Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01060/03
Data do Acordão:10/29/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VÍTOR MEIRA
Descritores:TAXA DE COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS DE SAÚDE.
IMPOSTO.
INCONSTITUCIONALIDADE.
DIREITO COMUNITÁRIO.
Sumário:I - As taxas sobre comercialização de produtos de saúde cobradas pelo INFARMED, referidas no artigo 72º da Lei 3-B/2000, não são taxas mas verdadeiros impostos, dado o seu carácter de prestações pecuniárias coactivas, sem carácter de sanção, destinadas à realização de fins públicos.
II - Tais impostos não violam o artigo 33º da 6ª Directiva nem a Constituição da República Portuguesa.Constituição da República Portuguesa.
Nº Convencional:JSTA00059884
Nº do Documento:SA22003102901060
Data de Entrada:06/02/2003
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - TAXA.
Legislação Nacional:DL 455/99 DE 1999/11/18 ART6.
L 3-B/2000 DE 2000/04/04 ART72.
LGT98 ART44.
CONST97 ART104.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388 DE 1977/05/17 NA REDACÇÃO DA DIR CONS CEE 91/680 DE 1991/12/16 ART33.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC61/03 DE 2003/06/04.; AC STA PROC439/03 DE 2003/07/09.
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROC C-28/96 DE 1997/09/17.
AC TRIJ PROC C-34/95 DE 1997/09/17.
AC TRIJ PROC C-93/88 DE 1989/07/13.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS PAG260-263.
Aditamento:
Texto Integral: “A..., Limitada” impugnou no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa o acto de autoliquidação da taxa incidente sobre a comercialização de produtos de saúde relativa ao mês de Outubro de 2000, no montante de 534.668$00.
Por sentença do Mº Juiz daquele Tribunal foi a impugnação julgada procedente e anulada a autoliquidação.
Inconformada com tal decisão recorreu a Fazenda Pública para este Supremo Tribunal Administrativo, formulando as seguintes conclusões:
1. O tributo em questão configura uma verdadeira taxa, porquanto, corresponde, compositamente, à contrapartida de serviços efectivamente prestados a beneficiários perfeitamente individualizáveis e, bem assim, ao desenvolvimento de uma actuação tendente à remoção de um obstáculo legal real ao exercício de uma actividade particular;
2. O tributo em questão apoia-se, assim, no «princípio da proporcionalidade taxa/prestação estadual proporcionada ou taxa/custos específicos causados à comunidade» (J. CASALTA NABAIS) e não no exigente princípio da legalidade fiscal, que tem por base o princípio da capacidade contributiva;
3. Ainda que de um imposto se tratasse, o que apenas por mera cautela se admite, os seus elementos essenciais resultariam com suficiente e adequado grau de concreção (sendo, nessa precisa medida, determinados ou, ao menos, determináveis), ou seja, com a densidade ou espessura normativas bastantes, directa e imediatamente da lei;
4. A circular normativa e o modelo de declaração de vendas elaborados pelo INFARMED dão corpo a uma regulamentação de feição estritamente executiva, não se afastando, em nenhum ponto e qualquer detalhe, da moldura legal, correspondendo, assim, a uma sua concretização absolutamente secundum legem;
5. O INFARMED não interferiu por qualquer forma no campo de incidência da taxa, que foi exclusivamente definida por lei;
6. O campo de incidência da taxa é apenas e só o volume de vendas dos produtos por ela abrangidos, por parte dos obrigados ao seu pagamento, para os quais o preço de venda ao público é o preço a que os mesmos vendem os seus produtos àquele que lhos adquire, seja ele armazenista, distribuidor grossista ou consumidor final;
7. É que, ao contrário do que a douta sentença erradamente entende, se os sujeitos passivos da taxa fossem taxados sempre pelo valor de venda do produto ao consumidor final, estar-se-ia perante uma solução contrária a todo e qualquer dos mais elementares princípios constitucionais e legais de justiça tributária que o INFARMED igualmente tem de observar, visto que, numa tal situação, como os produtos em causa não têm preço fixado por lei, podendo cada agente económico praticar um preço diferente, os sujeitos passivos poderiam ser colocados na situação de pagar uma taxa cujo valor poderia ser bastante superior ao próprio beneficio económico decorrente da colocação do produto no mercado, o que contraria tudo o que são princípios de justiça fiscal;
8. Ao criar por lei da Assembleia da República a presente taxa, o Estado português não violou, de forme alguma, qualquer das suas obrigações, enquanto Estado membro da Comunidade Europeia, isto é, não criou qualquer disposição interna que contrariasse o disposto na legislação legitimamente emanada dos órgãos comunitários competentes;
9. Acresce que a interpretação e aplicação efectuada pelo INFARMED no que respeita à liquidação da referida taxa está correcta e tem fundamento legal, expressamente reconhecido e reiterado pelo legislador no artigo 58º da Lei nº 30-C/2000, de 29 de Dezembro, no artigo 55º da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e nos artigos 1º, nº 3, e 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 312/2002, de 20 de Dezembro, que constituem leis interpretativas do citado pelo artigo 72º da Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril, e por isso se integram na lei interpretada (artigo 13º, nº1, do Código Civil) ;
A recorrida contra-alegou no sentido da manutenção da decisão recorrida, requerendo a título meramente subsidiário que fosse considerada inconstitucional a norma contida no nº3 do artigo 72º da Lei nº 3-B/2000. Formulou as seguintes conclusões:
1. A denominada “taxa sobre comercialização de produtos de saúde” não corresponde a uma contrapartida pela prestação de um serviço público aos respectivos sujeitos passivos, nem implica a remoção de um obstáculo jurídico à actividade dos particulares, devendo ser, como tal, em função do seu carácter unilateral, materialmente qualificada como um verdadeiro e próprio imposto.
2. Consequentemente, a referida “taxa” está sujeita às exigências do princípio da legalidade em matéria de impostos, decorrentes do artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, designadamente, a respectiva criação, taxa e incidência deverão constar de lei formal.
3. O artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, que criou a “taxa sobre comercialização de produtos de saúde”, é materialmente inconstitucional, uma vez que não define a base de incidência objectiva do imposto criado.
4. A Circular n.º 1/2000 do Infarmed, bem como o modelo de “Declaração de Vendas” estabelecido por despacho do Conselho de Administração deste Instituto, são, também eles, inconstitucionais, por violação directa da reserva de lei formal prevista no artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
5. O acto de autoliquidação da “taxa sobre comercialização de produtos de saúde” praticado pela A... é também inconstituciona1, uma vez que se funda numa base de incidência inconstitucionalmente criada pelo Infarmed.
6. A “taxa sobre comercialização de produtos de saúde” consubstancia um imposto sobre o volume de negócios, nessa medida violando o disposto no artigo 33º da Directiva n.º 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, na redacção que lhe foi dada pela Directiva n.º 91/680/CEE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991.
7. O artigo 58º da Lei n.º 30-C/2000, o artigo 55º da Lei n.º 109-B/2001 e o Decreto-Lei n.º 312/2002 não vieram interpretar o regime estabelecido pelo artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, pelo que não são retroactivamente aplicáveis ao caso sub judice.
Para efeitos da ampliação do objecto do recurso requerida, a título subsidiário, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 684º-A do Código de Processo Civil, importa ainda concluir:
8. A definição da base de incidência objectiva do imposto, por um lado, e a respectiva liquidação e cobrança, por outro, não podem ser consideradas separadamente, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, sempre que a determinabilidade da primeira seja posta em causa pelo regime legalmente estabelecido para estas últimas.
9. O artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 é inexequível por si mesmo, encontrando-se o fundamento de tal inexequibilidade na circunstância de a base de incidência objectiva do imposto não ser determinável pelos sujeitos obrigados à sua autoliquidação, sem uma intervenção regulamentar posterior.
10. Uma vez que o regime estabelecido no artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 não permite superar a indeterminabilidade da base de incidência do imposto resultante do sistema de autoliquidação legalmente criado, o número 3 daquele artigo é inconstitucional, por violação do disposto no número 2 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa.
11. Na medida em que o imposto criado pelo artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 implica uma tributação sobre o rendimento de pessoas colectivas, e o número 3 do mesmo artigo sujeita os respectivos sujeitos passivos ao pagamento de um valor calculado por referência a um preço estabelecido e recebido por outras entidades que não aqueles sujeitos passivos, este último preceito é inconstitucional, por violação do imperativo resultante do número 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa, que exige que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
Pelo Exmo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido do provimento do recurso em conformidade com a jurisprudência do acórdão nº 61/03-30 de 4 de Junho de 2003, para cuja fundamentação remete, tendo este também apreciado e decidido da suscitada questão da inconstitucionalidade do artigo 72º nº3 da Lei 3-B/2000.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1 - No dia 12/12/00, a impugnante liquidou e pagou ao INFARMED a quantia de 534.668$00, correspondentes à Taxa sobre a Comercialização dos Produtos de Saúde do mês de Outubro de 2000.
2- Este valor (referido em 1) foi liquidado com base nos modelos de “Declaração de Venda” e “Guia de Depósito”, segundo as respectivas instruções de preenchimento, instituídas pelo Conselho de Administração do INFARMED, por despacho de 28/04/00.
3- O valor a entregar ao INFARMED, por determinação deste, é obtido multiplicando o volume de vendas mensal do produtor, importador de produtos de saúde ou dos seus representantes, pelo factor legalmente estabelecido.
Assentes tais factos apreciemos o recurso.
A questão colocada nos presentes autos foi já decidida nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos 61/03 de 4 de Junho e 439/03 de 9 de Julho, tendo em ambos o actual relator tido intervenção como adjunto. Concordando com a orientação seguida em tais acórdãos e com as decisões neles proferidas vamos por isso segui-las de perto.
Sem necessidade de retomar aqui as transcrições doutrinárias que constam do primeiro dos arestos referidos, temos como elementos do conceito de taxa:
- ser uma prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente pelo Estado ou outro ente público, sem carácter sancionatório;
- utilização individualizada pelo contribuinte de bens públicos ou semi-públicos;
- contrapartida por uma actividade do credor dirigida ao mesmo contribuinte.
A taxa distingue-se pois do imposto pela bilateralidade do tributo face à unilateralidade deste e pela correspectividade das prestações do utente e da entidade prestadora, inexistente nele. Esta relação tem carácter substancial ou material , que não meramente formal, podendo contudo não haver uma equivalência rigorosa entre o valor do serviço e a quantia a pagar, desde que não ocorra uma “desproporção intolerável”.
Passemos agora a transcrever o que no acórdão 61/03 se escreveu relativamente à taxa aqui em causa:
“ Ora, nos termos do preâmbulo do Dec-Lei 455/99, de 18Nov, que regula a orgânica e funcionamento do Infarmed, a criação do instituto procurou responder às necessidades "de assegurar um elevado nível de protecção da saúde pública em matéria de medicamentos e produtos de saúde e de desenvolver a informação ao público” bem como "reforçar as regras e o controlo dos produtos sanitários que passarão a designar-se por produtos de saúde, em termos de protecção de saúde pública".
Pelo que o seu artº 6º lhe atribuiu, como refere a impugnante, "a prossecução de atribuições nos domínios de avaliação, autorização, disciplina, inspecção e controlo da produção, distribuição, comercialização e utilização de medicamentos de uso humano e veterinários, incluindo os medicamentos à base de plantas e homeopáticos, e de produtos de saúde, nos termos da respectiva legislação especifica, incumbindo-lhe especialmente, entre outras actividades - seu nº 3-:
al a) contribuir para a formulação da política geral de saúde, designadamente na definição e execução de políticas de produtos de saúde.
al c) garantir a qualidade dos produtos de saúde.
al e) assegurar o acesso dos profissionais de saúde e dos consumidores às informações necessárias à utilização racional dos produtos de saúde.
al f) assegurar sistemas de vigilância dos produtos de saúde.
Por sua vez, o nº 1 do art 72º da Lei 3-8/2000 que criou a taxa em causa, refere destinar-se a mesma "ao sistema de garantia da qua1idade e segurança de utilização daqueles produtos, à realização de estudos de impacte social e acções de formação para os agentes de saúde e consumidor, a realizar pelo Infarmed".
Trata-se, assim, fundamentalmente, de concretizar a protecção da saúde pública, defendendo-a e promovendo-a, nos termos constitucionais - artigo 64º -, o que passa nomeadamente por assegurar a garantia de que os produtos de saúde se encontram conformes às exigências legais.
Assim, os seus beneficiários directos não são os respectivos importadores ou produtores mas os cidadãos utentes ou consumidores ou, reproduzindo os dizeres da impugnante, ora recorrida, "a comunidade” - beneficiária directa do sistema.
Pelo que não pode afirmar-se a existência de uma vantagem especifica para o devedor individualmente considerado, surgida da correspondente actividade pública e, assim, da contraprestação de um serviço prestado com vantagens imediatas para os a ela sujeitos.
Pelo contrário, está-se perante uma forma de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral: garantia da qualidade e segurança de utilização dos respectivos produtos e realização dos ditos estudos e acções de formação,
Não se verificando, pois, no caso os referidos elementos definidores, da taxa, nomeadamente a predita relação bilateral ou sinalagmática, a correspectividade entre as duas prestações: a paga pelo utente do serviço público e a prestada pelo Infarmed.
Por outro lado, não pode ver-se, no tributo em causa, uma qualquer remoção, por parte do Instituto, de um obstáculo jurídico à actividade da A... - cfr. artº 44º 2 da LGT.
Tal modalidade é própria das chamadas autorizações e licenças, o que não é patentemente o caso - cfr. Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, pág. 260.
"No concernente às taxas devidas por licenças ... apenas estamos perante taxas quando o limite ou obstáculo levantado à actividade dos particulares, por cujo acto administrativo de remoção se cobra a respectiva taxa, constitua um limite ou obstáculo substantivo, atinente sobretudo à concretização e realização prática da liberdade individual e à sua articulação com os interesses públicos de ordem geral" - pág. 262/3.
Ora o tributo em causa é de pagamento mensal, não antecedendo sequer o exercício da actividade.
Nada tendo, assim, a ver com qualquer autorização para a impugnante exercer a sua actividade.
Pelo que a imposição em causa é de qualificar como um imposto ou ao menos como um tributo que, dada a sua natureza, há-de ter um tratamento constitucional semelhante.
Cfr., aliás, em situação algo, idêntica e, por todos, os Ac'do TC de 16Fev00 in Acórdão do Tribunal Constitucional, vol 46º, pág.s 21 e segts. e do STA, de 24/11/99 Rec. 18.911, 28/04/99 Rec. 18.911, 28/4/99 Rec. 21.843 e 24/3/99 Rec, 21.649.
Está, assim, sujeita ao disposto no artº 103º nº 2 da Constituição, devendo a lei delimitar, nomeadamente, a respectiva incidência, em termos da sua determinabilidade, assegurando aos interessados um suficiente grau de densificação - cfr, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª edição, pág. 142 - .
Ora, o nº 3 do referido artº 72º dispõe que "a taxa incide sobre o volume de vendas de cada produto, tendo por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final ...e sendo o seu valor pago mensalmente com base nas declarações de vendas mensais, nos termos e com os elementos a definir pelo mesmo Instituto".
Assim, a incidência real concretiza-se "no volume de vendas' de cada produto e o seu valor é pago mensalmente com base nas respectivas, "vendas mensais".
Certo que deve ter "por referência, "o preço de venda ao consumidor final" mas tal aparece apenas de modo subordinado, de um mero "valor de referência limite".
Se se quisesse erigir como factor de incidência real o preço de venda ao consumidor final, a lei não se teria referido ao volume de vendas e às respectivas declarações de venda.
Pelo que a dita circular e o impresso "declaração de vendas" surgem como mero regulamento executivo e instrumental.
A parte final do dito inciso normativo refere-se apenas ao pagamento do tributo, cujos termos e elementos serão definidos pelo Instituto, a entidade credora: nenhum elemento de incidência resta, pois, para o Regulamento”.
Também no que respeita à desconformidade com o direito comunitário acompanhamos o que se escreveu no acórdão já referido pelo que vamos igualmente transcrever o que nele sobre tal questão se escreveu:
Quanto à violação do direito comunitário: artº 33º da directiva: 77/388/CEE do Conselho, de 17Mai77, na redacção da Directiva nº 91/680/CEE, do Conselho, de 16Dez91. Tal directiva impede a manutenção ou a introdução, por um estado membro, de encargos com as características de impostos sobre o volume de negócios.
Dispõe aquele normativo:
"Salvo o disposto noutras normas comunitárias, designadamente nas disposições comunitárias em vigor relativas ao regime geral da detenção, circulação e controlo dos produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, as disposições da presente directiva não impedem que um estado membro mantenha ou introduza impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos ou apostas, sobre consumos especiais, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, desde que esses impostos direitos e taxas não dêem origem, nas trocas comerciais entre Estados membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira".
O ponto foi já objecto de jurisprudência vária do TJCE, esclarecendo que tal disposição proíbe os Estados-Membros de instituírem ou de manterem impostos, direitos e taxas que tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, pelo facto de onerarem a circulação de bens e dos serviços de modo comparável ao do IVA, comprometendo o funcionamento do sistema comum deste último, o que acontece quando tais tributos apresentarem as características essenciais do IVA: aplicação genérica às transacções que tenham por objecto bens ou serviços; proporcionalidade em relação ao preço dos mesmos; cobrança em cada fase do respectivo processo de produção e distribuição; aplicação ao seu valor acrescentado, "sendo um imposto devido por ocasião de uma transacção calculado após dedução do imposto pago no momento da transacção anterior".
Cfr., por todos, os Acd's. de 17/Set/97, Procº C-28/96 - ..., S A e Proc. C. 347/95 - ...; de 26/6/97, ..., S.A in Colectânea de Jurisprudência, I, pág. 3734 e de 13/03/97 -..., S A in cit., I, pág. 5053.
Ora, a imposição em causa não possui nenhuma das referidas características: não se aplica de maneira geral mas apenas a certos produtos (de saúde); não é proporcional ao respectivo preço; não é cobrada em cada fase do processo de produção e distribuição mas apenas sobre o volume de vendas dos produtores e importadores; finalmente, não é aplicável ao valor acrescentado dos produtos.
Assim, nos termos da mesma jurisprudência, é permitido aos Estados- Membros cumular o IVA com impostos, direitos ou taxas diferentes dos impostos sobre o volume de negócios - cf. o Ac 13/07/89, Proc,s 93 e 94/88 in Colecção pág. 2671 - WisselinK - e de 8/7/86 Proc. 73/85 in Colecção pág. 2219 Kerrutt - e de 27/11/95 Procº 295/94 in Colecção pág.s 3759 Rousseau Wilmot.
Pelo que se não mostra violado o dito artº 33º”.
As questões suscitadas pela recorrida a título subsidiário foram analisadas nas transcrições que efectuámos pelo que não haverá que repetir detalhadamente a sua apreciação. Nelas questiona a recorrida a título subsidiário a constitucionalidade do nº3 do artigo 72º da Lei 3-B/2000. Na transcrição que fizemos do acórdão 61/03 a questão foi apreciada, tendo-se então referido que a incidência real se concretiza no volume de vendas, aparecendo apenas como valor de referência limite a menção do preço de venda ao consumidor final. Foi pois, como se disse, respeitada a reserva de lei formal da Assembleia da República pois aquela norma contém em si elementos bastantes para determinar a base de incidência do tributo, sem necessidade de posterior regulamentação.
Também o afirmado pela recorrida na sua 11ª conclusão quanto à violação do artigo 104º nº2 da Constituição da República Portuguesa que impõe a tributação das empresas pelo rendimento real não procede porquanto a tributação incidente sobre o volume de vendas de cada produto não deixa de constituir um rendimento real da vendedora só porque referido ao preço de venda ao consumidor final.
Não ocorrem pois as inconstitucionalidades invocadas
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em conferência neste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente a impugnação.
Custas pela impugnante, tanto na instância como neste Supremo Tribunal Administrativo, fixando-se em 60% a procuradoria.
Lisboa, 29 de Outubro de 2003
Vitor Meira – Relator – Alfredo Madureira -Brandão de Pinho.