Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01090/11
Data do Acordão:03/28/2012
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA PROVOCADA
Sumário:I - Só o terceiro que careça de legitimidade para intervir como parte principal pode ser chamado pelo réu a intervir como parte acessória (art. 330º/1, parte final, do C.P.C.).
II - Assim, estão excluídos do chamamento à intervenção acessória os casos previstos no art. 329º C.P.C.
Nº Convencional:JSTA00067512
Nº do Documento:SA12012032801090
Data de Entrada:11/29/2011
Recorrente:MUNICÍPIO DE GONDOMAR
Recorrido 1:B... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:LPTA85 ART105 N1
CPC96 ART329 ART330 ART331 N2 ART497 N1 N2
CCIV66 ART497 N1 ART519 N1
DL 405/93 DE 1993/12/10 ART38 ART39 ART40
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART4 N2 ART6
Referência a Doutrina:LEBRE DE FREITAS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VI PAG585
SALVADOR DA COSTA OS INCIDENTES DA INSTANCIA 2ED PAG123
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
O Município de Gondomar vem recorrer do despacho proferido, a fls. 48/49, pelo juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que indeferiu o pedido do Réu, ora Recorrente, de intervenção acessória da sociedade “A……Limitada”.

1.1. Apresenta alegações com as seguintes conclusões:
1. Apesar de estar em causa uma responsabilidade do dono da obra tal facto não exclui a possibilidade de o mesmo poder exercer o direito de regresso sobre o empreiteiro.
2. com base no contrato de empreitada e de acordo com o art. 497º CC.
3. O art. 497º CC estabelece “Se foram várias as pessoas responsáveis pelos danos é solidária a sua responsabilidade. 2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis”.
4. No mesmo sentido refere o acórdão do STJ de 7.01.2003 “O nº 2 do art. 1348 do CC, ao referir-se ao “autor das obras” tanto quer reportar ao dono do prédio que contrata outrem para nele fazer uma obra sob a sua direcção e fiscalização, como ao proprietário que contrata outrem para que lhe faça a obra de empreitada. III – Por isso, no caso de danos causados por escavações, a obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos recai sempre sobre o dono do prédio onde a obra é feita. III – Havendo culpa do empreiteiro, pode existir também responsabilidade deste pela reparação dos danos”.
5. Posto isto, e ao contrário do vertido no despacho, não é pelo facto de ser de se encontrar definida a responsabilidade do recorrente que se exclui automaticamente o direito de regresso que este possa ter sobre um terceiro.
6. Nem o direito que o mesmo tem de solicitar a ua intervenção provocada.
7. Assim sendo o despacho recorrido viola o nº 2 do artigo 331º CPC conjugado com o artigo 497º nº 1 e nº 2 do CC.

1.2. A Exmª Procuradora- Geral Adjunta emitiu douto parecer, nos seguintes termos:
I – Questão prévia
Afigura-se-nos assistir razão à Recorrente quando invoca que devia ser fixado efeito suspensivo ao recurso. Efectivamente, essa é a conclusão que decorre do disposto no art. 105º da LPTA.
II- Quanto ao requerimento de Intervenção Acessória não admitido
O presente recurso vem interposto do despacho que não admitiu o pedido de intervenção acessória do empreiteiro (primitivo 2º R.), “Sociedade Comercial A……, Lda”, deduzido pelo Município de Gondomar nos termos do art. 330º, nº 1 do C.P.C.
Estão em causa, nos autos, os danos alegadamente sofridos, pelos AA. em consequência das obras de “Saneamento da Bacia do Rio Ferreira – Emissário do Rio Ferreira”, nas quais, para a instalação do colector do emissário do Rio Ferreira, o empreiteiro procedeu a uma remoção de terras que não foram repostas, o que alegadamente, originou o deslizamento do talude junto à moradia dos AA e descalce do muro que a delimitava do rio, acabando aquele por ruir.
Afigura-se-nos que assiste razão ao Recorrente pelas razões que passamos a referir.
O pedido deduzido contra o Município tem por fundamento a responsabilidade civil extracontratual do R. por acto ilícito de gestão pública, constituído pela incorrecção da remoção de terras na base do talude.
Conforme se entendeu no douto Acórdão de 27.5.2003, Proc. nº 0545/03, no qual estavam em causa alegados prejuízos causados por deficiente execução das obras de ampliação do aeroporto da Madeira, o dono da obra é o responsável perante a colectividade, pela garantia do interesse público do bem estar das populações. Ele não fica desobrigado pelo facto de as obras estarem a ser executadas através de um contrato de empreitada.
Cfr., no mesmo sentido, os Acs. de 09.10.2003, P. 0547/03, de 25.11.2003, P. 0544/03 e de 11.05.2004, P. 0546/03, sobre a mesma questão.
Em consonância com este entendimento, consideraram os referidos Arestos ser de admitir, nos termos do art. 330º, do CPC a intervenção acessória do empreiteiro que executou as obras, em face do disposto no art. 24º, nº 2, al. b), do Dec-Lei nº 405/93, de 10.12, que estabelecia ser especial obrigação do empreiteiro, a execução dos trabalhos necessários para garantir a segurança do público em geral e evitar danos nos prédios vizinhos, e também, em face do estabelecido no contrato de empreitada em que lhe é atribuída a responsabilidade pelos prejuízos causados ao público.
Nos presentes autos, o Réu invocou, na contestação, que:
- Pela cláusula 1.10 do Caderno de Encargos, ficou estabelecido que passaram a correr por conta do empreiteiro, que se considerava para o efeito único responsável, a reparação e a indemnização de todos os prejuízos que, por motivos imputáveis ao adjudicatário e não resultassem da própria natureza ou concepção da obra, sejam sofridos por terceiros até à recepção definitiva dos trabalhos.
- Os alegados prejuízos decorrentes da remoção de terras para implantação do emissário, que teriam afectado a estabilidade do muro e provocado o deslizamento e destruição do muro que delimitava a propriedade em relação ao rio, não tiveram origem em qualquer acção ou omissão (no caso violação do dever de fiscalização e vigilância da obra) por parte do Município.
- Não existe qualquer ilícito por si praticado nem qualquer culpa.
A provar-se que o empreiteiro procedeu a uma remoção de terras na Base do Talude, susceptível de provocar danos no prédio dos AA, que efectivamente provocou os referidos danos, e que esta remoção de terras não teve origem em erro de concepção do projecto imputável ao R. nem foi expressamente consentida pela fiscalização, o R. terá acção de regresso contra o empreiteiro.
Pelo que nos parece que deverá ser admitida a intervenção acessória requerida, merecendo o recurso provimento.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
Consideram-se assentes os seguintes factos/incidências processuais com interesse para a decisão a proferir:
1. B…… e outros, instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, acção ordinária para efectivação de responsabilidade civil extra-contratual, contra o Município de Gondomar, sociedade “A……, Lda” e Engº C……, cuja petição inicial é a que consta a fls. 2-9 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
2. Nesses autos, que passaram a correr termos sob o nº 607/03 do TAC do Porto, foi proferido o despacho saneador de fls. 30-43 (que aqui se dá por reproduzido), no qual, além, do mais, se decidiu, passando o transcrever:
“Por tudo o exposto e de harmonia com os dispositivos supra citados e ainda os art. 3º e 4º da LPTA, 51º e 55º do ETAF, 493º, 494º, al. a) e 495º, todos do C.P.C. vigente “ex vi” arts. 1º, 72º e 117º todos da LPTA, este Tribunal decide:
Julgar verificada a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria para conhecer e decidir da presente acção no que toca ao pedido formulado em relação aos RR. “A……, Lda” e C…… e, em consequência, absolvo os RR. “A……, Lda” e C…… da instância.”
3. Depois disso, o Município de Gondomar, invocando o disposto no art. 330º CPC, requereu, nos termos que melhor constam do requerimento de fls. 45-46 (que aqui se dá por inteiramente reproduzido), a intervenção acessória da sociedade “A……, Lda”.
4. Pelo despacho de fls. 48-49 o juízo do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto decidiu do seguinte modo, passando a transcrever:
“ A fls. 210, o R. reclama a intervenção provocada acessória da primitiva 2ª Ré, nos termos do art. 330º do C. Proc. Civil, atendendo ao eventual direito de regresso que o R. possa vir a ter sobre a mesma, pois que o Réu transferiu toda a sua responsabilidade decorrente da obra em causa para o empreiteiro.
Os AA. não tomaram posição sobre a matéria.
Decidindo:
Ora, dispõe o preceituado no artigo 330º, nº 1 do C.P.C, que o réu que tenha acção de regresso contra terceiro, para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda, pode chamá-lo a intervir como auxiliar da defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
A intervenção acessória provocada destina-se a permitir a participação de um terceiro que é responsável pelos danos produzidos no réu demandado pela procedência da acção, isto é, de um terceiro perante o qual a réu possui, na hipótese de procedência da acção um direito de regresso.
Para justificar a intervenção não basta um simples direito de indemnização contra o terceiro, é ainda necessário, como resulta do disposto no artigo 331º nº 2 “in fine” do CPC, que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso.
Na base deste incidente está, pois, a figura da acção de regresso ou indemnização do réu contra terceiro.
Admite-se que tal direito pode emergir da lei, de negócio jurídico, de facto ilícito gerador de responsabilidade civil e de enriquecimento sem causa gerador de obrigação de restituir.
Tal pretenso direito de regresso ou indemnização contra o terceiro chamado, deverá concludentemente fluir da argumentação expendida. É necessário, para além disso, que tal direito seja juridicamente conexo com a relação material controvertida.
Este incidente permite que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença proferida, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização que venha a ser proposta contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas na causa principal.
Neste ponto, diga-se que o juízo de viabilidade da acção de regresso e o da sua conexão com a causa principal, previstos no nº 2 do art. 331º do CPC, são formulados em abstracto, confrontando os fundamentos da acção com os do invocado direito de regresso.
Ora, considerando o desenho da lide após o despacho saneador, em que está em causa a conduta do R. como dono da obra a que se alude nos autos e bem assim que o invocado direito de regresso radica no facto de o R. ter transferido toda a sua responsabilidade decorrente da obra em causa para o empreiteiro, com referência ao descrito 1.10 do Caderno de Encargos que alude a prejuízos imputáveis ao empreiteiro, entende-se que a situação descrita não permite configurar qualquer direito de regresso susceptível de viabilizar a pretensão do R., pois que o regime da empreitada distingue de forma clara a responsabilidade do dono da obra e do empreiteiro, pelo que, vai indeferida a intervenção provocada acessória da primitiva 2ª Ré.”

2.2. O DIREITO
2.2.1. O presente recurso foi admitido com subida imediata e efeito devolutivo, sendo que o art. 105º/1 da LPTA determina que “os recursos que subam imediatamente têm efeito suspensivo da decisão”.
Em conformidade, altera-se, para suspensivo, o efeito do recurso.

2.2.2. No presente recurso jurisdicional vem impugnado o despacho transcrito no ponto 4. do probatório supra, pelo qual o tribunal a quo indeferiu o incidente de intervenção acessória provocada da sociedade “A…… Lda”, requerido pelo réu Município de Gondomar.
O Réu discorda da decisão e entende que o tribunal a quo cometeu um erro de julgamento, violando o disposto no art. 331º/ 2 do CPC, conjugado com o art. 497º/1/2 do mesmo diploma legal.
Em abono da sua tese alega que (i) no caso concreto, a par da responsabilidade do dono da obra haverá, também, responsabilidade do empreiteiro pelos danos provocados aos AA., que (ii) em razão disso, nos termos previstos no art. 497º do C. Civil, são ambos solidariamente responsáveis pela respectiva indemnização (nº 1) e que (iii) o dono da obra, leia-se Município de Gondomar, tem acção de regresso contra o empreiteiro (nº 2).
Entende, assim, que estão verificados todos os requisitos legais da intervenção provocada acessória do empreiteiro e que o seu pedido deveria ter sido deferido, de acordo com o determinado no art. 331º/2 do C.P.Civil.

Todavia, como veremos em seguida, consideramos que a alegação não procede e que o despacho recorrido, ainda que por outra razão de direito, deve manter-se.

O incidente foi suscitado, ao abrigo do disposto no art. 330º C.P. Civil, em acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, para ressarcimento de danos provocados aos Autores pelos trabalhos da obra denominada “Saneamento da Bacia do Rio Ferreira – Emissário do Rio Ferreira”, cujo dono é o Município de Gondomar e que foi executada pela empresa “A……, Ldª”, mediante contrato de empreitada de obras públicas.
Na petição inicial os AA. (vejam-se artigos 11º a 16º) imputam a responsabilidade civil extracontratual a duas condutas ilícitas concorrentes: à do empreiteiro, por ter procedido a remoção de terras junto à base do talude sem ter tomado medidas para evitar o seu desmoronamento e à do dono da obra, por a fiscalização ter omitido os seus deveres de vigiar os processos de execução e o modo como foram executados os trabalhos.
Deste modo, tal como os AA configuram a acção, a haver ganho de causa, o dono da obra e o empreiteiro serão, ambos, responsáveis pelos danos [vejam–se as disposições combinadas dos artigos 38º a 40º do DL nº 405/93 (diploma aplicável à empreitada em causa) e dos arts. 2º e 6º do DL nº 48 051 de 21 de Novembro de 1967, (que, ao tempo, era vigente)] e, por consequência, a sua responsabilidade será solidária no plano das relações externas (art. 497º/1 do C.Civil, aplicável “ex vi” do art. 4º/2 do DL nº 48 051), podendo os AA. exigir a qualquer deles a totalidade da indemnização (art. 519º/1 do C. Civil), sem embargo de nas relações internas o dono da obra e o empreiteiro poderem exercer o direito de regresso na medida das respectivas culpas e das consequências que dela advierem.
Neste ponto, o Recorrente tem razão.
Mas se assim é, então, também é certo que o empreiteiro tem legitimidade para intervir como parte principal (art. 329º C. P. Civil). Legitimidade passiva essa que, por sua vez, o exclui, seguramente, do chamamento à intervenção acessória, de acordo com a parte final do art. 330º/1 do C.P. Civil, preceito que limita este incidente aos casos em “que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”.(Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado” vol. I, p. 585 e Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, 2ª ed., p. 123.)
E isto independentemente da decisão já proferida pelo tribunal a quo, neste processo, sobre a incompetência material para conhecer do pedido formulado pelos AA contra o empreiteiro na qualidade de co-réu. A legitimidade e a competência são pressupostos distintos e a decisão de incompetência em razão da matéria, afastando o empreiteiro da acção, enquanto réu, não altera, o campo de aplicação do incidente de intervenção acessória provocada. Não o estende aos casos do art. 329º do C.P.Civil.

3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Março de 2012. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Alberto Augusto Andrade de OliveiraAmérico Joaquim Pires Esteves.