Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0153/11.2BESNT 0360/18
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:TAXA
DIREITOS DE PASSAGEM
DOMÍNIO PÚBLICO
Sumário:Lei nº 5/2004, de 10/2 proíbe a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem prevista nos termos do art. 106º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada por aquela referida Lei, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário.
As autarquias poderão cobrar a taxa de direitos de passagem ou decidir pela sua não cobrança sem que neste caso seja possível a sua substituição por qualquer outra forma de tributação.
Nº Convencional:JSTA000P23945
Nº do Documento:SA2201812120153/17
Data de Entrada:04/09/2018
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS
Recorrido 1:A........,SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. 05 de Janeiro de 2018

Anulou as liquidações da taxa de “ocupação do solo municipal” emitidas para o ano de 2005 e condenou o Município de Cascais no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante relativamente ao montante de cada documento de cobrança, desde data em que foi efetuado o respetivo pagamento (30.11.2005) até à emissão da respetiva nota de crédito, à taxa legal.

Acordam nesta Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo:

MUNICÍPIO DE CASCAIS veio interpor o presente recurso da sentença mencionada supra, proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial nº 153/11.2BESNT, deduzida por A…………, SA contra do ato de liquidação de Taxa de Ocupação da Via Pública, relativo ao ano de 2005, no valor total de € 124.891,80, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
A. A questão de direito aqui em causa é de simples e precisa delimitação, prendendo-se com saber se a partir da entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a aplicação da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMPD), prevista no artigo 106.º afasta a aplicação da taxa municipal de ocupação do domínio público.

B. Censura-se a sentença do Tribunal a quo por esta ter acolhido o entendimento de que a entrada em vigor do aludido diploma, com o estabelecimento de um tipo de taxa específico para determinadas situações de ocupação de bens de domínio público (a TMDP) implicou o afastamento, por revogação tácita, da aplicabilidade de normas regulamentares que prevejam tributação para a mesma situação, na parte abrangida pelo diploma legislativo, como aquelas em que se fundou a emissão das liquidações em crise.

C. Censura-se igualmente a apreciação de que o entendimento exposto foi confirmado pelo artigo 12.º, n.º 2 do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio e que esta disposição teve efeitos meramente clarificadores ao invés de inovadores.

D. Mais se considera que uma interpretação desta natureza relativa ao artigo 12.º, n.º 2 do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio, é inconstitucional por violar o princípio da autonomia financeira das Autarquias Locais, tal como consagrado no artigo 238.º da CRP.

E. Assim, não pode colher a apreciação do Tribunal a quo, em conformidade com a qual falece, claramente, a alegação da ora Recorrente no sentido que o respectivo artigo 12.º não pode ser aplicado ao caso por ter entrado em vigor apenas em 22.05.2009, caindo, consequentemente, a alegada inconstitucionalidade decorrente da interpretação do n.º 2 daquele artigo, no sentido de não permitir às autarquias locais tributar o efectivo aproveitamento do espaço público municipal através de uma taxa local que não através da TMDP por, alegadamente, se encontrar em violação do princípio da autonomia financeira das autarquias locais, previsto no art.º 238.º da Constituição da República Portuguesa.

F. Pelo que é manifesto ter incorrido a sentença a quo em erro de direito, razão pela qual deverá ser revogada mantendo-se o acto de liquidação da taxa de ocupação da via pública relativo a 2005.

G. A apreciação da questão de direito preconizada pelo Tribunal a quo começou a incorrer em erro a partir do momento em que não atendeu devidamente ao enquadramento das taxas de ocupação da via pública que levaram à emissão das liquidações subjacentes, bem como da TMDP no âmbito dos poderes tributários das Autarquias Locais.

H. Uma vez que, nos termos do "Regulamento e Normas de Cobrança e Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais da Câmara de Cascais para 2005", pelo licenciamento aqui em causa era devida uma taxa de ocupação da via pública, aplicável por armário de distribuição instalado e a qual variava entre € 71,40 e € 122,40 consoante a dimensão do equipamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 2.1, alíneas a) a d) da "Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais da Câmara de Cascais para 2005".

I. Procedendo ao devido enquadramento do poder tributário do município, comece-se por referir que, de acordo com o estabelecido no artigo 4.º, n.º 2 da LGT e 19.º, alínea c) da LFL'98, a taxa de ocupação da via pública, tal como a sua denominação indicia, constitui a contrapartida do aproveitamento pela "A………, S.A." do espaço público municipal na prossecução da sua actividade económica particular.

J. O momento de tributação foi também o correcto de acordo com o estabelecido no artigo 23.º, n.º 1, 2.ª parte do "Regulamento e Normas de Cobrança das Taxas e Outras Receitas Municipais da Câmara Municipal de Cascais para 2005, pelo que a taxa de ocupação da via pública referente ao ano de 2005 é devida pela "A……., S.A." e foi correctamente liquidada.

K. Pelo que estando as normas regulamentares em causa legitimadas ao abrigo da então vigente LFL'98, sempre se terá que admitir que a cobrança das taxas foi legal, atento o facto de nada existir na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro no ano 2005 que restringisse os comandos estabelecidos pela LFL, tendo a Lei em questão de forçosamente ser conjugada com esta última.

L. Por outro lado, com a aprovação da Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002 (Directiva-Autorização), transposta para o ordenamento português com a aprovação da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas), pretendeu-se instaurar um mercado comunitário de serviços e redes de comunicações electrónicas através da harmonização e simplificação das regras e condições de autorização da respectiva oferta.

M. Todavia, a Directiva-Autorização e a Lei das Comunicações Electrónicas, ao criar a TMDP, não impõem aos Estados-Membros a criação de uma taxa de determinado modelo ou com determinada estrutura; aliás, não impõem sequer a criação de qualquer taxa, antes permitindo a sua criação aos municípios.

N. Como tal, é claro que diplomas não obrigavam à tributação, por parte dos municípios, da utilização do domínio público com a instalação de estruturas e equipamentos de comunicações electrónicas única e exclusivamente por meio da TMDP, de molde que, optando os municípios por não aprovar/liquidar/cobrar a TMDP, nada impedia, no período a que se reportam as liquidações em causa, a tributação da mesma realidade através de outra taxa municipal.

O. A opção por parte dos municípios em lançar mão das taxas que já haviam sido criadas para efeitos da tributação da ocupação da via pública não poderia apenas implicar a dupla tributação da mesma realidade com recurso simultaneamente à TMDP e a outra taxa municipal - o que, efectivamente, nunca sucedeu in casu como se provou.

P. O município nunca liquidou nem cobrou simultaneamente a TMDP e a taxa de ocupação da via pública a nenhuma entidade e, por isso, também não o fez à "A……., S.A.".

Q. Perante o enquadramento legal em vigor à data dos factos - i.e., em 2005 - é cabalmente claro que a cobrança da TMDP era opcional e podia ser preterida em favor de uma outra taxa municipal pré-existente, razão pela qual o município liquidou a taxa de ocupação da via pública e apenas esta.

R. Só essa actuação pode ser considerada consentânea com o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários consagrado no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.

S. E é nesse sentido que a jurisprudência do STA - invocada pela "A……., S.A." e seguida pelo Tribunal a quo - se tem pronunciado ao negar a legalidade da liquidação da taxa de ocupação da via pública aos municípios que tenham aplicado e cobrado a TMDP aos contribuintes.

T. Pelo que, verificada a incidência, não podia o município não podia deixar de liquidar a taxa de ocupação de via pública, sob pena de cometer uma ilegalidade ao perdoar um tributo a uma entidade, mais a mais a uma entidade privada, na medida em que, como sobejamente referido, em momento algum liquidou a TMDP.

U. O artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, que vem determinar que os municípios que optem por não cobrar a TMDP não podem cobrar, em sua substituição, qualquer outra taxa municipal, entrou em vigor apenas em 22 de Maio de 2009, mais de três anos corridos sobre os factos em discussão nos presentes Autos.

V. A regra introduzida por este diploma tinha por escopo evitar situações de dupla tributação do mesmo benefício, pelo que o legislador, por razões de ordem pragmática, optou pela solução mais prática de pura e simplesmente limitar a tributação das realidades em causa apenas por via da TMDP.

W. Assim, a norma dispõe de um claro conteúdo inovador, tendo errado a sentença a quo ao não o reconhecer.

X. Consequentemente, está coberta pelo manto da legalidade a actuação do município in casu ao liquidar a taxa de ocupação da via pública, estando igualmente demonstrado o erro de direito da sentença a quo.

Y. Até porque o entendimento de que o artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio tem uma natureza meramente interpretativa, tal como propugnado pela sentença a quo, sempre desembocaria numa injusta e desproporcionada situação de dupla não tributação, da "A…….., S.A.", restringindo intoleravelmente o poder de tributar do município e o dever de suportar tributação da entidade em causa sem que nenhum elemento axiológico o justifique, gorando igualmente os fins do legislador com a introdução do aludido artigo em 2009, que passavam por evitar situações de dupla tributação e não por potenciar situações de dupla não tributação, estando nessa medida claramente vedado ao abrigo do corolário da interpretação sistemática que se extrai do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil.

Z. De facto, sendo inegável a existência de uma prestação efectiva, torna-se assim incontornável a necessidade e a justiça da exigência da correspondente compensação e nem a aprovação do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, mais concretamente do disposto no seu artigo 12.º, n.º 2, poderá obstar a que qualquer município obtenha a justa compensação pelas prestações públicas que disponibiliza às entidades privadas.

AA. Consequentemente, colhendo uma interpretação nos termos da que é preconizada pela sentença a quo sempre se refira que, em ultima ratio, a mesma levaria a que a norma em questão devesse ser declarada inconstitucional por afrontar o princípio da autonomia financeira das autarquias locais previsto no artigo 238.º, da Constituição da República, por se traduzir numa impossibilidade à tributação pelo município da ocupação da via pública.

BB. Não pode, portanto, manter-se na ordem jurídica a sentença a quo, no sentido de, relativamente a 2005, só poder ser cobrada a TMDP, uma vez que (i) em 2005, ainda não estava em vigor o artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, o qual dispõe de natureza inovadora; (ii) não houve lugar in casu a qualquer dupla tributação, não tendo a "A…….., S.A." suportado qualquer tributo em virtude do aproveitamento do domínio público de Cascais e, (iii) verificava-se a incidência da taxa de ocupação da via pública; sendo que só esta solução é consentânea com os corolários de interpretação normativa vigentes.

DO PEDIDO

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença a quo na sua totalidade e sendo ordenada a manutenção o acto de liquidação da taxa de ocupação da via pública relativo a 2005.

A entidade recorrida, actualmente A………, S.A., em suporte da decisão recorrida apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:
I. O presente Recurso foi interposto da douta Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 153/11.2BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em que a RECORRIDA impugnou os actos de liquidação de TOVP praticados pela CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS, com referência ao ano de 2005 no valor total de € 124.891,80 e, bem assim, o despacho do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de 10 de Dezembro de 2010, que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado contra os referidos actos de liquidação;

II. A referida Sentença foi proferida nos aludidos autos de impugnação, em 5 de Janeiro de 2018, e julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida e, em consequência, decretou a anulação dos actos de liquidação de TOVP impugnados com a seguinte fundamentação: “(…) a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxa-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos”;

III. Contra esta decisão, a RECORRENTE interpôs o presente Recurso, sustentando, desde logo, que “de forma alguma se encontra vedada ao município a criação, liquidação e cobrança de taxas pela ocupação dos domínios público e privado municipais, com quaisquer equipamentos ou utilidades particulares, desde que observados os respectivos pressupostos, nomeadamente de incidência”;

IV. De igual modo, entende, também, a RECORRENTE “(…)que o erro de direito em que a Sentença a quo incorre nesta sede se deve ao facto de ter aderido ao argumento falacioso de que o município não podia liquidar outra taxa que não a TMDP em virtude da Lei n.º 5/2005, de 10 de Fevereiro, extraindo do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio uma mera clarificação do que já decorria do regime anterior, por não ter tido em conta o poder tributário dos municípios e o próprio enquadramento Comunitário e Nacional da TMDP então vigente, o qual claramente não impunha que a tributação do benefício em causa pudesse ocorrer apenas por via da TMDP”;

V. Mais dizendo que “(…) não colhe o argumento sulcado na sentença a quo de que o DL n.º 123/2009, de 21 de Maio não veio introduzir uma alteração legislativa, visando antes proceder a uma clarificação, consubstanciando-se assim numa mera lei interpretativa. O exposto na medida em que tal entendimento esbarra num entendimento evidente – o de que a alteração introduzida pelo DL n.º 123/2009, de 21 de Maio, dispõe de carácter inovador, não podendo, por conseguinte, ser qualificada como uma mera clarificação”;

VI. Por fim a RECORRENTE sustenta, ainda, que “(…) a autonomia financeira das autarquias locais, na vertente da arrecadação de receitas próprias obrigatórias – tais como sejam as provenientes da criação e cobrança de taxas municipais pelo aproveitamento de bens do domínio público municipal por parte dos particulares – não pode, de modo algum, ser coartada ou restringida legalmente. Pelo que a norma contida no artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, interpretada – como preconiza a sentença a quo - no sentido de impedir o município, relativamente ao ano de 2005 e mediante a existência de incidência tributária efectiva, de liquidar a taxa de ocupação de via pública que é a sua receita própria e obrigatória, é inconstitucional por ofender os termos do artigo 238.º, n.º 3 da Constituição”;

VII. Assentam as presentes Contra-Alegações, para além do mais, no entendimento de que a Sentença recorrida deve ser confirmada, por ser manifestamente procedente, e, consequentemente, de que os actos de liquidação anulados são ilegais por violação do direito comunitário e do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro – Lei das Comunicações Electrónicas, uma vez que para além da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) mais nenhuma taxa municipal pode ser liquidada às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pelo direito de instalação dos seus recursos e equipamentos no domínio público e privado municipal;

VIII. A regulamentação das redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de distribuição de televisão por cabo, e, bem assim, a regulamentação dos denominados “direitos de passagem”, encontra-se enquadrada em diversas directivas comunitárias. Estas directivas, no seu conjunto, formam um quadro regulamentar que visou garantir às empresas e cidadãos europeus o acesso a uma infra-estrutura de comunicações de baixo preço, grande qualidade e, o acesso a uma vasta gama de serviços, na sequência do reconhecimento das potencialidades que a passagem a uma economia digital baseada no conhecimento oferece em termos de fomento de crescimento, competitividade e criação de emprego, conforme decorre da Directiva-quadro – a Directiva n.º 2002/21/CE (vigente à prática dos factos em análise);

IX. A regulamentação das redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de distribuição de televisão por cabo e, bem assim, a regulamentação dos denominados “direitos de passagem”, encontra-se enquadrada em diversas directivas comunitárias, nomeadamente na Directiva autorização – a Directiva n.º 2002/20/CE e, na Directiva-quadro – a Directiva n.º 2002/21/CE, que visam, para além do mais, garantir às empresas e cidadãos europeus o acesso a uma infra-estrutura de comunicações de grande qualidade, com uma vasta gama de serviços, a baixo custo, mediante a harmonização e simplificação da legislação que regula o acesso ao mercado de serviços e redes de comunicações electrónicas (cf. Considerando 3 e 4 da Directiva 2002/21/CE e Considerando 1 e artigo 1.º da Directiva 2002/20/CE);

X. De acordo com o disposto no artigo 11.º da Directiva-quadro, os “direitos de passagem” correspondem aos direitos atribuídos às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada, sendo conferido aos Estados-Membros a possibilidade de imporem taxas sobre estes “direitos de passagem” às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações que procedam à instalação de tais recursos (e não aos clientes destas ou a quaisquer outras entidades);

XI. Ora, estas taxas, previstas especificamente no artigo 13.º da Directiva autorização, são as únicas que podem ser cobradas em contrapartida dos referidos direitos de instalação, conforme, aliás, se depreende do objectivo expresso no Considerando (3) da Directiva autorização, de criação “de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente Directiva e a restrições de acordo com o n.º 1 do artigo 46.º do Tratado (…)”;

XII. A Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (vigente no momento dos factos), relativa ao regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos, transpôs para o direito nacional as Directivas já referidas, n.ºs 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE, 2002/22/CE e 2002/77/CE.

XIII. A alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da referida Lei n.º 5/2004, em concretização do disposto no artigo 11.º da Directiva-quadro, estabelece direitos de passagem às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nos termos seguintes: “Às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é garantido: a) (...); b) O direito de utilização do domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos”.

XIV. Por seu turno, o artigo 106.º da citada Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, instituiu, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Directiva autorização (Directiva n.º 2002/20/CE, de 7 de Março), a Taxa Municipal de Direitos de passagem (TMDP) em contrapartida dos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal” (cfr. n.º 2 do artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro).

XV. Esta taxa é “determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município” (cfr. a alínea a) do n.º 2 do artigo 106.º da Lei n.º 5/2004), cujo valor máximo não pode ultrapassar 0,25% sobre o montante dessas facturas (cfr. as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 106.º da Lei n.º 5/2004).

XVI. O Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, que aprovou o Regime Jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas veio clarificar - contrariando o entendimento sustentado pelo RECORRENTE - que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações.

XVII. No Preâmbulo deste Diploma Legal resulta, expressamente, que “nos termos da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, o direito de utilização do domínio público para a implantação, passagem ou atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos, através de procedimentos transparentes, céleres e não discriminatórios e adequadamente publicitados (…) No que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto”.

XVIII. O RECORRENTE nas suas Alegações de Recurso, defendeu o entendimento segundo o qual “(…) o que se pretendeu com o art. 12.º, n.º 2 do DL n.º 253/2009, de 21 de Maio não foi clarificar, mas sim encontrar uma solução pragmática para um problema concreto, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto e dissuadir abusos”. Mais dizendo que “a alteração legislativa teve um conteúdo inovador, visto que o que anteriormente era uma faculdade quanto à tributação do direito de passagem, por forma a evitar abusos com duplicações de taxas, converteu-se na única forma possível de tributação dessa realidade concreta”.

XIX. Sucede que, num processo semelhante em que se discutiu a ilegalidade (abstracta) da liquidação a uma empresa de comunicações electrónicas de TOVP do ano de 2004, foi invocado que a redacção do art. 106.º, na sua versão original (antes da entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 123/2009), comportava a possibilidade de opção pela liquidação de TOVP, em vez da TMDP.

XX. Esta interpretação foi, então, expressamente, afastada pelo Supremo Tribunal Administrativo, dizendo que: “Pese embora o referido diploma só tenha entrado em vigor em Maio de 2009, será pertinente invocá-lo na apreciação do caso sub judice pois que na análise dos preceitos legais aplicáveis forçoso é recorrer ao subsídio interpretativos do elemento sistemático e também à ratio legis, tendo sempre como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada. Acresce dizer que esta questão foi já objecto de jurisprudência consolidada deste secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza – ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.10.2010, recurso 363/10, de 30.11.2010, recurso 513/10 e de 12.01.2011, recurso 751/10, de 29.06.2011, recurso 450/11, e de 01.06.2011, recurso 179/11.Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva e proficiente fundamentação concordarmos integralmente”.

XXI. Daí que se conclua que, a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0864/11, de 06-06-2012, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0363/10, de 06-10-2010).

XXII. Pelo que é, a douta Decisão objecto do presente recurso, tecnicamente perfeita, contém a fundamentação adequada para a decisão proferida e revela ponderação e imparcialidade na forma como decidiu as questões suscitadas, não sendo merecedora de qualquer censura, em sentido contrário ao alegado pelo recorrente.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
A. A Impugnante dedica-se à atividade de distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma - cfr. doc. 1 junto com a p.i..
B. Pelos ofícios n.ºs 5153, 5154, 5206, 5210, 5220 e 5238, todos de 02.02.2005, emitidos pela Câmara Municipal de Cascais, e cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, foi a Impugnante notificada para efectuar o pagamento das taxas de "Ocupação de Via Pública", referentes ao ano de 2005, no valor global de € 124.891,80, relativas a "Armários para A……", colocados ao abrigo dos Alvarás de Licença para ocupação de via pública A……. -…………, S.A.) n.ºs 190/191/192/193/332 e 333 - cfr. docs. 3 a 8 juntos com a p.i..
C. Em 08.07.2005 a ora impugnante, ao abrigo do disposto no art.º 78.º da LGT, deduziu pedido de revisão das liquidações identificadas na alínea que antecede, nos termos e com os fundamentos constantes do doc. 10 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido - cfr. doc. 10 junto com a p.i..
D. Em 30.11.2005 a Impugnante procedeu ao pagamento das quantias relativas às liquidações identificadas em B), no âmbito do respetivo processo de execução fiscal - cfr. doc. 9 junto com a p.i..
E. Na Informação n.º 162/2010 de 22.10.2010, da Câmara Municipal de Cascais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, concluiu-se, no que às liquidações identificadas em B) se refere, que "não deverá ser restituído o valor da taxa de ocupação da via pública" considerando, além do mais que "Apenas com a entrada em vigor deste diploma [DL n.º 123/2009, de 11 de maio] é que deixou de ser possível a liquidação das duas taxas em simultâneo; até então o regime previsto na Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro não previa ou limitava a liquidação dos referidos tributos" - cfr. doc. 6 junto com a contestação.
F. O requerimento identificado em C) foi indeferido por despacho de 10.12.2010 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, nos termos e com os fundamentos constantes do doc. 11 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido e notificado à Impugnante por ofício n.º 4310 de 21.01.2011 - cfr. docs. 2 e 11 juntos com a p.i..
G. Em 09.02.2011 foi deduzida a presente impugnação judicial - cfr. fls. 285 do suporte físico dos autos.

****

Questão objecto de recurso:
- A partir da entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a aplicação da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMPD), prevista no artigo 106.º afasta a aplicação da taxa municipal de ocupação do domínio público?

Está em causa nestes autos o acto de liquidação de Taxa de Ocupação da Via Pública (“TOVP”) praticado pela Câmara Municipal de Cascais, com referência ao ano de 2005 no valor total de € 124.891,80.
Fundamenta a recorrente a sua pretensão de ser tida por legal tal liquidação na circunstância de não liquidar ou cobrar qualquer taxa municipal de direitos de passagem à recorrida ou empresas congéneres que forneçam serviços de telecomunicações pelo que, ao liquidar a Taxa de Ocupação da Via Pública (“TOVP”) não infringe o disposto na Lei das Comunicações Electrónicas dado que não cobra duas taxas pela mesma utilização de bens de domínio público.
Argumenta ainda que o entendimento constante da sentença recorrida faz uma interpretação inconstitucional do artigo 12.º, n.º 2 do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio por violar o princípio da autonomia financeira das Autarquias Locais, tal como consagrado no artigo 238.º da CRP.
A sentença recorrida segue a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, que aqui reafirmamos, remetendo particularmente para o acórdão do Pleno proferido em 6 de Outubro de 2010 no recurso 363/10, repetidamente mencionado nos autos, que, por isso, nos escusamos de reproduzir. Como sintetizado no referido sumário, « A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza», acrescentando-se em acórdãos mais recente –, que o DL nº 123/2009, de 21/5 (…) clarificando o regime plasmado na Lei nº 5/2004, de 10/2, proíbe a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem prevista nos termos do art. 106º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada por aquela referida Lei, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (cfr. o Preâmbulo do diploma e os artºs. 2º al. a) e 12º nº 1) – como expresso no acórdão do Pleno de 29-03-2017 proferido no recurso n.º 01091/16.
A referida interpretação do artigo 12.º, n.º 2 do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio não viola de modo algum o princípio constitucional da autonomia financeira das Autarquias Locais, tal como consagrado no artigo 238.º da CRP. Tal interpretação não põe em causa o direito das Autarquias a um património e finanças próprias, não impõe uma injusta repartição dos recursos entre o Estado e as autarquias ou entre estas entre si, não impede a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau, não retira receitas à recorrente ou interfere com a respectiva gestão. Tal interpretação é conforme ao disposto no art.º 238.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa na medida em que se enquadra, para um específico tipo de actividade – comunicações electrónicas -, o exercício do poder tributário da recorrente, que nesta matéria tem que se conformar com a lei da República como esta se conforma com as directivas comunitárias sobre as comunicações electrónicas e a taxação dos direitos de passagem, em particular. Tal regulamentação comunitária visa a criação de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e rede de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas nas Directiva e a restrições de acordo com o n.º 1 do artigo 46.º do Tratado (…)” – cfr. o considerando (3) da Directiva 2002/20/CE.
Não enferma, pois, a sentença recorrida dos vícios que lhe vinham apontados, impondo-se a sua integral confirmação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa,12 de Dezembro de 2018. - Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Francisco Rothes.