Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01211/05
Data do Acordão:03/15/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IRS.
RENDIMENTOS DO TRABALHO AUFERIDOS NO ESTRANGEIRO.
DUPLA TRIBUTAÇÃO.
Sumário:Pago, na Alemanha, imposto sobre rendimentos de trabalho aí auferidos por residente em Portugal, deve o mesmo tributo ser deduzido no IRS aqui liquidado, nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 1, última parte, daquela Convenção aprovada pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho.
Nº Convencional:JSTA00062940
Nº do Documento:SA22006031501211
Data de Entrada:12/02/2005
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART16 N2.
Referências Internacionais:CONVENÇÃO ENTRE A REPUBLICA PORTUGUESA E A REPUBLICA FEDERAL ALEMÃ PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO EM MATÉRIA DE IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO E SOBRE O CAPITAL ART24 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1872/03 DE 2004/03/24.; AC STA PROC834/04 DE 2004/12/15.; AC STA PROC1254/04 DE 2005/04/20.
Referência a Doutrina:ALBERTO XAVIER DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL TRIBUTAÇÃO DAS OPERAÇÕES INTERNACIONAIS PAG245 PAG434.
CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 2ED PAG232.
LEITE DE CAMPOS DIREITO TRIBUTÁRIO 2ED PAG332.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A... e mulher ..., contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 1997, que consequentemente anulou.
Fundamentou-se a decisão em que, nos termos do art. 15, n.º 2, da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação, constante da Lei n.º 12/82, de 3 de Junho, os rendimentos exclusivamente auferidos pelo impugnante na Alemanha, no exercício da sua actividade, apenas podem ser tributados no Estado onde aquela foi exercida.
A Fazenda recorrente formulou as seguintes conclusões:
A. O cálculo do crédito do imposto para evitar a dupla tributação internacional em matéria de impostos sobre o rendimento, tem por base a Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha, aprovada para ratificação pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho, e publicada no DR, I Série, de 3 de Junho de 1982, com aviso de troca de instrumentos de ratificação e publicado no DR, I Série, de 14 de Outubro de 1982.
B. De acordo com o art. 15.º da CDT, os rendimentos provenientes do trabalho dependente auferidos por emigrantes portugueses naquele país, desde que continuem a ser considerados residentes em Portugal, são tributados em Portugal, sem prejuízo de o poderem ser na Alemanha, se aí for a sua fonte, cabendo ao Estado da residência a eliminação da dupla tributação.
C. Estipula o art. 24.º, n.º 1, al. a) da CTD, que quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que de acordo com o disposto na Convenção, podem ser tributados na República Federal da Alemanha, Portugal, deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na República Federal da Alemanha, não podendo a importância deduzida exceder a fracção do imposto sobre os rendimentos calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Alemanha.
D. Conforme probatório, a Administração Fiscal através da Direcção dos Serviços dos Benefícios Fiscais obteve os dados que lhe permitiram afirmar que o montante do imposto retido na Alemanha foi de 473.813$00 (€ 2.362,37), montante esse que foi atendido na liquidação correctiva que deferiu parcialmente a pretensão do impugnante.
E. Razão pela qual se encontra, dentro da medida permitida pela legalidade da actuação administrativa, efectuada a atenuação da dupla tributação internacional e, oficiosamente deferida a pretensão do impugnante na parte consentânea com a interpretação doutrinal e jurisprudencialmente consagrada dos preceitos em que se subsume a situação concreta destes autos, motivo pela qual se não pode manter a decisão recorrida, por ter decidido apenas poderem tais rendimentos ser tributados no país onde foi exercida a actividade, Alemanha, dando assim procedência à impugnação.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso uma vez que a totalidade do rendimento foi auferida na Alemanha, proveniente de trabalho dependente, e foi aí tributado por retenção na fonte.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
1. O impugnante apresentou em 6 de Março de 1998 a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 1997 com o respectivo anexo J, na qual indicava os rendimentos da categoria A obtidos na Alemanha no montante de Esc. 4.672.638$00 e o imposto retido da quantia de Esc. 473.813$00 – cfr. fls. 5/6 do processo de reclamação apenso aos autos.
2. Dessa declaração resultou a liquidação n.º 2000-4343197739, no montante de Esc. 390.049$00 – cfr. fls. 7 do processo de reclamação junto aos autos.
3. Em 9 de Novembro de 2000, veio o impugnante apresentar a reclamação graciosa contra a referida liquidação, alegando já ter feito a retenção na fonte do imposto devido na Alemanha, pelo que, ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação, já não poderia ser tributado em Portugal.
4. Por ter habitação permanente e porque o cônjuge reside em Portugal, o impugnante foi considerado pela Administração Fiscal, residente em Portugal.
5. Foram consideradas pela Administração Fiscal as pretensões do impugnante quanto às deduções efectuadas no referente a retenção na fonte, contribuições obrigatórias para a segurança social e outras.
6. Quanto ao IRS retido na fonte, só foi considerado parcialmente, após comunicação pela DSBF de que o imposto retido na Alemanha foi de Esc. 265.917$00, montante inferior ao declarado pelo impugnante – cfr. fls. 17 do processo de reclamação junto aos autos.
7. Por despacho do Exmo. Chefe de Finanças de 22 de Fevereiro de 2001, foi deferido parcialmente o pedido.
8. O impugnante foi notificado desse despacho em 7 de Março de 2001, conforme ofício n.º 1858, de 2 de Março de 2001, a fls. 31 do processo de reclamação.
9. A impugnação foi deduzida em 21 de Março de 2001.
Vejamos, pois:
A Lei n.º 12/82, de 3 de Junho, aprovou a Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, com aviso de troca de instrumentos de ratificação publicado no Diário da República, I Série, de 14 de Outubro de 1982.
Nos termos do art. 4.º, n.º 1, da Convenção, cumpre ao direito interno, - “à legislação” -, de cada um dos Estados definir a residência do contribuinte, “devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar”.
O seu n.º 2 dispõe para o caso de uma pessoa singular ser residente de ambos os Estados, enunciando vários critérios de “resolução” da situação; assim, nos termos da alínea a), “será considerada residente do Estado em que tenha uma habitação permanente à sua disposição” e, se a tiver em ambos os Estados sê-lo-á ”do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais)”.
No caso, o impugnante tinha habitação permanente em Portugal, onde residia a sua mulher e, consequentemente, o seu núcleo familiar que economicamente sustentava.
Ora, nos termos do art. 16º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (redacção vigente ao tempo), “serão sempre havidos como residentes em território português, as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo”.
O agregado familiar é constituído – nomeadamente – pelos cônjuges não separados judicialmente e seus dependentes – art. 14.º, n.º 3, al. a) - e àqueles cabe a respectiva direcção – art. 1671º, n.º 2 do Código Civil.
Trata-se de uma presunção juris et de jure de residência em Portugal, das pessoas que constituem o agregado familiar, desde que aí resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.
Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, Tributação das Operações Internacionais, p. 245 e ss.
“Esta última situação tem como consequência que basta a residência em Portugal, de um dos chefes do agregado familiar, aferido aos critérios do art. 16.º do CIRS, para que esta arraste, por um princípio de atracção da unidade familiar, a residência dos demais (residência por dependência). Assim, por exemplo, o emigrante português que reside efectivamente na Alemanha, mas cuja mulher permanece em Portugal, é aqui sujeito a tributação numa base universal, incluindo portanto os rendimentos obtidos na Alemanha”.
Pelo que é de concluir, no ponto, terem os impugnantes residência em Portugal, para efeitos fiscais, nomeadamente de IRS.
Ainda que, face à lei alemã – pois que, como se disse, a caracterização de uma pessoa como residente cabe ao direito interno de cada país – também possa ser considerado como aí residente. É então função das convenções de dupla tributação definir, face a uma dupla residência, qual das duas residências deve prevalecer, sendo que a residência num dos Estados logo exclui a residência no outro.
Determinado o país de residência – Portugal -, diverso do país onde o rendimento é auferido – Estado da fonte -, há que estabelecer qual o competente para a tributação, sobre o que dispõe o art. 15.º da Convenção nos termos seguintes:
a) Competência exclusiva do país de residência se o emprego é aí exercido – n.º 1, primeira parte;
b) Competência cumulativa dos dois Estados se o emprego é exercido no outro Estado, (que não o da residência) – n.º 1, última parte.
Por sua vez, o n.º 2 do art. 15.º prevê a hipótese de competência exclusiva do Estado onde o emprego é exercido – não obstante o contribuinte aí não residir, uma vez verificados cumulativamente os três requisitos negativos aí referidos – “actividades temporárias”.
Assim, ao contrário do sentenciado, a dita segunda parte do n.º 1 consagra uma competência cumulativa dos dois Estados para a tributação – cfr. cit. p. 434, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª edição, p. 232 e ss., Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª edição, p. 332 e Fiscalidade n.ºs 17-61 e 18-61.
Ou seja, o Estado em que o emprego é exercido só tem competência cumulativa uma vez verificados os ditos requisitos, mas pela positiva e alternativamente.
Nos autos, aplica-se, assim, a última parte do n.º 1 do art. 15.º: competência tributária cumulativa de Portugal e da Alemanha para tributação dos rendimentos em causa.
Cabendo, pois, ao Estado da residência – Portugal – eliminar a dupla tributação, nos termos do art. 24.º da Convenção – al. a) do n.º 1: dedução no imposto pago em Portugal, do imposto pago na Alemanha, não podendo contudo exceder a fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos auferidos no estrangeiro, exigindo-se documento comprovativo do imposto aí pago que, na hipótese dos autos, foi de € 2.362,37, montante que foi considerado na liquidação correctiva, atendendo parcialmente a pretensão dos impugnantes.
Cf. no sentido exposto os Acórdãos do STA, de 24 de Março de 2004 Recurso n.º 1872/03, de 15 de Dezembro de 2004 Recurso n.º 834/04 e de 20 de Abril de 2005 Recurso n.º 1254/04.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.
Custas pelos impugnantes solidariamente na 1ª instância, não sendo devidas no Supremo Tribunal Administrativo.
Lisboa, 15 de Março de 2006. – Brandão de Pinho (relator) – Lúcio Barbosa – Baeta de Queiroz.