Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0198/18.1BELRA 0824/18
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25378
Nº do Documento:SA2202001080198/18
Data de Entrada:09/12/2018
Recorrente:A.........., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………….., LDA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 18 de Abril de 2018, que rejeitou o recurso de contraordenação com fundamento em intempestividade.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) – A recorrente requereu o “conhecimento superveniente do concurso de infrações” no âmbito do processo de contraordenação 36032017060000110010, fazendo referência a outros processos cujas decisões também já transitaram em julgado, peticionando a aplicação de uma única coima em cúmulo material, no valor de € 45.000,00, com fundamento no artigo 78º do Código Penal, no artigo 32º do RGCO e no artigo 26º do RGIT.
B) – A Meritíssima Juíza, considerou que o artigo 78º do Código Penal, não é aplicável às contraordenações, rejeitando liminarmente o pedido formulado pela recorrente, tendo invocado expressamente o artigo 63º do RGCO.
C) – Ou seja, foi colocado fim ao processo, e o pedido de conhecimento superveniente do concurso de infrações rejeitado liminarmente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 63º do RGCO, na parte em que aí se menciona “o recurso feito fora de prazo”.
D) – Significa isto, que o processo foi decidido em sede liminar, com fundamento no artigo 63º do RGCO, por desrespeito pelas exigências de forma, e não por despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 64º do RGCO, despacho este que impunha que previamente a Meritíssima Juíza tivesse deixado expressa a desnecessidade da audiência de julgamento e se assegurasse da não oposição do Ministério Público e da arguida, a esse modo de decidir o processo, o que não sucedeu in casu.
E) – Porquanto, o presente recurso jurisdicional deverá ser admitido nos termos do n.º 2 do artigo 63º do RGCO, que refere expressamente “deste despacho há recurso, que sobe imediatamente.
F) – As coimas aplicadas nos processos de contraordenação elencados nos presentes autos já transitaram em julgado, mas ainda não foram cumpridas, pelo que a ora recorrente veio solicitar a realização do cúmulo jurídico que englobasse todos os processos em que a recorrente foi condenada em coima, pedido este que foi rejeitado liminarmente, por a Meritíssima Juíza do tribunal “a quo” considerar inaplicável o artigo 78º do Código Penal ao concurso de contraordenações.
G) – A recorrente não concorda com este entendimento, primeiro porque as coimas aplicadas nos processos de contraordenação, não foram pagas, não foram declaradas prescritas, nem extintas, pelo que deve operar o cúmulo jurídico, em apreciação superveniente do concurso de contraordenações.
H) – Em segundo lugar, a norma do artigo 32º do RGCO manda aplicar subsidiariamente, as normas do Código Penal, pelo que o artigo 78º não é exceção no que respeita à aplicação subsidiária.
I) – Ademais, se não foi efetuado o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, porque foram instaurados processos de contraordenação separados e autónomos, não fica, o julgador, impedido de o fazer posteriormente, nos termos do artigo 78º do Código Penal, desde que as coimas aplicadas tenham transitado em julgado, não tenham sido cumpridas (pagas), não se encontrem prescritas ou extintas.
J) – Assim, não existindo nenhuma norma que restrinja a aplicação do artigo 78º do Código Penal às contraordenações, e sendo aquele código de aplicação subsidiária, entende a recorrente, que a Meritíssima Juíza “a quo” violou o disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal, aplicáveis ex vi do artigo 32º do RGCO, neste sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido no processo n.º 1848/11.6TBPRD-A.P1, de 28/05/2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida, por ter violado o disposto nos artigos 33º do RGIT, 27º-A e 28º n.º 3 do RGCO, determinando-se o arquivamento dos autos por prescrição do procedimento contraordenacional, relativamente a todas as infrações praticadas.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

A decisão impugnada, porque se tratou de uma decisão liminar, sumária, não incluiu um segmento probatório. No entanto dá-se a mesma aqui por reproduzida, e tem o seguinte teor:
A…………….. Lda., vem requerer o “conhecimento superveniente do concurso de infracções”, no âmbito de procedimentos de contra-ordenação cujas decisões já transitaram em julgado, apresenta como pedido a “aplicação da coima única em cúmulo material, no valor de EUR 45.000,00” e como fundamento legal o artigo 78.º do Código Penal, o artigo 32.º RGCO e o artigo 26.º do RGIT.
O Digno Magistrado do Ministério Público veio apresentar os presentes autos nos termos do artigo 62.º do RGCO.
Todavia, transitada em julgado a decisão de aplicação de coima, os presentes autos não constituem um Recurso da decisão de aplicação de coima, uma vez a sua intempestividade (cf. artigo 59.º, 60.º e 63.º do RGCO e artigo 80.º do RGIT).
Ao que acresce, a inadmissibilidade do pedido formulado, uma vez que:
- Nos artigos 19.º e 20.º do RGCO, estabelecem-se regras especiais em relação ao concurso de contra-ordenações, pelo que em matéria contraordenacional não pode aplicar-se a regra do artigo 78.º do Código Penal, por não ser regra aplicável a qualquer concurso, mas apenas a concurso de crimes.
- As sanções aplicadas às contra-ordenações tributárias em cúmulo material nos termos do artigo 25.º do RGIT constituem excepções à regra dos limites máximos previstos no artigo 26.º do RGIT, uma vez que nos termos do n.º 1 deste artigo, esses limites só são aplicáveis se o contrário não resultar da lei.
Pelo exposto, indefiro o presente recurso por intempestividade nos termos do disposto no artigo 63.º do RGCO e artigo 80.º do RGIT.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Estes autos foram introduzidos em juízo pelo Ministério Público, cfr. fls. 1, ao abrigo do disposto no artigo 62º do DL n.º 433/82, de 27.10.
O fundamento invocado pela recorrente para ter apresentado o articulado de fls. 11 a 16, prende-se com a pretensão de que seja aplicada à sua concreta situação o disposto no artigo 78º do Código Penal, alegando em conformidade com tal preceito legal, que pretende que se faça o cúmulo das diversas coimas que lhe foram aplicadas, em diversos processos de contraordenação, sendo certo que, todas essas decisões das quais resultaram a aplicação das coimas já “transitaram em julgado”.
Tendo o pedido formulado pela recorrente, sido apresentado pelo Ministério Público ao abrigo do disposto naquele artigo 62º, facilmente se pode concluir que se mostra desatempado, uma vez que a tramitação prevista nos artigos 59º e ss. do DL n.º 433/82 se destina a regular a impugnação das decisões administrativas que aplicam coimas dentro de determinado prazo legalmente previsto, isto é, antes de se tornarem definitivas e inimpugnáveis.
Mas na verdade não é isso que a recorrente pretende, é a própria que afirma que as decisões que aplicaram as coimas já “transitaram em julgado”, antes pretende que seja aplicada à sua situação concreta o regime do disposto no artigo 78º do Código Penal que regula expressamente o modo de operar a punição do concurso de crimes quando o seu conhecimento ocorra supervenientemente ao trânsito em julgado de uma condenação penal.
Ou seja, no caso dos autos, na perspectiva da recorrente, não se coloca a questão da tempestividade uma vez que não visa a impugnação das decisões individuais que lhe aplicaram cada uma das coimas concretas, mas antes pretende que seja realizado o cúmulo das sanções aplicadas relativamente a cada uma das contraordenações e, para isso, já estaria em tempo.
Contudo, como também se decidiu na decisão recorrida, o disposto no artigo 78º do Código Penal não é aplicável quando se tratem de sanções decorrentes de contraordenações.
As regras aplicáveis ao concurso de contraordenações, encontram-se previstas no artigo 25.º do RGIT (aplicável por força do artigo 18.º da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho), onde se dispõe que “[A]s sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material”, tendo o Tribunal Constitucional afirmado já, no acórdão n.º 336/2008 que não julgou inconstitucional a redacção desta norma e a sua solução, que “os princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade não proíbem a solução da acumulação material de coimas em sede de direito de mera ordenação social tributário, sendo que não se vislumbra a incidência negativa de outra norma ou princípio constitucional”.
Já o referido artigo 78º, dispõe no n.º 1 que, se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida, descontada no cumprimento da pena única aplicável ao concurso.
Ou seja, este artigo 78º estabelece um regime próprio para as situações em que as sentenças penais condenatórias já hajam transitado em julgado, permitindo o legislador que, ainda assim, possa ocorrer o cúmulo jurídico das penas, o que se vai traduzir numa modificação das anteriores condenações que já se encontravam estabilizadas.
Tal como se encontra delineado o regime do concurso de contraordenações, facilmente resulta da uma leitura atenta que o mesmo diverge do regime estabelecido naquele artigo 78º, não havendo que aplicar este regime, ainda que subsidiariamente, por o RGIT prever um regime de cúmulo material e não jurídico, o que se explica, como se afirma no acórdão do Tribunal Constitucional antes mencionado, pela circunstância de “Traduzindo-se a culpa contra-ordenacional apenas na imputação de um facto à responsabilidade social do seu autor, o desvalor global dos factos que integram as contra-ordenações em concurso e a personalidade daquele evidenciada pela sua prática não são elementos que exijam necessariamente a sua ponderação para a determinação de uma coima unitária”
Aqui o legislador não pretendeu criar um regime idêntico ao daquele artigo 78º, apenas previu que em caso de concurso de infracções, e antes de alguma delas se converter em decisão definitiva, se tomasse em consideração o disposto no artigo 25º do RGIT (aliás, nem se veria bem como poderia ser possível que após a conversão em definitivas das decisões administrativas que aplicaram as coimas, por ausência de impugnação, incumbissem ao tribunal as operações necessárias à realização do cúmulo jurídico das coimas, em vez de tais operações incumbirem à autoridade administrativa que as aplicou).
Assim, temos que concluir que bem se decidiu no despacho recorrido, ao rejeitar-se o recurso de contraordenação por extemporaneidade, uma vez que a argumentação nele expendida não é idónea a afastar a aplicação dos prazos legalmente previstos.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a secção tributária deste Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.