Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0906/13
Data do Acordão:05/28/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO
RECORRIBILIDADE
Sumário:I - Das decisões do Tribunal Central Administrativo proferidas em 2º grau de jurisdição, nos termos do artigo 38 n.º 1 al. a) do ETAF, não cabe recurso jurisdicional para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. ainda artigo 26º n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal).
II - Consideram-se proferidos em segundo grau de jurisdição, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo emitidos em sede de recursos jurisdicionais de decisões dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ainda que neles se conheça, pela primeira vez, de determinada questão, como, por exemplo, da competência do Tribunal Central Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso.
III - Com excepção do processo penal, não existe um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição.
Nº Convencional:JSTA000P17565
Nº do Documento:SA2201405280906
Data de Entrada:05/21/2013
Recorrente:INST DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem o Instituto da Segurança Social recorrer do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que julgou procedente a impugnação deduzida pela A……….., S.A., melhor identificada nos autos, deduzida contra a liquidação adicional referente a contribuições devidas à Segurança Social, relativas aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, no montante global de € 5.974.403,16.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª — Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o recurso interposto pela Impugnante tem por exclusivo fundamento matéria de direito, razão pela qual é a Secção de Contencioso Tributário daquele Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento, e competente a Secção de Contencioso Tributário deste STA.
2.ª — Na sequência da notificação do Parecer do Ministério Público, o ora Recorrente pronunciou-se nos autos sobre a questão que constitui o objecto do presente recurso, salientando que a Impugnante, embora impute ao Tribunal a quo «erros clamorosos» no julgamento da matéria de facto, em momento algum especifica que erros são esses e quais os concretos pontos da factualidade provada que lhes dão expressão; nem, tão-pouco, quais as provas produzidas que, no seu entender, demonstram os alegados erros.
3.ª — A jurisprudência deste STA tem vindo a entender que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso, o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.
4.ª — A análise das conclusões do recurso interposto pela impugnante, à luz da mencionada jurisprudência, evidencia que em nenhuma se impugnam concretos factos constantes do probatório da douta sentença recorrida, ou se invocam outros que não tenham sido ai apreciados.
5.ª — Porém, no douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo perfilhou um entendimento, com o qual o Recorrente não se conforma, que parece bastar-se com a mera alegação, nas conclusões de recurso, de “erros clamorosos no plano da determinação da matéria de facto dada como provada”, para se concluir que aquele não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito.
6.ª — Sendo certo que é na divergência em relação ao decidido que o recurso encontra o seu fundamento, no caso da Impugnante, o recurso interposto revela que tal divergência resulta da valoração jurídica dada aos factos provados na sentença da 1.ª Instância, e não de qualquer erro no julgamento da matéria de facto.
7.ª — Isso mesmo — contraditoriamente, aliás — foi reconhecido pelo Tribunal a que, no ponto lV-2.1.2. do douto Acórdão recorrido, ao concluir que “seria sempre inevitável a rejeição do recurso em relação à impugnação do julgamento factual produzido na sentença”.
8.ª — Assim sendo, ao apreciar a questão prévia da competência hierárquica para o recurso, o Tribunal a que, na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal, podia e devia ter concluído que o quid disputatum exposto pela Impugnante no seu recurso, se resumia à interpretação e aplicação de normas e conceitos jurídicos relacionados com o “prémio de desempenho” em questão.
9.ª — Com efeito, tendo o Tribunal a quo verificado que não lhe seria permitido alterar a matéria de facto fixada na 1.ª Instância, porque assim o impunha, desde logo, o teor das conclusões formuladas, não lhe era lícito determinar a solução de direito a dar à causa, em virtude de não ser para tal competente.
10.ª — A solução consagrada nos actuais artigos 26º, al. b), e 38º, al. a), do ETAF, foi manifestamente uma preocupação de economia processual, considerando que não se justifica a intervenção do tribunal de 2.ª Instância, caso os factos a considerar na decisão se encontrem fixados.
11.ª — Ao considerar-se competente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso em causa, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 26º, alínea b), e 38, alínea a), in fine, do ETAF, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, do que resulta a incompetência absoluta do Tribunal a quo (cfr. art. 101º do CPC, ex vi art. 2ª, alínea e), do CPPT).»

2 – A entidade recorrida, A………….., S.A. apresentou as suas contra alegações, concluindo da seguinte forma:
«1.ª É inequívoco, na perspectiva da A……….. que a Secção do Contencioso Tributário do TCAN era plenamente competente para apreciar o recurso interposto pela A……….. contra a sentença proferida pelo TAF do Porto nos presentes autos;
2.ª O aludido recurso interposto pela A…………., entre outras alegações, fundamentou-se nos erros clamorosos em que incorrera o Tribunal a quo no plano da determinação — ou delimitação — da matéria de facto considerada como provada e que serviu de base ao sentido final do aresto produzido;
3.ª A A…………. sustentou — e entende que ficou demonstrado — que os prémios de desempenho que atribui a alguns trabalhadores, designados «quadros da empresa» — essencialmente técnicos e chefias a quem são atribuídas funções de responsabilidade — têm como características a sua (i) imprevisibilidade, (ii) eventualidade, (iii) discricionariedade, (iv) unilateralidade, (v) carácter colectivo, (vi) irregularidade e (vii) variabilidade (vide alegações de recurso para o TCAN, p. 6);
4.ª Contrariamente, no entanto, o Tribunal a quo projectou no mencionado Prémio características que lhe são, demonstradamente, estranhas;
5.ª Este erro no plano dos factos — ou, se se quiser, «nas ilações de facto que se devem retirar dos mesmos», para usar uma expressão utilizada pelo STA no seu recente Acórdão de 7 de Novembro de 2012 (proc. nº 0832/12, disponível em www.dgsi.pt) — e na justa medida em que a A………. o relevou nas suas alegações de recurso, remete a competência hierárquica deste para o TCAN.
6.ª Nessas alegações, as conclusões 6, 7 e 8, são justamente — ora por oposição ora por afirmação directa — uma inequívoca impugnação da matéria de facto, ou das ilações de facto que o Tribunal a quo retirou dos factos;
7.ª Em face do exposto, somos forçados a concluir que, ao contrário do que defendia o ilustre Magistrado do Ministério Público no seu parecer — e agora resulta do Recurso interposto pelo ISS — a questão em apreço nos autos de recurso para o TCAN não tinha por exclusivo fundamento a reapreciação da matéria de direito, tendo, concomitantemente, por fundamento um errado juízo quanto à matéria de facto.»

3 – O Ministério Público emitiu parecer a fls. 225/229 dos autos, suscitando desde logo a questão prévia da inadmissibilidade do recurso porquanto o recorrente interpôs o recurso no pressuposto de que a decisão sindicada – que versou a competência em razão da hierarquia do Tribunal Central Administrativo Norte - foi proferida em primeiro grau de jurisdição.
Porém, sublinha o Exmº Procurador-Geral Adjunto, tal decisão foi proferida em segundo grau de jurisdição e não em primeiro, no âmbito de recurso jurisdicional interposto de decisão proferida pelo TAFP.
Concluindo que, tratando-se de decisão proferida em segundo grau de jurisdição, o recurso não pode ser admitido.
Para a hipótese de assim não se entender sustenta que o recurso não merece provimento porquanto, tal como decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, o recurso não tem por fundamento, exclusivamente, matéria de direito, mas também de facto, sendo aquele Tribunal competente para do mesmo conhecer.

4 – Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a questão da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Exmº Procurador Geral Adjunto no seu parecer a fls. 1485 a 1487, veio a recorrente pugnar pela improcedência da questão levantada.

5 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

6 – O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 1/03/2004, foi determinado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) a submissão da impugnante a uma averiguação, à respetiva contabilidade relativamente aos anos de 2002 a 2004, para apuramento relativo a verbas pagas a título de “prémios de desempenho” a todos os Diretores e Chefias dos Estabelecimentos, em território nacional. (fls. 149 dos autos).
2. Na sequência da ação inspetiva, foi elaborado Projeto de Relatório, o qual consta de fls. 142 a 146, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se exarou, nomeadamente, o seguinte:
«(...)II-DOS FACTOS
1. O contribuinte nos meses de Fevereiro dos anos de 2002, 2003 e 2004, pagou a alguns dos seus trabalhadores uma verba denominada de “Prémios de Desempenho”, sobre o qual não fez incidir a taxa social única.
2. Os trabalhadores a quem o A………… pagou este “Prémio de Desempenho” são os indicados nos mapas (...)
3. O valor do “Prémio de Desempenho” pago nos anos de 2002, 2003 e 2004 foi, respectivamente, de 5.241.923,65€, 5.807.125,99€ e 6.143.477,46€, conforme documento elaborado e remetido pelo A……….. que se anexa em documento 3. O valor das contribuições omitidas para o Regime Geral da Segurança Social, à taxa de 34,75%, perfaz um total de 5.974.403,1 6€;
4. Este “Prémio de Desempenho” foi pago em Fevereiro de cada um dos anos referidos e foi atribuído no ano anterior ao do seu pagamento;
5. Quanto à atribuição do “Prémio de Desempenho”, apurou-se que a mesma faz parte da política salarial existente no A………….., inserindo-se no conjunto de incentivos remuneratórios ao empenho dos trabalhadores que ocupam determinadas funções na empresa e que no exercício das mesmas colaboraram com o seu empenho pessoal para o atingir de objectivos globais da organização. Apuramos ainda que a politica salarial desenvolvida pelo A……………., mais concretamente o conjunto de incentivos remuneratórios praticados, faz pane da filosofia empresarial do Grupo onde o A………….. está inserido;
6. O que aqui foi apurado resulta quer do esclarecimento prestado por escrito, em carta de 20 de Abril de 2004, pela Directora de Recursos Humanos, cuja cópia se anexa como documento 4, bem como do declarado pelos trabalhadores ouvidos em Auto no decurso das diligências efectuadas, conforme Autos de Declarações anexos em documento 5. (Docs 4 e 5);
7. Ainda, relativamente à atribuição do “Prémio de Desempenho”, apurou-se que o mesmo não resulta de deliberação do Conselho de Administração do A……………, tal como nos foi informado pelo mesmo, a 01 de Março de 2005, em cana que aqui se junta e se dá por integralmente como reproduzida em documento 6 anexo (Doc.6);
8. Quanto aos critérios/pressupostos de atribuição daquela prestação, bem como quanto aos objectivos a atingir, apurou-se que os mesmos são definidos no início de cada ano e comunicados a cada um dos trabalhadores, em mapas elaborados pelo A……e denominados internamente de “KPls”. Junto se anexam em documento 7 alguns exemplos dos denominados “KPIs” (Doc.7);
9. Nestes mapas, “KPIs” encontram-se claramente definidos os critérios de atribuição do “Prémio de Desempenho”. Também se encontram definidos os objectivos e parâmetros individuais e colectivos a atingir por cada um dos trabalhadores, bem como a sua ponderação e o seu valor. Analisando estes “KPIs” verifica-se que os objectivos pessoais a atingir pelos trabalhadores têm um peso muito superior na atribuição do “Prémio de Desempenho” relativamente ao peso dos objectivos colectivos (estes relacionados com a organização global);
10. No final de cada ano, antes de ser atribuído o “Prémio de Desempenho” a cada trabalhador, o “KPI” de cada um deles é analisado pela respectiva chefia e em conjunto com o próprio trabalhador;
11. Posteriormente e face aos objectivos atingidos pelo trabalhador, a respectiva chefia elabora uma “Proposta de atribuição de Vencimento Base e Prémio de Desempenho”, conforme exemplar anexo em documento 8 (Doc.8);
12. Após terem elaborado as propostas referidas no ponto anterior, as respectivas chefias apresentam as mesmas no departamento de pessoal, para que este fixe o valor efectivo do “Prémio de Desempenho” a pagar a cada trabalhador;
13. Em termos contabilísticos o valor da prestação é classificada como um custo com pessoal no ano da sua atribuição, sendo o valor atribuído aos órgãos sociais contabilizado na conta 64160100 e o valor atribuído ao pessoal contabilizado na conta 64226001;
14. No entanto, nestas contas, antes do A…………. ter procedido à atribuição do “Prémio de Desempenho” bem como ao seu pagamento (que foi feito no mês de Fevereiro do ano seguinte ao ano da sua atribuição), foi imputado automaticamente e informaticamente, mês a mês, de Janeiro a Dezembro, em duodécimo do valor do “Prémio de Desempenho” a atribuir a cada trabalhador;
15. No final de cada ano, assim que o A……….. apurou o valor a pagar efectivamente a cada trabalhador, na contabilidade foi efectuado um lançamento manual de acerto relativamente ao valor já contabilizado como custo com o pessoal nas 64160100 e 64223001. As rubricas da contabilidade do A………… onde foram contabilizados estes acertos foram as contas 64160200 para os órgãos sociais e 64226002 para o pessoal;
16. A prestação denominada de “Prémio de Desempenho” constante nos recibos de vencimento de Fevereiro dos anos de 2002, 2003 e 2004, corresponde à verba contabilizada nos anos de 2001, 2002 e 2003, respectivamente, nas contas anteriormente referidas;
17. No documento 9 anexo, juntam-se extractos das rubricas da contabilidade atrás referidas (Doc. 9);
18. Do apurado resta referir que os trabalhadores do A………….: ouvidos em Auto, contam sempre receber aquela prestação. Também do declarado pelos trabalhadores se afere que os mesmos contam com o pagamento daquela prestação independentemente de atingirem, ou não, os objectivos colectivos da organização, e isto porque, no mínimo contam receber a parte do “Prémio de Desempenho” que respeita ao atingimento dos objectivos individuais. Assim, contam receber valores muito próximos dos definidos no início de cada ano, e isto porque este valor, segundo o que se afere do declarado, depende essencialmente deles próprios.
III - CONCLUSÃO FACE AOS FACTOS APURADOS
Face ao apurado entendemos que, em termos de direito, “Prémio de Desempenho” pago pelo A…………. aos seus trabalhadores, constitui base de incidência de contribuições para a Segurança Social, e isto por entendemos que aquela prestação subsume-se no conceito de remuneração estatuído no artigo 2.°, seu corpo e alínea d) do D.R. 12/83, de 12/02.
Ora, este nosso entendimento resulta do facto da alínea d) do artigo 2.º do citado D.R.: enumerar, a título exemplificativo, algumas prestações remuneratórias que estão sujeitas à taxa social única, situação que se verifica quando as empresas, contratualmente ou com base em usos por implementados, atribuem e pagam, regular e periodicamente, aos seus trabalhadores, como forma de os compensar por haverem atingido determinados objectivos ou resultados por si desejados. Na verdade, todas as situações referidas na citada alínea d) do artigo 2.º do DR 12/83, de 12/02, respeitam a prestações remuneratórias que as empresas decidem atribuir e pagar aos seus trabalhadores com o objectivo de incentivar/premiar/compensar pelo seu empenho no exercício das suas funções e pela sua contribuição na prossecução de objectivos ou resultados por si desejados.
Sendo este o sentido e alcance do normativo referido e sendo verdade, face ao apurado e pelos documentos juntos em anexo facultados pelo A…………, que é uso e costume, o mesmo, atribuir e pagar o “Prémio de Desempenho” a determinados trabalhadores, em resultado da política salarial e de incentivos implementada, não restam dúvidas que aquele “Prémio de Desempenho” se subsume, clara e inequivocamente naquele normativo.
Também não restam dúvidas que a atribuição e pagamento daquele ‘Prémio de Desempenho” a determinados trabalhadores se tornou um uso e costume no A………….., podendo-se verificar a concretização desse uso/costume pela sua atribuição e pagamento anual, sobejamente documentado nos mapas denominados internamente pelo A…………. de “KPIs”.
Por outro lado, o A….. ao implementar e tornar uso na sua organização um sistema de incentivos remuneratórios com vista à obtenção de determinados objectivos (claramente definidos), atribuindo e pagando esses incentivos remuneratórios a determinados trabalhadores, só poderá ter desejado remunerá-los como contra partida do seu trabalho e do seu empenho, no exercício das suas funções e no atingimento de determinados resultados.
Assim, ao se tornar uso no A………. o pagamento do “Prémio de Desempenho” pelo atingimento dos objectivos anualmente definidos, os trabalhadores imediatamente após a sua contratação ou após a sua progressão/promoção para determinadas categorias profissionais, verificando o uso/costume existente na organização quanto ao pagamento do “Prémio de Desempenho” criaram em si a justa expectativa de também verem ser-lhes pago esse Prémio, e isto nos termos desse mesmo uso/costume interno da organização, que mais não é do que a própria política salarial e de incentivos implementada e praticada internamente.
IV - PROPOSTA
Face ao expostos, e por ser nosso entendimento que o “Prémio de Desempenho” pago pelo “A………………, S.A.” nos anos de 2002, 2003 e 2004, a alguns dos seus trabalhadores, constitui base de incidência de contribuições para a Segurança Social, propõe-se que se notifique o contribuinte, nos termos e para os efeitos do artigo 100º e ss do Código do Procedimento Administrativo (D.L. 442/91 de 15 de Novembro).»
3. Em 01.09.2005, foi elaborado Relatório Final que adotou os factos já verificados e relatados no Projeto de Relatório, o qual mereceu despacho de “Concordo. Proceder conforme proposto” pelo Presidente ISS em 30/09/2005, o qual consta de fls. 137 a 1141, dos autos (fls. 192 a 200 PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Com relevância para a presente decisão, consta do Relatório Final, o seguinte:
«(...) CONCLUSÃO:
Analisada detalhadamente a resposta do contribuinte, concluímos que esta, nada vem acrescentar em termos factuais à posição por nós defendida no já citado “Projecto de Relatório”, pelo que a nossa posição face aos factos apurados em nada se altera.
IV - PROPOSTA
Face ao exposto, e por ser nosso entendimento que o ‘Prémio ‘de Desempenho” pago pelo “A…………….., S.A.”, nos anos de 2002, 2003 e 2004, a alguns dos seus trabalhadores, constitui base de incidência de contribuições para a Segurança Social, propõe-se que sejam dadas como liquidadas as contribuições totais de 5.974.403,16€’, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social.
Por força da citada liquidação, o contribuinte “A……………… LA.”, deverá ser considerado, em termos definitivos, devedor à Segurança Social da importância de 5.974 .403,16€’.
Após a decisão que recair sobre este relatório, o contribuinte deverá ser notificado para, no prazo de 30 dias proceder ao pagamento voluntário do já citado valor global de 5.974.403,16€, com os inerentes juros de mora, suportando esse pagamento com a elaboração das correspondentes declarações de remunerações de harmonia com os mapas anexos, elaborados e remetidos pelo contribuinte, em documento 3 (doc. 3), com a cominação de, não o fazendo, se proceder imediatamente, à elaboração oficiosa das citadas declarações de remunerações e aquela sua dívida vir a ser objecto de execução nos termos dos artigos 9º do D.L. 511176, de 3/41550 do C.P.A (D.L. 442/91, de 15/11) e do D.L. 42/01, de 9/02).»
5. Em 23/11/2005, a impugnante foi notificada do teor do despacho do Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, I.P, proferido a 30/09/2005, o qual ordenou à impugnante o pagamento do montante de € 5.974.403,16., conforme documento de fls. 67 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6. Em 23/12/2005, a impugnante solicitou, ao abrigo do art.º 37.º do CPPT, a notificação dos elementos omitidos, em requerimento subscrito pela Advogada B……………….., que juntou procuração. [como consta de fls. 73 dos autos e fls. 202 e 203 PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
7. Por despacho de 03/08/2006, o Instituto de Segurança Social deferiu o pedido da impugnante comunicando-lhe, na pessoa da sua mandatária Dra. B…………., que haviam sido “atendidos os argumentos aduzidos quanto à insuficiência de fundamentação”, procedendo, assim, a nova notificação e concedendo ainda novo prazo de 30 dias para pagamento voluntário da importância de 5.974.403,16 euros. (fls. 134 dos autos);
8. Em 09/08/2006, foi notificado à Impugnante na pessoa da sua mandatária judicial, concedendo lhe um prazo de 30 dia para proceder ao pagamento voluntário da dívida (facto admitido por confissão conforme intróito e art.º 13.º da PI);
9. O prémio de desempenho é pago uma vez por ano, em fevereiro, por referência ao ano anterior e o valor variável;
10. Os quadros técnicos e chefias da Impugnante conhecem os objetivos de cujo cumprimento depende a atribuição do prémio de desempenho.
11. A informação, quanto ao cumprimento dos objetivos estabelecidos no início de cada ano, é dada a cada um dos trabalhadores com regularidade, bem como a informação em termos comparativos dos colegas;
12. Em 11/12/2006, a Impugnante deduziu a presente impugnação judicial. [Cfr. fls. 3 dos autos];.

7. Da admissibilidade do recurso

Importa em primeiro lugar conhecer a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso, suscitada pelo Ministério Público no seu parecer, pois que sendo do conhecimento oficioso, a sua eventual procedência prejudicará o conhecimento de qualquer outra questão.
Como é sabido o despacho de admissão de recurso não vincula o tribunal superior, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no artº 685º-C, nº 5 do Código de Processo Civil (actual 641º, n.º 5, do mesmo diploma).

É o seguinte o teor do despacho de admissão do recurso (fls. 1449):
“Por estar em tempo e ter legitimidade, vai admitido o recurso interposto nos autos relativamente a decisão que julgou o presente Tribunal Central Administrativo competente em razão da hierarquia para conhecer do recurso interposto pela impugnante, decisão esta proferida em primeiro grau de jurisdição em acórdão proferido e constante de fls. 1406 e ss, recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.”

Defende o Exmº Procurador-Geral Adjunto que o recurso não deve ser admitido porque estamos perante decisão proferida em segundo grau de jurisdição e não em primeiro.
Para o efeito sustenta que a questão da competência em razão da hierarquia suscitada pelo Ministério Público junto do TCAN foi decidida, pela primeira vez, mas no âmbito de recurso jurisdicional interposto de decisão proferida pelo TAFP.
E, citando Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª edição, Áreas Editora, vol. IV, pag. 392, refere que “para efeito de determinação do grau de jurisdição atende-se ao tipo de intervenção do tribunal no processo, designadamente se intervém ou não em recurso ou outro meio de impugnação de uma decisão de outro tribunal, e não ao conhecimento primário ou secundário de alguma questão”

Vejamos pois.
7.1 O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção do D.L. n.º 229/96, de 29 de Novembro extinguiu, no contencioso tributário, o terceiro grau de jurisdição, pese embora tivesse salvaguardado, o art. 120° daquele diploma legal, que tal extinção "apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor".
Ainda assim, relativamente aos processos iniciados anteriormente ao início de vigência (Que ocorreu em 15.09.1997 – art. 114º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e Portaria nº 398/97 de 18 de Junho) do Decreto-lei nº 229/96, manteve-se a possibilidade de recurso para a secção de contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisões do Tribunal Central Administrativo proferidas em segundo grau de jurisdição.
Porém, no caso dos autos o processo de impugnação deu entrada em 2006, portanto muito depois da entrada em vigor do diploma que determinou a extinção do 3º grau de jurisdição no contencioso tributário.
Sendo que resulta do artº 26º, al.b) do ETAF que compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos acórdãos da Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos, proferidos em 1.º grau de jurisdição.

A questão que cumpre dirimir é pois a de saber se o acórdão recorrido, na parte em que julgou o Tribunal Central Administrativo Norte competente em razão da hierarquia para conhecer do recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, constitui uma decisão cuja competência esteja atribuída em primeiro grau de jurisdição ao Tribunal Central Administrativo, pois só nessa hipótese (Ou nos casos de recurso de revista ou de oposição de julgados, que não estão em causa hipótese sub judice.), será admissível o recurso para a secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo.
Colocada a questão nestes termos desde já adiantaremos que assiste razão ao Ministério Público quando defende que estamos perante decisão proferida em segundo grau de jurisdição e não em primeiro.
Com efeito, como vem sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo no quadro de definição de recursos, o grau de jurisdição resulta «da posição em que o tribunal é chamado a decidir: directamente, por dever conhecer do pedido inicialmente formulado – por exemplo, em acção ou meio processual acessório - ou em segunda ou terceira via, por virtude de recurso jurisdicional ou meio análogo.
Não é o facto de uma questão ter ou não sido decidida pela primeira vez no Tribunal Central Administrativo que determina a recorribilidade, mas sim o facto de ter sido proferida em Acórdão pronunciado em primeiro grau de jurisdição ou como tribunal de recurso.
Neste último caso – questão decidida pelo tribunal de recurso, ou seja em segundo grau de jurisdição - mesmo que se trate de questão nova, não haverá um terceiro grau de jurisdição - cfr. neste sentido os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 2004, processo n.º 01960/03, de 24.10.2006, processo nº 815/06, de 23.09.2009, processo nº 603/09, e da Secção de Contencioso Tributário de 26.04.2007, processo nº 195/07 e de 18.06.2008, processo nº 400/08, todos in www.dgsi.pt.
No caso em apreço, como vimos, a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, ao julgar-se competente em razão da hierarquia, insere-se na fase de recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Assim e de harmonia com a redacção do referido artº 26º, al.b) do ETAF forçoso é concluir que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, porque proferido já sobre sentença do TAF de Porto, isto é, em segundo grau de jurisdição, não era susceptível de sindicância através de recurso jurisdicional.

7.2 Notificada para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, a recorrente alega também que, a vingar tal entendimento, o concreto exercício da competência dos Tribunais Centrais Administrativos para conhecer dos recursos das decisões dos Tribunais Administrativos e Fiscais resulta praticamente insindicável, sem que se vislumbre razão de fundo suficientemente válida para tal, sendo, além do mais, comprometido o estatuto de igualdade efectiva das partes no processo, no respeitante ao uso de meios de defesa, e bem assim o princípio da promoção do acesso à justiça.
Entendemos que, também aqui, carece de razão.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional já, por várias vezes, afirmou que em matéria de direito ao recurso jurisdicional, não resulta da Constituição, em termos genéricos, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição e que tal direito não faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da Constituição (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 239/97, 510/2003, 44/2008, 339/2011 e 396/14 todos in www.tribconstitucional.pt, e, bem assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª edição, nota XXI ao artigo 20.º, pp. 449 a 452, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, nota XIV ao artigo 20.º, p. 418).

Como ficou sublinhado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/14, de 07.05.2014, « o direito que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade)”. Da previsão constitucional decorre ainda que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma “decisão em prazo razoável” e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (n.ºs 4 e 5 do referido artigo 20.º da CRP).

A exigência de um duplo grau de jurisdição apenas está expressamente consagrada no âmbito do processo penal e relativamente a decisões condenatórias ou que afetem a liberdade do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Para além disso, esse direito é considerado por alguma doutrina e jurisprudência, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, como inerente à proteção contra decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias pessoais.

Fora desses domínios específicos, o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso, podendo regular diversamente a possibilidade e o modo de impugnação das decisões jurisdicionais».

No fundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reafirmado que não existe um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com excepção do processo penal) – vide Ac. 510/2003, de 28.10.2003 (Diário da República II Série, de 6.1.2004).
De idêntico sentido tem sido a posição tomada por este Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, como decorre dos já citados acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo proferidos nos processos 1960/03 e 603/09 e ainda do acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 11.07.2012, proferido no recurso 509/12 ( recurso de revista excepcional).
Os fundamentos invocados em tal jurisprudência, cuja bondade aqui se reitera, são totalmente transponíveis para o caso dos autos pelo que concluímos que não se mostram violados aqueles princípios.

8- Decisão
Termos em que, em face do exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente a suscitada questão prévia e não tomar conhecimento do presente recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Maio de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.