Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0908/09
Data do Acordão:12/16/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SEGURANÇA SOCIAL
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA
Sumário:I – A representação da Segurança Social pela Fazenda Pública mantém-se após a entrada em vigor do Decreto-Lei 42/2001 de 9 de Fevereiro, relativamente aos processos por dívidas participadas aos órgãos do Ministério das Finanças, que, nos termos do seu artigo 17, continuam a correr por tais órgãos.
II – Assim e em relação aos mesmos processos, cabe ao representante da Fazenda Pública reclamar créditos da Segurança Social.
Nº Convencional:JSTA00066187
Nº do Documento:SA2200912160908
Data de Entrada:09/25/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:L 3-B/2000 DE 2000/04/04 ART38.
DL 42/2001 DE 2001/02/09 ART12 ART17 ART10 ART11.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1686/03 DE 2003/12/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do TAF de Coimbra, que, nos autos de reclamação de créditos que correm por apenso à execução fiscal n.° 0728 – 1995/1020390, instaurada no Serviço de Finanças de Coimbra I, indeferiu, por ilegitimidade, a reclamação de créditos da Segurança Social, efectuada pelo representante da Fazenda Pública.
A Fazenda recorrente formulou as seguintes conclusões:
“lª – Quando entrou em vigor o art. 25.° do DL 411/91, de 17/10, já existiam normas que atribuíam competência aos representantes da Fazenda Pública para representarem também a Segurança Social nos tribunais tributários;
2ª – Essas normas eram os arts. 42º, n.1, al. c), o art. 329º, n. 1, al. b) e o art. 331° do CPT;
3ª – Ao ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do mencionado art. 25° do DL 411/91, de 17/10 (pelo Ac. Do TC n° 1/96, publicado no D.R. n° 4/96, 1-A Série, de 05/01/96), foram repristinadas as normas anteriores que haviam sido revogadas por aquele art. 25º;
4ª – Às normas do CPT acima indicadas correspondem actualmente as dos arts. 15°, n.1, al. a) e 243° do CPPT;
5ª – O actual regime legal de execução das dívidas à segurança social é o constante do DL 42/2001, de 09/02/2001 (cuja autorização legislativa foi concedida ao Governo pelo art. 38° da Lei nº 3-B/2000, de 04/04/2000 – Lei do Orçamento de Estado para 2000);
6ª – Os processos de execução fiscal instaurados por (ou em que se reclamam) dívidas que a segurança social tenha participado aos órgãos do Ministério das Finanças antes da entrada em vigor do DL 42/2001, de 09/02 (o que ocorreu
7ª – Nesses processos de execução fiscal, continua a ser competente o representante da Fazenda Pública para representar a Segurança Social e reclamar os créditos desta nos tribunais tributários de 1ª instância (ver o art. 151° do CPPT, correspondente ao art. 237°, n. 2 do CPT); e
8ª – Decidindo por forma diferente, a douta sentença recorrida violou o disposto, entre outros, nos arts. 42º, n. 1, al. c), 237°, n. 2, 329º, n. 1, al. b) e 331° do CPT; 15°, n. 1, al. a), 151°, n. 1, e 243° do CPPT; e o art. 17° do DL 42/2001, de 09/02/2001.
Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que ordene a graduação dos créditos da segurança social reclamados por esta RFP e a sua não condenação em custas, assim se fazendo a habitual, JUSTIÇA.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, nos termos da jurisprudência do STA, que cita.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Vejamos, pois:
O decreto-lei 42/2001, de 9 de Fevereiro, veio concretizar a autorização legislativa - art. 38 da lei n.° 3 – B/2000, de 4 de Abril —, no sentido de o Governo criar, no âmbito do sistema de solidariedade e Segurança Social, secções de processos competentes para a execução de dívidas à Segurança Social.
Isto, “mediante a criação de secções de execução autónomas, devidamente integradas no sistema”, conferindo-se, assim, “maior celeridade ao processo de cobrança coerciva, na medida em que se agilizam os mecanismos e procedimentos tendentes à sua efectivação”.
Manteve-se, todavia, “o quadro legislativo de fundo existente para o procedimento e processo tributários”.
Procura, pois, aplicar o CPPT “ao sistema de solidariedade e Segurança Social”, traçando-se, todavia, “o regime jurídico especial do processo de execução das dívidas à Segurança Social”.
Assim, e em tal desiderato, “às delegações do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, enquanto órgãos próprios do sistema, é atribuída a competência para a instauração e instrução dos processos de execução de dívidas ao sistema de solidariedade e Segurança Social”.
O mencionado decreto-lei fixou sucessivamente o seu objecto, âmbito de aplicação, competência para a instauração e instrução do processo, órgãos de execução, competência dos TAF’s, legislação aplicável, títulos executivos, personalidade e capacidade judiciária, legitimidade para a reclamação de créditos, coligação de exequentes, apensação de execuções, patrocínio judiciário, pagamento em prestações, caução, sigilo, registo das execuções, processos pendentes, normas de execução e entrada em vigor.
Para a questão dos autos – a de saber se o representante da Fazenda Pública tem legitimidade para reclamar créditos da Segurança Social, em execução fiscal, ou se estes deviam ser reclamados por representante do Instituto de Segurança Social –, avulta o disposto nos seus artigos 12 e 17 que dispõe respectiva mente:
Artigo 12.º - Patrocínio judiciário – nos tribunais comuns e nos tributários, as instituições do sistema de solidariedade e Segurança Social são representadas por mandatário judicial, nomeado pela delegação competente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Artigo 17.° - Processos pendentes – os processos de execução fiscal por dívidas que a Segurança Social tenha participado aos órgãos do Ministérios das Finanças, antes da entrada em vigor do presente diploma continuam a correr por esses órgãos.
Assim, e ao invés do que acontecia anteriormente, as referidas instituições são agora representadas por um mandatário judicial, havendo todavia que ter em atenção a norma transitória do referido art. 17.
Norma esta que não prima, em nada, pela clareza, uma vez que utiliza termos, no mínimo ajuridicos, para definir determinada realidade jurídica: os processos de execução fiscal “continuam a correr” pelos órgãos do Ministério das Finanças cujas dívidas aos mesmos haviam sido participadas pela Segurança Social.
Ora, face à sua literalidade, não se está patentemente, primo conspectu, em face de uma norma atributiva de competência.
O diploma regula toda a panóplia de matérias indicadas e o seu art. 17 não se refere especificamente à competência, não incluindo sequer qualquer vocábulo de significado semelhante.
Assim, parece ser de entender que, quando a lei refere que os processos de execução fiscal “continuam a correr” pelos órgãos do Ministério das Finanças, o que se quer significar é que aqueles são “movimentados” de acordo com a normação anterior, não se lhes aplicando qualquer das restantes normas do decreto-lei 42/2001, inclusivamente a referida norma do art. 12.
A interpretação aqui defendida é a que parece corresponder ao respectivo elemento racional: os processos pendentes continuavam com o processamento anterior, uma vez que estavam no domínio da Administração Fiscal e a Segurança Social não os acompanhava pois que neles não tinha intervenção.
Assim, os processos novos eram instaurados e instruídos pela Segurança Social que neles intervinha quase exclusivamente – admitindo-se, não obstante a coligação de exequentes e a apensação de execuções (artigos 10.º e 11) –; e os pendentes continuavam a ser processados na Administração Fiscal, com as regras e intervenção anteriores.
É, aliás no sentido exposto, a jurisprudência uniforme do STA.
Cfr. os acórdãos de 10/12/2003 rec. 1686/03, 09/07/2003 rec. 3/03, 11/10/2002 rec. 1090/02, 10/07/2002 rec. 759/02, 24/04/2002 rec. 212/02 e 13/03/2002 rec. 88/02.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido para ser substituído por outro que não indefira a reclamação de créditos pelo fundamento invocado.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. – Brandão de Pinho (relator por vencimento) – António Calhau – Isabel Marques da Silva (vencida, nos termos da declaração de voto junta).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Reconhecendo, embora, existir, quanto à questão objecto do presente recurso, uma orientação consolidada deste Supremo Tribunal em sentido favorável ao propugnado pela Recorrente, votei no sentido do não provimento do recurso, por entender ser correcta a decisão tomada na sentença recorrida, pelas razões que passamos a expor.
Não nos oferece dúvidas em face do Código de Processo Tributário a competência do Representante da Fazenda Pública para reclamar os créditos da Segurança Social em processo de execução fiscal. Tal competência decorria, como bem alegado, dos artigos 42.°, n.° 1, alínea c) e 329.° n.° 1, alínea c) do CPT.
Mas entendo igualmente que já o mesmo não se verifica em face do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), nos casos em que há disposição legal expressa a atribuir competência para essa representação a outra entidade que não aquela, situação que se verifica no caso dos autos.
Dispõe o artigo 15.º, n.° 1, alínea a) do CPPT, sob a epígrafe, Competência do representante da Fazenda Pública que, (C)ompete ao representante da Fazenda pública nos tribunais tributários: a) (R)epresentar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal.
Do preceito transcrito, pode extrair-se que ao representante da Fazenda Pública pode caber a representação de outras entidades públicas no processo de execução fiscal, mas tal sucederá apenas se e nos casos em que a lei lhe atribua essa representação e tal que não sucede em relação à Segurança Social desde a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 42/2001, de 9 de Fevereiro (neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume I 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2006, p. 194, nota 8 ao art. 15.° do CPPT).
É que, o artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 42/2001, de 9 de Fevereiro dispõe: «Nos tribunais comuns e nos tributários, as instituições do sistema de solidariedade e segurança social são representadas por mandatário judicial, nomeado pela delegação competente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social», estabelecendo também o seu artigo 9.°, sob a epígrafe Legitimidade para reclamação de créditos que: «A legitimidade para reclamar os créditos da segurança social em processo executivo a correr nos tribunais comuns pertence ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, através das respectivas delegações».
Parece, pois, resultar das citadas disposições legais uma clara intenção do legislador de atribuir a representantes próprios do Instituto de Segurança Social a legitimidade para a defesa dos seus interesses, em conformidade, aliás, com a sua natureza de Instituto Público e com o que, nesta matéria, se veio a consagrar, imperativamente, na Lei-Quadro dos Institutos Públicos (cfr. o artigo 21.°, n.° 3 da Lei n.° 3/2004, de 15 de Janeiro).
Importa contudo, indagar, se em relação a dívidas por contribuições à segurança social que tenham sido comunicadas aos órgãos do Ministério das Finanças antes da entrada em vigor daquele diploma o mesmo se verifica, ou se, pelo contrário, o artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 42/2001, de 9 de Fevereiro dá guarida ao entendimento de que, em relação a essas dívidas, a legitimidade do Representante da Fazenda Pública para a reclamação de créditos se mantém. Dispõe o artigo 17.º do citado Decreto-Lei, sob a epígrafe Processos Pendentes: «Os processos de execução fiscal por dívidas que a segurança social tenha participado aos órgãos do Ministério das Finanças antes da entrada em vigor do presente diploma continuam a correr por esses órgãos».
Já se aludiu a que, com base nesta disposição e para tais processos, este Supremo Tribunal tem entendido manter-se a legitimidade do representante da Fazenda Pública para a reclamação de créditos (cfr., Acórdãos deste Tribunal de 24 de Abril de 2002, rec.n.° 212/02, de 14 de Maio de 2003, rec. n.° 1934/02 e de 10 de Dezembro de 2003, rec. n.° 1686/03). Esta orientação jurisprudencial não foi, nem é, contudo, a sufragada por todos os juízes desta secção (cfr. o voto de vencido aposto no citado Acórdão de 10 de Dezembro de 2003, cujos argumentos se encontram desenvolvidos no voto de vencido aposto no Acórdão de 9 de Julho de 2003, rec. n.° 2003 e bem assim JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 202, nota 21 ao art. 15.° do CPPT), entendendo-se que a razão está do lado destes e não da orientação jurisprudencial que tem vingado.
É que, como bem se observa naquele voto de vencido e explicita JORGE LOPES DE SOUSA, são coisas diversas a legitimidade para a representação em juízo do Instituto da Segurança Social e a competência para a tramitação do processo de execução, sendo apenas esta a matéria ressalvada no artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 42/2001, de 9 de Fevereiro, como decorre na sua letra.
Assim, julgamos que o citado artigo 17.º não alude à representação da Segurança Social nos processos pendentes ou à legitimidade para essa representação, ressalva apenas a competência para a execução dos serviços da Administração fiscal em relação às dívidas já participadas.
A matéria da representação do Instituto é tratada por outras disposições daquele diploma, os seus artigos 9.° e 12.°, e, no sentido já por nós interpretado, a forma como é regulamentada parece incompatível com a representação do Instituto da Segurança Social pelo Representante da Fazenda Pública na reclamação de créditos.
Acresce que, com a entrada em vigor da Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, cessou a restrição à aplicabilidade do CPPT apenas aos processos novos (cfr. o artigo 12.° daquela Lei), passando este Código a aplicar-se também aos processos pendente à data da sua entrada em vigor, sendo que, em face da alínea a) do n.° 1 do artigo 15.º do CPPT, se entende que a competência do representante da Fazenda Pública para representar outras entidades públicas no processo de execução tem de resultar de lei expressa atributiva de tal competência, ou ao menos da inexistência de lei que expressamente atribua essa representação a entidade diversa.
Entendemos, assim, que não seria de interpretar o artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 42/2001 no sentido propugnado pela recorrente e acolhido na tese que obteve vencimento, pelo que entenderíamos que o julgado recorrido, que decidiu que o representante da Fazenda Pública carece de legitimidade para a reclamação de créditos, não mereceria censura.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. – Isabel Marques de Silva.