Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0365/13
Data do Acordão:07/08/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:I – Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo a admissibilidade no contencioso tributário do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA, não se afigurando que tal admissão implique violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais.
II – O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P19257
Nº do Documento:SA2201507080365
Data de Entrada:06/26/2014
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, LDA., com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista (excepcional) do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Maio de 2011, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 1996 e 1997, no valor global de €106.148,72.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
I. O acórdão de que ora se recorre encontra-se ferido de nulidade, por erro/omissão de pronúncia, por falta de se pronunciar sobre todos os vícios que a Recorrente imputou à sentença recorrida. Para além do erro na aplicação do direito, a Recorrente assacara à decisão de primeira instância erro por omissão de pronúncia, que o Tribunal de recurso ignorou por completo.
II. Assim, a decisão recorrida é ilegal porquanto é nula, por omissão e erro de pronúncia quanto à sentença do TAF de Almada.
III. Deve, portanto, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra.
IV. O presente recurso é admissível porquanto o artigo 150.º do CPTA admite, em certos casos, a interposição de revista para o Supremo Tribunal Administrativo relativamente a decisões proferidas em segunda instância pelos Tribunais Centrais Administrativos.
V. De facto, é pacífico na doutrina e na jurisprudência, máxime na deste Supremo Tribunal, que a revista tem natureza excepcional e só deve ser admitida nos casos previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, a saber “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”
VI. Mais, e como se refere no douto Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 24.05.2005 (Proc. n.º 579/05), a relevância jurídica “(…) não é uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista (…).
VII. Quanto à relevância social, afirma-se no douto acórdão de 03.12.2008 (Proc. n.º 934/08) que a mesma se define “(…) em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular.”
VIII. E nesta última decisão pronunciaram-se os Excelentíssimos Juízes Conselheiros, a respeito do critério da necessidade de melhor aplicação do direito, no sentido de que esta “(…) há-de resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito.”
IX. Ora, nos presentes autos verificam-se todos e cada um dos critérios de admissibilidade do recurso.
X. O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO É NULO PORQUANTO HOUVE UMA OMISSÃO DE PRONÚNCIA, pois a então Impugnada remeteu para factos que teriam ocorrido e que afirmou terem sido objecto de publicação em DR.
XI. Tais factos eram de uma importância extrema, isto é, determinantes para a decisão da causa.
XII. Nomeadamente, e explicando, estava em causa a delegação de competências, cuja omissão, ou falta de publicação em DR, determinaria a nulidade do acto tributário – administrativo no qual assenta a presente acção.
XIII. Na 1.ª Instância, a Impugnada afirmou que o acto não padecia de desvalor jurídico pois ocorrera ao abrigo de comissão de serviço adequadamente renovada e publicada em DR – II série, n.º 187, de 14 de Agosto.
XIV. Tal afirmação é falsa.
XV. Todavia, em sede de 1.ª Instância não se verificou adequadamente o sucedido, cometendo-se com essa omissão uma injustiça grave, na sequência da qual se invocou a nulidade da sentença com base em erro e omissão.
XVI. Omissão essa de verificar a veracidade do afirmado pela Impugnada, que necessariamente redundará, numa omissão de pronúncia sobre questões essenciais que são levadas à consideração do Tribunal.
XVII. Levada a questão a Alegações ao TCA, veio este a proferir acórdão, ora recorrido, que rechaça a omissão de pronúncia e o correspondente pedido de nulidade em meras duas linhas, em que sustenta que tal omissão foi mal demonstrada.
XVIII. No entanto, mais adiante acaba por dar razão á aqui recorrente, ao afirmar que o Tribunal “a quo” omitiu a verificação de um despacho determinante para a boa decisão da causa.
XIX. Portanto, não só a omissão de pronúncia esta é sustentada adequadamente, tendo sido invocada jurisprudência a preceito, como foi sustentada, ao longo do texto das alegações.
XX. Simultaneamente, a ora recorrente suscitou a questão da inexistência de publicação do despacho em DR, questão essa que não chegou a ser decidida. De facto, o Tribunal “a quo” limitou-se a decidir com base num documento que não existia nos autos, sem apreciar a questão da inexistência da publicação do despacho.
XXI. Deste modo, o acórdão recorrido – ao sufragar o entendimento da 1.ª instância – padece de omissão de pronúncia, visto que não apreciou em toda a sua plenitude questão que lhe tinha sido colocada.
XXII. Questão essa que, para além do mais consta do ponto 11. Das alegações da recorrente para o TCA, em que esta invoca o “erro manifesto” que contaminou toda a sentença, erro esse a que, a final, se alude nos termos do artigo 125.º do CPPT.
XXIII. Questão sobre a qual a douta sentença do TCA não se pronunciou.
XXIV. Deste modo, ao não conhecer da factualidade supra referida, o Tribunal a quo ocorreu também em erro e omissão de pronúncia pois não apreciou questão suscitada pela Recorrente em sede de recurso referente ao erro e omissão de pronúncia anteriormente invocados, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
XXV. O acórdão recorrido está ferido de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 668.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC e artigo 125.º do CPPT, pelo que o mesmo deve ser revogado e substituído por outra decisão que considere nulo o Acórdão recorrido, dando razão à aqui Recorrente.
XXVI. Acresce que caso assim não se entenda, houve ainda assim erro de julgamento, pois a decisão do TAF enferma de erro, grave, ao afirmar que a comissão de serviço do DF Setúbal foi publicado em DR 14/08/1998, nos termos em que acima melhor se explicou.
XXVII. Ora, dúvidas não restam que tal renovação não aconteceu, conforme veio o TCA a dar razão à recorrente.
XXVIII. Ou seja, três dias antes da caducidade da nomeação do Director Distrital de Finanças de Setúbal (cfr. 5.º, n.º 1 DL n.º 323/89 – “Estatuto do Pessoal Dirigente”.).
XXIX. Explicando, está assente que o Director Distrital de Finanças de Setúbal foi nomeado em 12/10/1995, e que a sua comissão de serviços, não sendo renovada, caducaria em 12/10/1995.
XXX. Ou seja, a partir de 12/10/1995, aquele passaria a desempenhar funções em gestão corrente (cfr. 5.º, n.º 3 DL n.º 323/89 – “Estatuto do Pessoal Dirigente”.).
XXXI. Sucede que em 09/10/1998 ocorreu, não a renovação da comissão de serviço do Director Distrital de Finanças de Setúbal, mas a delegação de poderes deste nos chefes de divisão e chefes de repartição de finanças, publicada em Aviso (n.º 15938/98) constante do DR n.º 233 II série, de 9/10/998.
XXXII. Delegação esta que, conforme veio a douta sentença a quo aliás a considerar, é efectivamente válida porque efectuada ainda no período de três anos durante o qual vigoraria o exercício de funções do ali delegante.
XXXIII. Delegação essa que é válida, porém, conquanto o delegante mantenha poderes para delegar, poderes esses que por força do terminus da comissão de serviço deixou de ter, mantendo-se apenas em gestão corrente (cfr. artigo 40.º do CPA).
XXXIV. Ora, o delegante não pode delegar competências que não tem.
XXXV. Ou seja, sendo certo, conforme veio a considerar a douta sentença do TCA que essa delegação foi válida no dia 9/10/1998,
XXXVI. As competências que ao abrigo desse despacho foram delegadas, poderiam ser exercidas tão só até 12/10/1998, data a partir da qual, caducando os poderes do delegante, caducariam necessariamente os do delegado (cfr. CPA, artigo 40.º).
XXXVII. o Despacho de 13/07/1999 ao abrigo da delegação de competências publicada no DR n.º 233, II série, de 09/10/998 é nulo por preterição de formalidades essenciais.
XXXVIII. Sendo justificada a arguição da anulabilidade do referido acto, conforme foi.
XXXIX. Errou a douta sentença, pois, ao considerar que não se logrou fazer prova da extinção da delegação, pois deveria ter considerado que não se fazendo prova da renovação da comissão de serviço, a delegação de competências deixaria de vigorar ao entrar-se no período de gestão corrente.
XXXX. Simultaneamente, tal extinção, seria de verificação oficiosa.
XXXXI. Pois o delegante só até 12/10/1998 (inclusive) teria poderes para actos administrativos que não fossem de gestão corrente, assim, de 13/10/1998 em diante, não sendo renovados os seus poderes, e agindo ao abrigo da gestão corrente, não poderia delegar.
XXXXII. Tendo delegado, como fez, antes de caducarem os seus poderes, caducam as delegações, a menos que se publicassem em DR as extinções de todas as delegações, só oficiosamente se poderia valorar este facto do modo que foi apreciado.
XXXXIII. O despacho que determina liquidações adicionais, como é o do relatório do exame à escrita a que a ora Recorrente fez referência nas suas Alegações iniciais (a que deu entrada em 29/12/2004 no TAF de Almada), com data de 13/07/1999 não pode ser considerado acto de gestão corrente.
XXXXIV. Donde se pode concluir que em face da evidência de que o despacho que determina a liquidação adicional não é um acto de gestão corrente, actuaram sem poderes para o acto os chefes de divisão que deram origem ao mesmo.
Nestes termos, e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas, Excelentíssimos Juízes Conselheiros, deve:
i. O acórdão do Tribunal a quo ser revogado, por erro de julgamento e omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, caso assim não se entenda,
ii. O acórdão do Tribunal a quo ser revogado, nos termos do disposto no art. 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC, caso assim não se entenda,
iii. O acórdão do Tribunal a quo ser revogado, nos termos do disposto no art. 668º, n.º 1, alínea d) do CPC, com os fundamentos supra, pois assim procedendo, Excelentíssimos Juízes Conselheiros, fareis a costumada e esperada JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 362/363 dos autos, nele suscitando a questão da inconstitucionalidade dos artigos 150.º, n.º 1 do CPTA e 26º al. h) do ETAF 2004, quando interpretados no sentido da admissibilidade no contencioso tributário de recurso de revista excepcional para a Secção de Contencioso Tributário do STA de acórdão da Secção de Contencioso Tributário do TCA, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165º nº 1 al. p) CRP numeração RC/97), pugnando, em consequência, por que deva ser recusado o conhecimento do objecto do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão recorrido:
1. Em 16/09/1998, teve início a inspecção externa à impugnante (cfr. doc. junto a fls. 37 do processo instrutor junto aos autos e fls. 30 dos autos);
2. Por despacho de 15/12/1999, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foram aprovadas as listas de delegados da Fazenda Pública para constituição das Comissões de Revisão a que se refere o art. 84.º e segs. do CPT (cfr. doc. junto a fls. 80 a 82 dos autos);
3. Da lista identificada no ponto anterior fazem parte B………… e C………… (cfr. docs. juntos a fls. 80 a 82 dos autos);
4. E, 08/07/1999, foi elaborado o Relatório Final de Inspecção Tributária, de acordo com o qual são propostas correcções à base tributável em sede de IVA para os exercícios de 1996 e 1997, no montante de 8.072.570$00 (1996) e 19.001.710$00 (1997), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. doc. junto a fls. 34 a 48 do processo instrutor junto aos autos);
5. Em 12/07/1999, foi elaborado, sobre o Relatório identificado no ponto anterior, um Parecer concordando com o conteúdo do Relatório (cfr. doc. junto a fls. 34 frente e verso do processo instrutor junto aos autos);
6. Em 13/07/1999, foi proferido despacho, ao abrigo de delegação de competências publicada no Diário da República, II série, n.º 233, de 09/10/1998, concordando com o conteúdo do Relatório identificado no ponto 4 deste probatório (cfr. doc. junto a fls. 34 do processo instrutor junto aos autos).
7. Por ofício de 20/07/1999, foi a impugnante notificada do resultado da Inspecção Tributária, em sede de IVA, relativamente aos exercícios de 1996 e 1997 (cfr. doc. junto a fls. 33 do processo instrutor junto aos autos);
8. Em 18/08/1999, a impugnante apresentou um pedido de Reclamação para a Comissão de Revisão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. doc. junto a fls. 29 e segs. do processo instrutor junto aos autos);
9. Em 26/10/2001, foi lavrada a Acta da reunião da Comissão de Revisão – 4ª Comissão a que se refere o art. 85.º do CPT, na qual os vogais chegaram a acordo, tendo fixado a matéria tributária para efeitos de IVA 17.275.399$00 (cfr. doc. junto a fls. 10 e 11 do processo instrutor junto aos autos);
10. Na Comissão de Revisão participaram como presidente B………… e como vogal da Fazenda Pública C………… (cfr. doc. junto a fls. 35 dos autos);
11. Por despacho de 29/10/2001, do Director de Finanças de Setúbal, em substituição, foi o acordo a que chegaram os membros da Comissão de Revisão, aprovado (cfr. doc. junto a fls. 10 do processo instrutor junto aos autos);
12. Em 01/11/2001, foi remetido à impugnante um ofício do qual consta a liquidação n.º 01196782, referente a juros compensatórios referentes ao período de 9610 (cf. doc. junto a fls 35 dos autos);
13. Em 01/11/2001, foi remetido à impugnante um ofício do qual consta a liquidação n.º 1196783, referente juros compensatórios referentes ao período de 9612 (cfr. doc. junto a fls. 36 dos autos),
14. Em 01/11/2001, foi remetido à impugnante um ofício do qual consta a liquidação n.º 01196784, referente IVA do exercício de 96 (cfr. doc. junto a fls. 37 dos autos);
15. Em 01/11/2001, foi remetido à impugnante um ofício do qual consta a liquidação n.º 01196785, referente a juros compensatórios referentes ao período de 9712 (cfr. doc. junto a fls. 38 dos autos);
16. Em 01/11/2001, foi remetido à impugnante um ofício do qual consta a liquidação n.º 01196786, referente a IVA do exercício de 97 (cfr. doc. junto a fls. 39 dos autos).
Adita-se ao probatório o seguinte facto:
- a fls. 79 dos autos encontra-se ofício remetido pelo serviço da Direcção de Finanças de Setúbal, onde consta o seguinte: “de harmonia com o solicitado pelos ofícios s/ n.º de 03/01/2007, junto se remete fotocópias das listas aprovadas, por despacho de 15/12/1999, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, correspondentes à constituição das Comissões de Revisão inerentes ao ano de 2000, e da qual consta a constituição da 4.ª Comissão.
Tais comissões foram mantidas durante o ano de 2001, na medida em que lhes cabia apreciação dos pedidos de revisão entrados até 31/12/1999, que utilizaram a opção prevista no n.º 2 do artigo 3.º do DL 398/98, de 17/12, e cuja distribuição processual ocorrera durante o ano de 2000. (...)

5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto para este STA como recurso de revista excepcional de revista, havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depois de previamente afrontar a questão da admissibilidade ou não desta espécie de recurso no contencioso tributário, suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer.
Quanto a esta última questão, diga-se desde já que não deixaremos de acompanhar a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal no sentido na admissibilidade no contencioso tributário do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA (cfr., por todos o Acórdão de 8 de Outubro de 2014, rec. n.º 772/14 e numerosa jurisprudência nesse sentido aí citada), não se nos afigurando ocorrer violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais na interpretação e aplicação dos artigos 150.º n.º 1 do CPTA e 26.º alínea h) do ETAF/2002, porquanto, como tem considerado a jurisprudência deste STA, tal competência encontra fundamento legal na expressa remissão para o CPTA operada pelo artigo 2.º alínea c) do CPPT e bem assim na alínea e) do mesmo preceito legal, que opera remissão idêntica para o Código de Processo Civil, diploma este que desde as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, passou também a prever recurso excepcional de revista para o STJ de acórdãos de tribunais da Relação, não havendo, pois, razão para tal recurso se ter apenas por excluído no contencioso tributário e suscitando tal solução, ao invés, dúvidas quanto à sua conformidade à lei fundamental por atentatória do direito à tutela jurisdicional efectiva e ao princípio da igualdade (artigos 13.º e 268.º n.º 4 da CRP).

Julga-se, pois, não haver obstáculo de ordem constitucional à admissibilidade do presente recurso, preenchidos que estejam os respectivos pressupostos legais.

A este respeito, dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito preceito legal a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
No caso dos autos, e contrariamente ao alegado, não estão preenchidos os pressupostos da revista excepcional, como se demonstrará.
A recorrente, embora enuncie em abstrato os pressupostos deste recurso de revista excepcional (cfr. conclusões IV. a VIII das suas alegações de recurso) e afirme que nos presentes autos verificam-se todos e cada um daqueles critérios de admissibilidade do recurso (cfr. conclusão IX. das suas alegações), não se esforça minimamente por concretizar os termos em que tais pressupostos ou critérios de admissibilidade se verificam in casu, bastando-se com a alegação genérica e não minimamente concretizada de que resulta patente que a apreciação requerida se reveste de importância jurídico-social fundamental e de que afigura-se imprescindível a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de dirimir definitivamente estas questões e de molde a garantir que as decisões judiciais a este respeito serão, de futuro, unívocas (cfr. alegações de recurso, a fls. 232 dos autos).
Ora, quanto à imputada ao acórdão recorrido nulidade, por erro/omissão de pronúncia, por falta de se pronunciar sobre todos os vícios que a Recorrente imputou à sentença recorrida - sic (cfr. conclusões I, II e X a XXV das suas alegações de recurso), constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14).
Além de que, aliás, a arguida nulidade foi já apreciada pelo Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 20 de Dezembro de 2012 (a fls. 310 a 323 dos autos, a julgou não verificada, estando a questão definitivamente resolvida.

Quanto ao mais - o imputado erro de julgamento da sentença recorrida e do acórdão que a confirmou - por alegada extinção dos poderes da comissão e da (in)validade da delegação de competências, que, na perspectiva da recorrente feriria de nulidade todos os actos subsequentes, incluindo as liquidações adicionais sindicadas –, não se vê que tal questão se afigure como de importância jurídica ou social fundamental ou que o decidido se revele ostensivamente errado ou juridicamente insustentável, a justificar a admissão da revista para melhor aplicação do direito.

Se erro de julgamento na aplicação do artigo 40.º do CPA ao caso dos autos ocorreu, este não se revela como manifesto, ostensivo ou incontroverso, e para correcção de erros de julgamento que não sejam deste tipo não serve o recurso de revista excepcional.
Acresce que, como decorre do n.º 4 do artigo 150.º do CPTA O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não sucede no caso dos autos.

Pelo exposto se conclui não ser de admitir a revista.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de Julho de 2015. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.