Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01463/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista de acórdão proferido em providência cautelar, ainda no âmbito da versão do CPTA anterior ao DL 214-G/2015, de 2 de Outubro, se é plausível o entendimento que seguiu e a problemática que vem suscitada não se apresenta, perante os dados do processo, em termos de permitir intervenção orientadora.
Nº Convencional:JSTA000P21308
Nº do Documento:SA12017011101463
Data de Entrada:12/21/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DO MINHO E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A……………… intentou providência cautelar contra Universidade do Minho e interessada B…………… peticionando a suspensão de eficácia de acto do respectivo Reitor e a sua intimação, no quadro de concurso documental, de âmbito internacional, para recrutamento de dois postos de trabalho de professor associado na área disciplinar de ciências jurídico-políticas da Escola de Direito.

1.2. Depois de vicissitudes várias - que envolveram, nomeadamente, uma primeira decisão de procedência, revogada no TCA Norte, com recurso para esta mesma Formação e, ainda, para o Tribunal Constitucional - o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por sentença de 31/5/2016 (fls. 1596/1616), julgou o pedido improcedente.

1.3. A requerente recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 09/9/2016, (fls. 333/345), negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

1.4. É desse acórdão que vem interposto presente recurso de revista, sob invocação do artigo 150.º do CPTA.

1.5. Demandada e contra interessada sustentam a não admissão.

Cumpre apreciar e decidir.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Nos termos da alegação da recorrente, são três as questões que «ditam e impõem» a revista:
«1. Face a novos factos, conhecidos após um primeiro acórdão de um Tribunal de 2ª instância e dados como provados nas decisões judiciais subsequentes, pode ou não ser apreciada a aplicabilidade da alínea a) do número 1 do artigo 120.º do CPTA?
2. A execução de um contrato, a favor de um candidato em procedimento concursal, quanto ao qual foi requerida a suspensão da eficácia por um candidato preterido, é ou não motivo de agravamento dos danos causados na esfera profissional e pessoal deste candidato preterido?
3. Quando estamos perante um acto administrativo que imputa ao visado condutas que põem em causa o seu direito ao bom nome e à reputação, previsto no artigo 26.º da Constituição como um direito, liberdade e garantia pessoal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, podem considerar-se integrados no conceito de periculum in mora e por isso de difícil reparação os danos decorrentes da execução continuada de um tal acto até à declaração de invalidade do mesmo?»

Recorde-se que numa primeira decisão o TAF havia julgado procedente a providência, por verificação da previsão da alínea a) do número 1 do artigo 120.º do CPTA, face a incompetência do autor do acto. Mas o TCA, em acórdão que transitou, revogou tal decisão, pois considerou que não se podia dar por verificada tal previsão. E por não terem sido levados ao probatório os factos necessários ao cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 149.º do CPTA mandou baixar os autos para prosseguimento.
Ora, o TAF, no julgamento que depois realizou, considerou que não podia mais apreciar a providência à luz daquela alínea a) do número 1 do artigo 120.º do CPTA, atenta a sobredita decisão do TCA.
A recorrente questionou esse entendimento no recurso para o TCA.
A questão vem agora descrita pela recorrente nos seguintes termos:
«1. O acórdão recorrido vem reiterar o entendimento sufragado pelo Tribunal de 1 instância, quanto à impossibilidade de decretamento da providência à luz da alínea a) do n.° 1 do artigo 120º do CPTA, por já ter sido “afastada pelo Tribunal Central Administrativo Norte”.
Salvo o devido respeito, este entendimento não pode proceder. Vejamos.
No primeiro recurso apresentado no Tribunal Central Administrativo, este limitou-se a apreciar se, face aos factos disponíveis na altura, se poderia considerar ser evidente a procedência do concreto vício de incompetência do Reitor, uma vez que foi este vício de incompetência que justificou o deferimento inicial da providência, em Agosto de 2014, pelo tribunal de 1ª instância, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120º.
Ora, em Janeiro de 2015 (em momento posterior à decisão inicial de deferimento da providência e já depois da interposição do recurso), a Recorrente teve conhecimento do arquivamento definitivo do inquérito-crime (cfr. pontos 34 a 39 dos factos provados), que havia sido iniciado pela Universidade do Minho, por alegadas falsas declarações e junção de documento falso — motivos alegados pelo Reitor da Universidade do Minho para excluir a Recorrente (então candidata).
2. Este arquivamento consubstancia um facto novo que deveria ter sido sopesado pelo Tribunal de 1ª instância, na medida em que permitia concluir, com a exigida evidência, que o acto do Reitor da Universidade do Minho assentou numa manifesta ilegalidade.
Por outras palavras, impunha-se verificar se ocorre ou não evidente ilegalidade do acto impugnado, com outros fundamentos, tendo em conta os factos novos carreados para os autos, para efeitos do artigo 120°, número 1, alínea a) do CPTA.
Salvo melhor opinião, ao entender-se que está precludida a possibilidade de a providência voltar a ser apreciada tendo em conta a evidente ilegalidade, o acórdão recorrido extravasou os limites do caso julgado. Com efeito, os limites objectivos e materiais do caso julgado, circunscrevem-se aos factos apreciados e, no caso sub judice, circunscreviam-se apenas ao vício que fora conhecido pelo Tribunal de 1 instância (o vício de incompetência do Reitor da Universidade do Minho para a prática do acto).
3. Face à evolução dos acontecimentos e aos factos novos levados ao conhecimento do Tribunal, não estava este dispensado de apreciar se, face aos resultados definitivos do inquérito-crime, ocorria ou não uma evidente ilegalidade do acto impugnado para efeitos do artigo 120°, número 1, alínea a) do CPTA.
Recorde-se que o que deu origem ao presente litígio foi a imputação à Recorrente de crimes de falsas declarações e de uso de documento falso. Inexistindo estes, toda a construção do Reitor da Universidade do Minho é insustentável e o acto desprovido de qualquer fundamentação.
Na verdade, na fundamentação do acto praticado pelo Reitor da Universidade do Minho está um parecer, nos termos do qual a ora Recorrente teria praticado crimes (cfr. ponto 11 dos factos provados). Num Estado de Direito, só as autoridades judiciárias podem determinar a existência de crimes. Por essa razão, o Reitor entendeu remeter ao Ministério Público a apreciação da conduta da ora Recorrente (ponto 34 dos factos provados na sentença recorrida). E os resultados do inquérito (processo 67.14.4TABRG) são claros e inequívocos. Foi apreciado pelo magistrado do Ministério Público o teor integral das declarações prestadas pela Recorrente, a declaração do Diretor do Departamento, o “parecer” de 11 de Dezembro de 2013 do Dr. ……….., as actas das reuniões do Conselho Científico e concluiu pela inexistência de qualquer falsidade ou falsificação.
Os ilícitos criminais que foram imputados à Requerente não existem
Há, pois, evidente erro sobre os pressupostos nos actos do Reitor de não-contratação da Recorrente e de contratação da Contra-Interessada, com base no artigo 35 do Regulamento dos Concursos, que impunham o deferimento da providência ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA.
Deve, pois, considerar-se ser manifesta a procedência da pretensão já formulada pela Recorrente na acção principal, nos termos do artigo 120 número 1, alínea a) do CPTA, devendo ser, nesta parte, revogado o acórdão recorrido».

Numa primeira abordagem, dir-se-ia que o TCA também se tinha limitado a dizer que era impossível a apreciação ao abrigo daquele preceito. Mas não foi exactamente assim.
Disse o acórdão, designadamente:
«Sempre subsistiria como fundamento do acto suspendendo, na lógica carreada pela alegação da Recorrente, a questão das falsas declarações, não podendo ainda ignorar-se que o acórdão deste TCAN, de 19-12-2014, fundamentou a sua decisão nos seguintes — e ainda completamente actuais — argumentos, entre outros:
“(…) No caso presente, não se apresenta patente ou evidente a viciação do acto suspendendo, pela violação das normas regulamentares invocadas na decisão recorrida.
Não podem ser ignorados os demais elementos de ponderação e interpretação que, numa apreciação aprofundada que os termos da causa impõe e que não pode ter lugar neste processo cautelar, podem conduzir a desfechos diversos e não apenas à irrefragável conclusão da manifesta contrariedade ao bloco de legalidade invocado.
O presente caso antes implica uma actividade dirimente, de exegese complexa e aprofundada, impondo questionar, nomeadamente, a actuação do Reitor na adopção do acto ou actos suspendendos à luz dos poderes que lhe estão cometidos pelas normas legais e regulamentares aplicáveis, a identificar e especificar no plano legal e regulamentar e no confronto com os poderes do júri do concurso, designadamente à luz do disposto no artigo 35º do Regulamento dos Concursos para Recrutamento de Professores da Carreira Docente Universitária na Universidade do Minho, publicado a páginas 58329 do Diário da República, 2.ª série, N.º 232, 30 de Novembro de 2010, (UNIVERSIDADE DO MINHO Despacho n.º 17945/2010) que dispõe, com nossa ênfase:
Artigo 35.º
Falsidade de documentos
1 — A apresentação de documentos falsos ou a prestação de falsas declarações implica a imediata exclusão do concurso ou a não contratação do candidato.
2 — O júri deve comunicar tal facto ao Reitor, caso esteja a decorrer o concurso, para que este possa proceder em conformidade com a lei aplicável.
(…)”.
Ora, o acto suspendendo e seus fundamentos, designadamente os constantes do ponto 22.5 da expressamente acolhida proposta de despacho, aponta, como motivação da decisão, a verificação da situação prevista no nº 1 do artigo 35º do Regulamento dos Concursos para Recrutamento de Professores da Carreira Docente Universitária na Universidade do Minho e, tal como dos referidos fundamentos consta “(…) a questão central do litígio está, agora, na determinação da existência ou não de falsas declarações por parte da candidata ASPO, graduada em 2º lugar e na identificação da entidade competente para esta determinação (…)”.
Como tal, o TAF a quo deixou exarado na sentença recorrida — e bem — que “A não aplicação da al. a) do nº1 do art. 120º do CPTA ao caso concreto, foi já afastada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, pelo que o decretamento da providência requerida depende da verificação dos requisitos previstos no art. 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CPTA”».

Neste quadro, embora o acórdão recorrido tenha mantido a decisão da primeira instância, afigura-se que a sua melhor interpretação é a de que nele acabou por se considerar, conquanto de forma não verdadeiramente linear, que o problema, considerando já a situação tal como se apresentava perante toda a matéria fixada, continuava a ser de ordem complexa, tal como já afirmado pelo primeiro acórdão do mesmo TCA, por isso que referiu serem os seus argumentos actuais.
Ora, esta dificuldade que se pode encarar já quanto aos próprios termos do acórdão recorrido leva-nos a concluir que o caso não se configura como um caso tipo do qual se possa extrair orientação generalizável.
Depois, não se poderá esquecer que o interesse da eventual orientação que pudesse resultar na sequência da admissão da revista é já extremamente reduzido. Com efeito, com a entrada em vigor da redacção do CPTA advinda do DL 214-G/2015, de 2 de Outubro, e consequente eliminação de norma correspondente à alínea a) do número 1 do artigo 120.º do CPTA, aqui em debate, serão residuais as providências regidas pela versão precedente e em que um problema do mesmo tipo se coloque.

Já quanto às questões enunciadas em 2 e terceiro lugar pela recorrente. Resulta do seu próprio texto que estamos em sede de discussão muito vinculada à situação concretamente considerada.
A questão 3 quase que verdadeiramente contém em si a exigência de uma resposta positiva, pois assenta em pressupostos que são os que terão que ser discutidos.
Mas há que notar que o acórdão recorrido considerou, nomeadamente:
«No caso presente ocorreram dois factos importantíssimos e que encerram potencialmente reflexos imediatos na salvaguarda da honra e do bom nome da Recorrente, a saber, as referidas decisão de arquivamento do inquérito crime e decisão de arquivamento do processo disciplinar.
A Recorrente, no entanto, confina a produção dos danos de difícil reparação à celebração do contrato com a Contra-interessada, entendendo que, “enquanto se mantiver em execução o contrato da Requerida com a Contra-interessada, essa questão gravíssima permanece como um labéu para a honra e o bom nome da Requerente, que gerará inapelavelmente dúvidas e suspeitas, por muito que estas sejam negadas pelas instâncias próprias - como sucedeu com o arquivamento do processo-crime, do qual a Universidade não retirou nenhuma consequência.”.
A Recorrente irreleva, assim, a decisão de arquivamento do inquérito crime, como não refere relevância do arquivamento do processo disciplinar, e evidencia o seguinte: “Ao invés, é a circunstância de a Contra-interessada se ter tornado professora associada, através do afastamento da Requerente, que é um facto de conhecimento público. Semelhante situação tem uma dimensão irreparável (que nenhuma indemnização, por mais avultada que seja, pode, algum dia, compensar)”
Tal como explanado no supra citado acórdão do STA, de 08-10-2015, processo nº 01030/15, mutatis mutandis, A suspensão de eficácia não é já adequada a eliminar, durante a pendência do processo principal, os efeitos de desprestígio na carreira que resultam da atribuição daquela classificação. Tal dano já não pode ser reparado, estando, assim, consumado. E, acrescentamos nós, pelas mesmas razões tão-pouco o é a suspensão da eficácia do impugnado acto e a suspensão imediata do contrato de trabalho entretanto celebrado com a Contra-interessada, mormente no caso, como o presente, em que, no contexto dos fundamentos do acto suspendendo, sobrevieram decisões de arquivamento quanto ao inquérito-crime e ao processo disciplinar, o que obvia a que possa agravar-se, em virtude da execução daquele contrato, os danos que já se tiverem consumado nas esferas pessoal e profissional da Recorrente, com a invocada dimensão irreparável».
E todo o demais discurso fundamentador do acórdão, mais do que a enunciação de alguma tese geral, cuidou da concreta apreciação da situação, apresentando justificação plausível para o entendimento prosseguido.

Nestas condições, tendo em atenção a natureza mesmo dos procedimentos cautelares, as limitadas possibilidade de intervenção em revista, no âmbito da versão do CPTA aplicável, a diminuta probabilidade de alguma doutrina orientadora, a plausibilidade do decidido, não se verificam os requisitos para a admissão da revista.

3. Pelo exposto não se admite a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Costa Reis – São Pedro.