Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01292/16
Data do Acordão:11/29/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CUSTOS
BENEFÍCIOS FISCAIS
ENCARGOS FINANCEIROS
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Sumário:Estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o nº 7 da Circular nº 7/2004, de 30/03, da DSIRC, afronta o princípio da legalidade tributária.
Nº Convencional:JSTA00070431
Nº do Documento:SA22017112901292
Data de Entrada:11/17/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., SGPS, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CONST05 ART103 N2 ART104 N2 ART112 N5.
LGT98 ART8 N1 ART55 ART59 N3 B ART68A ART74 N1 ART81 N1 ART85 ART87 N1 B.
CPPTRIB99 ART124.
CIRC01 ART23 N1 C ART83 N1 A.
EBFISC01 ART31 N2 N3 ART32.
CPC13 ART529 N2 ART530 N7.
L 64-B/2011 DE 2011/12/30.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0227/16 DE 2017/03/08.; AC STA PROC01229/15 DE 2017/05/31.; AC STA PROC0364/14 DE 2017/06/21.; AC STA PROC0763/15 DE 2016/06/01.
Referência a Doutrina:CIRCULAR N7/2004 DE 2004/03/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária recorre da sentença que, proferida em 15/5/2016, no TAF do Porto (fls. 613 e ss.), julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………………. SGPS, S.A., contra decisão de indeferimento expresso de reclamação graciosa e anulatória de correcções à matéria tributável de IRC (exercícios de 2005, 2006 e 2007) no montante global de € 1.632.219,79.

1.2. Termina as alegações com as conclusões seguintes (sintetizadas a fls. 729/734):
A. A Fazenda Pública não se conforma com a sentença exarada nos autos, que julgou procedente a impugnação judicial intentada na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as correções efetuadas em sede de IRC respeitantes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, por entender que a mesma incorreu em erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 74°, n° 1 da LGT, 23°, n° 1 do CIRC e 31°, n° 2 do EBF na redação aplicável (atual artigo 32°, n° 2 do EBF).
B. No nosso entendimento, encontravam-se em perspetiva nesta ação os seguintes vetores fundamentais, que, com todo o respeito devido, que é muito, não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo na abordagem efetuada: a) A definição de quem tem a obrigação legal de alcançar a quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis em função do estabelecido pela concatenação do disposto no artigo 23° do CIRC com o artigo 31° do EBF (na redação introduzida pela Lei n° 32-B/2002, de 30/12), e efetuar a sua desconsideração no âmbito do apuramento do lucro tributável e preenchimento da declaração anual onde efetua a autoliquidação do IRC a pagar que — como adiante se verá — é a Impugnante; b) A factualidade decorrente dos autos, bem como a admissão da Impugnante, que não contesta tal circunstância, implica a resposta positiva ao facto — pela Impugnante, no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros deste tipo, que se encontram englobados no total dos encargos financeiros por ela considerados como custo fiscal na respetiva declaração de rendimentos, sem que a mesma tenha procedido, na declaração de rendimentos ao acréscimo correspondente ao valor dos encargos não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC e artigo 31° n° 2 do EBF; c) Não tendo sido efetuada pela Impugnante a desconsideração de qualquer custo por aplicação do disposto naquele normativo legal impunha-se, por esse facto à AT, em sede de procedimento inspetivo no âmbito dos seus poderes-deveres, corrigir o Lucro Tributável apurado em virtude de este se encontrar influenciado por encargos financeiros que não eram dedutíveis nos termos do artigo 23° do CIRC e 31° do EBF, não fornecendo a Impugnante através da sua documentação com relevância fiscal elementos que permitam apurar em concreto os custos respeitantes àqueles encargos.
C. De acordo com o artigo 74°, n° 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Estando a regra prevista no procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respetivo ónus no processo judicial tributário.
D. As verbas escrituradas na contabilidade da Impugnante como um seu custo, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do artigo 31º, n° 2 do EBF por não concorrerem para a formação do lucro tributável, o que é admitido pela Impugnante (cfr. disposições conjugadas dos artigos 17°, 23° e 115°, n° 3 a) do CIRC com o artigo 31°, n° 2 do EBF).
E. O Orçamento do Estado para 2003 procedeu a uma alteração no regime de tributação das mais-valias das SGPS, seguindo, numa ótica de reforço da competitividade dessas sociedades, a tendência comum à maioria dos países membros da Comunidade Europeia, ou seja, excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de ativos da mesma natureza.
F. Em face das dúvidas suscitadas sobre a aplicação do novo regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, atenta a extrema dificuldade de utilização de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo poderia gerar, veio a ser transmitido, através da Circular n° 7/2004, de 30/03, da Direção de Serviços do IRC, o entendimento da Administração Tributária sobre esta matéria, bem como o método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais.
G. O princípio geral da indispensabilidade dos custos informa o disposto no artigo 23° do Código do IRC, no qual se estabelece que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Assim, os encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações sociais não concorrem para a formação do lucro tributável nos mesmos termos das mais ou menos valias realizadas, trata-se da imputação do encargo ao regime fiscal aplicável ao resultado da operação para a qual foi assumido.
H. Competindo ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, deve este realizar o acréscimo tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais, sendo certo que, ninguém melhor do que o próprio sujeito passivo se encontra em situação de concretizar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais e, se o não faz, legitima a Administração Tributária a efetuar correções ao apuramento do Lucro Tributável para efeitos da desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações.
I. Recaindo o ónus da prova da dedutibilidade dos custos questionados para a formação de proveitos que contribuíram para o apuramento do Lucro Tributável sobre o sujeito passivo, no procedimento tributário, na medida em que o contribuinte tem para com a Administração Tributária o dever de lhe prestar esclarecimentos sobre a sua situação tributária, no caso, de esclarecer as razões que poderiam levar a concluir que dos custos por ele refletidos no apuramento do Lucro Tributável nenhuns respeitavam a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais nas condições referidas no artigo 31°, n° 2 do EBF. Não cumprindo esse dever de esclarecimento e explicitando que não lhe é possível com base nos factos e documentos patentes da sua contabilidade, ou quaisquer outros (designadamente testemunhais) indicar quais são de entre os custos que imputou no apuramento do Lucro Tributável aqueles que não o deveriam influenciar nos termos da lei, o ónus da prova acerca da alocação dos encargos financeiros incorridos que recaia sobre o contribuinte no procedimento.
J. Por outro lado, aquilo que consideramos, ressalvado o respeito devido por melhor opinião, uma visão ou interpretação bipartida do artigo 31° do EBF, que se encontra subjacente à posição defendida pela Impugnante e correspondente à atitude que adotada ao longo dos exercícios económicos, não nos parece defensável nem aceitável face à redação do preceito, face à intenção do legislador e face à coerência das soluções pelo mesmo estabelecidas no ordenamento jurídico e por fim com a natureza do normativo — de concessão de um benefício fiscal.
K. A intenção subjacente à criação do benefício em causa não pode deixar de ser considerada na respetiva interpretação, não autorizando que se autonomize a primeira parte do preceito da segunda, considerando aplicável apenas aquela e não considerando aplicável esta, porquanto o preceito não contém duas partes autónomas entre si, mas contém duas partes interdependentes entre si, face à intenção do legislador subjacente à criação do benefício. Isto porque a desconsideração como custos fiscalmente relevantes dos encargos financeiros incorridos para obtenção da determinação do Lucro Tributável consagrada no n° 2 do artigo 31º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis.
L. Entendendo-se não ser aplicável o normativo legal, não pode aplicá-lo no seu todo. De outro modo, encontra-se a seguir uma posição que contém em si mesma uma contradição intrínseca, por um lado afirma o normativo como inaplicável por inexequibilidade prática, contudo, aplica uma parte que destaca do referido preceito — quando esta não é destacável do todo ali estabelecido, por um ser condição do outro, em termos da interpretação racional ou teleológica e sistemática do normativo.
M. No contexto apontado, decidir no sentido propugnado da sentença recorrida, seria fazer tábua rasa das obrigações que impendem sobre os contribuintes e relativas ao ónus da prova atinente à dedutibilidade fiscal dos custos relevados na contabilidade e ao mesmo tempo, convidar ao não cumprimento do estipulado nas normas legais, no caso concreto no artigo 31°, n° 2 do EBF (atual 32°), os múltiplos agentes económicos que o legislador pretendem visar com a instituição do normativo em causa.
N. No âmbito do funcionamento da Administração Tributária torna-se necessária a existência de instruções de caráter interpretativo, sendo o interesse público subjacente a estas instruções relevante, dado que são instrumentos de uniformização da sua atuação nas relações que estabelece com os contribuintes e, se para os agentes da Administração Tributária é obrigatória estrita observância das normas e conteúdo das referidas instruções, para os contribuintes tal já não sucede, pese embora o seu interesse para estes não saia diminuído, porquanto ao conhecê-las, facilmente se torna previsível o comportamento da Administração Tributária para cada caso concreto.
O. Considerando o conteúdo da Circular n° 7/2003 verifica-se que esta: explicita no tocante à aplicação temporal do regime, e, concretamente, no que respeita aos encargos financeiros, que o mesmo é aplicável aos suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data; refere que a desconsideração para efeitos fiscais deve ocorrer no exercício a que respeitam os encargos financeiros, desde que suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de vir a beneficiar do regime especial de tributação das mais-valias, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a sua aplicação; admite, no caso de se vir a verificar a inaplicabilidade do regime, a possibilidade de tais encargos serem considerados como custos fiscais no exercício da alienação das participações; e especifica um método a utilizar para efeitos de imputação dos encargos financeiros às participações sociais.
P. Da Circular em referência não resulta que se desconsidere a natureza efetiva dos encargos ou momento em que esses encargos foram incorridos, desvirtuando a realidade dos factos praticados, conduzindo a resultados contrários à lei, nem a Circular incorre em errada interpretação da Lei fiscal, e consequentemente violação da Lei, uma vez que a mesma não restringe a aplicação da Lei fiscal em momento algum, nem desconsidera o objetivo último prosseguido pela instituição da não dedutibilidade dos encargos financeiros, não beliscando os princípios da legalidade e da tipificação.
Q. Assim, a atuação da Administração Tributária decorreu do normativo legal já aqui largamente referido, socorrendo-se da circular apenas para aferir do método de cálculo, sem que por esta via fosse beliscado o âmbito da incidência real legalmente estabelecido, nem desvirtuado o texto legal, não desconsiderando a natureza efetiva dos encargos nem o momento em que são incorridos, nem restringindo a aplicação da lei fiscal, considerando sempre o objetivo ultimo prosseguido pelo legislador ao estabelecer a não dedutibilidade dos encargos em questão, pelo que não ofende os princípios da legalidade e da tipicidade
R. Não existe qualquer limitação ao legalmente determinado, nem o estabelecimento de um método que conduz a cálculos presuntivos, tratando-se apenas da designação de um critério de imputação, de uma fórmula de cálculo, por forma ao cumprimento do estipulado na lei, pelo que a referida Circular apenas veicula orientações interpretativas da nova lei e instruções gerais vinculativas dirigidas aos órgãos da administração tributária e seus funcionários, com vista à uniformidade de procedimentos.
S. Neste enquadramento, o critério e método propostos para efeitos de determinação dos encargos financeiros, caraterizam-se pela objetividade, adequação e razoabilidade face às dificuldades que a adoção de um método de afetação direta e específica traria aos sujeitos passivos, tal como, aliás, se encontra expressamente referido no ponto 7 da Circular 7/2004 e vem admitido pela Impugnante.
T. Pelo que, face ao quadro que vem de se desenhar, não se vislumbra que as correções aqui em causa se encontrem inquinadas de ilegalidade nos termos sentenciados.
U. Ademais, também não se conforma a Fazenda Pública com a decisão no que concerne a custas, pois encontra-se implícito na decisão recorrida que se entendeu não existir fundamento para dispensar a Fazenda Pública do pagamento da taxa de justiça na parte que excede o valor processual de € 275.000,00, sendo certo que, decorre do n° 7 do art. 6° do RCP que essa possibilidade se encontra na disponibilidade do M.mo Juiz da causa, oficiosamente, uma vez que a lei não faz depender de requerimento das partes a sua intervenção nesta matéria.
V. Examinando o art. 6° do RCP, verifica-se que, de acordo com o teor do n° 1, conjugado com o n° 7, são três as condições principais a considerar na dispensa do pagamento do remanescente: a especificidade da causa, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, entendendo a Fazenda Pública, com respeito por diversa opinião, que se encontram preenchidas todas as condições previstas naquele normativo para a dispensa do pagamento do remanescente, pois a causa não foi de complexa decisão, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes.
W. Diante de tais circunstâncias, e sempre com o respeito devido, a Fazenda Pública entende que não foi desenvolvida atividade judicial e jurisdicional proporcional à taxa de justiça que seria a concretamente devida depois de elaborada a conta final do processo, sem concessão da dispensa prevista no n° 7 do art. 6° do RCP. Daí que, considerando o princípio estabelecido no n° 2 do art. 529° do CPC, com o esclarecimento do disposto no n° 7 do art. 530° do mesmo Código, e diante da menor complexidade que a causa afinal evidencia e a conduta cooperante das partes, a correspectividade da atividade processual desenvolvida na ação em apreço justifica, na nossa perspetiva, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, sob pena de excesso irrazoável.
X. Como tal, a Fazenda Pública pugna, com o maior respeito, que a decisão recorrida deve ser alterada quanto às custas, por erro de julgamento, e substituída por outra que dispense do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte devida pelo valor da causa superior a € 275.000,00, nos termos do n° 7 do art. 6° do RCP.
Y. Em suma, ao decidir-se como se decidiu, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, é nossa convicção que a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, fazendo desacertada interpretação e aplicação dos preceitos legais referidos ao longo desta peça processual.
Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.

1.3. A recorrida A……………, S.A., contra-alegou e formula as conclusões seguintes:
i. Como resulta da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu, nomeadamente, que a Administração Fiscal (AF) não logrou demonstrar que os valores a que chegou se referem a efetivos encargos financeiros com a aquisição de participações sociais.
ii. Foi com base no referido juízo, no apuramento dos pressupostos factuais que o mesmo encerra, e na subsunção dos mesmos à fatispecie normativa, que o Tribunal a quo arribou a conclusão de que a liquidação deveria ser anulada.
iii. Lidas as conclusões do recurso em causa - as quais circunscrevem o seu objecto [Cfr. art. 639º do CPC, ex vi art. 2º e) do CPPT] - não se vislumbra que tenha sido alegada pela Fazenda Pública qualquer vício da douta sentença recorrida que imponha a revogação do segmento supra citado.
iv. A Recorrente pretende agora, em sede de recurso, desvirtuar a natureza das correcções efectuadas e, subvertendo o princípio segundo o qual a AF deve demonstrar os pressupostos factuais que legitimam essas correcções, pretende impor ao Contribuinte o ónus de demonstrar que aquelas correcções estão erradas.
v. Como é sabido, no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, a AF actua no uso de poderes vinculados e, por isso, submetida ao princípio da legalidade, pelo que lhe cabe, portanto, o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas em causa.
vi. Ao invés do pretendido pela Recorrente, cabia à AF o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de prova sobre a possibilidade de proceder à liquidação com base em meras correcções aritméticas, externando os elementos de facto que a levaram a concluir nesse sentido, sabido que não pode haver lugar a qualquer subjectividade do agente fiscalizador e que a determinação directa da matéria colectável não pode alicerçar-se em meras suspeitas ou suposições — para mais baseadas numa Circular.
vii. Assim, como decidido pelo Tribunal a quo, se a AF pretende corrigir encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, deveria demonstrar, como é óbvio, que os encargos que corrige estão relacionados com a efectiva aquisição de participações sociais.
viii. E o Contribuinte não tem qualquer obrigação de fazer a prova de facto negativo: que os encargos em causa não foram suportados com a aquisição de participações sociais.
ix. O Contribuinte tampouco tem a obrigação de demonstrar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos invocados pela AF, uma vez que «(...) pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que vem invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário.»[Sic, Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Vol. II, Áreas, 2012, p.132, destaque nosso].
x. Como resulta dos autos, a AF procedeu a correcções à matéria tributável, por concluir que o sujeito passivo não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital.
xi. A Recorrente pretende imputar ao Contribuinte a obrigação de demonstrar os motivos pelos quais não procedeu ao referido acréscimo — o que constitui uma verdadeira falácia, porquanto é a AF que acresce encargos financeiros que considera suportados com a aquisição de partes de capital, sem identificar os respectivos financiamentos nem, tampouco, as partes de capital supostamente adquiridas por recurso aos mesmos.
xii. Por outro lado, tal juízo falacioso é igualmente demonstrado pela aplicação, para a determinação dos encargos financeiros supostamente suportados com a aquisição de partes de capital, de uma fórmula aritmética criada pela própria AF e que, portanto, não tem qualquer expressão legal.
xiii. No caso dos autos a AF não colocou em causa a falta de verificação dos pressupostos de que, nos termos do artigo 23º do CIRC, depende a dedutibilidade dos custos, limitando-se a analisar os balanços a 31 de Dezembro e, mediante uma fórmula aritmética que consta apenas de uma Circular Administrativa, vem, pela aplicação de um método indirecto determinar o valor dos encargos financeiros que supostamente foram suportados com a aquisição de partes de capital.
xiv. Segundo os princípios legais da interpretação das normas tributárias [Artigos 11º da LGT e 9º do Cód. Civ.] extrai-se do artigo 32º nº 2 do EBF, na redacção da Lei nº 32-B/2002, de 30/12, que apenas são passíveis de não concorrerem para a formação do lucro tributável de SGPS, os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital detidas por período não inferior a um ano, que hajam sido objecto de transmissão onerosa (e, por isso, geradoras de mais ou menos-valias) no exercício em questão.
xv. Como se denota dos autos, a AF não teve sequer a preocupação de aferir se, no exercício em causa, foram efectuadas quaisquer transmissões onerosas de participações sociais (com o consequente apuramento de mais ou menos-valias na alienação dessas participações).
xvi. Como decidido na sentença recorrida, nos autos não resulta minimamente demonstrado, pela AF: (i) a subsunção dos factos tributários (existência de encargos financeiros não dedutíveis) à previsão normativa constante do artigo 32º nº 2 do EBF; (ii) que os valores dos encargos financeiros que acresceu ao lucro tributável estavam efectivamente relacionados com a aquisição de participações sociais alienadas no exercício em causa.
xvii. A AF não apurou, em concreto quaisquer encargos financeiros com a efectiva aquisição de quaisquer participações sociais — uma vez que não identificou uma única participação social que haja sido adquirida com recurso a financiamento, nem identificou qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir.
xviii. O facto de se basear apenas em valores de final do exercício, a 31 de Dezembro, é só por si revelador da inadequação de tal método, quanto ao aspecto temporal — os valores a essa data não revelam os valores de encargos financeiros incorridos ao longo do exercício, tão pouco as aquisições e alienações de participações ocorridas ao longo do exercício.
xix. Pretende a AF, por via do método de apuramento ditado pela referida circular administrativa, relacionar “passivos remunerados” com a aquisição de participações sociais, presumindo com base numa mera regra proporcional — e não por via de qualquer imputação específica de encargos concretos com aquisições concretas de participações sociais certas e determinadas - que determinado valor de “passivos remunerados” se destinou à aquisição de participações sociais, supostamente nos termos e condições do artigo 31, nº 2 do EBF.
xx. Basta uma qualquer alteração da proporção entre os valores de Balanço do Activo, Passivo e/ou Capitais Próprios — e que podem ser alterados por múltiplos eventos, sem que haja necessariamente qualquer aquisição de acções, ou quaisquer financiamentos para a aquisição de acções - para que, segundo a circular em causa, daí advenha a “automática” desconsideração, enquanto custo fiscal, de parte dos encargos financeiros contabilizados.
xxi. A AF procede a integração de lacunas da lei fiscal em violação do disposto no artigo 11º nº 4 LGT, uma vez que o EBF não estabelece nem prevê a existência de qualquer fórmula matemática muito menos a formula matemática encontrada pela AF, para o pretenso apuramento da correcção em questão.
xxii. A existir alguma correcção, e ainda que a AF demonstrasse que foram suportados encargos com um financiamento contratado para a aquisição de partes de capital - o que não sucedeu - a mesma apenas poderia ter lugar no exercício em que essas participações fossem alienadas sob pena de violação do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18º nº 2 do CIRC.
xxiii. Aliás, a correcta aplicação do artigo 32º nº 2 do EBF exige mesmo que este seja conjugado, em particular, com o nº 3 do mesmo preceito legal — ou seja, que se averigue, designadamente, se as partes de capital foram ou não adquiridas a sociedades com as quais existiam relações especiais, ou se foram adquiridas a residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e se permaneceram, em qualquer dos casos, na titularidade do alienante, durante menos de 3 anos.
xxiv. Na Informação Vinculativa nº 223/2004, de 19.03.2004 da DSIRC — que antecedeu a Circular nº 7/2004 — é expressamente referido que «Quanto ao método de afectação dos encargos financeiros associados a cada uma das participações sociais e não estando o mesmo definido na lei (…)».
xxv. Na mesma Informação Vinculativa nº 223/2004 da DSIRC, a AF adverte que “por se tratar de matéria sensível e por razões de segurança jurídica, deveria proceder-se à correspondente alteração legislativa, no sentido de definir o método de cálculo dos referidos encargos”, mais referindo que essa definição legal serviria “para evitar possíveis conflitos com os contribuintes resultantes da subjectividade do assunto.”
xxvi. A aplicação de uma circular administrativa para a efectivação da correcção em questão viola o princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado em matéria tributária, com inerente violação do artigo 103º nº 2 e 165º nº 1) da CRP.
xxvii. Ao presumir pretensos encargos financeiros relacionados com a aquisição de participações sociais, tendo meramente por base fórmulas matemáticas constantes de uma circular administrativa, viola o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real previsto no artigo 104º da CRP.
xxviii. Na informação nº 880/2008, da Direcção de Serviços do IRC, que deu origem à Circular em causa, a AF confessa, declaradamente, por referência ao método preconizado na Circular, que: «(...) deverá ser sempre utilizado o método indirecto acima referido para o cálculo dos encargos financeiros que não serão dedutíveis para efeitos fiscais (...).».
xxix. A aplicação de qualquer método indirecto nesta matéria está legalmente condicionada às situações consagradas nos artigos 87º a 89º-A da LGT, e nenhuma se verifica aqui, nem a AF o invocou.
xxx. A determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos deve obedecer aos critérios legais consagrados no art. 90º da LGT e nenhum foi observado no caso.
xxxi. Em caso de determinação indirecta da matéria colectável, deve ser dada ao contribuinte a possibilidade de requerer a revisão da matéria colectável assim determinada, como prevê o artigo 91º da LGT, o que também não foi o caso.
xxxii. Uma interpretação do artigo 31.º n. 2 do EBF que desconsidere os encargos financeiros “por atacado”, sem considerar, efectivamente e de facto, a finalidade concreta para que foram contratados os subjacentes financiamentos, padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação segundo rendimento real — como é entendimento da nossa doutrina e jurisprudência.
Termina pedindo que o recurso seja julgado improcedente e seja confirmada a sentença recorrida.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recorrente: Fazenda Pública
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência de impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento expresso de reclamação graciosa e anulatória de correcções à matéria tributável de IRC (exercícios de 2005, 2006 e 2007) no montante global de € 1.632.219,79.
FUNDAMENTAÇÃO
1. A apreciação da questão do ónus da prova dos requisitos da dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelas SGPS (suscitada pela recorrente Fazenda Pública) está prejudicada pelo facto de ter ficado provado que o sujeito passivo suportou encargos financeiros não dedutíveis (destinados à aquisição de participações sociais) e encargos financeiros dedutíveis (destinados a outros fins conexionados com o seu objecto social, como supressão de dificuldades de tesouraria e resultados negativos, custos com serviços, água, luz, juros e impostos) (factos provados n° 4 fls. 616/617).
2. Questão decidenda: Violação do princípio da legalidade tributária pela interpretação da norma constante do art. 31° n° 2 EBF (redacção introduzida pela Lei n° 32-B/2002, 30 dezembro) efectuada pela Circular n° 7/2004, 30 março da DSIRC (art. 103° n° 2 CRP; art. 8° n° 1 LGT).
ARGUMENTÁRIO
A apreciação da questão será inspirada na fundamentação da decisão arbitral proferida em 28.07.2016 (processo n° 39/2016-T relator: juiz conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa) que emitiu pronúncia sobre idêntica questão jurídica, embora com a significativa diferença fáctica de nele não ter ficado provado que nenhum dos financiamentos obtidos pelo sujeito passivo se destinou à aquisição de participações sociais.
1. A indedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelas SGPS apenas abrange aqueles directamente conexionados com a aquisição de participações sociais (como resulta da conjugação da literalidade do art. 31° n° 2 EBF com a exposição de motivos constante do Relatório do Orçamento de Estado para 2003, p. 51 nos termos da qual, «Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade efeitos da determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de participações sociais por parte das SGPS».
2. Como corolário desta interpretação permanece em vigor a regra da dedutibilidade dos encargos financeiros que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais (art. 23° n° 1 al. c) CIRC)
3. O princípio da legalidade em matéria tributária exige que a incidência dos impostos, respectivas taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes seja determinada apenas por actos de natureza legislativa (não regulamentar) (art. 103° n° 2 CRP; reafirmação no art. 8° n° 1 LGT).
4. As circulares são instrumentos administrativos que, exprimindo orientações genéricas, vinculativas apenas para a autoridade tributária, procedem à uniformização da sua actuação na interpretação e aplicação das normas tributárias, permitindo aos contribuintes o conhecimento antecipado do entendimento por aquela adoptado (art. 68°- A LGT).
5. A Circular n° 7/2004, 30 março, da DSIRC, aplicada pela administração tributária de forma a afastar a dedutibilidade de encargos não directamente conexionados com a aquisição de participações sociais, resulta na criação de norma inovadora sobre a determinação do lucro tributável de IRC, criando encargos financeiros indedutíveis não previstos na lei, com consequente invalidade por violação do princípio da legalidade em matéria tributária.
6. Não obstante, não será ilegal o método previsto no ponto 7. da Circular n° 7/2004, 30 março, se apenas aplicável subsidiariamente, como método indirecto, no caso de inviabilidade de determinação directa dos encargos resultantes de financiamentos directamente associados à aquisição de participações sociais (arts. 85° n° 1 e 87° n° 1 al. b) LGT).
7. No caso concreto a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (objecto da impugnação judicial deduzida neste processo) não contém a mínima alusão à aplicação subsidiária do método para cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais, procedendo à sua aplicação imediata sem invocação da inviabilidade da quantificação directa (em conformidade com a literalidade da própria Circular, ela própria não prevendo qualquer aplicação subsidiária do método de cálculo que enuncia).
A conjugação das antecedentes premissas funda a conclusão de que a interpretação do art. 32° n° 2 EBF (redacção introduzida pela Lei n° 64-B/ 2011, 30 dezembro) efectuada pela Circular n° 7/2004, 30 março, da DSIRC viola o princípio da legalidade tributária (art. 103° n° 2 CRP; art. 8° n° 1 LGT).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada na ordem jurídica.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
1. A impugnante dedica-se, com intuito lucrativo, à gestão de participações sociais como forma indirecta de exercício de actividades — Cfr. fls. 49/55 do PA.
2. Nos exercícios de 2005, 2006 e 2007 a impugnante apresentou as declarações de IRC, modelo 22, nos termos constantes de fls. 94/103 e 111/129 do P.A. de Reclamação Graciosa (PARG).
3. Durante todo o ano de 2005, 2006 e 2007 a impugnante adquiriu e vendeu participações sociais.
4. Ao longo dos exercícios de 2005, 2006 e 2007 a impugnante adquiriu e concedeu vários empréstimos, para inúmeras finalidades, designadamente para suprir dificuldades de tesouraria e resultados negativos, custos com serviços, água, luz, aquisição de participações sociais, juros, impostos.
5. De acordo com o balancete da impugnante em Dezembro de 2005 a mesma apresentava um saldo na conta 411 de € 19.705,00 — cfr. fls. 137 do PARG.
6. De acordo com o balancete da impugnante em Dezembro de 2006 a mesma apresentava um saldo na conta 411 de € 23.908.636,62 — cfr. fls. 149 do PARG.
7. De acordo com o balancete da impugnante em Dezembro de 2007 a mesma apresentava um saldo na conta 411 de € 24.333.636,62 — cfr. fls. 161 do PARG.
8. De acordo com o mapa de mais e menos valias fiscais da impugnante, reportado a 2005, a mesma apresentou um valor líquido actualizado de € 1.978.310,00 e um saldo positivo de € 4.154.451,00 de Mais ou menos valia fiscal — cfr. fls. 168 do PARG.
9. Em 2006 e 2007, de acordo com o mapa de mais e menos valias fiscais da impugnante, a mesma apresentou um valor líquido actualizado de € 0,00, e um saldo negativo em termos de Mais ou menos valia fiscal — cfr. fls. 169/170 do PARG.
10. A impugnante foi objecto de uma acção inspectiva que decorreu sob as ordens de serviço n°s. 01200900562 e 01200900563, que teve como objecto o IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007 — cfr. fls. 36 do PA.
11. No seguimento da acção inspectiva referida em 10) foi elaborado Relatório Inspecção Tributária (RIT) em 26.05.2009, nos termos constantes de fls. 32/46 do PA.
12. De acordo com o RIT referido em 11), foram feitas, pela Administração Fiscal, correcções à matéria colectável da impugnante, relativas a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, nomeadamente:
- € 320.793,03 relativamente ao exercício de 2005;
- € 480.234,56 relativamente ao exercício de 2006;
- € 831.192,20 relativamente ao exercício de 2007 — Cfr. fls. 33/34 do PA e 59 do PARG.
13. A acção inspectiva referida nos pontos anteriores analisou, nomeadamente, as declarações de IRC de 2005, 2006 e 2007 e a Demonstração de Resultados à data de 31 de Dezembro de 2005, 2006 e 2007 — cfr. fls. 130-A do PARG e RIT.
14. Consta do RIT referido nos pontos anteriores, entre o mais, o seguinte:














15. O Relatório inspectivo referido nos pontos anteriores foi notificado à impugnante através de ofício de 31.07.2009 — cfr. fls. 29/31 do PA.
16. A impugnante apresentou reclamação graciosa contra as correcções efectuadas pela Administração Fiscal referidas no RIT atrás referido, em 30.10.2009 — cfr. fls. 03/18 do PA.
17. Em 22.09.2010 foi proferido projecto de indeferimento da reclamação graciosa referida em 16) tendo sido a impugnante notificada do mesmo e para se pronunciar em dez dias — cfr. fls. 176/188 do PARG cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
18. Em 14.10.2009 foi indeferida a reclamação graciosa nos termos e com os fundamentos constantes do projecto de indeferimento referido no ponto anterior — cfr. fls. 205 do PARG.

3.1. No seguimento de indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentara contra as correcções à matéria tributável de IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no montante global de € 1.632.219,79, a impugnante deduziu a presente impugnação judicial.
A sentença, tendo enunciado como questões a decidir, as que se prendem com saber se ocorrem as ilegalidades imputadas às correcções, nomeadamente (i) - errónea quantificação e qualificação das correcções efectuadas aos exercícios de 2005, 2006 e 2007; (ii) – violação de lei por errada interpretação do artigo 32º do EBF; (iii) – inconstitucionalidade e ilegalidade da Circular n° 7/2004, de 30 de Março; (iv) – erro nos pressupostos de facto; (v) – dupla tributação; (vi) – violação dos princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa-fé, cooperação, da tributação pelo rendimento real e capacidade contributiva, não retroactividade, da certeza e da segurança jurídica; (vii) – recurso a avaliação indirecta; e (viii) – falta de fundamentação, a sentença recorrida, invocando o disposto no art. 124º do CPPT, apreciou, desde logo, a questão da errada quantificação e qualificação do das correcções dos exercícios de 2005, 2006 e 2007 e errada interpretação art. 32° do EBF, vindo a considerar e concluir o seguinte:
— Nos termos do disposto no art. 74º, n º 1 da LGT, cabia à AT o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus da prova dos factos legitimadores das correcções aritméticas que efectuou aos exercícios em causa, externando os elementos factuais que a levaram a concluir no sentido das correcções, carreando para o procedimento factos concretos que lhe permitam concluir que os empréstimos contraídos pela impugnante se destinaram à aquisição das participações sociais de que a mesma era detentora a 31 de Dezembro.
— No caso, pretendendo a AT desconsiderar os custos contabilizados pela recorrida com fundamento na violação do nº 2 do art. 32° do EBF, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis quer porque se realizaram menos valias com a transmissão onerosa de partes de capital detidas há menos de um ano, quer porque foram suportados e contabilizados encargos financeiros com a sua aquisição.
— «(...) a actuação da AF para encontrar as correcções efectuadas, não acudiu à relação directa que deve existir entre os encargos e a aquisição de participações, o que nos permite com segurança concluir que a AF andou mal.
E, mesmo acreditando que seja difícil apurar ou estabelecer uma relação directa entre os encargos e as aquisições, tal não autoriza a criação de metodologias indirectas, com base em juízos de proporcionalidade sem atentar a realidade e ao estabelecimento de uma relação directa entre os encargos e as aquisições, como o fez a AF mesmo apoiando-se na Circular 7/2004 de 30/03 por si criada.
A AF deu por certo que um certo montante dos encargos financeiros contabilizados foram suportados com a aquisição de partes de capital, mas nada demonstrou nesse sentido. Não identificou os financiamentos usados para o efeito, nem as partes de capital que teriam sido adquiridas com eles, falhando por completo o cumprimento do seu encargo probatório.
Em suma, podemos dizer que a AF andou mal nos pressupostos da tributação em que se apoiou, bem como no método quantificador usado.
Andou mal nos pressupostos da tributação, desde logo porque não logrou demonstrar os requisitos factuais legais da sua actuação, como se explicou acima.
E, andou mal, também, no método quantificador porque se desvinculou da necessidade de apurar se houve alienação de participações sociais, quando e qual o montante do financiamento usado na sua aquisição
— E mais considerou a sentença o seguinte: «(...) se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a AF só poderia mover-se no âmbito de um método que respeitasse a afectação directa ou específica, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (art. 55º LGT) e que resulta da redacção do art. 31º/2 EBF ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas. Ao referir-se a encargos financeiros suportados a lei circunscreve claramente que só estes (apurados específica e directamente) são excluídos da tributação.
Apenas não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a sua aquisição. O critério a ter em conta para a determinação dos encargos financeiros só poder ser o critério da afectação/imputação directa ou real e não o critério indirecto sancionado pela Circular 7/2004, sendo certo que, uma alegada impossibilidade prática em distinguir os encargos financeiros, efectivamente suportados com a aquisição de partes de capital, dos restantes encargos, como decorre da fundamentação do RIT, não pode servir de fundamento para a utilização de um critério sem eco na lei
E tendo considerado, com base nesta fundamentação, serem ilegais as correcções questionadas, a sentença recorrida concluiu pela procedência da impugnação, julgando, consequentemente, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela impugnante.

3.2. Discordando do assim decidido, a Fazenda Pública sustenta, desde logo, que, no caso concreto, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da dedutibilidade dos questionados custos para a formação de proveitos que contribuíram para o apuramento do lucro tributável, na medida em que o contribuinte tem para com a AT o dever de lhe prestar esclarecimentos sobre a sua situação tributária, devendo aqui esclarecer as razões que poderiam levar a concluir que dos custos por ele reflectidos no apuramento do lucro tributável nenhuns respeitavam a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais nas condições referidas no art. 31°, n° 2 do EBF. E não cumpriu esse dever de esclarecimento e explicitando que não lhe é possível com base nos factos e documentos patentes da sua contabilidade, ou quaisquer outros (designadamente testemunhais) indicar quais são de entre os custos que imputou no apuramento do lucro tributável aqueles que não o deveriam influenciar nos termos da lei, o ónus da prova acerca da alocação dos encargos financeiros incorridos que recaia sobre o contribuinte no procedimento (isto porque as verbas que a impugnante escriturou como custo seu, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do nº 2 do art. 31º do EBF por não concorrerem para a formação do lucro tributável).
Mais sustenta a Fazenda Pública que com a Lei n° 32-B/2002, 30/12, se procedeu a uma alteração no regime de tributação das mais-valias das SGPS (excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de activos da mesma natureza) e tendo sido face às dúvidas suscitadas sobre a aplicação do novo regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, veio a ser transmitido, através da Circular n° 7/2004, de 30/03, da Direção de Serviços do IRC, o entendimento da AT sobre esta matéria, bem como o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.
Esta Circular n° 7/2003 explicita, no tocante à aplicação temporal do regime e, concretamente, no que respeita aos encargos financeiros, que o mesmo é aplicável aos suportados nos períodos de tributação iniciados após 1/1/2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data; refere que a desconsideração para efeitos fiscais deve ocorrer no exercício a que respeitam os encargos financeiros, desde que suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de vir a beneficiar do regime especial de tributação das mais-valias, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a sua aplicação; admite, no caso de vir a verificar-se a inaplicabilidade do regime, a possibilidade de tais encargos serem considerados como custos fiscais no exercício da alienação das participações; e especifica um método a utilizar para efeitos de imputação dos encargos financeiros às participações sociais.
Sendo que, por força do princípio geral da indispensabilidade dos custos, constante do art. 23º do CIRC, os encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações sociais não concorrem para a formação do lucro tributável nos mesmos termos das mais ou menos valias realizadas: tratando-se da imputação do encargo ao regime fiscal aplicável ao resultado da operação para a qual foi assumido.
Por outro lado a desconsideração como custos fiscalmente relevantes dos encargos financeiros incorridos para obtenção da determinação do lucro tributável consagrada no n° 2 do art. 31º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis.
Vejamos, pois, estas questões suscitadas pela recorrente Fazenda Pública.

4.1. Desde logo, é de referir que a apreciação da questão atinente ao ónus da prova dos requisitos da dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelas SGPS (suscitada pela recorrente Fazenda Pública) está prejudicada pelo facto de ter ficado provado (cfr. factualidade constante do nº 4 do Probatório) que o sujeito passivo suportou encargos financeiros não dedutíveis (destinados à aquisição de participações sociais) e encargos financeiros dedutíveis (destinados a outros fins conexionados com o seu objecto social, como sejam a supressão de dificuldades de tesouraria e resultados negativos, custos com serviços, água, luz, juros e impostos).

4.2. Quanto à questão da alegada violação do princípio da legalidade tributária, face à interpretação da norma constante do nº 2 do art. 31° do EBF (na redacção introduzida pela Lei n° 32-B/2002, 30/12) assumida na Circular n° 7/2004, de 30/3, da DSIRC (em cujo Ponto nº 7 se refere o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais):

4.2.1. Dispunha-se (à data) nos nºs 2 a 4 do art. 31º do EBF (redacção resultante da referida Lei nº 32-B/2002, de 30/12):
«2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do nº 4 do artigo 58º do Código do IRC, ou entidades com domicilio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão.
4 - As SCR podem deduzir ao montante apurado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 83º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente ao limite da soma das colectas de IRC dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício, desde que seja utilizada na realização de investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização

4.2.2. Considerando que, em resultado da apontada alteração do art. 31º do EBF (pela Lei nº 32-B/2002, de 30/12 - OE para 2003) subsistiam dúvidas quanto à aplicação do ali previsto regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), a AT emitiu a Circular nº 7/2004, de 30/3, da DSIRC, na qual [depois de se apontar (no respectivo nº 1 da Circular) a razão das instruções, de se descreverem e analisarem (nos nºs. 2 e 3 da mesma Circular) os regimes constantes dos nºs. 2 e 3 do art. 31º do EBF, de se analisarem (nos nºs. 4 a 6) a aplicação temporal do novo regime, bem como a questão atinente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros ali referenciados], se esclareceu (no respectivo nº 7) também o seguinte, quanto ao «Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais»:
«7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.»
Ou seja, a AT definiu aqui uma forma de imputação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, forma na qual, contudo, se determina um método específico e imperativo para quantificar tais encargos.

4.2.3. E no caso vertente foi, precisamente, com base nestas instruções constantes da dita Circular, que os Serviços de Inspecção operaram e fundamentaram as correcções aos encargos financeiros suportados pela impugnante/recorrida.
Tendo a sentença recorrida concluído pela ilegalidade de tais correcções.
Entendimento que também aqui se sufraga.
Na verdade, como bem salienta o MP, da conjugação do disposto no nº 2 do citado art. 31° do EBF com o teor da exposição de motivos constante do Relatório do Orçamento de Estado para 2003, pp. 53/54 (segundo a qual, referenciando-se o alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade, se estabelece «a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos da determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de participações sociais por parte das SGPS») resulta que a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pelas SGPS apenas abrange aqueles directamente conexionados com a aquisição de participações sociais.
Pelo que, assim sendo, não ficou afastada a regra da dedutibilidade dos encargos financeiros que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais, nos termos e condições previstas na al. c) do nº 1 do art. 23° do CIRC.
Por outro lado, sendo certo que o princípio da legalidade em matéria tributária exige que a incidência dos impostos, respectivas taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes sejam determinados apenas por actos de natureza legislativa (não regulamentar) — cfr. o nº 2 do art. 103° da CRP e o nº 1 do art. 8° da LGT —, então não poderá relevar, na parte em que contende com este princípio, a orientação a este propósito constante da referida Circular nº 7/2004, de 30/3, da DSIRC. As circulares veiculam orientações genéricas que devem ser publicitadas (al. b) do nº 3 do art. 59º da LGT) e sendo, embora, vinculativas apenas para a AT, uniformizam a actuação desta na interpretação e aplicação das normas tributárias, permitindo aos contribuintes o conhecimento antecipado do entendimento adoptado pelos Serviços Tributários (cfr. o art. 68º-A da LGT).
Aliás, em relação a esta Circular nº 7/2004, já no acórdão deste STA, de 8/3/2017, no proc. nº 0227/16 (() No mesmo sentido, cfr., igualmente, os acórdãos de 31/5/2017, no proc. nº 01229/15 e de 21/6/2017, no proc. nº 364/14.
) se ponderou que, apesar de as “normas administrativas” nela constantes terem sido emitidas, precisamente, «face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, nº 2 da CRP, 81º, nº 1 e 85º da LGT», sendo que «as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, nº 5 da CRP», concluiu-se, por isso, no referido aresto, «pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele nº 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.»
E como lapidarmente igualmente sublinha o MP, também no caso vertente «a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (objecto da impugnação judicial deduzida neste processo) não contém a mínima alusão à aplicação subsidiária do método para cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais, procedendo-se à sua aplicação imediata sem invocação da inviabilidade da quantificação directa (em conformidade com a literalidade da própria Circular, ela própria não prevendo qualquer aplicação subsidiária do método de cálculo que enuncia).»
Com efeito, independentemente da questão atinente à eventual aplicabilidade (ou não) subsidiária, da apontada orientação administrativa como forma de utilização, nos termos gerais (nº 1 do art. 85° e al. b) do nº 1 do art. 87°, ambos da LGT) de método indirecto de determinação do lucro tributável, nos casos em que se verifique inviabilidade de determinação directa dos encargos resultantes de financiamentos directamente associados à aquisição de participações sociais, o que é verdade é que, no que às sindicadas correcções respeita, a AT não questionou que não se verificassem os pressupostos mencionados no art. 23º do CIRC quanto à dedutibilidade dos custos, antes se limitando a utilizar a fórmula constante da falada Circular e procedendo, dessa forma, a uma verdadeira utilização de métodos indirectos para determinar o valor dos encargos financeiros que supostamente terão sido suportados com a aquisição de partes do capital, sendo que também não identificou qualquer participação social que haja sido adquirida com recurso a financiamento, nem qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir.
E neste contexto, haveremos de concluir que a interpretação do nº 2 do art. 32° do EBF (na redacção introduzida pela Lei n° 64-B/2011, de 30/12) operada pela Circular n° 7/2004, de 30/3, da DSIRC, e com base na qual a AT procedeu às questionadas correcções do lucro tributável da impugnante, viola o princípio da legalidade tributária (nº 2 do art. 103° da CRP e nº 1 do art. 8° da LGT), pelo que a sentença recorrida, que assim também decidiu, não sofre dos erros de julgamento que a recorrente lhe imputa.

4.3. A recorrente pede a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, alegando que entende não ter sido desenvolvida actividade judicial e jurisdicional proporcional à taxa de justiça que seria a concretamente devida depois de elaborada a conta final do processo, sem concessão da dispensa prevista no n° 7 do art. 6° do RCP. Daí que, considerando o princípio estabelecido no n° 2 do art. 529° do CPC, com o esclarecimento do disposto no n° 7 do art. 530° do mesmo Código, e diante da menor complexidade que a causa afinal evidencia e da conduta cooperante das partes, a correspectividade da actividade processual desenvolvida na acção justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça, sob pena de excesso irrazoável.
Afigura-se-nos, porém, que não estão preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 7 do art. 6º do RCP para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
Por um lado, a questão decidida não se revela de complexidade inferior à comum, antes se tratando de questão que demandou, quer adequada ponderação do respectivo quadro legal de referência, quer criteriosa análise da factualidade provada e do argumentário das partes, não se vislumbrando, nesta vertente, motivo para a dispensa do remanescente da taxa de justiça. E no que respeita à conduta processual das partes, igualmente não se descortina que tenha ocorrido excepcionalidade determinante da pretendida dispensa da taxa de justiça: como se exara no acórdão do STA, de 1/6/2016, no proc. nº 0763/15, «... a alegada conduta colaborante (por não terem sido promovidos expedientes de natureza dilatória, terem apenas sido apresentadas peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material e não ter havido lugar a produção de prova testemunhal ou não terem sido apresentados articulados ou alegações prolixas) é a conduta que a lei postula como regra, não se revelando, aí, qualquer excepcionalidade relevante para efeitos da dispensa de pagamento prevista no nº 7 do art. 6º do RCP.»
Improcede, portanto, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado pela recorrente Fazenda Pública.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, indeferindo-se, nos termos supra especificados, o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 29 de Novembro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.