
X) O tempo de serviço prestado na jurisdição comum pode ou não relevar, consoante o efeito em causa — releva, por exemplo, para efeitos de antiguidade na magistratura e para outros efeitos remuneratórios, como a “progressão normal nos índices remuneratórios” em função do “mero preenchimento de módulos de tempo” (cfr. Acórdão da Secção do STA, de 26.04.2012, atrás referido), mas já não pode ser tido em conta para efeitos de antiguidade na jurisdição administrativa e fiscal.
Y) Nem para a (mais célere) passagem a juiz de círculo (cfr. o citado Acórdão do Pleno, de 21.02.2013).
Z) Nem, paralelamente, para um mais rápido preenchimento da condição dos 10 anos prevista no n.º 4 (actual n.º 5) do artigo 16.º do RIJ — o que também consistiria num “beneficio para o qual não se vislumbra justificação”.
AA) Pois uma coisa é a experiência na jurisdição comum, outra a experiência na jurisdição administrativa e fiscal, de distinta natureza, tal como bem distinta é a actividade de julgador face à actividade de magistrado do Ministério Público.
BB) O tempo de serviço do Recorrente como magistrado na jurisdição administrativa e fiscal — no âmbito do qual foi feita a avaliação aqui em causa — é inferior aos 10 anos exigidos como substrato material mínimo de experiência nesta jurisdição para a atribuição da classificação de Muito Bom.
CC) A situação do Recorrente não é pois materialmente idêntica à daqueles colegas que detêm essa antiguidade de 10 anos na jurisdição administrativa e fiscal.
DD) Estando em causa situações de facto diversas, de modo distinto devem ser tratadas, pois só assim se salvaguarda a igualdade, não formal, mas material.
EE) Os elementos recolhidos não permitiram ao CSTAF reconhecer ao Recorrente um mérito excepcional (cfr. relatório de inspecção e deliberação do CSTAF de 20.5.2014, que se dão aqui por reproduzidas).
FF) É ao CSTAF, face à proposta do Inspector, que cabe, colegialmente, decidir.
GG) Assim se assegurando a igualdade relativa das classificações atribuídas aos magistrados da jurisdição, visto o CSTAF todas conhecer e apreciar.
HH) Estando a atribuição da classificação máxima – quando o magistrado inspeccionado ainda não exerceu efectivamente a judicatura durante 10 anos na jurisdição administrativa e fiscal – condicionada a uma prestação excepcional, “no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo”, não podia o serviço do Recorrente ser classificado de Muito Bom.
II) Pelo que não ocorre a violação dos princípios da justiça (artigo 6.º do CPA), da igualdade e da proporcionalidade (artigo 5.º do CPA) nem do direito fundamental consagrado no artigo 47º, n.º 2, da CRP.
JJ) No “domínio da actividade de avaliação e classificação do mérito profissional, o órgão administrativo competente dispõe de uma ampla margem de valoração dos elementos ao seu alcance, a dita discricionariedade imprópria da Administração (...)“ (cfr. Acórdão do STA, de 02.05.2006, Proc. n.º 0219/04, e ainda Ac. de 06.10.2004, Proc. n.º 0499/03 ).
KK) “o Conselho, ao classificar os Magistrados Judiciais, exerce a denominada «justiça administrativa», dispondo efectivamente de uma margem de liberdade — ainda que ordenada à única solução justa — na avaliação que lhe compete efectuar; e, dentro dessa margem, que inclui a definição abstracta dos critérios a usar (no preenchimento dos factores de avaliação) e a sua aplicação «in concreto», o Conselho está a coberto da sindicância judicial, a não ser que perfilhe meios ou soluções claramente inaceitáveis” (Ac. de 06.10.2004 atrás referenciado; cfr., ainda, sobre esta matéria, o Ac. de 23.5.2002, Proc. n.º 048333; Ac. de 10.10.2002, Proc. n.º 047652; Ac. de 21.10.2004, Proc. n.º 01118/03; Ac. de 04.04.2006, Proc. n.º 0280/02; Ac. de 12.04.2007, Proc. n.º 0394/06; Ac. de 20.12.2007, Proc. n.º 0607/07; Ac. de 09.06.2010, Proc. n.º 0567/09).
LL) “(...) os juízes devem estar sujeitos à avaliação do seu mérito e esse juízo cabe, em primeiro grau, ao CSM (artigo 149º, b), da Lei n. 21/85), e se, como se disse atrás, a consideração da antiguidade como factor relevante não importa injustiça, nem parcialidade, a regra regulamentar questionada não é uma solução materialmente injustificada. O CSM tem ao seu dispor os critérios e elementos legais, complementados pelo Regulamento, socorre-se ainda da disciplina do processo de inspeções constante desse Regulamento e fica habilitado a optar pela classificação adequada ao mérito do juiz inspeccionado (...)“ (Ac. do TC n.º 61/02).
MM) A deliberação do CSTAF de 20 de Maio de 2014, aqui posta em crise, não padece de nenhum dos vícios que lhe foram assacados pelo Recorrente.
NN) In casu, o Recorrente não se limitou a não pagar a taxa de justiça e apresentar, sem mais, o seu articulado.
OO) O Recorrente alegou uma isenção, o que é uma situação materialmente diferente da pura falta de pagamento.
PP) Que implica uma apreciação do mérito dessa pretensão, não sujeita ao condicionamento temporal do artigo 87.º do CPTA.
QQ) Não existindo, pois, o caso julgado formal invocado.
RR) Nos termos do artigo 4º, n.º 3, do RCP, a apreciação do direito à isenção pode ser feito no momento da decisão final do processo.
SS) Como refere Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2009, p. 176, “é um normativo que limita a eficácia da isenção concedida aos referidos servidores do Estado, que se traduz em condição resolutiva, apenas susceptível de ser verificada no termo do litígio”.
TT) Ou seja, não fica precludido o direito/dever do Tribunal conhecer desta matéria posteriormente ao momento processual previsto no artigo 87.º do CPTA.
UU) Mas mesmo que seja reconhecida tal isenção, tal não significa que o Recorrente nada tem de pagar.
VV) Nos termos do artigo 4º, n.º 7, do RCP, e sendo o presente recurso julgado improcedente, como se reclama, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará.”

O aresto recorrido considerou provados os seguintes factos:

(i) O serviço prestado pelo autor, enquanto juiz do TAFC, no período de 23.02.10 a 03.09.12, foi objecto de inspecção extraordinária com vista à apreciação do seu mérito (processo de inspecção n.º 1181);
(ii) No quadro desse processo de inspecção extraordinária, foram apresentadas duas propostas. A primeira, identificada com a letra ‘A’, foi apresentada pelo Exmo Relator do processo, e perfilhava a notação sugerida pelo Senhor Inspector, propondo a classificação de ‘Muito Bom’. A segunda, identificada com a letra ‘B’, foi apresentada por um Vogal do CSTAF, e propunha a classificação de ‘Bom com Distinção’.
(iii) Tendo sido ambas as propostas sujeitas a votação, por escrutínio secreto, a proposta ‘A’ recebeu 2 (dois) votos e a proposta ‘B’ 7 (sete).
(iv) O CSTAF, por deliberação de 20.05.14, atribuiu ao autor “(...) a classificação de ‘Bom com Distinção’ ao Mmo. Juiz de Direito A………., pelo serviço prestado no Tribunal Administrativo e Fiscal de …….., de ……… a …………”.

Passemos ao direito.
O presente recurso jurisdicional tem por objecto o acórdão da Secção, de fls. 71 e ss. destes autos, que julgou improcedente a acção administrativa especial onde o autor e aqui recorrente pediu a anulação do acto do CSTAF que lhe atribuíra a classificação de Bom com Distinção e a condenação da entidade demandada a praticar novo acto classificativo – em que se satisfizesse a pretensão do autor de ser classificado com a nota de Muito Bom.
Na 1.ª conclusão da sua minuta de recurso, o recorrente começa por imputar ao aresto «sub specie» a nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, al. b), do CPC; e, complementarmente, diz que a factualidade provada é lacunar e, ademais, insuficiente para se decidir «de jure».
A essa denúncia de que o acórdão da Secção é nulo, o recorrido apenas objecta que a questão da nulidade já está resolvida por – «ex vi» do art. 617º, n.º 1, do CPC – não caber recurso do acórdão da Secção, de fls. 105 e ss., que sobre ela se pronunciou.
Mas esta defesa não colhe. O destinatário da arguição da nulidade de uma qualquer decisão sob recurso é sempre o tribunal «ad quem»; embora o art. 617º do CPC, por motivos de economia processual, admita que o tribunal «a quo» reconheça e supra a nulidade arguida. Quando, nesse exercício, o órgão jurisdicional «a quo» recuse a existência da nulidade – e tal é a hipótese do n.º 1 do mencionado art. 617º – isso nunca trará o indeferimento definitivo da arguição; pois os poderes para tanto não incumbem ao órgão «a quo», mas antes ao órgão «ad quem», como acima vimos. E, precisamente porque a pronúncia negativa do tribunal «a quo» acerca da nulidade deixa o assunto por resolver, é que o legislador do CPC, no art. 617º, n.º 1, «in fine», esclareceu que essa pronúncia – afinal, confirmativa e, por isso mesmo, destituída de alcance decisório – não é, «a se», susceptível de recurso.
Portanto, o acórdão de fls. 105 e ss., que não está sob ataque, não constitui obstáculo a que apreciemos – aliás, prioritariamente – o problema da nulidade que o recorrente suscita e que permanece de pé.
Mas é claríssimo que tal nulidade não existe. Nos termos do art. 615º, n.º 1, al. b), do CPC, e de acordo com uma jurisprudência constante na matéria, a decisão judicial só é nula por falta de fundamentação quando absolutamente careça de fundamentos de facto e de direito. Ora, o acórdão «sub specie» elencou a factualidade que considerara provada e relevante. Nessa medida, o aresto não está completamente desprovido de fundamentação e não sofre, portanto, da nulidade que o recorrente lhe imputa.
Pode acontecer que o julgamento «de factis» da Secção venha a revelar-se imperfeito e insuficiente para se decidir «de jure». No entanto, é prematuro enfrentar agora esse assunto. «Infra», quando apreciarmos as demais «quaestiones juris» colocadas no recurso, veremos se a insuficiência factual que o recorrente aponta deveras ocorre e se repercute na resolução delas. E então, das duas, uma: ou essas falhas e repercussão não existem, sendo vã a denúncia dele – caso em que decidiremos, sem mais, as questões suscitadas; ou elas existem, tendo a denúncia razão de ser – caso em que teremos de ordenar a ampliação da decisão de facto, por se tratar de tarefa excluída dos poderes cognitivos deste Pleno (art. 12º, n.º 3, do ETAF).
Assim, improcede desde já o segmento da conclusão 1.ª da minuta de recurso em que vem arguida a nulidade do acórdão recorrido. Quanto à parte restante da mesma conclusão, ela terá o destino deduzível do sentido decisório que «infra» adoptarmos.
Afastada a nulidade arguida, o ataque mais radical que o recorrente dirige ao aresto «sub specie» prende-se com as supostas inconstitucionalidade e ilegalidade do RIJ aplicado pelo acto. Note-se que se trata do RIJ aprovado pela deliberação n.º 55/2003, do CSM (DR, 2.ª Série, de 15/1/2003), o qual vigorava nesta jurisdição administrativa por força do art. 37º do Regulamento do CSTAF (publicado na 2.ª Série do DR de 22/6/2007).
Nesse âmbito, o recorrente afirma – nas suas conclusões 2.ª a 5.ª – três básicas coisas: que esse RIJ carece de habilitação legal – o que transpõe a denúncia para o plano do art. 112º, n.º 8, da CRP; que o art. 16º, n.º 4, do RIJ, com referência ao seu n.º 1, al. a), viola os arts. 33º, 34º, n.º 2, e 37º, n.º 1, do EMJ; e que essa mesma norma regulamentar é inconstitucional por invadir a reserva de lei da Assembleia da República.
Todavia, e como a Secção assinalou, existe há muito uma jurisprudência constitucional firme, oposta às posições do recorrente. Assim, e através do acórdão n.º 61/02, de 6/2/2002, o Tribunal Constitucional – num caso semelhante ao presente – afirmou o seguinte:

“6. O 1.º ponto a apreciar relaciona-se com a alegação da recorrente quanto a pretensos vícios de inconstitucionalidade orgânica e formal.
Isto porque, segundo essa alegação, constituindo “matéria de reserva de competência legislativa exclusiva da Assembleia da República legislar sobre o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania (art. 164º alínea m) da Constituição)”, o “Estatuto dos Magistrados Judiciais” não autoriza a aprovação de regulamentos de integração ou complementares e não consente que a pretexto de eventuais regras organizatórias internas dos serviços de inspecção do CSM se proceda à alteração das normas legais relativas à classificação de serviço dos magistrados judiciais”, e, portanto, não pode essa classificação ser objecto de regulamento, como acontece com a norma regulamentar em causa. Por outro lado, a mesma norma “é inconstitucional por violação do disposto no artº 112º, 110 8, da Constituição”, querendo com isso dizer-se certamente que falta o título habilitante para a sua emissão.
Falece a razão à recorrente.
Na verdade, e quanto à “violação do disposto no artº 112º, nº 8 da Constituição”, basta confrontar a publicação no Diário da República, II Série, nº 107º, de 8 de Maio de 1996, do Regulamento aprovado na sessão plenária do Conselho Superior de Magistratura (CSM), de 19 de Dezembro de 1995 — e é o regulamento que rege para o presente caso -, para constatar que ele o foi “no uso dos poderes que lhe são conferidos pelos arts. 136º, 149º, als, a) e e), 33º a 37º, 132º a 135º e 160º a 162º da Lei nº 21/85, de 30-7, na redacção dada pela Lei nº 10/94, de 5.5”, o que é indicação bastante, em respeito pelo nº 8 do artigo 112º da Constituição (anterior nº7 do artigo 115º, em vigor à data da aprovação do Regulamento).
Aliás, quanto ao uso daqueles poderes, não pode deixar de se registar que competindo constitucionalmente ao CSM a gestão e a disciplina dos juízes compreendendo-se a classificação ou avaliação, têm de caber-lhe poderes para emitir normas regulamentares, tendo, assim, o Regulamento em causa cabimento na competência subjectiva e objectiva do respectivo órgão emissor.
É que, tem de aceitar-se que, mesmo por natureza, é inerente ao CSM como órgão constitucional que é (citado artigo nº 217º, nº 1), o poder regulamentar a semelhança do poder regulamentar do Governo (artigo 199º, alínea b) da Constituição), sendo certo que isto não vem posto em causa pela recorrente (na linha do acórdão nº 381/97, nos Acórdãos, 37º vol. págs 175 e segs., não pode dizer-se que a Constituição imponha “qualquer numerus cláusus das entidades com poder regulamentar”, apenas estabelecendo ela “a inexistência de poder regulamentar não fundado numa específica lei anterior (precedência de lei)”.
Com o que tem de afastar-se desde logo o apontado vício de inconstitucionalidade formal.
E melhor sorte não logra obter a invocação da orgânica, pois o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de afirmar que não se demonstra que “as normas regulamentares em causa, normas de segundo grau relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, constante da citada Lei nº 21/85, disciplinem matérias estatutárias” (e suposto que não se trata antes de mera ilegalidade, por violação simples daquele Estatuto, como certamente, no rigor da coisas, deveria in casu configurar-se).
Fê-lo no acórdão nº 356/98, nos Acórdãos, vol. 40º, pág. 259 e segs, em que se questionava nos mesmos termos a inconstitucionalidade orgânica do dito Regulamento, acrescentando-se ainda:
“Cabendo elas [normas do Regulamento] nos poderes regulamentares do CSM como “órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial” (cfr. artigos 136º, nº 1), são o prolongamento e o aprofundamento das regras constantes do Estatuto e relativas à apreciação do mérito profissional dos juízes (artigo 149º, b) e) e 39) e não constituem a disciplina primária dessa apreciação” (cfr. v.g. ainda os acórdãos nºs 174/93 e 497/97, nos Acórdãos 24º vol. págs. 57 e 370 vol. págs. 73, respectivamente, sobre regulamentos de execução.
E nem se diga que o questionado artigo 21º, nº 1, d), é “inovador em relação à lei”, ao dispor que “só excepcionalmente se deve atribuir nota de Muito Bom a Juízes de Direito que ainda não tenham exercido efectivamente a judicatura durante 10 anos e desde que se evidencie manifestamente pelas suas qualidades pessoais e profissionais”, pois os artigos 33º e seguintes do Estatuto, tendo a ver com os critérios e efeitos das classificações, a sua periodicidade e os elementos a considerar, projectam-se no Regulamento (também é elemento relevante estatutariamente estabelecido o “tempo de serviço” do magistrado, que o CSM preenche com apoio na regra regulamentar, escolhendo, ao abrigo duma discricionariedade técnica, a classificação adequada, quando aprecia o mérito do magistrado).
Não se trata, portanto, de “norma inovatória”, para usar a expressão do acórdão nº 174/93, pois os citados preceitos do Estatuto constituem “o seu quadro de referência ou a sua matriz” (palavras do mesmo acórdão).
Com o que improcede a alegada violação “de reserva de competência legislativa exclusiva da Assembleia da República”.

Esta jurisprudência, embora relativa ao RIJ aprovado pelo CSM em 1995, mostra-se perfeitamente transponível para o RIJ aplicado pelo acto. Ela corresponde, aliás, às posições constantes do Tribunal Constitucional e deste STA relativamente a regulamentos do género. E a vetustez do acórdão acima parcialmente transcrito – a que o recorrente alude na conclusão 8.ª – não impressiona; pois só teríamos de afastar o sentido decisório de tal aresto se ele fosse anacrónico – e manifestamente não o é, já que a solução dele mantém, como vimos, uma plena actualidade.
Portanto, é falso que o acto impugnado enferme de violação de lei por ter aplicado um RIJ inconstitucional ou ilegal. Daí que o aresto recorrido andasse bem ao negar a necessidade de desaplicação do RIJ, pelas várias razões que invocou; e esta certeza traz a improcedência das quatro conclusões sobre que ultimamente nos debruçámos.
Assente a aplicabilidade desse RIJ – e, também, a do seu art. 16º, n.º 4 – o recorrente preconiza na sua conclusão 10.ª que tal norma seja alvo de uma interpretação «actualística» e extensiva que favoravelmente considere a sua «antiguidade pregressa no MºPº».
Esse art. 16º – após estabelecer, no seu n.º 1, al. a), que «a atribuição de Muito Bom equivale ao reconhecimento de que o juiz de direito teve um desempenho elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira» – dispunha, no seu n.º 4, o seguinte:

«Só excepcionalmente se deve atribuir a nota de Muito Bom a juízes de direito que ainda não tenham exercido efectivamente a judicatura durante 10 anos, tal só podendo ocorrer se o elevado mérito se evidenciar manifestamente pelas suas qualidades pessoais e profissionais reveladas no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo.»

Ora, o resultado da interpretação – seja ela correctiva (como se disse na petição inicial) ou actualística e extensiva (como agora se diz no recurso) – que o recorrente dá ao transcrito preceito corresponde, no fundo, a substituir-se aí a palavra «judicatura» por «magistratura» (incluindo-se nesta a do MºPº); pois, se déssemos à norma este sentido, o acto teria errado ao pressupor que o recorrente não havia ainda completado os 10 anos previstos no art. 16º, n.º 4, do RIJ e que, por isso mesmo, só excepcionalmente poderia ser classificado com Muito Bom.
Mas a proposta hermenêutica do recorrente não convence. Ao condicionar as notações de Muito Bom a um exercício efectivo da judicatura durante 10 anos, o art. 16º, n.º 4, do RIJ acrescentou, à qualidade do desempenho funcional imediatamente avaliado, um outro requisito – a posse de um capital de experiência na prática das funções judiciais. E este requisito – que é lateral em relação a esse desempenho directamente sob análise – visa aumentar a segurança na atribuição da nota máxima; pois é de crer que, quanto maior for a experiência do inspecionado na «judicatura», menor será a probabilidade do seu desempenho óptimo, no módulo de tempo considerado na inspecção, advir de disposições transitórias e mutáveis, e antes corresponder à aquisição de um estado qualitativo permanente.
E esse requisito tem toda a razão de ser, visto que a atribuição da nota de Muito Bom «equivale ao reconhecimento» de que o juiz já atingiu esse estado «elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira» (art. 16º, n.º 1, al. a), do RIJ). Portanto, o exercício efectivo da judicatura durante 10 anos, de que fala o art. 16º, n.º 4, do RIJ, articula-se harmoniosamente com o tipo de «reconhecimento» que a al. a) do n.º 1 do mesmo artigo prevê e exige para que se atribua a classificação de Muito Bom: em princípio, esse juízo acerca do elevado mérito da «carreira» («respectiva» – que é a de juiz) só pode fazer-se após 10 anos de «judicatura»; e só se fará antes de completado esse módulo de tempo se, excepcionalmente, estiverem reunidas as condições previstas na parte final do n.º 4 do art. 16º do RIJ.
Tudo isto mostra que nenhuma razão há para que o período de «10 anos» previsto no art. 16º, n.º 4, do RIJ abranja um exercício de funções fora da judicatura. Assim, a antiguidade do recorrente no MºPº relevou – conforme se estatuiu na Lei n.º 1/2008, de 14/1 – nos planos estatutário e remuneratório. Mas é óbvio que não pode dizer-se que a experiência profissional dele enquanto magistrado do MºPº integrou e traduz uma sua experiência como juiz. E, se isto não pode afirmar-se sem imediata contradição interna, não se vê que o art. 16º, n.º 4, do RIJ – ao reservar, em princípio, a nota de Muito Bom para os juízes que exerçam a judicatura há 10 anos – aponte para uma solução insatisfatória e, por isso mesmo, merecedora de um enfoque interpretativo que a corrija ou amplie.
Portanto, o CSM, ao externar o art. 16º, n.º 4, do RIJ, exprimiu, sem erros, o que havia a dizer – à luz do que já expressara no n.º 1, al. a), do mesmo artigo – sendo desnecessário interpretar correctivamente a norma, sequer na perspectiva de a adaptar à possibilidade actual do juiz inspecionado já deter uma longa carreira na magistratura do MºPº. E, nesse enunciado, o CSM «non dixit minus quam voluit», não se justificando um qualquer alargamento do que no preceito se previu. Assim, e dado que o recorrente não cumpria esse requisito temporal – o exercício efectivo da judicatura durante 10 anos – o CSTAF estava em princípio obrigado a classificá-lo com uma nota inferior à de Muito Bom, tal e qual sucedeu.
Soçobra, deste modo, a conclusão 10.ª que esteve sob análise.
Mas a circunstância do CSTAF estar, «ex vi» do art. 16º, n.º 4, do RIJ, normalmente impedido de atribuir ao recorrente a nota de Muito Bom não vedava, em absoluto, uma tal atribuição, já que era possível que o mesmo Conselho, «excepcionalmente», lhe reconhecesse esse mérito máximo.
Ora, o recorrente assevera que esse reconhecimento excepcional lhe era devido, e isto por duas ordens de razões: porque, por um lado, os princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade, bem como «o direito fundamental consagrado no art. 47º, n.º 2, da CRP», exigiriam essa solução (cfr. a conclusão 11.ª); e, por outro lado, porque os elementos factuais recolhidos no procedimento de inspecção a imporiam também («vide» a conclusão 12.ª).
Assim, a conclusão 12.ª constitui, relativamente à anterior, uma crítica mais radical ao acto impugnado. Não há dúvida que, à luz do art. 16º, n.º 4, do RIJ, a atribuição excepcional da nota de Muito Bom dependia da reunião de requisitos – ligados às «qualidades» do juiz inspeccionado e à complexidade do desempenho funcional – cuja verificação se faria através do exercício de uma discricionariedade imprópria, tendente à justiça administrativa. Ora, a conclusão 12.ª parte da ideia de que tais requisitos já estavam reunidos aquando da prolação do acto; ao invés, a conclusão 11.ª supõe que – por erro no exercício dessa discricionariedade – o acto se absteve de coligir tais requisitos. Não obstante, não iremos inverter a ordem de análise das conclusões e seguiremos a ordenação sugerida pelo recorrente na sua minuta de recurso.
Quanto à conclusão 11.ª, começaremos por reter algo que já dissemos: que nenhuma razão há para que o relevo conferido pelo art. 16º, n.º 4, do RIJ a um exercício efectivo da «judicatura» durante 10 anos se estenda a um igual tempo de serviço prestado na magistratura do MºPº. Sendo assim, e à partida, o CSTAF estava vinculado a recusar a atribuição ao aqui recorrente da nota de Muito Bom. E, como os referidos princípios jurídicos constituem limites internos ao exercício da discricionariedade – seja ela própria ou imprópria – percebe-se que a denúncia do recorrente, de que eles foram violados pelo acto, apenas poderá respeitar ao ponto em que o CSTAF não reconheceu a excepcionalidade prevista no art. 16º, n.º 4, do RIJ; pois só aí se entrevê um campo de exercício de discricionariedade imprópria que deva ser permeado pelos aludidos princípios.
E a conclusão 11.ª está de acordo com isto. Ela não coloca o problema do exercício de funções no MºPº no plano de uma imediata – e vinculativa – atendibilidade delas. Coloca-o, sim, sob a óptica de que esse pretérito exercício funcional justificaria o «reconhecimento excepcional» do mérito do recorrente, em ordem a (excepcionalmente) se impor, «in casu», a atribuição da nota de Muito Bom.
Postas assim as coisas, constata-se que o recorrente, afinal, continua aqui a defender uma interpretação «praeter legem» daquele art. 16º, n.º 4. Com efeito, esta norma não inclui, entre as condições de atribuição excepcional da nota de Muito Bom, a consideração de um tempo de serviço prestado fora da judicatura, designadamente enquanto magistrado do MºPº. Mas o recorrente acredita que os princípios jurídicos e o direito fundamental por si invocados levam e obrigam à inclusão desse tempo de serviço no perímetro previsional da norma.
Mas o recorrente não tem razão. A excepcionalidade considerada no art. 16º, n.º 4, do RIJ respeita a um «desempenho de serviço», aliás «particularmente complexo», na própria «judicatura», e não alhures; pois seria bizarro – e brigaria com a al. a) do n.º 1 do mesmo art. 16º – que um preceito tendente à revelação do trabalho meritório prestado por alguém como juiz admitisse que esse mérito também se revelaria no exercício de funções diversas.
Sendo assim, nenhuma injustiça há no desatendimento, ao classificar-se o desempenho de um juiz, de outras suas actividades pretéritas. Também não é desproporcionado limitar-se a avaliação de um juiz às funções que ele exerceu enquanto tal; o contrário é que seria estranho, pois o juiz deve ser avaliado «sur place», e não por actividades profissionais extrínsecas. E carece igualmente de base a ideia de que fere a igualdade um critério que manda classificar todos os juízes exclusivamente à luz do seu desempenho na judicatura; ao invés, um critério ordenado a esse fim que diferenciasse os juízes a avaliar consoante o grau da sua experiência anterior noutras actividades ligadas aos tribunais é que – para além de ilógico, por misturar o desempenho sob análise com outros, de diferentes proveniências – introduziria desigualdade no corpo judicial. E, por fim, mostra-se vã, e até absurda, a invocação, pelo recorrente, do art. 47º, n.º 2, da CRP, que nenhuma medida comum tem com o caso «sub specie» – já que este é claramente alheio à questão de um «acesso à função pública», seja qual for a perspectiva por que o encaremos.
Improcede, deste modo, a conclusão 11.ª da minuta de recurso.
E igual sorte merece a conclusão 12.ª. Aqui, trata-se de saber se os elementos de facto recolhidos no processo inspectivo levavam, «ex necessitate», ao reconhecimento excepcional de que o recorrente é credor da classificação de Muito Bom. Neste plano, em que exercita a denominada justiça administrativa, o CSTAF goza de prerrogativas de avaliação cujos meios e resultado só são sindicáveis pelos tribunais havendo algum erro grosseiro e manifesto. Ora, o art. 16º, n.º 4, do RIJ previa, para a atribuição excepcional da nota de Muito Bom a juízes cujo exercício da judicatura não excedesse 10 anos, somente o seguinte: que o elevado mérito se evidenciasse manifestamente pelas qualidades pessoais e profissionais do juiz inspecionado, reveladas no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo.
Sendo assim, só poderíamos dizer que o CSTAF errara, ao classificar o recorrente com a nota de Bom com Distinção, se o próprio acto admitisse duas conjugadas coisas: que ele possuía realmente tais qualidades e que as revelara «no âmbito de um desempenho de serviço particularmente complexo». É que, ante uma tal admissão, estaríamos em condições de dizer que o acto concluíra, «contra legem», ao arrepio das suas próprias premissas.
Porém, o acto impugnado não colocou essas premissas. A colocação ou o repúdio delas inseria-se nas prerrogativas de avaliação do CSTAF. E, não estando este STA em condições de afirmar que o desempenho funcional do recorrente foi «particularmente complexo», torna-se impossível que censuremos o acto por ele não ter estabelecido esse requisito regulamentar da atribuição excepcional da nota de Muito Bom. O que tudo significa que não se detecta aqui um qualquer lapso notório ou palmar, susceptível de trazer a anulação do acto.
Assim, a avaliação substitutiva que o recorrente solicita a este Pleno não é realizável. O que acarreta a improcedência da conclusão 12.ª, que esteve em apreço.
É agora certo que o acto impugnado está imune a todos os vícios que o recorrente lhe atribuiu e cuja presença a Secção acertadamente denegou. E, nesta conformidade, não colhem os argumentos expendidos pelo recorrente nas suas conclusões 6.ª, 8.ª e 9.ª, inconciliáveis com o que «supra» afirmámos, nem se coloca a necessidade de se impor o «acto devido» a que ele alude na conclusão 7.ª da sua minuta.
Resta enfrentar as conclusões 13.ª a 15.ª, onde o recorrente acomete a sua condenação em custas, imposta no aresto «sub censura», de duas maneiras: «primo», a falta de pagamento da taxa de justiça inicial constituiria uma excepção dilatória que o saneador não apreciou e que, face ao art. 87º, n.º 2, do CPTA, impediria a Secção de retomar o assunto e condená-lo em custas; «secundo», ele estaria legalmente isento de custas, «ex vi» do art. 4º, n.º 1, al. c), do RCP.
Mas o recorrente está muito equivocado. A falta de pagamento da taxa de justiça inicial só funciona ao modo das excepções dilatórias – no sentido lato de obstar ao conhecimento do mérito – quando no processo explicitamente se assumir que a taxa era devida e que não foi nem pode já ser paga. Antes de um reconhecimento do género, continua pendente a questão de saber se as razões invocadas pelo autor para a sua abstenção de pagar inicialmente a taxa de justiça têm, ou não, validade. Ora, na medida em que o despacho saneador nada disse sobre o assunto, é impossível ver aí a admissão de que o autor estava, deveras, isento de custas – pormenor que reconduzia a resolução do problema para a pronúncia final. E, por outro lado, a circunstância do acórdão «sub specie» ter condenado o autor em custas não corresponde à afirmação de uma excepção dilatória, ademais conhecida «extra temporem» – até porque isso seria inconciliável com o facto do aresto ter apreciado o mérito da acção.
Assim, improcedem com clareza as conclusões 13.ª e 14.ª da minuta de recurso. E igual destino merece a última conclusão.
O recorrente filia a sua suposta isenção de custas no art. 4º, n.º 1, al. c), do RCP – que é paralelo ao art. 17º, n.º 1, al. g), do EMJ. Mas ele não propôs a acção dos autos «por via do exercício das suas funções» judiciais. Essa expressão legal somente abrange os casos em que o magistrado se encontre envolvido num processo por razões que directamente advenham do exercício das suas funções. E isso exclui as hipóteses que só indirectamente se liguem a um tal exercício – como sucede sempre que o magistrado discuta penas disciplinares ou avaliações de desempenho. Aliás, e no que a estas respeita, não se entenderia a atribuição aos magistrados de uma isenção de custas, quando tal é negado a quaisquer servidores do Estado que impugnem classificações de serviço.
Portanto, o autor não goza, «in casu», da isenção que invocou; e esta é, de há muito, a jurisprudência corrente do STA na matéria («vide», v.g., os acórdãos de 25/11/98 e de 7/2/95, respectivamente proferidos nos processos ns.º 44.059 e 32.981).
Nesta conformidade, por improcedência ou irrelevância de todas as conclusões do aqui recorrente, deve o aresto «sub censura» manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos, acordam em negar provimento a este recurso e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2016. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.