Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0747/16
Data do Acordão:06/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista excepcional quando a divergência com o acórdão recorrido resultam de se extraírem diferentes ilações da matéria de facto provada quanto à caracterização da edificação como habitação unifamiliar e à distância relativamente ao núcleo de habitações autorizadas, que é matéria excluída do âmbito da revista (n.ºs 2 e 4 do art.º 150.º do CPTA), nem se vislumbra repercussão comunitária que transcenda os interesses dos envolvidos.
Nº Convencional:JSTA000P20727
Nº do Documento:SA1201606230747
Data de Entrada:06/09/2016
Recorrente:MUNICÍPIO DE VILA VERDE
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. O Ministério Público propôs, no TAF de Braga, contra o Município de Vila Verde e contra-interessados A……. e B………., uma acção administrativa especial com vista à declaração de nulidade do despacho que licenciou a construção de um edifício, a pedido dos contra-interessados, em zona de espaços agrícolas complementares. A acção improcedeu em 1ª instância, mas foi julgada procedente pelo TCA Norte que, por acórdão de 8/1/2016, concedeu provimento a recurso interposto pelo Ministério Público.

O acórdão concluiu que a decisão do TAF de Braga incorrera em erro na apreciação da matéria de facto e em manifesto erro de direito, com a fundamentação seguinte:
“O Tribunal de 1ª Instância entendeu que a construção licenciada integraria o conceito legal de Habitação Unifamiliar, não obstante reconhecidamente integrar três módulos habitacionais similares e interligados. Aliás, o tribunal a quo chega ao referido entendimento por via de uma formulação negativa que de algum modo subverte a realidade. Com efeito, refere-se na decisão recorrida que “Certo é que tal não permite afirmar que, analisado o projeto apresentado, o mesmo não se destina a uma habitação unifamiliar ou não é compatível essa utilização.” Ora, como pressuposto do raciocínio feito pelo tribunal, refugia-se este em formulações negativas, afirmando de algum modo que não é possível concluir que o edificado se não destina a habitação, pela singela razão que o contrário não se mostra provado.
Igualmente em formulação negativa, mais se refere na decisão recorrida que “Considerando as distâncias em causa e a existência de arruamentos públicos, consideramos não se poder afirmar que a edificação pré-existente (sita a cerca de 20 m da obra em causa) seja uma edificação isolada e exterior àquele núcleo rural. E se tal não se pode afirmar relativamente a essa edificação, igualmente, ou por maioria de razão, se pode relativamente à obra em causa nos autos.” Concluindo o tribunal de algum modo, e daí o recurso a formulação negativa, que se não mostra provado “preto no branco” que a construção se destine exclusivamente a uso habitacional, não pode, na dúvida e por o contrário se não encontrar igualmente demonstrado, dar como provada a sua utilização para uso unifamiliar.
Mesmo a exceção a que se fez referência o Artº 75º nº 1 alínea a) que permite contornar o Artº 74º do RPDMVV, só viabiliza a construção de uma habitação unifamiliar, desde que a mesma se situe em núcleo edificativo autorizado, e se encontre “servido por arruamentos públicos e distando, no máximo, 20 m à edificação mais próxima do mesmo lado do arruamento ou 50 m do lado oposto.” Tendo-se o Município auto-vinculado por via do PDM e consequente Regulamento do mesmo, não pode deixar de o cumprir, procurando mitigar as suas estatuições em função de interesses de momento.
Se por um lado não ficou demonstrado que o edifício sito a cerca de 20 metros da habitação cujo licenciamento se mostra controvertido, esteja autorizado ou licenciado, mais ainda está por provar que o mesmo se insira em núcleo edificativo. Mal se compreenderia que a construção isolada, situada a cerca 20 metros, permitisse qualifica-la como sendo um núcleo habitacional, tanto mais que se desconhece igualmente se a mesma estará autorizada ou licenciada, como impõe o art. 75º nº 1 al a) do RPDMVV. Se é certo que o licenciamento da construção em espaço agrícola sempre constituirá uma exceção, no mínimo é expectável que o mesmo se encontre justificado e densificado de modo expresso e explícito e não por recurso a uma afirmação meramente conclusiva, sem que tenha sido sequer, e como se reconhece no acórdão recorrido, feito o necessário enquadramento legal. Sintomaticamente, refere-se na decisão recorrida que “Compulsado o processo administrativo, constata-se que em momento algum, a entidade demandada fundamentou a aplicação da exceção prevista no artigo 75º, nº 1, al. a) do RPDMVV”. Incontornável é o facto do terreno onde se foi licenciada a construção controvertida se situar em espaço Agrícola Complementar onde, em regra, não é permitida a construção, como resulta do art. 74 nº 2, sem prejuízo das exceções estabelecidas no art. 75 nº 1º do RPDMV, as quais, se for caso disso, terão de ser justificadas de modo expresso e explícito.
Diga-se “a latere”, que o edificado constitui um conjunto habitacional composto por três módulos, com características mais próximas de um estabelecimento de tipo “empreendimentos de turismo no espaço rural” ou similar, do que habitacional de tipo unifamiliar, sendo a presente questão não decisiva e meramente colateral, por não colocada ou suscitada. Em qualquer caso, dos elementos disponíveis e das regras da experiência comum, não se mostra possível identificar no projeto uma habitação unitária.
Afirmando a decisão recorrida singelamente que os elementos apurados não permitem afirmar “que, analisado o projeto apresentado, o mesmo não se destina a uma habitação unifamiliar”, mostra-se desde logo que a decisão proferida incorrerá em crise erro de julgamento. De igual modo se não acompanha a decisão recorrida relativamente à segunda questão em apreciação, a saber, se a construção em causa se insere, ou não, em núcleo de edificações autorizadas.
Em síntese, não é sequer patente que estejamos perante um núcleo edificativo, nem é certo que a habitação próxima se encontre autorizada ou licenciada.
O Regulamento do PDM estabelece a distância máxima de 20 metros para que se possa considerar que uma nova edificação se insere num aglomerado e seja uma extensão do mesmo, sendo que, por natureza, o núcleo já teria de existir. Já no que respeita ao aglomerado efetivamente existente - Posto Maior – situar-se-á o mesmo a, pelo menos, 150 metros da edificação cujo licenciamento aqui se discute, pelo que esta não integrará seguramente o mesmo. Em face do que precede, mostra-se que a decisão recorrida errou na interpretação que fez da matéria de facto dada como provada, pois que não reconheceu a autovinculação regulamentar a que o Município se submeteu. Recorda-se e sublinha-se que estamos perante um terreno localizado em área onde não é possível construir, salvo se preenchidos os requisitos excecionais aplicáveis, que no caso se não mostram verificados (Cfr. art. 75º nº 1 do RPDMVV).
Como o próprio acórdão recorrido reconhece, mal se compreende como se defere uma pretensão urbanística excecional com base numa informação técnica de 11.09.2008 onde conclusiva e exclusivamente se afirma que “O local da obra não se destina à construção exceto nas condições especiais de alteração do uso definidas no art. 75º do RPDMVV. No entanto, poderá a Câmara Municipal autorizar a instalação da habitação unifamiliar uma vez que o pedido possui enquadramento na alínea a) do art. 75º do RPDMVV.” Trata-se pois de uma alusão genérica e conclusiva, sem qualquer base factual, não permitindo verificar qualquer dos pressupostos exigidos pela norma para excecionar o regime regra do Artº 74º do Regulamente, desconhecendo-se até qual das alíneas do art. 75º se aplicou (Al. a) a g)).
Mesmo entendendo que esse vicio se mostraria sanado pelo decurso do tempo, ainda assim, a formulação dos pressupostos previstos na norma do artº 75 nº 1 al a) do RPDM teria de ser formulada no ato e de forma expressa, não podendo o tribunal a quo pretender ignorar tal circunstância, escudando-se e refugiando-se, mais uma vez, numa fórmula negativa, afirmando “não se poder afirmar que a edificação pré-existente (sita a cerca de 20 m da obra em causa) seja uma edificação isolada e exterior àquele núcleo rural”. Com efeito, não se afirma expressa e explicitamente estar verificado o pressuposto que exige que a edificação em causa esteja integrada em núcleo de edificações e a uma distância não superior a 20 metros da habitação mais próxima daquele núcleo, mas antes a adotar uma interpretação insuficiente e desconforme com a prática jurídica aceitável. Tal como afirmado pelo Ministério Público no seu recurso, “Dizer que a construção se situa a menos de 20 metros de construção situada em núcleo de construções, não é o mesmo que dizer, não se poder afirmar que a edificação pré-existente seja uma edificação isolada e exterior ao núcleo rural.” Na realidade, a lei exige uma distância máxima de 20 metros entre a construção a licenciar e um núcleo de construções, não podendo o tribunal dizer que uma construção preexistente se insere em núcleo de construções, quando a edificação em causa está isolada e a uma distância de pelo menos 130 metros do núcleo rural existente. Não podia, assim, o Tribunal a quo retirar aquela conclusão, ainda que pela negativa e, menos ainda podia daí inferir que a pretensão construtiva, objeto do licenciamento se situava a menos de 20 metros de um núcleo de construções, o que constitui necessariamente um dos fundamentos da procedência do Recurso e da ação”.

2. O Município de Vila Verde pede revista, ao abrigo do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, alegando que se verificam as condições para o licenciamento da construção em zona de espaços agrícolas complementares. Invoca a importância fundamental da questão, pelas violentas consequências negativas para o agregado familiar dos contra-interessados, contendendo com o direito à habitação, com dignidade constitucional.

3. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

4. O recorrente pretende ver revertido o julgamento do acórdão recorrido, pugnando pela manutenção da decisão de 1ª instância quanto ao enquadramento da matéria de facto nos art.ºs 74.º e 75.º do Regulamento do PDM de Vila Verde.

Em primeiro lugar, deve atentar-se que que não estão em discussão questões jurídicas de especial complexidade, nem uma situação susceptível de se colocar como um tipo e de previsivelmente se repetir em casos semelhantes. O que se depara são divergências casuísticas na aplicação das referidas disposições do PDM, que resultam de se extraírem diferentes ilações da matéria de facto provada quanto à caracterização da edificação como habitação unifamiliar e à distância relativamente ao núcleo de habitações autorizadas. Trata-se, sobretudo, de matéria de facto excluída do âmbito da revista (n.ºs 2 e 4 do art.º 150.º do CPTA).

E não se vislumbra repercussão comunitária que transcenda os interesses dos contra-interessados. A demolição de um edifício por inobservância de regras urbanísticas fundamentais no licenciamento da sua construção não atenta, por si, contra o direito à habitação. Aliás, nem sequer a demolição é, nesta fase, uma consequência automática ou necessariamente decorrente da procedência da acção. O próprio acórdão recorrido deixa transparecer esta ideia ao afirmar que, “o acto aqui controvertido pressupôs que estava em causa uma habitação unifamiliar, fundamentando o seu licenciamento de modo insuficiente, o que não significa que, atento o já referido princípio da proporcionalidade que obriga a que a demolição seja a última ratio, vinculando a prévia ponderação da possibilidade de legalização antes da decisão que ordene a demolição, não possa ser reequacionado o licenciamento de forma densificadamente justificada, face a um dos destinos legal e regulamentarmente admissíveis, mormente tendo em consideração o Artº 75º do RPDMVV (vg. Habitação unifamiliar; Instalações recreativas, turísticas e hoteleiras com inequívoco interesse municipal) ”.

5. Decisão

Pelo exposto, decide-se não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Junho de 2016. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto OliveiraSão Pedro.