Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0179/22.0BCLSB
Data do Acordão:04/19/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P30898
Nº do Documento:SA1202304190179/22
Data de Entrada:04/03/2023
Recorrente:A..., SAD
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. «A... SAD» vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 09.02.2023 - que, negando provimento à sua apelação, manteve nos seus precisos termos o acórdão - de 04.11.2022 - pelo qual o Tribunal Arbitral do Desporto [TAD], por unanimidade, julgou improcedente o pedido de revogação do acórdão - datado de 28.06.2022 - proferido pelo «Pleno da Secção Profissional do Conselho Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol» - no âmbito do processo disciplinar nº...22 e apenso nº67-2021/2022 - que a condenou pela prática das infracções disciplinares previstas e punidas pelos artigos 87º-A, nºs 5 e 6, e 127º, nº1, do RD/LPFP» - Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional - nas sanções de realização de um jogo «à porta fechada» e de multa no montante de 2.040,00€.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

A entidade recorrida - Federação Portuguesa de Futebol [FPF] - apresentou contra-alegações em que defende, além do mais, a não admissão da revista por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as instâncias - a «arbitral» e «judicial» - entenderam que a decisão do «Conselho de Disciplina da FPF» - que condenou a A... SAD com as sanções supra indicadas, por alegada prática das infracções previstas e punidas pelos artigos 87º-A, nºs 5 e 6, e 127º, nº1, do RD/LPFP [por violação dos deveres plasmados nos artigos 35º nº1 alíneas a) f) p) e s), e 49º nº1, do RCLPFP, 6º alínea g), e 9º alínea m), do RPVLP, 8º, nº1 alíneas a) g) e s), 16º-A, nºs 1 e 8, 22º, nº6 alínea b), 23º, nº4 alínea b), da Lei nº39/2009, de 30.07, com redacção dada pela Lei nº113/2019, de 11.09] - deveria manter-se - contrariamente ao pretendido pela SAD, respectivamente arguida e apelante - porquanto a matéria de facto pertinente estava correctamente apurada e preenchia os pressupostos objectivos, e subjectivos, das infracções sancionadas.

A SAD em causa, perante a negação de provimento à sua apelação, discorda de novo, reiterando, no fundo, as teses esgrimidas perante o tribunal arbitral e o tribunal judicial relativamente aos julgamentos de facto e de direito realizados, e confirmados. Aponta, na verdade, e novamente, erro de julgamento de facto ao acórdão tirado pelo tribunal de apelação, considerando que nele - ao contrário do que aconteceu - se deveria ter julgado procedente a sua reclamada revisão da factualidade assente, já que a prova produzida - mormente documental - impunha que fossem considerados como provados factos que não o foram e como não provados factos que o foram. E, nesta base, imputa também ao acórdão objecto da revista erro de julgamento de direito, considerando «desajustado, incoerente e injustificado» concluir-se pela verificação dos pressupostos indispensáveis ao preenchimento das infracções sancionadas, traduzindo-se este sancionamento num abuso de direito por parte do titular do poder disciplinar [artigo 334º do CC]. Defende ainda que a acusação está ferida de nulidade [artigos 232º, nº2, do RD/LPFP, 119º alínea c) e 283º, do CPP, e 32º, nº10, da CRP], pois não enuncia «de forma esclarecedora» os factos constitutivos das infracções, espartilhando o seu direito de defesa e decidindo indevidamente contra ela [artigo 32º, nº2, da CRP].

Mas a verdade é que no âmbito da «apreciação preliminar sumária» que cumpre a esta Formação fazer, torna-se bastante claro que a presente revista não deve ser admitida. É que, associada às decisões unânimes das instâncias - arbitral e judicial - está o discurso fundamentador das mesmas que, «perante a factualidade provada», se mostra lógico, fundamentado, e dotada de razoabilidade jurídica, de modo que a decisão tomada pelo tribunal de apelação surge como aceitável, plausível, não carecendo claramente de ser sujeita ao crivo deste tribunal de revista em ordem a uma melhor aplicação do direito.

Sublinha-se que as razões aduzidas pela ora recorrente em prol do invocado «erro de julgamento de direito» se estribam, em boa parte, na suposição da sua razão quanto ao também invocado «erro de julgamento de facto». Todavia, quanto a este último, é sabido que falece competência ao tribunal de revista, uma vez que não é enquadrável dentro dos estreitos limites em que a mesma lhe é concedida pelo nº4, do artigo 150º, do CPTA.

É certo que os comportamentos neste âmbito desportivo, pelo impacto que têm, são, à partida, dotados de relevância social, porém, os contornos específicos das «questões» aqui em causa retiram-lhe a necessária importância fundamental, por tudo indicar que a solução jurídica encontrada, face à factualidade provada, é aparentemente correcta, transmutando-se a pretensão de revista, na prática, numa pretensão de uma «terceira instância» não permitida por lei.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que, não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Abril de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.