Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01487/13
Data do Acordão:12/11/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Verificam-se os pressupostos da revista excepcional quanto à apreciação da questão da caducidade do direito de impugnar (na sequência de reclamação graciosa) liquidações operadas em virtude de retenção na fonte, quando se conclui (i) que há necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, (ii) que se está perante questões em que a solução alcançada pelo STA assume evidente virtualidade de generalização e contribuição para clarificação de casos semelhantes e (iii) que, atendendo à própria generalidade da questão, também se verifica capacidade de expansão da controvérsia, por se tratar de uma situação bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros.
Nº Convencional:JSTA000P16725
Nº do Documento:SA22013121101487
Data de Entrada:09/27/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 11/10/2011 (complementado pelo acórdão de 07/02/2012 que indeferiu pedido de reforma e de aclaração), no recurso que aí correu termos sob o nº 04513/11.

1.2. Apresentou alegações quanto ao “objecto do recurso” e quanto ao “preenchimento dos pressupostos do recurso de revista previstos no artigo 150º do CPTA” sendo que, quanto àqueles (pressupostos da revista) as Conclusões respectivas são as seguintes:
AA) Do regime ínsito no artigo 150º, nº 1, do CPTA resulta depender a interposição de recurso de revista da verificação dos seguintes requisitos alternativos, os quais deverão ser apreciados por esse Douto Tribunal ad quem: (i) o recurso pressupor a apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; (ii) o recurso afigurar-se necessário a uma melhor aplicação do direito;
BB) Constitui entendimento da Recorrente revestirem as questões jurídicas acima enunciadas importância fundamental, na medida em que a sua clarificação permitirá esclarecer que meios gracioso e contencioso tem o substituído tributário ao seu dispor quando pretenda reagir de actos de retenção na fonte com carácter definitivo que considere desconformes à lei, e, por conseguinte, que requisitos e prazos deverá cumprir com vista ao efectivo exercício do seu direito à reposição da legalidade violada e, por via disso, do seu direito a uma tutela graciosa e jurisdicional efectivas em conformidade com os artigos 20º, nº 5, e 268º, nº 4, da CRP;
CC) As questões acima expostas assumem assim uma importância acrescida por a ambivalência existente em seu torno não só poder fazer precludir o acesso à via graciosa, mas por irremediavelmente também comprometer o acesso à via judicial e, por conseguinte, a uma pronúncia de mérito sobre as pretensões oportunamente deduzidas pela Recorrente;
DD) Com efeito, caso esse Douto Tribunal ad quem não venha a tomar posição sobre as questões acima referidas, os contribuintes que incorrectamente tenham interpretado a lei e, por via disso, recorrido à via graciosa com base em disposição legal inaplicável, igualmente vêem, por força desse seu erro, irremediavelmente comprometido o seu subsequente acesso à via judicial;
EE) Por outro lado, proliferarão os casos em que o contribuinte, a fim de evitar a preclusão do seu direito decorrente de uma errónea interpretação da lei, tenderá a aplicar o prazo de reacção mais curto, não porque o considere aplicável (ou porque este efectivamente o seja), mas porque o mesmo será o único que não impossibilitará a preclusão do seu direito, revelando-se semelhante comportamento censurável e a evitar, na medida em que estimula a subversão do sistema jurídico e as garantias concedidas aos contribuintes com vista ao adequado e efectivo exercício dos seus direitos;
FF) Acresce que, a pronúncia desse Douto Tribunal ad quem sobre a base legal que o contribuinte deve ter em conta quando pretenda reagir de retenções na fonte que considere indevidas impõe-se face à necessidade de correcção do entendimento perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, o qual, pelas razões acima enunciadas, não se revela consentâneo com a lei, bem como por motivos de ordem prática, uma vez que as questões de direito em referência colocar-se-ão em casos futuros (assumindo, por isso, uma relevância de grau superior, autónoma e independente das partes envolvidas no processo), tornando-se premente o seu célere esclarecimento a fim de se evitar a proliferação do erróneo entendimento preconizado pelo Douto Tribunal a quo com a consequente preclusão dos respectivos direitos dos contribuintes;
GG) Paralelamente, razões de segurança jurídica impõem uma interpretação uniforme das normas jurídicas, tarefa a cargo dos tribunais através da uniformização de jurisprudência – conseguida através do recurso previsto no artigo 152º do CPTA, mas, de forma até mais expedita (uma vez que não é necessário aguardar pelo trânsito em julgado do acórdão recorrido), através do recurso de revista previsto no artigo 150º do CPTA;
HH) Este aspecto assume maior premência se se tiver em conta a circunstância de o Douto Tribunal ad quem ainda não ter sido chamado a pronunciar-se expressamente sobre esta questão. Acresce que, o Douto Tribunal a quo, nos acórdãos em que foi chamado a pronunciar-se sobre a mesma, adoptou posição distinta da assumida no aresto ora recorrido – cfr., a título de exemplo, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul nº 03520/09, de 4 de Outubro de 2011;
II) Do enunciado resulta assim serem relevantes as questões jurídicas cuja apreciação se pretende no âmbito do presente recurso, assumindo por isso importância fundamental com vista à clarificação da pretensa caducidade do direito da Recorrente a impugnar os actos tributários acima identificados, mas também, a um nível mais abrangente, com vista à resolução de todas as situações futuras em que tais questões seguramente se colocarão;
JJ) Perante o exposto, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que considere preenchido o requisito relativo à «apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica [...], se revista de importância fundamental» previsto no artigo 150º, nº 1, do CPTA, dele retirando as devidas consequências jurídicas aquando da apreciação das questões acima elencadas;
KK) No que concerne ao preenchimento do requisito assente na necessária admissão do presente recurso com vista a uma melhor aplicação do direito, entende a Recorrente que as considerações anteriormente tecidas valem integralmente neste âmbito, contribuindo o julgamento por parte desse Douto Tribunal ad quem das questões acima enunciadas cabalmente para uma melhor aplicação do direito, permitindo dirimir que meios gracioso e contencioso tem o contribuinte ao seu dispor quando, em circunstâncias análogas às da Recorrente, pretenda reagir de acto de retenção na fonte;
LL) Não tendo ainda esse Douto Tribunal ad quem emitido, de modo expresso, pronúncia sobre esta matéria, impõe-se a sua tomada de posição em ordem a um resultado interpretativo uniforme, a fim de serem evitadas situações de resolução desigualitária de litígios e poderem ser colmatadas falhas na aplicação do direito por parte de outras instâncias jurisdicionais;
MM) Perante o exposto, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que considere preenchido o requisito relativo à «admissão do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito» previsto no artigo 150º, nº 1, do CPTA, dele retirando as devidas consequências jurídicas aquando da apreciação das questões acima elencadas.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer com o teor seguinte:
«Recurso interposto por A…………. SA, no processo em que é impugnante, sendo impugnada a Fazenda Pública:
1. Questão a apreciar:
- se existe oposição de acórdãos entre o proferido nos autos e o do T.C.A. Sul de 4-10-11 proferido no proc. nº 0352/09 com cópia junta a fls. 685 e ss..
2. Emitindo parecer:
A oposição de acórdãos depende de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e de idênticas situações de facto, e da decisão proferida não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada – arts. 284º do C.P.P.T., 27º, nº 1, al. b) do E.T.A.F. vigente, e art. 152º, nºs. 1, al. a) e 3 do C.P.T.A. – assim, entre outros, acórdãos de 26-9-07 e de 2-5-2012, proferidos pelo Pleno nos processos 0452/07, 0307/11 e 0895/11 8 estes 2 últimos a 2-5-2012.
Ora, no acórdão recorrido julgou-se no sentido de não ser de sujeitar a reclamação graciosa necessária os actos de retenções na fonte de I.R.C., com carácter liberatório, resultantes de dividendos derivados da detenção de participação em sociedade residente por sociedade não residente com base no previsto nos artigos 128º nºs. 2 e 4 – ora 137º – do I.R.C. e 132º do C.P.P.T, enquanto no acórdão fundamento, em que foi apreciada situação em que tinha também sido apresentada reclamação, se decidiu ser a mesma obrigatória, sendo a retenção de I.V.A. e juros já em execução fiscal, por não terem sido apresentadas com as respectivas declarações os respectivos meios de pagamento.
A situação de facto é, assim, diversa, sendo que no primeiro caso ocorre substituição tributária, sendo a prestação tributária exigida a pessoa diferente do contribuinte, enquanto no segundo caso, em que ocorre a repercussão do imposto, quem o suporta e é substituído são contribuintes, justificando-se apenas então a posição adoptada no acórdão indicado em fundamento, de fazer sujeitar a impugnação a prévia reclamação necessária.
Para o caso de assim se não entender é de assinalar que não foi apresentada certidão de trânsito em julgado relativamente ao acórdão fundamento, razão pela qual tal obstará ainda a que se conheça da oposição, sendo de solicitar a mesma ao recorrente, ou solicitá-la ao T.C.A. Sul.
3. Concluindo:
Parece ocorrerem razões que obstam a que se conheça do recurso interposto, nomeadamente, por não serem de considerar idênticas as situações de facto subjacentes ao direito aplicável, sendo de julgar, por isso, findo o recurso por oposição de acórdãos - art. 288º nº 2 do C.P.P.T..

1.5. Corridos os vistos legais, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS
2. Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial de Direito espanhol – revestindo a forma jurídica de sociedade anónima – cuja actividade principal tem lugar no sector das telecomunicações (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2º da Directiva nº 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 67 dos autos, e respectiva tradução para o português, a fls. 138-140, dos autos).
2. A Impugnante não dispõe de sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais em Espanha, nos termos do artigo 4º da “Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital” (“CEDT Portugal/Espanha”), uma vez que é aí considerada residente pela lei fiscal espanhola e aí se encontra sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto espanhol sobre o rendimento de sociedades (“impuesto sobre sociedades”) (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2º da Directiva nº 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 67 dos autos, e respectiva tradução para o português, a fls. 138-140, dos autos).
3. Em 27 de Maio de 2005, e em 19 de Maio de 2006, a ora impugnante detinha uma participação directa na “B……………, S.A.” correspondente a 8,78% do respectivo capital social, bem como uma participação indirecta, através da “C………...”, correspondente a 0,47% do mesmo (cf. cópias da movimentação do dossier de títulos emitida pelo Banco D………, S.A. dos comprovativos das ordens de compra e do documento emitido pelo Banco E……….., a fls. 69-78, 80 e 82, e respectiva tradução certificada para português, a fls. 142-168, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4. A participação referida no ponto anterior foi constituída ao longo do período compreendido entre 14 de Outubro de 1997 e 17 de Maio de 2004, tendo a impugnante adquirido ao todo 90.632.629 acções representativas do capital social da “B…………., S.A.” pelo valor de aquisição global de EUR 763.803.900,74, aquisição discriminada da seguinte forma (cf. cópias da movimentação do dossier de títulos emitida pelo Banco D………, S.A. dos comprovativos das ordens de compra e do documento emitido pelo Banco E…………,, a fls. 69-78, 80 e 82, e respectiva tradução certificada para português, a fls. 142-168, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):


Data de aquisiçãoNº de acçõesValor de aquisiçãoOperação
14-Out-1997 6.650.000EUR247.780.349,00Compra
14-Jul-1999665.000EUR 24.937.500,00Aumento de capital
24-Nov-1999 36.575.000EUR 0,00Stock Split
04-Dez-2000 7.445,625EUR 69.988.875,00Aumento de capital
07-Dez-2000 2.000.000 EUR 18.800.000,00Compra
19-Jul-2001920.412EUR 0,00Aumento de capital
28-Abri-200437.128.112 EUR342.321.192,64Compra
28-Abri-20045.063.480EUR 46.938.459,60Compra
17-Mai-20041.500.000EUR 13.037.524,50Compra
TOTAIS:90.632.629EUR763.803.900,74

5. No período compreendido entre 22 de Junho de 2004 e 18 de Abril de 2005, a impugnante efectuou aquisições e vendas de acções representativas do capital social da “B…………, S.A.” da seguinte forma (cf. documento a fls. 82, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):



DataNº de acçõesValor de aquisiçãoOperação
22-Jun-2004650.000EUR 5.727.578,40 Compra
24-Jun-2004315.000EUR 2.802.590,28 Compra
15-Jul-2004200.000EUR 1.731.384,00Compra
14-Set-20041.115.000EUR 9.553.374,59 Compra
17-Set-2004115.000EUR 1.012.234,14Compra
24-Dez-20046.734.270 EUR 60.541.087,30Compra
18-Fev-2005210.970EUR 2.009.760,49Venda
12-Abri-2005 25.400EUR 226.433,98Venda
18-Abri-2005375,454EUR 3.448.161,90 Venda
Total:8.517.44675.683.892,34

6. Em 27 de Maio de 2005 e 19 de Maio de 2006, a impugnante auferiu dividendos da sua participação na “B……………., S.A.” respectivamente nos montantes de EUR 34.702.526,25 e EUR 47.096.285,63 (cf. cópias de avisos de crédito emitidos pelo D……… e pelo E…………., a fls. 84, 86, 88 e 90, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7. Os dividendos distribuídos em 2005 foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a 12,5% dos mesmos, no montante de EUR 4.337,815,78, sido objecto de retenção na fonte a título de IRC, em resultado da aplicação conjunta dos artigos artigo 80º, nº 2, alínea c), do CIRC e 59º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) (cf. documentos a fls. 84 e 86, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8. Os dividendos distribuídos em 2006 foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a 15% dos mesmos, no montante de EUR 7.064,442,84, sido objecto de retenção na fonte a título de IRC, em resultado da aplicação conjunta dos artigos 80º, nº 2, alínea c), do CIRC e 10º nº 2, alínea b), da CEDT Portugal/Espanha (cf. documentos de fls. 86, 88, e 90 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9. Os dividendos distribuídos pela “B…………….., S.A.” e colocados à disposição da Impugnante, em 27 de Maio de 2005 e 19 de Maio de 2006, foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal a título de IRC nos seguintes termos (cf. documentos de fls. 86, 88, e 90 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):


DataDividendo brutoDividendo líquidoRetenção
27-Mai-2005 EUR 34.702.526,25EUR 30.364.710,47EUR 4.337.815,78
19-Mai-2006EUR 47.096.285,63EUR 40.031.842,78EUR 7.064.442,84
TOTAL: EUR 11.402.258,62


10. Em 3 de Abril de 2007 a impugnante emitiu uma procuração a favor de F…………….., G………. e H………., conferindo aos mesmos “com os de substabelecer, os mais amplos poderes em direito permitidos, incluindo os de confessar, desistir e transigir bem como os especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a Administração pública”, aqui se dando o respectivo teor por integralmente reproduzido (cf. original a fls. 43, do segundo volume do PAT, e cópia certificada a fls. 63, dos autos).
11. Em 17 de Maio de 2007, por não se conformar com as liquidações de imposto por retenção na fonte acima referidas, a impugnante apresentou perante a Administração tributária reclamação graciosa das mesmas, em sede da qual requereu o reembolso dos montantes retidos na fonte – EUR 11.402,258,62 – com fundamento numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, e concomitante violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56º do Tratado da Comunidade Europeia e, consequentemente, do primado do direito comunitário sobre o direito ordinário interno, consagrado no artigo 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (cf. cópia do RI da reclamação a fls. 24-134, dos autos, e a fls. 2-72, do PAT, 2º volume, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12. A PI da presente impugnação deu entrada no Tribunal tributário de Lisboa em 18 de Dezembro de 2007 (cf. carimbo aposto a fls. 1, dos autos).


3.1. No seu douto Parecer, o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto pronunciou-se sobre uma invocada oposição de acórdãos, concluindo, além do mais, pela não verificação da alegada oposição.
Todavia, apesar de ser certo que a recorrente também interpôs em 23/2/2012 (requerimento de fls. 682/683) recurso por oposição de acórdãos, invocando oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do TCA Sul, proferido em 4/10/2011, no processo nº 03520/09, o presente recurso é um recurso de revista excepcional (igualmente interposto, em 14/3/2012, pela recorrente).
É, portanto, relativamente a este recurso excepcional de revista, que importa agora, e antes de mais, apreciar se ocorrem, ou não, os respectivos pressupostos de admissibilidade.

4.1. Vejamos, então, se o recurso é admissível, face aos pressupostos de admissibilidade contidos no art. 150º do CPTA.
Nos nºs. 1 e 5 deste art. 150º do CPTA estabelece-se:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

4.2. Interpretando o nº 1 deste normativo, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que:
- (i) só se verifica aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 676º nº 2, 684º nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2 do CPC (neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13).

4.3. No caso presente, a recorrente deduzira impugnação judicial das liquidações de IRC (por retenção na fonte) relativo aos exercícios de 2005 e 2006, 4.337.815,78 Euros e 7.064.442,84 Euros, respectivamente, e ocorrida aquando da colocação à disposição dos dividendos que auferiu da sua participação na sociedade comercial anónima portuguesa B……….., S.A..
Por sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa foi, desde logo, julgada improcedente uma das questões prévias que fora suscitada pela Fazenda Pública (a da caducidade do direito de acção); e tendo, no seguimento, sido apreciado o mérito da impugnação, foi a mesma julgada procedente e anuladas as liquidações impugnadas.
Interpondo recurso desta decisão para o TCA Sul, a Fazenda Pública invocou, além do mais, erro de julgamento quanto à questão da caducidade do direito à impugnação: alegando que a reclamação graciosa apresentada pela impugnante, por ter por fundamento apenas matéria de direito, não era reclamação necessária e devia ser apresentada nos prazos gerais previstos no nº 1 do art. 70º do CPPT e que a impugnação não dependia do despacho que sobre aquela recaísse, nos termos do disposto no nº 6 do art. 132º do CPPT; pelo que a impugnação devia ser apresentada no prazo do nº 1 do art. 102º do CPPT e, por ter sido apresentada muito depois, se revela intempestiva.
No acórdão recorrido, o TCAS veio a concluir pela procedência do recurso, quanto à questão prévia da caducidade do direito de impugnação e pela consequente revogação da sentença.
Para tanto, o acórdão do TCAS considera o seguinte:
«Os actos tributários impugnados nos presentes autos referem-se à liquidação do IRC (por retenção na fonte) relativo aos exercícios de 2004 e 2005, nos montantes, respectivamente, de € 4.337.815,78 e € 7.064.442,84.
A sentença recorrida julgou improcedente a alegada caducidade do direito à impugnação judicial com a seguinte fundamentação:
“(…)Quanto à alegada caducidade do direito de acção, suscitada pela Fazenda Pública por considerar que aplicando-se ao caso o disposto no art. 131º, nº 3, por remissão do art. 132º, nº 6, ambos do CPPT, a reclamação deveria ter sido apresentada nos prazos gerais do art. 70º, nº 1, e a impugnação no prazo previsto no art. 102º, nº 1, do mesmo diploma.
Por força do princípio pro actione plasmado no art. 7º do CPTA [aplicável ex vi do art. 2º, alínea c), do CPPT], para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão sobre pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.
Assim, naquilo que não resulte expressamente do texto da norma processual, deverá a mesma ser interpretada no sentido mais favorável ao particular, no sentido de promover no processo a emissão de pronúncias de mérito e não meramente formais.
Deste modo, e apesar de no caso a reclamação graciosa não ser necessária, por estar em causa uma questão de direito, nada impedia a impugnante de recorrer à via graciosa, sendo nesse caso aplicáveis os prazos previstos no art. 132º, nº 3 e 5, do CPPT, por constituírem regra especial face ao disposto no art. 70º, nº 1, do mesmo diploma, nada resultando expressamente em contrário da lei.
Donde julgo improcedente a questão da caducidade do direito de acção.”
Vejamos se assim será.
Sob a epígrafe de impugnação em caso de autoliquidação dispõe o art. 131º do CPPT o seguinte:
“1 – Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
2 – Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.
3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º.”
A reclamação prévia prevista no nº 1 deste art. 131º do CPPT é aqui qualificada como obrigatória para abrir a via contenciosa, se o seu fundamento não for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação não tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária.
Nos casos em que o fundamento de impugnação for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação for efectuada com base em orientações genéricas a impugnação judicial não depende de prévia reclamação graciosa.
O art. 132º, nº 6 do CPPT – impugnação em caso de retenção na fonte – remete para o disposto no art. 131º, nº 3 do CPPT.
No entanto, não há qualquer obstáculo a que tal reclamação graciosa facultativa seja apresentada, nos termos gerais previstos no art. 70º do CPPT, sendo o efeito da sua apresentação meramente devolutivo de acordo com o disposto no art. 69º-f) do CPPT, com excepção da prestação de garantia em processo de execução fiscal (cfr. arts. 169º, nº 1, 195º e 199º do CPPT).
As retenções na fonte ora impugnadas foram efectuadas em 27.05.05 e 19.05.06, aquando da distribuição de dividendos pela B………., SA.
A reclamação graciosa apresentada pela ora recorrida foi-o em 17.05.07, com fundamento numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e concomitante violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE e, consequentemente, do primado do Direito Comunitário sobre o Direito ordinário interno, consagrado no art. 8º, nº 4 da CRP.
Atendendo a que a matéria invocada em tal reclamação graciosa é exclusivamente de direito, visto tratar-se da compatibilidade da lei nacional com o direito comunitário, e que a presente impugnação judicial não dependia de qualquer prévia reclamação graciosa obrigatória, o prazo para apresentação da reclamação por parte da impugnante é o prazo previsto no art. 70º, nº 1 do CPPT – 120 dias a contar dos factos previstos no nº 1 do art. 102º do CPPT – e o prazo para apresentação da impugnação é o prazo previsto no art. 102º, nº 1 do CPPT – 90 dias.
Sendo as normas contidas nos arts. 131º e 132º do CPPT normas de cariz especial porque respeitantes a impugnação dos actos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e casos de retenção na fonte, tal especialidade só se mantém dentre dos pressupostos previstos em tais normas, quer quanto à natureza da reclamação aí prevista quer quanto ao prazo especial aí previsto para a reclamação obrigatória, não afastando o regime geral das reclamações graciosas facultativas, não havendo qualquer obstáculo a que estas sejam apresentadas nos termos gerais previstos para as mesmas nem alterando o efeito não suspensivo da sua dedução.
Dito de outro modo, a reclamação graciosa facultativa apresentada em caso de retenção na fonte segue o regime geral previsto nos arts. 68º e ss. do CPPT, não suspendendo o prazo para a apresentação da respectiva impugnação judicial.
Ora, no caso dos autos, alega a recorrida que a reclamação graciosa por si apresentada em 17.05.07 foi apresentada nos termos do disposto no art. 132º, nºs. 3 e 4 do CPPT e art. 128º, nºs. 2 e 4 do CIRC (na redacção então em vigor), defendendo que o prazo de dois anos previsto em tais disposições legais se aplica ao seu caso. Mas, como já se referiu, à impugnação aqui prevista aplica-se o nº 3 do art. 131º do CPPT, pelo que, estando-se perante uma reclamação cujo fundamento é exclusivamente matéria de direito – compatibilidade da lei nacional com o direito comunitário – e não se invocando qualquer erro quer nos factos em que assentou a liquidação ou qualquer erro na aplicação das normas legais respectiva, a presente impugnação judicial não dependia de qualquer reclamação, pelo que a mesma deveria ter sido apresentada no prazo legal previsto no art. 102º do CPPT.
Alega a recorrida que, de acordo com o disposto no art. 132º do CPPT, sempre a reclamação apresentada estaria em tempo – prazo de dois anos previsto no nº 1 do art. 131º - porque a retenção na fonte não foi efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária, que são inexistentes, seja porque em abstracto a possibilidade de impugnação directa não altera o prazo de dois anos para a reclamação graciosa, apenas faz com esta se revista de natureza facultativa.
A este respeito importa referir que (o) art. 131º, nº 3 do CPPT ao prescrever como requisitos cumulativos os contidos na sua normação para que a reclamação seja meramente facultativa não altera o prazo geral previsto no CPPT para apresentação de tal reclamação, relevando tal exigência legal para efeitos de admissão ou rejeição da mesma ou da sua procedência ou improcedência, mas nunca para efeitos do pressuposto relativo ao prazo de apresentação da mesma.
Contrariamente ao defendido pela ora recorrida, a possibilidade de impugnação directa prevista no art. 131º, nº 3 do CPPT, precisamente porque não depende de reclamação graciosa, admite a apresentação de reclamação graciosa facultativa, como não podia deixar de ser face às garantias legais dos contribuintes contra actos da administração que reputem de lesivos, sendo o prazo para apresentação de tal reclamação o prazo previsto no CPPT para as reclamações graciosas facultativas e supra referido.
Por outro lado, o facto de a reclamação apresentada pela ora recorrida conter no seu intróito que é apresentada nos termos do art. 128º, nºs. 2 a 4 do CIRC, só por si não dá à reclamante o direito ao prazo de dois anos aí previsto, aliás à semelhança do prazo previsto no art. 132º, nº 3 do CPPT, pois que sobre a mesma impendia o ónus de apresentar reclamação graciosa nos precisos termos prescritos em tais normativos, designadamente que se estava perante situação em que foi feita entrega de imposto superior ao retido e não foi possível descontá-lo em entregas seguintes da mesma natureza a realizar no ano em que ocorreu o pagamento indevido (cfr. art. 132º, nºs. 1 a 3 do CPPT e art. 128º, nº 2 a 4 do CIRC então em vigor), para poder beneficiar de tal prazo alargado e que é especialmente previsto para os casos tipificados em tais normativos legais.
Não o tendo feito, e tendo fundamentado a sua reclamação apenas na discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e concomitante violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE e, consequentemente, do primado do Direito Comunitário sobre o Direito ordinário interno, consagrado no art. 8º, nº 4 da CRP, a reclamação assim apresentada é uma reclamação meramente facultativa, sendo a apresentação da presente impugnação intempestiva pois foi apresentada para além do prazo de 90 dias previsto no art. 102º, nº 1 do CPPT, sendo certo que nenhum vício determinante da nulidade da liquidação impugnada foi invocado.
Por último, referira-se que a sentença recorrida considerou que, face ao princípio “pro actione plasmado no art. 7º do CPTA [aplicável ex vi do art. 2º, alínea c), do CPPT], para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão sobre pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.”
“Assim, (…), e apesar de no caso a reclamação graciosa não ser necessária, por estar em causa uma questão de direito, nada impedia a impugnante de recorrer à via graciosa, sendo nesse caso aplicáveis os prazos previstos no art. 132º, nº 3 e 5, do CPPT, por constituírem regra especial face ao disposto no art. 70º, nº 1, do mesmo diploma, nada resultando expressamente em contrário da lei.”
Este entendimento não se acompanha. O princípio “pro actione plasmado no art. 7º do CPTA”, ou seja, o princípio da promoção do acesso à justiça como o legislador lhe chamou e a que Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira chamam de princípio do favor do processo, “não significa – nem era essa, claro, a intenção do legislador -, muito longe disso, que os tribunais devam fazer tábua rasa das normas jurídicas onde vão consagrados os pressupostos processuais (salvo no caso especial da parte final do art. 288º/3 do CPC) ou outros requisitos e condições da prática regular dos actos processuais das partes. O processo administrativo não é propriamente dominado pelo princípio da informalidade: as regras processuais, mesmo que puramente adjectivas, são postas em consideração de interesses e valores relevantes, como os da segurança, da ordem pública, da justiça e da eficiência – e são para (fazer) cumprir, como é óbvio. O que se pede é que, pelo menos, quando subsistam dúvidas sobre o seu sentido e alcance ou quando da sua aplicação «cega», «literal», resulte uma injustiça grosseira ou uma sanção absolutamente gratuita, os tribunais as interpretem e apliquem no sentido mais favorável (ou menos desfavorável) à continuação do processo. Por outro lado, deve entender-se que o princípio em causa só é operativo quando se não lhe oponha o «favor» de um outro princípio com maior dignidade processual, como o do contraditório ou da igualdade, por exemplo: não pode considerar-se validamente praticado um acto processual de uma das partes ao abrigo de uma interpretação favorável da norma aplicável, se isso redundar num sacrifício do direito do contraditório da outra parte.” (cfr. autores citados in CPTA, vol. I, anot., Almedina, pag. 148/149).
Ora, se o juiz, em obediência a tal princípio, deve afastar interpretações estritamente formalistas das normas processuais, tendo vista o conhecimento de mérito da questão controvertida, não pode o mesmo, em qualquer caso, “deixar de aplicar as regras de hermenêutica consubstanciadas no artigo 9º do Código Civil, pelo que lhe cumpre, de entre os vários sentidos possíveis da norma, aplicar aquele que lhe permita realizar a finalidade do processo, mas sem recair numa interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.”(cfr. Carlos Alberto F. Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, pag. 539).
Louvando-nos nas palavras transcritas dos autores referidos, diremos que a invocação do princípio pro actione feita na sentença recorrida não tem qualquer sustentação fáctica ou legal.
Pelo exposto, atentos os fundamentos invocados, mostra-se procedente a alegação da caducidade do direito à impugnação, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões, carecendo a sentença recorrida de ser revogada, julgando-se a impugnação intempestiva com a consequente absolvição da Fazenda Pública da instância

4.4. Discorda a recorrente, alegando que:
(i) - O nº 3 do art. 128º do CIRC é norma especial na fixação do prazo para apresentação de reclamação graciosa pelo substituído tributário de liquidações operadas por retenção na fonte a título definitivo, o que determina desde logo o afastamento dos prazos gerais previstos no CPPT (no caso, no nº 1 do seu art. 70º).
(ii) - O nº 3 do art. 128º do CIRC não estabelece como requisito eliminatório da sua aplicação ser a matéria objecto de discussão exclusivamente de direito, aplicando-se invariavelmente a quaisquer reclamações graciosas a apresentar por substituídos tributários de liquidações de IRC operadas por retenção na finte de carácter definitivo.
(iii) - Não resulta do dito art. 128º do CIRC que ele só seja aplicável quando «foi feita entrega de imposto superior ao retido» e não tenha sido «possível descontá-lo em entregas seguintes da mesma natureza a realizar no ano em que ocorreu o pagamento indevido». Até porque aqui só se regula a reclamação graciosa por parte do substituído tributário e não já a apresentada pelo substituto tributário.
(iv) - Quanto à impugnação apresentada em 18/12/2007, ela também é tempestiva, de acordo com o regime constante dos arts. 57º, nºs. 1 e 5 da LGT e 132º, nº 5 do CPPT (este aplicável por remissão do nº 4 do art. 128º do CIRC). É que o contribuinte tem o prazo de 30 dias, para impugnar os actos de retenção na fonte, após a formação da presunção de indeferimento tácito de reclamação graciosa. E tendo a reclamação sido apresentada em 17/5/2007, a presunção de indeferimento tácito ocorreu em 19/11/2007 (art. 57º, nºs. 1 e 5 da LGT e al. e) do art. 279º do CCivil – este por força do nº 1 do art. 20º do CPPT), então a recorrente poderia ter apresentado a impugnação judicial até 19/12/2007. Tendo-o feito em 18/12/2007, estava em tempo.
É que não é aplicável o prazo de 90 dias do nº 1 do art. 102º do CPPT (que é uma norma geral), em face da norma especial (nº 5 do art. 132º do CPPT, aplicável por força do nº 4 do art. 128º do CIRC).

4.5. A recorrente continua, portanto, a sustentar, em sede do presente recurso de revista excepcional, que devem ser apreciadas as questões jurídicas seguintes:
- determinação do prazo de reclamação graciosa – com fundamento em matéria exclusivamente de direito – concedido a entidade não residente, sem estabelecimento estável, em território nacional para efeitos de actos de retenções na fonte de IRC, com carácter liberatório, resultantes do auferimento de dividendos derivados da detenção de participações em sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal;
- determinação do prazo da impugnação judicial na sequência da formação de decisão de indeferimento tácito dessa mesma reclamação graciosa nos termos do art. 57º, nºs. 1 e 5 da LGT, do prazo de impugnação judicial daqueles actos tributários.
E sustenta que tais questões devem ser aqui apreciadas porque
- (i) revestem importância fundamental, na medida em que a sua clarificação permitirá esclarecer que meios gracioso e contencioso tem o substituído tributário ao seu dispor quando pretenda reagir de actos de retenção na fonte com carácter definitivo que considere desconformes à lei, e, por conseguinte, que requisitos e prazos deverá cumprir com vista ao efectivo exercício do seu direito à reposição da legalidade violada e, por via disso, do seu direito a uma tutela graciosa e jurisdicional efectivas em conformidade com os artigos 20º, nº 5, e 268º, nº 4, da CRP, sendo que se o STA não tomar posição sobre as ditas questões, por um lado os contribuintes que incorrectamente tenham interpretado a lei e, por via disso, recorrido à via graciosa com base em disposição legal inaplicável, também vêem, por força desse seu erro, comprometido o seu subsequente acesso à via judicial;
e porque
- (ii) por outro lado, proliferarão os casos em que o contribuinte, a fim de evitar a preclusão do seu direito decorrente de uma errónea interpretação da lei, tenderá a aplicar o prazo de reacção mais curto, não porque o considere aplicável (ou porque este efectivamente o seja), mas porque o mesmo será o único que não impossibilitará a preclusão do seu direito, revelando-se semelhante comportamento censurável e a evitar, na medida em que estimula a subversão do sistema jurídico e as garantias concedidas aos contribuintes com vista ao adequado e efectivo exercício dos seus direitos.

4.6. Ou seja, avulta no recurso, sobretudo a questão da compatibilização [à luz do disposto no art. 137º, nºs. 2 e 4, do CIRC (anterior art. 128º), nos arts. 68º a 70º, 131º, nºs. 1 e 3 e 132º, nºs. 1 e 3 do CPPT e 57º da LGT], dos regimes e prazos da apresentação da reclamação graciosa e da subsequente impugnação judicial, por parte do contribuinte substituído, em caso de retenção na fonte. E que se reconduz, nomeadamente, a apreciar se nos casos de reclamação, pelo titular dos rendimentos ou seu representante, da retenção na fonte de importâncias indevidas, tal reclamação, mesmo quando facultativa, deve ser apresentada no prazo de dois anos mencionado no nº 3 do art. 137º (redacção actual) do CIRC, ou se, nos casos em que a lei não obriga à prévia interposição de reclamação prevista no art. 131º do CPPT para viabilizar o acesso à via contenciosa de impugnação da retenção na fonte, o contribuinte (substituído) ficará sujeito, caso queira reclamar do acto, a apresentar a reclamação no prazo geral previsto no art. 70º do CPPT (120 dias) ou se pode deduzi-la nos termos e prazo previstos no nº 1 do art. 131º do CPPT (2 anos).
Questão que, em termos da interpretação legal dos normativos que relevam, parece reflectir alguma falta de clareza destes, pois, como aponta o Cons. Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., vol. II, pp. 408/409. ) «apesar da incongruência que existe no estabelecimento de prazos distintos de impugnação judicial e de reclamação graciosa, a interpretar-se o nº 3 do art. 131º como manifestação de uma opção legislativa no sentido da aplicação do “regime normal” de impugnação nos casos em que estiver em causa apenas matéria de direito e o contribuinte tenha seguido orientações genéricas da administração tributária, seria corolário dessa opção pelo afastamento do regime especial de impugnação de actos de liquidação que a reclamação graciosa também se fizesse nos termos normais previstos nos arts. 69º e seguintes do CPPT». Interpretação que, contudo, parece «inconciliável com a indicação feita na parte inicial do nº 3 do art. 131º de que o que aí se estabelece é “sem prejuízo do disposto nos números anteriores”, o que se traduz na possibilidade de reclamação graciosa no prazo de dois anos. Aliás, não se justificaria adoptar um prazo curto para a reclamação graciosa com base em fundamentos de direito e um prazo mais longo para a reclamação graciosa que inclui no seu objecto matéria de facto, cumulada ou não com matéria de direito, pois, o contribuinte facilmente poderia beneficiar deste prazo mais longo, mesmo que a sua discordância real assentasse apenas em matéria de direito, bastando para isso «inventar» discordância com qualquer matéria de facto para juntar ao seu fundamento de direito, o que, naturalmente, não representaria dificuldade apreciável. (...)
Por outro lado, se não há razões de segurança jurídica que, nestes casos de autoliquidação em que está em causa matéria de direito e se seguiram orientações genéricas da administração tributária, exijam uma restrição a 90 dias do prazo de impugnação judicial, a imposição desnecessária da perda do direito de impugnação contenciosa directa será incompaginável com os princípios constitucionais da necessidade e proporcionalidade (art. 18º, nº 2, da CRP). Por isso, é duvidosa a constitucionalidade da fixação de prazo feita no nº 3, e a considerar-se que é inconstitucional deverá admitir-se a possibilidade de deduzir impugnação judicial até ao prazo de dois anos.
Ainda por outro lado, não se pode encontrar qualquer justificação razoável para que, decorrido o prazo de 90 dias, se vá impor ao contribuinte a apresentação de uma reclamação graciosa para recuperar a possibilidade de impugnação judicial quando a previsão da possibilidade de impugnação contenciosa directa prevista no nº 3 só se pode justificar porque, nesses casos, na perspectiva legislativa, ela se considera desnecessária.».
Daí que, continua o citado autor, «na linha jurisprudencial que o STA tem vindo a adoptar em situações semelhantes em que há incontornáveis contradições na previsão de prazos de impugnação contenciosa e administrativa, nos casos em que há suporte textual na lei para os contribuintes formarem expectativas sobre possibilidade de impugnação em prazo alargado, nunca deverá resolver-se a contradição no sentido de uma interpretação restritiva da norma que prevê o prazo alargado, pois uma interpretação desse tipo, que se reconduzisse à aplicação de um prazo mais curto do que o que resulta do texto da lei poderia ofender o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, constitucionalmente garantido, que supõe que a via de acesso à impugnação contenciosa seja clara e não labiríntica, o que é reclamado com mais veemência quando estão em causa meios processuais que podem ser accionados pelo próprio contribuinte, sem representação por advogado (art. 6º, nº 1, do CPPT)».
Aquela questão da compatibilização dos regimes e prazos da apresentação da reclamação graciosa e da subsequente impugnação judicial, por parte do contribuinte substituído, em caso de retenção na fonte reconduz-se, portanto, a questão juridicamente relevante, central quer na apreciação da caducidade do direito de impugnar (na sequência de reclamação graciosa) liquidações operadas em virtude de retenção na fonte, quer na necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, sendo que a solução alcançada pelo STA (não se conhecendo pronúncia explícita e directa sobre a matéria) assume evidente virtualidade de generalização e contribuição para clarificação de casos semelhantes.
Por outro lado, atendendo à própria generalidade da questão, também se verifica capacidade de expansão da controvérsia, por se tratar de uma situação bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros.
E, assim, estão verificados os requisitos de relevância jurídica e social para que se considere a questão de importância fundamental, para efeitos do disposto no nº 1 do art. 150º do CPTA.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em admitir o presente recurso, por se considerar que estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.

Sem custas nesta fase.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Valente Torrão.