Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0311/14
Data do Acordão:05/28/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO JUDICIAL
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
PRAZO
FÉRIAS JUDICIAIS
Sumário:I - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
Nº Convencional:JSTA00068738
Nº do Documento:SA2201405280311
Data de Entrada:03/12/2014
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BEJA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART80 N1.
RGCO ART60.
CCIV66 ART279 E.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0318/11 DE 2011/09/21.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…….., SA., identificada nos autos, recorre da sentença datada de 15/04/2013, proferida pelo TAF de Beja, nos presentes autos de Recurso de Contra-Ordenação, que negou provimento ao recurso por ter sido extemporaneamente apresentado.
Sintetizou as suas alegações nas seguintes conclusões:
I. No caso em apreço, o Tribunal o quo suscitou e conheceu oficiosamente a questão da caducidade do direito de acção - como excepção peremptória - sem ter dado oportunidade à Recorrente para se pronunciar previamente sobre a mesma, nos termos do artigo 3.° n ,º 3 do CPC.
II. A sentença recorrida surge, assim, à Recorrente como uma verdadeira "decisão - surpresa", não se podendo invocar, em sentido contrário, que seria desnecessário chamar a Recorrente a pronunciar-se sobre a excepção, na medida em que, caso assim tivesse sucedido - como deveria - a Recorrente poderia ter invocado, nos termos que entendesse adequados, os argumentos que adiante vão expostos, para que pudessem ser devidamente ponderados e tidos com conta na decisão do Tribunal o quo.
III. Ao não ter sido dada a oportunidade do Requerente para se pronunciar previamente sobre a invocada excepção foi violado, de forma manifesta, o princípio do contraditório, quando apenas seria de dispensar caso a parte afectada pela decisão não pudesse aportar quaisquer elementos, de facto e/ou de direito, susceptíveis de alterar ou condicionar o julgamento da excepção - o que não é, manifestamente, o caso.
IV. A violação do princípio do contraditório constitui nulidade, uma vez que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa - com a consequente da anulação de todos os actos subsequentes.
V. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo, quando, para efeito da contagem do recurso judicial, se socorre exclusivamente do preceituado no artigo 60.º n ,º 1 e 2 do RGCO.
VI. Sendo o recurso em apreço um acto a praticar em juízo - na medida em que se trata de um recurso judicial - terminando o prazo para sua apresentação em período de férias judiciais, e, considerando que os serviços de Finanças funcionam como um mero receptáculo daquele recurso, como uma extensão do tribunal, ao qual é dirigido o recurso da decisão de aplicação da coima, deve ser observado, para o efeito da contagem e fixação do termo final do prazo para recurso, o estipulado na al. e), do artigo 279.° do CC.
VII. Sem margem para qualquer dúvida, o meio de reacção contra uma decisão administrativa que visa a aplicação de uma coima, tem natureza judicial na medida em que se trata de um pedido dirigido ao tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade.
VIII. Disso é evidência a própria sistematização do RGIT, onde o seu artigo 80.º - prevendo o "Recurso das decisões de aplicação de coima" - surge na Subsecção II, destinada a regular a "FASE JUDICIAL".
IX. Assim, sendo a autoridade administrativa, um mero intermediário entre o recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste - como vem sendo o uniforme e pacifica jurisprudência quer do Tribunal Central Administrativo SUL, quer deste Supremo Tribunal.
X. Atendendo a que a Recorrente apresentou o recurso judicial no dia 03-09-2012 - por registo n. º RC825401426PT, confirmável em www.ctt.pt - e não no dia 04-09-2012 como, certamente por lapso de escrita, se refere na sentença recorrida, o recurso judicial em causa é perfeitamente tempestivo.
XI. O sobredito lapso de escrita é rectificável a todo o tempo, nos termos do disposto no artigo 667.° do CPC.
XII. Recorde-se que da conjugação dos artigos 41.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, 103 n.º 1 do CPP e 150 n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ao processo contra-ordenacional, ex vi art. 2.° do RGIT, a apresentação em juízo de atos processuais escritos pelos respetivos sujeitos poderá ser feita por remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal - ou seja, 03.09.2012.
XIII. Caso o Tribunal o quo tenha deliberadamente feito constar da sentença recorrida a data de 04.09.2012, em lugar da data de 03.09.2012 - o que, em rigor, se desconhece - sempre se impunha a reforma da sentença nesta parte - nos termos do disposto no artigo 669.° n.º 2 b) do CPC, pois constará do processo administrativo remetido pela Administração Fiscal - referido na sentença recorrida - a menção ao registo postal n.º RC825401426PT, do qual resulta, por si só, decisão diversa da proferida.
XIV. Caso assim não se entendesse, sempre estaríamos perante um patente erro de julgamento - a impor a alteração da matéria de facto, com base no documento adiante junto, cuja relevância se tornou superveniente, face à decisão liminar ora recorrida.
XV. Considerando a jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal, e concatenada a mesma com os elementos de facto em causa, justificar-se-á a descida ao Tribunal a quo para ampliação da matéria de facto - na medida em que decisão sobre a matéria de facto, feita pelo Tribunal a quo, inviabilize a decisão jurídica do pleito.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de Justiça.
O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo concluído:
1 ° - A douta decisão ora em recurso rejeitou o recurso de impugnação judicial de fixação da coima por intempestivo, uma vez que a decisão de aplicação da coima à arguida foi-lhe comunicada por carta registada em 25/07/2012 e o recurso de impugnação judicial de fixação da coima foi apresentado 4/09/2012.
2º - Defende a recorrente, antes de mais, ter ocorrido a violação do princípio do contraditório, uma vez que o Tribunal conheceu oficiosamente a questão da tempestividade sem lhe ter dado oportunidade para se pronunciar previamente sobre a mesma, porém, parece-nos carecer a recorrente de razão nesta parte, pois que os normativos que invoca não se aplicam ao presente processo, o qual segue regras próprias, nomeadamente, no caso, resulta da conjugação do disposto nos arts. 59°, nº 3 e 63º do RGCO e no art. 80°, nº 2 do RGIT, que o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo.
3° - Entende a recorrente que o recurso de impugnação é tempestivo, uma vez que na contagem do prazo não estão as férias judiciais abrangidas pela previsão do art. 60°, nºs 1 e 2 do RGCO, por aplicação do disposto no art. 279° do CC, e o prazo terminava em período de férias judiciais, tendo o recurso de impugnação judicial de fixação da coima sido apresentado em 3/09/2012 e não em 4/09/2012, conforme resulta da douta sentença.
4° - A contagem do prazo de 20 dias a que alude o art. 80º, nº 1 do RGIT (e idêntica disposição contém o RGCO no seu art. 59º, nº 1) faz-se de acordo com o disposto no art. 60° do RGCO (aplicável ex vi art. 3º, aI. b) do RGIT), isto é, o prazo suspende-se aos Sábados, Domingos e feriados e não se tratando de um prazo respeitante a acto a praticar num processo judicial, mas um prazo de caducidade de natureza substantiva, não lhe é aplicável o regime dos prazos processuais.
5° - Concordando com a argumentação da recorrente nesta parte, o recurso de impugnação judicial de fixação da coima foi apresentado em 3/09/2012, conforme consta a fls. 35 do processo de contra-ordenação apenso aos autos - data da sua remessa pelo correio registado.
6° - Pelo que entendemos não se mostrar intempestiva a apresentação do recurso de impugnação judicial de fixação da coima, uma vez que, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (precisamente o referido dia 3/09/2012).
7° - Razão pela qual defendemos a procedência parcial do presente recurso.
Assim sendo superiormente decidido, será feita a costumada, JUSTIÇA.
Colhidos os competentes vistos legais, cumpre decidir.

Levou-se ao probatório da sentença recorrida a seguinte matéria de facto:
-Em 18/04/2012 foi levantado o auto de notícia que serviu de fundamento à instauração do processo de contra-ordenação n° 2178201206007252 contra a recorrente.
-O auto de notícia indiciava a apresentação da declaração periódica mensal (mês de Março de 2011) com omissões ainda que sem prejuízo para os cofres do Estado. Tais factos são puníveis atento o disposto nos arts. 119°, nºs 1 e 2 e 26°, n° 4 do RGIT.
-Em 26/04/2012 a recorrente é notificada para exercer a sua defesa e/ou para proceder ao pagamento antecipado.
-Em 28/05/2012 apresenta defesa.
-Em 23/07/2012 é proferida decisão de fixação da coima no processo de contra-ordenação, da qual a recorrente foi notificada em 25/07/2012.
-Em 04/09/2012 a recorrente apresenta requerimento para impugnação da decisão aplicada.
-Resultou a convicção do tribunal da análise dos documentos dos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
-Inexistem com relevo para a decisão a proferir. As demais asserções constituem conclusões de facto e/ou direito pelo que não incumbe pronúncia nesta sede.
Nada mais se deu como provado ou não provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão fulcral do presente recurso é simples e já foi, por diversas vezes, decidida por este Supremo tribunal, sempre no sentido propugnado pela recorrente.
Resulta dos autos que na notificação da decisão que aplicou a coima, que foi feita à recorrente, cfr. fls. 51, se lhe assinalou o prazo de 20 dias para proceder ao pagamento voluntário ou interposição do competente recurso judicial; essa notificação ocorreu no dia 25/07/2012
E, não é menos verdade, que ao presente recurso judicial de impugnação da coima foi-lhe aposto, na Repartição de Finanças respectiva, carimbo de entrada com data de 04/09/2013, precisamente porque havia sido enviado pelo seguro do correio no dia anterior, ou seja, no dia 03/09, cfr. fls. 35 do apenso.
Sendo certo que, o facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
A contagem daquele prazo de vinte dias –trata-se de um prazo de caducidade de natureza substantiva- após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso, cfr. art. 80.º, n.º, 1 do RGIT, faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Contudo, se esse prazo terminar em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 21/09/2011, recurso n.º 0318/11.
Voltando agora aos elementos factuais de que dispomos, podemos concluir com facilidade que tal prazo de 20 dias, contado nos termos do anteriormente referido, sempre terminaria em férias judiciais, posto que, as mesmas decorrem por força da Lei durante o mês de Agosto – relembramos que o termo inicial do prazo ocorreu em 25/07/2012, como aliás resulta do probatório da decisão recorrida.
E assim, o termo final do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte que, no ano de 2012, foi precisamente o dia 3 de Setembro, dia em que a recorrente enviou pelo seguro do correio a impugnação da decisão de aplicação da coima.
Ou seja, podemos concluir que a recorrente exerceu o seu direito no último dia do prazo de que dispunha para o efeito, devendo, assim, considerar-se tempestiva esta sua impugnação judicial da decisão que lhe aplicou a coima.
E chegados a este momento, podemos concluir que perde o interesse a questão da violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3º, n.º 3 do CPC, uma vez que, ao invés da procedência do recurso por questão de forma, a recorrente obtém essa procedência pela revogação decisão recorria por referência à questão ai decidida, o que melhor satisfaz o seu direito.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em:
- conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido;
- ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que aí os autos sigam a sua tramitação normal.

Sem custas.
D.N.
Lisboa, 28 de Maio de 2014. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Pedro Delgado.