Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:051/19.1BCLSB
Data do Acordão:11/12/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25147
Nº do Documento:SA120191112051/19
Data de Entrada:09/18/2019
Recorrente:A.............
Recorrido 1:ADOP - AUTORIDADE ANTIDOPAGEM DE PORTUGAL E FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A………. recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou com uma pena de suspensão da actividade desportiva pelo período de 2 anos.
Indicou como contra-interessada ADOP - Autoridade Antidopagem de Portugal.
O TAD concedeu provimento ao recurso.

A contra-interessada recorreu, com êxito, para o TCA Sul já que este revogou a decisão do TAD, e, conhecendo em substituição, julgou improcedente o recurso da decisão do Conselho de Disciplina da FPF.

É desse Aresto que o Autor recorre justificando a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão e com a necessária intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito (art.º 150.ºdo CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O TAD concedeu provimento ao recurso da decisão condenatória do Conselho de Disciplina da FPF com os seguintes fundamentos:
“- a instrução do processo disciplinar e a aplicação da sanção disciplinar competia à contra interessada ADOP e encontrava-se delegada na FPF, que tinha o prazo de 120 dias, a contar do dia 06/02/2018, para aplicar a sanção;
- ultrapassado tal prazo, a FPF tinha que remeter o processo à ADOP no prazo máximo de 5 dias, que teria então 60 dias para proceder à sua instrução e decisão;
- o prazo de 120 dias não se suspendeu por a FPF se encontrar a aguardar a emissão do parecer prévio e vinculativo da ADOP, pois não foi emitido despacho de suspensão, com a explicação dos respetivos fundamentos;
- a FPF podia (e devia), decorrido o prazo de 10 dias para a ADOP se pronunciar, proferir a decisão de aplicação da sanção disciplinar, mas não o fez;
- não está em causa um prazo meramente ordenador, mas sim respeitante a delegação de competências de cariz legal, restringida temporalmente por opção do legislador, pelo que se verifica o vício de incompetência absoluta do autor da aplicação da sanção, sendo nula a sanção aplicada nos presente autos e ficando prejudicada a análise do restante peticionado.”

A contra-interessada ADOP recorreu para o TCA e este concedeu provimento ao recurso com o seguinte discurso fundamentador:
“…
Está, pois, em causa um processo que assume natureza urgente, corre em férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, conforme previsto no artigo 36.º, n.º 2, do CPTA. Prevendo ainda este diploma que, nos processos urgentes, os recursos são interpostos no prazo de 15 dias, cf. artigo 147.º, n.º 1.
Nos termos do artigo 38.º da Lei do TAD, as citações e as notificações são efetuadas pelo secretariado do TAD para a morada constante do requerimento inicial ou da contestação, através de qualquer meio que proporcione prova da receção, preferencialmente por carta registada ou entregue por protocolo.
.........
Nos termos do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, artigo 247.º, n.º 1.
....
Voltando ao caso dos autos, temos então que, datando a notificação eletrónica de 11/03/2019, é de presumir que a notificação foi feita no dia 14/03/2019, ou seja, o terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação, que foi dia útil.
Assim, vista a data de notificação, a recorrente dispunha do prazo de 15 dias para interposição do recurso, que findou no dia 29/03/2019.
O recurso foi interposto no dia 01/04/2019, primeiro dia útil subsequente ao termo do processo.
O prazo previsto no artigo 147.º do CPTA ..... é um prazo processual, pelo que é de admitir a prática do ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, conforme previsto no artigo 139.º do CPC.
Ainda que erradamente calculada, a recorrente procedeu ao pagamento de multa.
Verifica-se, pois, que a entrada do recurso interposto pela contra-interessada, ocorrida em 01/04/2019, via SITAF, é tempestiva.
....
Alargando o âmbito da presente questão aos prazos estabelecidos na lei para conclusão de processos de natureza disciplinar, que é aqui o que evidentemente está em questão, existe desde há muito profusa e estabilizada jurisprudência do nosso STA, como já se dava nota em aresto de 05/11/2003 (proc. n.º 1053/03, disponível em http://www.dgsi.pt):
“Assim, é de qualificar aqueles prazos como meramente ordenadores ou disciplinadores, não derivando da sua violação a extinção do direito de praticar o acto, como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da generalidade dos prazos deste tipo.”
...........
Não se vislumbra qualquer razão para divergir da citada jurisprudência, há muito estabilizada, cumprindo concluir que o citado prazo de 120 dias é um prazo meramente ordenador, não resultando do artigo 59.º da Lei n.º 38/2012 qualquer associação da sua ultrapassagem à cessação da delegação de competências.
Procede, pois, o recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida, que decidiu em sentido contrário.
......
Cumpre, pois, conhecer em substituição das pretensões apresentadas pelo autor/recorrido.
...........
Tal como assinalou a entidade demandada, no combate à dopagem no desporto o legislador optou por exigir aos atletas um padrão de cuidado máximo, de extrema diligência, designado por utmost caution pelo Código Mundial Antidopagem, significando máxima cautela, maior prudência e máxima atenção, que excede em muito a bitola do bonus pater famílias, exigida ao cidadão comum.
E afigura-se evidente, e resulta à saciedade do probatório, que o arguido não logrou provar que não teve culpa significativa ou não foi significativamente negligente face a uma violação de norma antidopagem.
A sua própria defesa o demonstra, admitindo tomar medicamento que a mulher lhe deu, sem procurar obter informação sobre o mesmo, comportamento que se deve ter como evidentemente censurável num jogador profissional de futebol.
Não provando o arguido a ausência de culpa significativa ou não ter sido significativamente negligente, a decisão do Conselho Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol será de manter.
Termos em que se impõe concluir pela improcedência do recurso da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 17/08/2018, nos termos da qual foi aplicada ao demandante a pena de suspensão da atividade desportiva pelo período de 2 anos.”
*
3. O Autor não se conforma com essa decisão pelo que pede a admissão desta revista para a qual, entre outras, formula as seguintes conclusões:
“2.º A questão da aplicação ao recorrente da pena de suspensão da actividade desportiva por um período de dois anos assume extraordinária relevância social, porquanto se trata da impossibilidade do exercício da única actividade profissional do recorrente, que poderá colocar em causa a sua subsistência e de todo o seu agregado familiar.
4.º Acresce ainda que, a luta contra a dopagem no desporto é uma das principais motivações das entidades que regulam o desporto em Portugal e a questão de apurar qual a natureza do prazo previsto no n.º 5 do artigo 59.º da Lei n.º 38/2012 assume enorme relevância jurídica, porquanto permitirá, em casos futuros semelhantes ao presente, que certamente existirão, conhecer qual a consequência a extrair da violação do referido prazo.
9.º A consequência da violação do referido prazo é apenas a cessação da delegação de competências, prevista no n.º 1 do mesmo artigo 59.º da LAD, passando a ser a ADOP a única entidade competente para instruir e decidir o processo disciplinar, conforme n.º 7 do artigo 59.º da LAD.
10.º Conforme concluíram os árbitros do TAD, aquando da prolação da decisão que aplicou ao recorrente uma sanção disciplinar, o CDFPF já não tinha competência para o fazer, o que configura uma situação de incompetência absoluta, que acarreta a nulidade do acto praticado, cfr. art. 161.º, n.º 2 al. b) do CPA.
4. Conforme se acaba de ver suscitam-se nesta revista duas questões, jurídica e socialmente, relevantes; a de saber se o recurso da decisão do Conselho de Disciplina da FPF foi tempestivamente interposto e a de saber se o TCA decidiu bem quando, revogando o decidido no TAD, afirmou que não se verificava a incompetência da Federação Portuguesa de Futebol para aplicar a impugnada sanção disciplinar, apesar desta ter sido aplicada para além do prazo de 120 dias previsto no art.º 59.°/5, da Lei 38/2012, de 28/08. O que significa que, no essencial, o que se discute é natureza do prazo aqui em causa e o modo da sua contagem.
Ora, aquelas questões são socialmente relevantes porque a aplicação de uma pena de dois de inactividade a um jogador profissional de um dos maiores clubes portugueses de futebol, com 30 anos de idade, por certo que equivale a acabar com sua carreira desportiva com todas sequelas que daí lhe advêm.
E são juridicamente relevantes porque a problemática relacionada com a aplicação e contagem de prazos, por vezes, levanta sérias dificuldades.
Acresce que também se pode colocar a questão de saber se não estavam reunidos os requisitos que permitiam reduzir a pena.
Termos em que os Juízes deste Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 12 de Novembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.