Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01274/16
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:NULIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OBSCURIDADE
AMBIGUIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Os «fundamentos» justificativos da decisão são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a mesma se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem;
II - É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende;
III - É «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes;
IV - Não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível;
V - A omissão de pronúncia, indutora de nulidade do acórdão, só ocorre quando o julgador deixe de se pronunciar sobre alguma questão que deveria apreciar, seja porque lhe foi colocada pelas partes seja porque era do seu conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA000P22205
Nº do Documento:SA12017091401274
Data de Entrada:12/19/2016
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A A…………, S.A. [A…………], notificada que foi do acórdão que decidiu o recurso de revista [folhas 981 a 1005 dos autos], vem arguir a sua «nulidade» ao abrigo do artigo 615º, nº1 alínea c), 666º, nº1 e nº2, e 685º, do CPC [ex vi 1º e 140º, nº3, do CPTA].

Nesse acórdão foi concedido provimento ao recurso de revista interposto pelo réu da acção - o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público - e, por isso, foi revogado o acórdão recorrido - do TCAS - e absolvido o réu do pedido feito pela A………….

Segundo esta agora arguiu, o acórdão que decidiu a revista contraria os factos que vinham provados das instâncias - e que nesta sede não podem ser sindicados - discutindo, indevidamente, a questão da culpabilidade da autora, e proferindo, por via disso, uma decisão obscura e ininteligível, oposta ao que resulta do que ficou provado na acção [folhas 1010 a 1018 dos autos].

A ora reclamante alonga-se noutras considerações - por vezes de forma pouco elegante - sendo que tudo isso traduz a sua discordância com o decidido, e não integra, seguramente, qualquer fundamento de nulidade do acórdão.

2. O ESTADO PORTUGUÊS - representado pelo Ministério Público - pronunciou-se no sentido do julgamento de total improcedência da presente «reclamação» [folhas 1029 a 1032 dos autos].

3. Importa, pois, apreciar e decidir a nulidade arguida.

II. Apreciação

1. A nulidade do acórdão, por «contradição entre os fundamentos e a decisão», que é prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os «fundamentos» invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a «decisão» tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso. Trata-se de doutrina pacífica e recorrente na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

A mesma alínea do nº1 do artigo 615º do CPC sanciona com a nulidade, ainda, o acórdão em que «ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

Como se sabe, é «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir.

Mas não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível».

3. No presente caso, nada disso acontece.

A exposição dos fundamentos que conduziram à decisão tomada no acórdão que decidiu o recurso de revista mostra-se sintética mas cristalina, de compreensão fácil para um técnico de direito, e não é de forma alguma ambígua.

É errado dizer-se que o tribunal discutiu a culpa da autora da acção na eclosão dos danos reclamados. Basta atentar na seguinte passagem do acórdão:

[…]

Já no universo da autora constatamos a ocorrência de ilicitudes objectivas, isto é, fosse por culpa própria, fosse por culpa do fornecedor das rações, o certo é que em 04.07.2002 foram detectados resíduos de CLEMBUTEROL em dois suínos provenientes de uma das suas explorações pecuárias [ponto D) do provado], e em 25.02.2003 foi conhecido o resultado positivo à presença de beta-agonista na amostra de ração colhida, em 15.01.2003, numa outra exploração pecuária sua [pontos F), H) e M) do provado] - ver, a respeito, artigos 2º, 9º nº3, 15º e 23º, todos do DL nº148/99, de 04.05, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº96/23/CE, do Conselho, de 29.04, a Decisão da Comissão nº97/747/CE, de 27.10, e, ainda, a Decisão da Comissão nº98/179/CE, de 23.02.

Temos, portanto, que o sequestro das cinco explorações pecuárias da autora, envolvendo um universo superior a vinte e cinco mil suínos, não obstante ter sido decretado por razões de saúde pública, que respeita a todos, foi despoletado por terem sido detectadas substâncias proibidas em animais, e em rações, vindos de explorações suas [ver, a respeito, artigos 2º, 9º nº3, 15º e 23º, todos do DL nº148/99, de 04.05].

Foi a detecção destas substâncias proibidas, e não outra causa, que justificou a intervenção das autoridades sanitárias visando a preservação da saúde pública, sendo certo que foi sobre a autora, como «proprietária das suiniculturas», que recaíram os prejuízos decorrentes dessa preservação.

Deste modo, os prejuízos, isto é, o sacrifício sofrido no âmbito da esfera jurídica da recorrida, não foi despoletado por causa natural, como uma doença, nem foi provocado por acto da iniciativa unilateral da Administração, mas antes se ficou a dever, na linha do enquadramento que fizemos, a uma «conduta reactiva da Administração» à constatação da actuação objectivamente ilícita da lesada.

[…]

Do que se trata é da constatação de uma conduta objectivamente ilícita, ou seja, desconforme à lei e aos valores e interesses que visa proteger, e não de dirigir à autora uma censura ético-jurídica por essa desconformidade, pois que, como se deixa referido, não resulta do provado que seja ela a merecê-la.

E esta abordagem jurídica é totalmente respeitadora do manancial de factos que veio provado das instâncias, limitando-se este tribunal de revista a aplicar-lhes, como lhe compete, o regime jurídico que julgou adequado - artigo 150º, nº3, do CPTA.

O que lateja na actual alegação da reclamante é a sua discordância com o que foi decidido no acórdão. Porém, os motivos em que a concretiza serão idóneos - eventualmente - para lhe imputar erro de julgamento mas não nulidade.

III. Decisão

Nestes termos, decidimos julgar improcedentes as nulidades imputadas ao acórdão que decidiu a «revista», e mantê-lo nos seus precisos termos.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 14 de Setembro de 2017. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.