Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0986/16.3BEAVR
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Porque um dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 284.º do CPPT é que a oposição entre o acórdão recorrido e o que foi invocado como fundamento respeite à mesma questão fundamental de direito, não pode conhecer-se do mérito do recurso se o recorrente erigiu como objecto do recurso uma questão que não é de direito, mas antes respeita ao julgamento da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA000P28860
Nº do Documento:SAP202201260986/16
Data de Entrada:09/22/2021
Recorrente:Z...............– UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

A Sociedade Comercial Z…………… – UNIPESSOAL, Lda., melhor sinalizada nos autos, vem, nos termos do n.ºs 1 e 2 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na redação introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 25/02/2021, que decidiu conceder parcial provimento ao recurso intentado da sentença exarada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, relativo ao ano de 2014, no valor de €830.320,31, e decidiu revogar a sentença recorrida na parte em que manteve a liquidação adicional impugnada no segmento relativo à tributação autónoma a título de “despesas não documentadas”, e no mais confirmar o decidido, tendo invocado contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Processo n.º 01762/13.0BEBRG, em 16/09/2020, que se indica como fundamento.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Z…………. – UNIPESSOAL, Lda., as seguintes conclusões:

1) O Recurso foi interposto com fundamento em contradição de Acórdãos, servindo de Acórdão Fundamento o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2a Secção, datado de 16-09-2020, Processo N° 01762/13.0BEBRG, Nulidade Processual - Regime de Arguição - Princípio do Contraditório - Falta de Notificação de documentos com o articulado, publicado em www.dgci.pt.

2) A contradição de Acórdãos resulta da existência de soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, ou seja, sobre Nulidade Processual - Regime de Arguição - Princípio do Contraditório - Falta de Notificação de documentos com o articulado, no caso, Falta de Notificação do teor dos Relatórios de Inspeção dos emitentes das faturas em causa.

3) Enquanto no Acórdão recorrido se considera não ser necessário notificar a Impugnante, aqui recorrente, dos Relatórios elaborados aos emitentes, no Acórdão fundamento, pelo contrário, considerou-se e bem, “que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório (actualmente entendido como "direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo"), não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. ”

4) E acrescenta o Acórdão Fundamento que: “A falta de notificação do teor de documentos juntos com o articulado inicial e que se constata como relevantes para a decisão de mérito, constitui irregularidade processual com o regime de arguição/decisão previsto no art°.195 e seg., do C.P.Civil, aplicável ao processo tributário "ex vi" do art°.2, ale), do C.P.P.T., consubstanciando omissão susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.

5) No Acórdão recorrido, da falta de fundamentação, página 101, considerou-se que:” Nem se diga como faz a recorrente que é processualmente inconcebível que todos os alegados indícios dados por apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira se sustentem em “partes ” de Relatórios de outros contribuintes, in casu dos emitentes e só constam do Relatório da Impugnante “partes” que o Senhor Inspector Tributário “escolheupara transcrever no Relatório Final da Impugnante. ”

6) Ora, a recorrente apenas constata que é realmente inconcebível que todos os alegados indícios dados por apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira se sustentem em “partes” de Relatórios de outros contribuintes, in casu dos emitentes e só constam do Relatório da Impugnante as “partes” que o Senhor Inspector Tributário “escolheu” para transcrever no Relatório Final da Impugnante,

7) O Acórdão recorrido ao negar provimento ao Recurso, mantendo a Douta Sentença recorrida com base no ónus da prova, sem que os Relatórios da Inspeção Tributária dos emitentes em causa tenham sido notificados do seu teor integral à recorrente, afronta clamorosamente o Princípio do Inquisitório Pleno consagrado no artigo 58° da Lei Geral Tributária e no artigo 13° do CPPT e artigo 99° da Lei Geral Tributária.

8) Sendo que, tais documentos por virtude do princípio do contraditório, tinham de ser integralmente notificados à outra parte, ou seja, a Impugnante, ora recorrente, para que lhe fosse possível exercer adequadamente o respetivo direito do contraditório, o que não ocorreu, na mais completa violação do artigo 98° da Lei Geral Tributária, em que as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa.

9) A impugnante, ora recorrente, tinha direito de verificar se a Autoridade Tributária e Aduaneira na área dos emitentes, teria ou não considerado como proveitos/vendas no naquele exercício, as faturas que posteriormente imputou de falsas na contabilidade da Impugnante, ora recorrente.

10) Ora, a recorrente não pode conformar-se com o entendimento constante da decisão recorrida, e isto, porque os Relatórios de Inspeção Tributária possuindo simultaneamente natureza jurídica de “informações oficiais” (artigo 111° do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e de elementos de prova oriundo da parte processual Fazenda Pública, é obrigatória a notificação do seu teor, nos termos do artigo 115°, n° 3 do C.P.P.T.

11) Portanto, tais Relatórios, por virtude do princípio do contraditório tinham e têm que ser integralmente notificados à outra parte, ou seja, à Recorrente, para que lhe fosse possível exercer adequadamente o respectivo direito do contraditório, aliás, em conformidade com o artigo 98° da Lei Geral Tributária, nos termos do qual as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa, de acordo com o princípio da igualdade processual em sintonia com os artigos 13° e 20° da Constituição da Republica Portuguesa.

12) Mais, a dimensão substancial do princípio da igualdade processual consagrado no artigo 98° da Lei Geral Tributária rejeita a possibilidade de atribuição à Autoridade Tributária e Aduaneira de privilégio probatório na instrução do processo, ou seja, a uma posição de superioridade probatória em relação à impugnante, ora recorrente.

13) Não podendo os factos serem considerados provados com base em prova inexistente nos próprios autos.

14) No Acórdão Fundamento decidiu-se e bem que a prova da simulação das faturas compete à Autoridade Tributária e Aduaneira e não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira feito a prova da formação do seu juízo (como é o caso sub judice), a questão relativa à legalidade do seu agir teria de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em Tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efectuou.

15) É que, tal como resulta do artigo 74°, n° 1 da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos cabe a quem os invoque, e neste caso, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira, o que não fez, pois a transcrição de “excertos” dos alegados Relatórios dos emitentes das faturas em causa, não são prova nestes autos.

16) Quanto às questões das nulidades insanáveis (artigo 98° do C.P.P.T., os elementos constantes dos alegados “Relatórios de Inspeção” têm, dentro do processo de Impugnação judicial, a natureza de prova e, por virtude do princípio do contraditório, para serem considerados como prova bastante no caso sub judice, tinham de ser integralmente notificados à impugnante, aqui recorrente, o que nunca aconteceu, na mais completa violação dos artigos 98° da Lei Geral Tributária e 13° e 20° da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que há que cumprir a Lei do nosso país em matéria tributária, nos termos do artigo 103° da Constituição da Republica Portuguesa.

17) Assim, existindo, assim, identidade da questão de direito e de facto, reafirma-se que têm as decisões proferidas no Acórdão recorrido e no Acórdão Fundamento sentidos opostos, pelo que existe a referida contradição de Acórdãos.

18) Foram violados os artigos 45°, n° 1, 111°, 115°, n° 3, 98°, n° 1 do C.P.P.T. e ainda o artigo 74°, n° 1 e 98° da Lei Geral Tributária e ainda artigos 13° e 20° da Constituição da Republica Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de Direito, existindo, assim, identidade da questão de direito e de facto, reafirma-se que têm as decisões proferidas no Acórdão recorrido e no Acórdão Fundamento sentidos opostos, pelo que existe a referida contradição de Acórdãos e invoca-se ainda as nulidades insanáveis supra identificadas, a bem da JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não estarem reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 284º do CPPT, invocando em abono dessa tese, além das razões que infra se destacarão, o Acórdão do Pleno n.º 0240/12.0BEFUN, de 30/06/2021 que doutrina que "não pode conhecer-se do mérito do recurso se o recorrente erigiu como objecto do recurso uma questão que não é de direito (...)".

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Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:
1) A contribuinte "Z………….. - UNIPESSOAL; LDA.", NIPC: ………… iniciou, em 27-05-2009, a actividade de fabricação e comércio de rolhas de cortiça, CAE: 16294, encontrando-se enquadrada em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado no regime normal de periodicidade mensal desde 2012 e em sede de IRC no regime geral de tributação - cfr. fls. 6 do processo administrativo apenso;
2) Pela Ordens de Serviço n.2 01201500927, 01201501383 e 01201501384 foi a ora impugnante alvo de acção de inspecção de âmbito geral e incidente sobre os anos 2012, 2013 e 2014, motivada pelo facto de a AT ter verificado nesses anos o registo contabilístico de facturas timbradas em nome de contribuintes caracterizados como emitentes de facturação falsa - cfr. resulta de fls. 6 e 635 a 637 do PA apenso;
3) Elaborado projecto de relatório inspectivo foi o mesmo notificado à ora impugnante para se pronunciar sobre as propostas de correcções naquele mencionadas - cfr. resulta de fls. 621 a 625 do PA apenso;
4) Em 12-04-2016, a ora impugnante remeteu à Direcção de Finanças de Aveiro, sob registo postal [vide fls. 618\4 do PA apenso], o requerimento de pronúncia sobre a proposta de correcções ao lucro tributável referente aos anos de 2012, 2013 e 2014, nos termos que constam de 614 a 618 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
5) Os Serviços de Inspecção Tributária indeferiram a defesa apresentada pela ora impugnante nos termos que constam de fls. 79 a 81vg. do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
6) Em 21-04-2016, foi elaborado RIT, o qual consta de fls. 1 a 814 do PA apenso [e respectivos anexos de fls. 82 a 613 do PA apenso], cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos, no qual se propõe, quanto ao IRC/2014, correcções aritméticas à matéria colectável no montante de € 921.255,67 e tributação autónoma na quantia de € 573.609,57, conclusões que foram superiormente sancionadas - cfr. fls. 1 a 2, 4 e 51.4 dos PA apensos;
7) Do RIT aludido no ponto anterior e relativamente aos fundamentos das correcções aritméticas mencionadas na alínea antecedente consta, além do mais, o seguinte:

[IMAGEM]

8) Do teor e conclusões do RIT foi a ora impugnante notificada pelo Ofício n.º 8202965, datado de 26-04-2016, expedido sob registo postal - cfr. fls. 619 e 620 do PA apenso;
9) Em 26-04-2016 foi elaborado o "Documento de Fixação/Alteração" do lucro tributável da impugnante para os anos de 2012, 2013 e 2014, sendo que, em relação ao ano de 2014 passou a constar o montante de € 958.709,05 - cfr. fls. 656 e 656vº do PA apenso;
10) A ora impugnante foi notificada da liquidação n.º 2016 8310033512, datada de 05-05-2016, relativamente a IRC/2014 e respectivos juros, no montante global a Tribunal Central Administrativo Norte 87 pagar de € 830.320,31 até ao dia 29-08-2016 - cfr. fls. 26 do suporte físico dos autos e fls. 657 a 662 do PA apenso;
11) Em 03-10-2016 deu entrada no SF da Feira-4 a presente impugnação judicial - cfr. fls. 4 do suporte físico dos autos.

No acórdão fundamento proferido no processo 01762/13.0BEBRG foi fixada a seguinte matéria factual:

1-A agora Impugnante é uma empresa que tem por objeto «a exploração de uma unidade comercial sob a insígnia B………… e realização de todas as operações inerentes à exploração de supermercados, à distribuição de produtos alimentares e não alimentares, exploração de postos de abastecimento de combustíveis, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, bem como a gestão de centros comerciais e ainda a exploração de cafetarias, bares, pastelarias, restaurantes ligeiros e take-away» -cfr. o documento 2 junto com a p.i.;
2-O estabelecimento referido em 1) é um estabelecimento comercial misto e tem 1.497,00 m2 de área física, dos quais 628,00 m2 se destinam à venda de produtos alimentares - cfr. os documentos 4 e 5 juntos com a petição inicial;
3-O estabelecimento comercial em causa utiliza as insígnias “B………..” e C…………”, cuja utilização foi autorizada por “contrato de uso de insígnia”, celebrado em 02/06/1998, com a …………………………, S.A. - facto admitido por acordo das partes;
4-Pelo ofício n.º 020653, de 12/07/2013, remetido sob correio registado com aviso de receção assinado em 16/07/2013, a Direção-Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV), notificou a agora Impugnante para pagar a 1.ª prestação relativa ao ano 2013 da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” criada pelo Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, conforme fatura que anexa, com n.º 61/F de 01/07/2013, no montante de € 4.085,58, nos seguintes termos:
«(…)
Como é do conhecimento de V. Exas, o Decreto-Lei n.º 119/2002, de 15 de Junho, criou a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no nº 1 do artigo 9º do mencionado diploma.

Nos termos do nº 3 do artigo 5º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direcção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar. Assim, fica V. Exa notificado (a) que, nos termos do nº 1 do artigo 2 da portaria supra citada, o montante devido é de € 4.085,58 (..), conforme factura nº 61/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no nº 1 do artigo 4º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas dos nºs 4 e 5 do artigo 5º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.º da Portaria nº 200/2013, de 31 de maio. Mais se informa que o valor acima mencionado contempla o acerto relativamente ao valor facturado em 2012, atenta a aplicação retroactiva do disposto no n.º 1 da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio. O pagamento da taxa do corrente ano, em virtude de não se encontrarem ainda reunidas as condições previstas no artigo 6º, poderá ser efectuado, de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 10º da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do nº 3 do artigo 5º e nº 2 do artigo 6º do mesmo diploma.
Dado que o prazo mencionado na fatura, por limitações do sistema informático, não é coincidente com o prazo legalmente previsto para o pagamento, para o efeito, deve ser atendido a este último. Alerta-se que, nos termos do nº 1 do artigo 7.º da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento da prestação. Informa-se que a presente notificação poderá ser objecto de impugnação nos termos dos artigos 99º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respectivo pagamento. (…)» (cfr. P.A. apenso);
5-Em 16/07/2013, a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação impugnada - cfr. o doc. 1 junto com a p.i.;
6-Em 29/10/2013, a petição inicial da presente impugnação deu entrada neste TAF via SITAF - cfr. fls. 2 do processo físico;
Mais se apurou com interesse para a decisão o seguinte:
7-O valor da taxa referida em 4) foi calculado nos seguintes termos: (área) 1.490,00m2 X 90% = 1.341,00m2; (total taxa) 1.341,00m2X €7 = € 9.387,00; 2 prestações de € 4.693,50; Foi deduzida à primeira prestação a diferença de € 607,92 pago em excesso em 2012, em face dos critérios constantes da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio - cfr. Informação constante do P.A. apenso.
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2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, dado que perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, o Supremo Tribunal Administrativo já concluiu em sentido diametralmente oposto ao dos presentes autos, não existindo qualquer fundamento para a inversão deste entendimento, por alegada interpretação divergente quanto à verificação de nulidade processual, decorrente da falta de notificação de documentos às partes, em obediência ao princípio do contraditório.

Vejamos.

2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

Nos termos do referido art. 284.º do CPPT (tal como no art. 152.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos), os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
(i) que exista, relativamente à mesma questão fundamental de direito, contradição entre o acórdão recorrido e um outro acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito,
(ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que tange ao primeiro requisito, de acordo com os critérios firmados por este Supremo Tribunal, exige-se para a sua verificação:
(a) que haja identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
(b) que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
(c) que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2 Dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência no caso concreto

Preliminarmente cumpre salientar, tal como bem refere o EPGA, que a recorrente não observou o disposto no artigo 284.º, n.º 2 do CPPT que exige a indicação, de forma precisa e circunstanciada, dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada.
Na verdade, a apelante refere explicitamente que “a contradição de Acórdãos resulta de soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, ou seja, sobre Nulidade Processual - Regime de Arguição - Princípio do Contraditório - Falta de notificação de documentos com o articulado.”
Emerge de tal enquadramento que a antinomia entre os arestos radicará na existência de soluções díspares quanto à mesma questão fundamental de direito, que se elege como sendo a de que a falta de notificação de documentos às partes configura uma nulidade processual, por não ter sido respeitado o princípio do contraditório o qual tem que ser assegurado no decurso de todas as fases processuais.
Nesse pendor, defende então que no acórdão fundamento foi decidido que “ […] o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório (actualmente entendido como "direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo"), não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” E que “a falta de notificação do teor de documentos juntos com o articulado inicial e que se constata como relevantes para a decisão de mérito, constitui irregularidade processual com o regime de arguição/decisão previsto no artº.195 e seg., do C.P.Civil, aplicável ao processo tributário "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T., consubstanciando omissão susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.”
Contrariamente, no acórdão recorrido foi decidido, que “ nem se diga, como faz a recorrente que é processualmente inconcebível que todos os alegados indícios dados por apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira se sustentem em "partes" de Relatórios de outros contribuintes, in casu dos emitentes, e só constam do Relatório da Impugnante "partes" que o Senhor Inspetor Tributário "escolheu" para transcrever no Relatório Final da impugnante […].”
É com base nessa “contraditoriedade” que a recorrente ampara o entendimento de que, em acatamento do princípio do contraditório, devia ter sido notificada do teor integral dos relatórios da Inspecção Tributária, pois só desse modo se assegurava que ambas as partes disporiam no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa.
O certo é que não se antolha a verificação do requisito da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, porquanto a questão examinada nos dois arestos em confronto é substancialmente distinta: pois (i) o acórdão recorrido pronuncia-se sobre a falta de notificação de relatórios provenientes dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), no decurso do procedimento de inspecção; e, (ii) adversamente, o acórdão fundamento aborda a falta de notificação de documentos juntos com o articulado inicial, no decurso de processo judicial.
Por assim ser, ainda que se reconheça que nos dois arestos se evoque a observância do princípio do contraditório e a consequência jurídica da falta de notificação às partes de determinados documentos, inexiste similitude entre a factualidade e o direito entre as duas situações versadas.
Na senda do acórdão deste Pleno de 30.09.2020, publicado em www.dgsi.pt a “questão de direito é a mesma quando a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor e é idêntica a factualidade a considerar do ponto de vista da subsunção a essa norma jurídica.”
Como bem denota o Ministério no seu douto Parecer, a recorrente entende que o acórdão recorrido, proferido pelo TCAN, não decidiu correctamente ao considerar que não configura nulidade processual a falta de notificação do teor integral dos relatórios da Inspeção Tributária. Aliás, em rigor, a questão colocada pela impugnante, em primeira linha, não versava sobre a falta de notificação dos documentos, mas sim sobre a circunstância de […] “sem sequer conhecer os referidos documentos na íntegra e sem que os mesmos tivessem sido anexados como prova aos presentes autos, constituindo prova materialmente inexistente.” Ou seja, a ora recorrente questiona a circunstância de ter sido dado como provada factualidade constante do relatório de inspecção, designadamente a circunstância de o mesmo conter referências a relatórios de inspecção de entidades emitentes das faturas consideradas falsas, sem que constem do procedimento inspetivo cópias integrais de tais documentos.
Alega, por outro lado, que a AT não tem um privilégio probatório na instrução do processo ou uma posição de superioridade probatória em relação à impugnante, não podendo os factos serem considerados provados com base em prova inexistente nos próprios autos.
Mas isso integra matéria que consubstancia um eventual erro de julgamento da matéria de facto, não invocável, nem cognoscível, no âmbito deste recurso para uniformização de jurisprudência.
Ora, o acórdão fundamento trata de matéria diversa, a saber, a consequência jurídica da falta de notificação de documentos juntos com a petição inicial e que se constata como relevantes para a decisão de mérito, em processo de impugnação judicial.”
Daí, pois, que inexista a requestada identidade entre a questão fundamental de direito apreciada nos dois acórdãos, sendo de chamar à colação a jurisprudência consolidada do STA, segundo a qual “não pode conhecer-se do mérito do recurso se o recorrente erigiu como objecto do recurso uma questão que não é de direito, mas antes respeita ao julgamento da matéria de facto” (Cfr. entre outros, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 30.06.2021-P.0240/12.0BEFUN).
O recurso não pode, pois, ser admitido, por não englobar os requisitos mínimos que justifiquem a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em ordem à prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência.
Nesse sentido, cabe acentuar que a actuação deste Supremo Tribunal, nesta sede de recurso para uniformização de jurisprudência, que é um recurso extraordinário, visa, essencialmente, garantir a uniformidade da interpretação e da aplicação do direito, visa obter uma decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que as decisões dos tribunais superiores sobre uma questão fundamental de direito tenham sido contraditórias.

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3. Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
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Custas pelo Recorrente, que ficou vencido (cf. art. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).
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Lisboa, 26 de Janeiro de 2022

José Gomes Correia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.