Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0280/09.6BEMDL-S1
Data do Acordão:09/09/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24843
Nº do Documento:SA1201909090280/09
Data de Entrada:07/23/2019
Recorrente:ÁGUAS DO NORTE, SA
Recorrido 1:A............, SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……….. E B…………, S.A. intentaram, no TAF de Mirandela, contra a ÁGUAS DO NORTE, SA, acção onde pediram a condenação da Ré no pagamento de uma quantia devida em resultado de um alegado incumprimento contratual.
Posteriormente à realização da audiência prévia, onde as partes não chegaram a acordo quanto à delimitação dos termos do litígio, a Ré juntou ao processo um requerimento, que as Autoras contraditaram, o que motivou a apresentação de novos requerimentos por ambas as partes.

O TAF ordenou o desentranhamento desses requerimentos e a sua devolução às respectivas signatárias e condenou-as nas custas do incidente.
A Águas do Norte SA recorreu dessa decisão para o TCAN mas este rejeitou o recurso com fundamento na sua inadmissibilidade.

É desse Acórdão que a Águas do Norte vem recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TCA não conheceu do recurso da decisão do TAF que ordenou o desentranhamento dos referidos requerimentos e condenou os seus apresentantes nas custas do incidente por entender que mesmo era inadmissível pelas razões que de seguida se transcrevem:
“......
O artigo 142º/5 do CPTA, segunda parte, estabelece, como regra especial no tocante ao regime de subida e à tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios, que “[a]s decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil”.
De acordo com o referido preceito legal, a regra aplicável em matéria de recursos interpostos de decisões interlocutórias proferidas pelos Tribunais Administrativos é, assim, a de que tais recursos devem ser interpostos conjuntamente com o recurso da decisão que vier a ser proferida a final. Só assim não será nos casos em que esteja em causa um recurso de despachos interlocutórios que deva subir imediatamente de acordo com o regime previsto no Código do Processo Civil - sendo essa a única excepção a tal regime.
O regime dos recursos de apelação autónoma na lei processual civil encontra-se plasmado no artigo 644º/2 do CPC, da seguinte forma:
«Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância:
...
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual
..............
O presente recurso, como se disse, foi intentado pela AdN com fundamento nas alíneas d) e e) do falado artigo 644º/2.
..........
Ora, no entender da AdN e do Tribunal, o recurso de apelação autónoma em presença é admissível - por via da aplicação do artigo 644º/2/d) do CPC - por estar em causa um despacho de rejeição de um articulado ou por estar em causa um despacho de rejeição de um meio de prova.
Não secundamos esta leitura.
Antes de mais, porque não poderia considerar-se estar em causa um despacho cujo objecto é a rejeição de um meio de prova. Efectivamente, o despacho recorrido incide apenas sobre a inadmissibilidade de um requerimento apresentado pelo Consórcio e três requerimentos apresentados pela aqui Recorrente, em que não foi apresentada, indicada ou por qualquer outra forma requerida, qualquer diligência de prova.
Posto isto, o único fundamento que, em tese, o presente recurso poderia colher na norma do artigo 644º/2/d) do CPTA, reside na parte do preceito respeitante à eventual “rejeição de algum articulado”.
........
Ora, atendendo à exposição acima descrita, conclui-se que o conceito de articulado a que alude o artigo 644º/2, al. d), do CPC atende à definição legal consagrada no artigo 147º do CPC, bem como à distribuição legal dos tipos de articulados prevista nos campos acima referidos, e às categorias elencadas pela doutrina.
Neste sentido, os requerimentos que são objecto do despacho sob censura não estão compreendidos no âmbito do conceito de articulado, para estes efeitos e, por conseguinte, para efeitos da aplicação do mencionado artigo 644º/2/al. d). Dito de outro modo, tal preceito não pode servir de base para alegar a admissibilidade do recurso em apreço. Significa isto que o presente recurso de apelação autónoma não é admissível, uma vez que não está em causa um despacho que rejeite um articulado, nos termos do citado artigo 644º/2/al. d).
........
É certo que a Recorrente invoca, ainda, nas suas alegações, como fundamento do seu recurso de apelação autónoma, o requisito da alínea e) do artigo 644º/2 do CPC, para demonstrar a admissibilidade do mesmo, na parte em que o despacho declara a condenação ao pagamento das 03 UC’s.
.....
No entanto, não é qualquer multa ou sanção que fundamenta a interposição de um recurso de apelação autónoma.
É que, embora a condenação em multa e/ou em taxa sancionatória excepcional constitua decisão que, em princípio, pode ser objecto de recurso de apelação autónomo, já assim não sucederá quando faz parte e, por isso, esteja dependente, de decisões (e do resultado da impugnação destas).
Acolhe-se pois a leitura das Recorridas, com a consequente rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º/5 do CPC.”

3. A questão suscitada nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido decidiu bem quando, com fundamento na sua inadmissibilidade, não admitiu o recurso da decisão do TAF que ordenou o desentranhamento dos requerimentos apresentados na sequência da audiência prévia e a sua devolução às respectivas signatárias e as condenou nas custas desse incidente.
A Recorrente discorda dessa decisão não só por entender que tais requerimentos eram verdadeiros articulados como consubstanciavam uma decisão condenatória e que, sendo assim, o recurso deveria ser admitido a coberto do disposto no art.º 644º/2/d e e) do CPC.
No entanto, tudo indica que Acórdão sob censura ajuizou correctamente a argumentação desenvolvida pela Recorrente no tocante às questões suscitadas, que aqui é renovada, como parece ser destituída de fundamento a alegação de que o processo é nulo por violação do princípio do contraditório nos termos do artigo 195.º/1 do CPC.
Não se justifica, assim, a admissão do recurso.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Porto, 9 de Setembro de 2019. – Costa Reis (relator) - Madeira dos Santos – São Pedro.