Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:052/22.2BALSB
Data do Acordão:05/24/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
NÃO TOMAR CONHECIMENTO
MÉRITO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (n.º 2 do art. 25.º do RJAT).
II – Não há oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto se, não obstante a identidade da questão decidenda e das normas aplicadas, a decisão recorrida julgou demonstrada a efectiva saída dos bens exportados do território europeu e a decisão fundamento a julgou não provada, assentando os diversos juízos probatórios em circunstâncias de facto também diversas.
Nº Convencional:JSTA000P31012
Nº do Documento:SAP20230424052/22
Data de Entrada:03/29/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... UNIPESSOAL, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a decisão arbitral proferida em 21 de fevereiro de 2022 no processo arbitral n.º 201/2021-T dela vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, nos termos dos artigos 25º nºs 2, 3 e 4 e art. 26º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), art. 152º do CPTA e 27º, nº 1, al. b) do ETAF, alegando que a decisão arbitral recorrida ao ter decidido pela anulação total das liquidações adicionais de imposto e respectivos juros, por erro acerca dos pressupostos de facto e de direito, faz uma interpretação oposta à feita na Decisão do CAAD de 18 de dezembro de 2017, proferida no âmbito do processo nº 20/2017-T.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

1) Entre o douto Acórdão e a decisão arbitral ora recorrida, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, sendo a questão, a saber, se a aplicação da isenção do artigo 14.º do CIVA depende ou não da sua comprovação através dos documentos alfandegários apropriados.

2) Verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto, quer no Acórdão fundamento quer na decisão recorrida estão em causa situações em que as liquidações de imposto decorreram da falta de documentos alfandegários apropriados a comprovar as exportações.

3) E entre a emissão do Acórdão fundamento e da decisão arbitral recorrida, não ocorreu qualquer alteração legislativa susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida.

4) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que a mesma situação de facto e a mesma questão de direito, foi entendida e decidida de forma diferente quanto ao direito. 5) Face o exposto em supra, está demonstrado o requisito de identidade de facto – em virtude de se tratarem de situações em que o fundamento das liquidações era o mesmo, vejamos;

6) Na Decisão fundamento concluiu-se que: “No primeiro caso das "exportações", sempre que haja intervenção dos serviços aduaneiros (o n.º 8 do art. 29.º do CIVA não distingue entre serviços do Estado de exportação e serviços do Estado de saída dos bens para fora da União, apontando a ratio legis para a consideração destes últimos no caso das "exportações indiretas"), as transmissões de bens isentas "devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados" (no caso, o Documento Administrativo Único - DAU). Apenas quando tal intervenção não seja legalmente obrigatória é que a normativo legal permite o recurso a declarações emitidas pelo adquirente dos bens (...), indicando o destino que lhes irá ser dado. Donde os deveres de colaboração e de diligência do sujeito passivo na obtenção e apresentação do DAU sejam especialmente intensos neste caso. No caso das transmissões e aquisições intracomunitárias a situação é bem distinta, pela existência de formas de cooperação administrativa entre os Estados-membros que melhoram as possibilidades de controlo. Daí que as obrigações acessórias que impendem sobre os sujeitos sejam aligeiradas de forma a permitir maior fluidez comercial. Assim se compreende que, sendo obrigatória a prova do transporte, esta possa, segundo a própria AT, ser efetuada por qualquer meio de prova admitido em direito.

Em suma, nas operações de “exportação” estamos perante uma restrição na admissibilidade dos meios de prova, fundada num quadro legal de maior exigência quanto à idoneidade dos meios probatórios.

Isto, na medida que a saída dos bens do espaço comunitário não pode ser equiparada à livre circulação de mercadorias entre os territórios dos diversos Estados-membros. O que forçosamente conduz à diferenciação entre os diversos meios de prova aptos a comprovar a efetiva saída dos bens.

No caso em apreço a Requerida ou não apresentou os DAU ou apresentou-os sem a validade da autoridade alfandegária do porto de saída dos bens.

Acresce que a Requerida também não apresentou a documentação alfandegária de entrada dos bens no território dos países terceiros, nos quais se localizariam os parques eólicos a que se destinavam os bens. Limitou-se a exibir declarações de receção dos bens nos países de destino, as quais foram emitidas por sociedades pertencentes ao mesmo grupo económico. Como diz de forma expressiva a Professora Clotilde Celorico Palma (“introdução ao imposto acrescentado”, IDEFF, 2011, pag. 278) A concessão da isenção depende da prova, que deverá ser efetivada através do exemplar do documento administrativo único [conhecido pela sigla DU] certificado pelos serviços alfandegários do Estado membro de saída da EU.” (nossos destaques)

7) Tendo concluído nesta parte, pela improcedência do pedido.

8) Contrariamente concluiu, por seu turno, a Decisão arbitral recorrida que

Assim, não bastava à Autoridade Tributária alegar que o documento apresentado não é aquele que a legislação aduaneira impõe que o sujeito passiva tenha para efeitos de exportação, mas teria de alegar e demonstrar que os documentos apresentados não provam materialmente as exportações, o que a Autoridade Tributária não fez.

Ao basear a recusa da isenção no não cumprimento, por parte da Requerente, de uma obrigação formal, que é a apresentação do documento de “certificação de saída” emitido pela estância aduaneira competente, nos termos da legislação aduaneira em vigor, a Autoridade Tributária impôs àquela uma condição não conforme com o artigo 29º, nº 8 do CIVA, ferindo os atos tributários de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito.” (destaque nosso).”

9) Pelo que se justifica o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

10) Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado na Decisão arbitral fundamento, dado que a Decisão arbitral recorrida, ao ter considerado que assiste à Recorrida o direito à isenção, mesmo que não se mostre cumprido o previsto no n.º 8 do artigo 28.º do CIVA, incorreu numa errada aplicação da Lei;

11) Sobre esta mesma questão e, no mesmo sentido que a Recorrente e a Decisão fundamento, já se pronunciou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13-05-2021, no processo n.º 02691/18.7BEPRT, disponível para consulta em dgsi.pt.

12) Neste Acórdão, entendeu o Tribunal que:

“4.4. Nas conclusões XXI a XXIV alega que a sentença recorrida, no que alude às liquidações referentes ao ano de 2014, incorreu em erro de julgamento quando refere que tendo em conta o caráter formalista do IVA, a necessidade do documento alfandegário reveste formalidade ad substantiam e não ad probationem insuscetível de substituição por qualquer outro meio. Sendo certo que o entendimento que vem sendo perfilhado pelos tribunais superiores vai no sentido oposto, ou seja, de privilegiar a verificação dos requisitos materiais, de fundo, do direito à isenção do IVA, na aceção do artigo 146.º da diretiva Comunitária.

E que na falta desses documentos de acompanhamento/certificados, nos termos do artigo 115.º do CPPT, são admitidos os meios gerais de prova.

Entende que os documentos por si apresentados bem como o facto de ter sido dado como provado que a mercadoria foi entregue ao destinatário, seriam suficientes para comprovar as operações efetuadas e a verificação dos pressupostos para aplicação da isenção prevista.

Alega que, a ausência de documentos oficiais emitidos pelas autoridades aduaneiras, só por si, não é fundamento para rejeitar a prova alternativa apresentada, constituindo uma exigência forma que, por si só, não põe em causa o direito do fornecedor à isenção do IVA, e que os documentos por si apresentados, seriam suficientes para comprovar as operações efetuadas e a verificação dos pressupostos para a aplicação da isenção prevista.

E que tal, dita o princípio da neutralidade fiscal que exige que a isenção do IVA deve ser concedida se as condições materiais estiverem preenchidas, mesmo que o contribuinte não tenha cumprido certas formalidades.

Vejamos:

Do Relatório de inspeção que está na génese das liquidações impugnadas extrai-se que no exercício de 2014 a Impugnante contabilizou duas faturas de venda de mercadorias, sem liquidação de IVA, dado se referirem a exportações (operações isentas nos termos do art.º 14.º do CIVA), por si emitidas, para o cliente “S., SARL”, com sede em ..., no total de € 319.500,00 (fatura/recibo n.º ...97 de 04/09/2014, no valor de € 184.600,00 e fatura/recibo n.º ...63, no valor de € 134.900,00).

Para efeitos de comprovação de isenção de IVA, nos termos do n.º 8 do art.º 29.º do CIVA, os SIT solicitaram à Recorrente a apresentação dos documentos aduaneiros comprovativos da saída das mercadorias do território aduaneiro da União Europeia que se materializa no documento intitulado “certificação de saída para o expedidor/exportador” e o contribuinte informou que o despacho aduaneiro tinha sido efetuado pela empresa espanhola “G.”, com o NIF (…), na estância aduaneira de ..., tendo apresentado os certificados: n.º ...70 – associado à fatura n.º ...97 e ..., associado à fatura ...63.

Atendendo a que a estância aduaneira não se localizava no território nacional, os SIT efetuaram um pedido de assistência mútua a ..., a fim de confirmar a veracidade dos despachos aduaneiros de exportação apresentados pela Recorrente, tendo sido informado que o documento de exportação...70 não existia nas sua bases – associado à fatura n.º ...97... e ..., associado à fatura ...63 – não corresponde ao seu conteúdo com o que se encontra nas sua bases de dados tratando de documentos completamente falsos.

Relativamente às liquidações referentes ao ano de 2014, a sentença recorrida após um preciso e detalhado estudo da legislação aplicável [Código do IVA, Diretiva do IVA, Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC)] entendeu que “ (…) Deste modo, o CIVA concedeu a isenção nas exportações, desde que o transmitente dos bens apresente prova adequada, a saber documentos alfandegários adequados, ou seja, o exemplar n.º 3 do documento administrativo único certificado pelos serviços alfandegários do Estado membro de saída da UE (o DAU). Ou seja, em sintonia com o disposto no art.º 273.º da DIVA, o CIVA previu como forma de assegurar o correto funcionamento da isenção evitando, dessa forma, a fraude e evasão fiscais sujeitando tal isenção à apresentação dos documentos alfandegários apropriados.

Ora, dispondo a norma que a prova se faz através da apresentação dos documentos alfandegários apropriados, está a remeter-nos para as regras previstas no Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e nas Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), incumbindo ao transmitente provar a transmissão de bens expedidos ou transportados para fora do território fiscal da União Europeia, pelo que existindo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, a prova idónea e obrigatória tem que ser baseada nos documentos alfandegários que o legislador aduaneiro considerou adequados para a exportação, sendo certo que estamos no domínio de normas harmonizadas da UE.

Deste modo, não se acompanha a argumentação da Impugnante segundo a qual os documentos alfandegários se devem reputar como apropriados à finalidade em causa, que o juízo de propriedade em causa se deverá colocar no plano do tributo e não no plano aduaneiro e que não estará em causa verificar a regularidade do documento para permitir o transporte do bem em causa para um território extracomunitários, mas a idoneidade do mesmo para evidenciar que os bens objeto de determinada transação foram expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste. Com efeito, a Impugnante confunde exportação com transmissões intracomunitárias de bens que são realidade distintas, pois naquelas intervêm as Alfandegas, pelo que a legislação harmonizada sobre a matéria ao nível do Direito da UE deve ser respeitada, sendo que a entrada e a saída dos bens do território aduaneiro da UE são devidamente controladas através dos documentos apropriados que atestam a sua saída e entrada no território aduaneiro, daí que não se acompanhe a argumentação da Impugnante. (…)”.

Com efeito, e nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA, os sujeitos passivos de IVA, sem prejuízo de disposições especiais, nas transmissões de bens e as prestações de serviços, isentas do IVA ao abrigo, da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo Código, devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declaração emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.

Preceitua a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA que estão isentas de imposto as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste.

É de salientar, tal como o fez a sentença recorrida, que o CIVA ao exigir “documentos alfandegários apropriados”, para comprovar a isenção do IVA, remete-nos para legislação especial, nomeadamente, para as regras previstas no Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e nas Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC).

Assim, as operações isentas de IVA que imponham o cumprimento das formalidades previstas na regulamentação aduaneira devem ser comprovadas com os documentos emitidos nos termos dessa mesma regulamentação.

Estando no caso em apreço, em causa a transmissão de mercadoria tituladas pelas faturas, para ..., terá de existir documentos aduaneiros comprovativos da saída das mercadorias do território aduaneiro da União Europeia que se materializa no documento intitulado “certificação de saída para o expedidor/exportador”.

A falta de documentos alfandegários apropriados determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente, por força do n.º 9 do artigo 29.º do Código do IVA.

No caso em apreço tal como conclui a sentença, tendo sido expedidos ou transportados para fora da União Europeia, mercadorias pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste, deveria ser comprovada através dos documentos alfandegários, ou seja, exemplar n.º 3 do documento administrativo único certificado pelos serviços alfandegários do Estado membro de saída da UE (o DAU).

Alega a Recorrente que na falta desses documentos de acompanhamento/ certificados, nos termos do artigo 115º do CPPT, são admitidos os meios gerais de prova. Como refere a sentença recorrida “ (…) Deste modo, as provas alternativas só são admissíveis quando seja apresentada a declaração aduaneira de exportação e não exista coincidência entre estância aduaneira de exportação e estância aduaneira de saída, e não tenha sido devidamente devolvido o exemplar 3 dessa declaração com a certificação da saída das mercadorias do território aduaneiro da UE ou essa certificação não tenha sido comunicada pela estância aduaneira de saída à estância aduaneira de exportação através de sistemas informatizados, o que não é o caso dos autos. Com efeito, a Impugnante não provou estar perante situação enquadrável no artigo 796.º-DA das DACAC, pois o procedimento neste previsto aplica-se quando tenha havido autorização de saída das mercadorias para exportação, o que não é o caso dos autos. Com efeito, no caso dos autos, estamos perante documento que as autoridades espanholas atestaram que eram falsos, pelo que não há que aplicar o regime vertido no art.º 796.º-DA das DACAC, não sendo admissível prova alternativa.

Com efeito, tendo em conta o carácter formalista do IVA que tem em vista, designadamente, evitar a evasão fiscal, estas formalidades revestem a natureza ad substanciam e não ad probationem, insuscetível de substituição por um qualquer outro meio de prova. (…)”. Destacado nosso).

13) Pelo que, atenta a fundamentação supra, que adoptamos e fazemos nossa no presente Recurso, se deve concluir por não verificado o vício de erro acerca dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação tributária e, a errada interpretação das normas feita pelo tribunal na Decisão Recorrida.

14) Assim se confirmando que, a interpretação feita na Decisão fundamento, é a correcta.

Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objecto do presente recurso e resolver-se o conflito de jurisprudência no sentido do deliberado no Aresto fundamento, uma vez que a decisão arbitral recorrida fez uma incorrecta apreciação e aplicação do direito, aos factos.

2 – Contra-alegou a recorrida concluindo nos termos seguintes:

A. Um e outro aresto tratam de questões decidendas distintas, que não se resolvem por aplicação da mesma norma jurídica e cujos contornos fácticos subjacentes às decisões em confronto são distintos, designadamente em matéria de prova e indícios de fraude (que se verificam implícitos na decisão fundamento e não na decisão recorrida).

B. A decisão arbitral recorrida está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA da qual se retira (a contrario) que é devida a isenção de IVA nos casos, como aquele sub judice, em que o sujeito passivo prova a saída dos bens do território EU.

C. Tendo o sujeito passivo logrado provar a saída dos bens do território UE em cumprimento do ónus da prova que lhe cabia, o recurso não deve ser admitido, na medida em que a orientação perfilhada na decisão recorrida 201/2021-T do CAAD está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 152.º, n.º 3 do CPTA.

D. Não estão, pois, reunidos os requisitos que a Lei determina para a admissão do recurso de uniformização de jurisprudência, previstos no art.º 152.º CPTA, pelo que não deve ser o mesmo admitido.

E. Sem conceder, sempre se dirá que o entendimento perfilhado pela decisão recorrida segue a mesma orientação que tem vindo a ser sufragada nas mais recentes decisões do CAAD, como é o caso das decisões proferidas nos processos n.ºs 292/2019-T, de 02.06.2020; 556/2019-T, de 02.12.2020 e 265/2020-T, de 10.05.2021.

F. Face à jurisprudência do TJUE, demonstrativa da ratio legis da isenção constante do artigo 14.º n.º 1, alínea a) do Código do IVA, são admitidos outros meios de prova da exportação dos produtos, para além dos DAU’s.

G. A tese da imprescindibilidade do DAU contendo certificação de saída defendida pela AT é ilegal por consubstanciar uma interpretação do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, alínea a) e 29.º, n.º 8 do CIVA desconforme com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança e com os princípios da igualdade e da proporcionalidade constitucionalmente consagrados no artigo 2.º, no artigo 13.º e no n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa («CRP») e incompatível com os princípios enformadores do sistema comum do IVA, nomeadamente com o princípio da neutralidade fiscal, por promover discriminações arbitrárias (e não justificadas) entre operações idênticas e operadores económicos que estão em concorrência entre si, provocando intoleráveis perturbações no funcionamento do mercado interno.

H. No caso concreto da decisão recorrida, dúvidas inexistem quanto à verificação, in casu, dos requisitos materiais de que depende a isenção vertida na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, porquanto: (i) a Recorrida celebra com os seus clientes contratos de compra e venda translativos da propriedade dos produtos que comercializa; (ii) os bem foram expedidos para fora da União Europeia, via correspondência postal internacional e que (iii) no âmbito dessa expedição, ocorreu a saída física dos bens do território da União.

I. Os próprios SIT não colocaram em causa que a Recorrida expediu os bens para fora do território da União e que estamos perante exportações. Simplesmente foi invocado que tais envios não se bastam pelo ato de saída do território aduaneiro da União e têm de ser objeto de uma declaração aduaneira de exportação através do STADA.

J. A exigência do documento alfandegário comprovativo da exportação DAU contendo certificação de saída constitui para a AT a forma mais óbvia e simples de demonstrar a exportação, mas não poderá deixar de ser considerada uma formalidade à luz da Jurisprudência do TJUE.

TERMOS EM QUE E SEMPRE,

Invocando-se o DOUTO SUPRIMENTO DOS COLENDOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, nos termos do artigo 152.º n.ºs 1 e 3 do CPTA, não se deverá tomar conhecimento do mérito do recurso.

SEM CONCEDER, ainda que o presente recurso seja admitido, não deve o mesmo merecer provimento, porquanto a posição defendida na decisão recorrida é aquela que tem sido perfilhada pelas mais recentes decisões, e aquela que garante a salvaguarda dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal.

E ASSIM VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério público junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido do conhecimento do mérito do recurso, negando-lhe provimento e uniformizando jurisprudência no sentido da decisão arbitral recorrida com a seguinte fundamentação específica:

«2.2.14 Decorre das duas decisões arbitrais em confronto que em ambos os casos estava em causa a comprovação da saída das mercadorias do espaço fiscal europeu para efeitos de isenção de IVA ao abrigo do disposto no artigo 14º do CIVA e atento o disposto no artigo 29º, nºs 8 e 9 do mesmo Código.

2.2.15 Tendo no caso da decisão recorrida o tribunal entendido que se mostrava realizada essa comprovação por parte do sujeito passivo, pois considerou que a prova resultante dos documentos do Serviço Postal era bastante para satisfazer esse ónus.

2.2.16 Enquanto na decisão fundamento o tribunal adotou entendimento contrário, por considerar que tal prova apenas podia ser efetuada através de documentos alfandegários (DAU’s) e os mesmos não tinham sido apresentados pelo sujeito passivo, o qual apenas apresentara “declarações de receção dos bens nos países de destino”.

2.2.17 Pese embora na decisão arbitral fundamento o tribunal ter feito constar como “facto não provado” que «A Requerente não provou a saída efetiva de território da União Europeia dos bens a que se referem as faturas», estamos, salvo melhor opinião, perante um juízo de facto meramente conclusivo, sem qualquer elemento de facto que suporte esse juízo, pelo que deve considerar-se não relevante.

2.2.18 De todas as formas, nessa mesma decisão arbitral, ainda que na discussão da matéria de direito, o tribunal fez constar que o sujeito passivo apresentou como prova “declarações de receção dos bens nos países de destino, as quais foram emitidas por sociedades pertencentes ao mesmo grupo económico

2.2.19 Desvalorizando, contudo, esse meio de prova, por considerar que se impunha a apresentação de “documentação alfandegária de entrada dos bens nos territórios dos países terceiros”.

2.2.20 Afigura-se-nos, assim, que se mostram reunidos os requisitos de oposição entre as duas decisões arbitrais, pois enquanto na decisão arbitral recorrida se admitiu qualquer meio de prova para comprovar a saída das mercadorias do espaço fiscal europeu, na decisão arbitral fundamento entendeu-se que ao contrário das transmissões intracomunitárias, neste caso se impunha uma restrição de meios de prova limitada aos documentos alfandegários emitidos ou pela entidade competente do país membro de saída das mercadorias ou do país terceiro de destino.

2.2.21 Entendemos, assim, que se mostram reunidos os requisitos de prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência.

II. APRECIAÇÃO DE MÉRITO

1. A questão que se coloca consiste em saber se para efeitos da isenção prevista no artigo 14º, nº1, alínea a), do CIVA, a comprovação da saída dos bens ou mercadorias para fora da Comunidade pode ser feita por qualquer meio de prova, ou se tal só é possível com a apresentação de documentos alfandegários, atento o disposto no nº 8 do artigo 29º do CIVA.

1.1 Ora, acompanhamos no essencial o entendimento adotado na decisão arbitral recorrida, que tem como suporte a jurisprudência do TJUE ali discriminada.

1.3 De acordo com a referida jurisprudência, «na falta de uma disposição da Diretiva IVA quanto às provas que os sujeitos passivos devem apresentar para beneficiarem da isenção de IVA, cabe aos Estados-Membros fixar, em conformidade com o artigo 131.º desta diretiva, os requisitos de isenção das operações de exportação com vista a garantir a aplicação correta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos» - acórdão de 9/10/2014, proc. C-492/13.

1.4 No caso nacional, dispõe o nº8 do artigo 29º do CIVA que tais operações “devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado”.

1.5 Ora, o TJUE tem entendido que «uma medida nacional vai para além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados» (considerando 29 do ac. C-275/18).

1.6 No caso concreto não resulta dos autos que na realização das operações em causa houvesse a obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, pelo que a questão que se coloca é a de saber se a comprovação da saída dos bens ou mercadorias pode ser feita por qualquer outro meio que permita inferir que os bens saíram do espaço fiscal europeu.

1.7 No sentido afirmativo se pronunciou o TJUE no acórdão de 28/03/2019, proferido no processo C-275/18, no qual se entendeu que, desde que não torne mais difícil ou até impossível para as autoridades tributárias a verificação da saída efetiva dos bens do território da União, nada obsta a que o sujeito passivo recorra a outros meios de prova dessa saída.

1.8 Ainda que esses meios de prova estejam sujeitos a um juízo casuístico de idoneidade, conforme se alcança do acórdão de 8 de Novembro de 2018, proferido no processo C-495/17, no qual se entendeu que «cabe às autoridades competentes, para efeitos da concessão das referidas isenções, examinar se o cumprimento do requisito referente à exportação dos bens em questão pode ser inferido com um grau de probabilidade suficientemente elevado de todos os elementos de que as referidas autoridades podem dispor».

1.9 Assim, para o TJUE, «o não cumprimento da exigência formal de colocação dos bens destinados a exportação sob o regime aduaneiro da exportação não pode levar a que o exportador perca o seu direito à isenção à exportação, desde que provada a saída efetiva dos bens em causa do território da União» (considerando 38, proc. C-275/18).

1.10 Ora, no caso concreto dos autos, o tribunal arbitral deu como assente que «… a Requerente juntou, para todas as vendas que pretende ver isentas, tadas».

1.11 Ou seja, o tribunal arbitral deu como comprovada a saída dos bens expedidos através dos Serviços Postais, pelo que se verificam os requisitos materiais da isenção à exportação, o que torna irrelevante o cumprimento de quaisquer outras formalidades cuja finalidade é de evidenciar essa saída perante a Autoridade Tributária.

1.12 Como se deixou exarado no referido acórdão do TJUE, «O artigo 146.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com o artigo 131.º da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma disposição legislativa nacional subordine a isenção de IVA prevista para os bens destinados a exportação para fora da União à condição de esses bens terem sido colocados sob o regime aduaneiro da exportação, numa situação em que esteja provado que os requisitos materiais da isenção à exportação, nomeadamente o que exige a saída efetiva do território da União, foram cumpridos».

1.13 Em face do exposto entendemos que deve ser proferido acórdão de uniformização de jurisprudência no sentido de que para efeitos da isenção prevista no artigo 14º, nº1, alínea a), do CIVA, a comprovação da saída dos bens ou mercadorias para fora do território da União Europeia pode ser feita por qualquer meio de prova, desde que dos elementos disponibilizados se possa inferir, com um grau de probabilidade suficientemente elevado, o cumprimento dos requisitos materiais da isenção, que é a saída dos bens e mercadorias.

1.14 E nessa medida julgar-se improcedente o recurso e confirmar-se a decisão arbitral recorrida.»

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.



- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

Importa averiguar previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.

Concluindo-se no sentido da verificação de tais requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

6 – Matéria de facto

6.1 É do seguinte teor o probatório da decisão arbitral recorrida:

São os seguintes os factos dados como provados com relevância para a decisão: A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, criada em 2015, que se dedica ao fabrico e comércio de roupa interior e biquínis e que exporta cerca de 60% da sua produção, sobretudo para os ....

B) Os produtos que a Requerente vende têm um valor médio de € 20 sendo cobrados cerca de € 5 de portes de envio.

C) A Requerente vende através de uma plataforma online, na qual o cliente escolhe os produtos que deseja comprar e faz a sua encomenda.

D) Os produtos são enviados aos respetivos clientes por remessa postal, efetuada pelos CTT.

E) A pedido da Requerente, os Serviços jurídicos dos CTT informaram, no dia 19 de novembro de 2019 o seguinte:

1 Analisados os documentos que acompanhavam o mail inicial, concretamente os recibos emitidos em Lojas CTT conforme exemplo que se anexa abaixo, confirma-se que os mesmos correspondem a documentos/recibos emitidos em Lojas CTT, comprovando a aquisição de produtos de registos e primes de correio internacional. Produtos estes, adquiridos pela empresa A... LDA, com o NIF....

2 Mais se informa, que os CTT não produziram qualquer despacho aduaneiro de exportação, relativamente a qualquer dos objetos mencionados nos documentos anexos ao mail inicial.

3 Para os CTT, trataram-se de expedições internacionais de correio.

4 Mais se esclarece que é possível consultar o registo dos tracking number (sistema trace) mas tal informação, por questões operacionais e legais, não é disponibilizada por mais de 18 meses a contar da expedição.

Esperamos ter contribuído para o esclarecimento das questões colocadas. Melhores cumprimentos,

AA

F) A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral e, em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, no regime geral de tributação e tem as suas obrigações tributárias cumpridas, quer em sede de IVA quer em sede de IRC.

H) A Requerente solicitou, na declaração periódica de IVA, relativa ao período de 2016/12T, um pedido de reembolso de um crédito de IVA no valor de € 19.672,69.

I) Através da notificação n.º ...03, de 24 de maio de 2017, da Direção de Serviços de Reembolsos (DSR), foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento do pedido de reembolso.

J) A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção, relativamente ao ano de 2016, devidamente credenciada pela Ordem de Serviço n.º ...76.

K) No dia 23 de dezembro de 2020, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA com o n.º ...21, de 12/12/2020, relativa ao período de 2016/12T, no valor de € 36.993,48, com o valor de imposto a pagar, após acerto de contas, de €17.320,81 e dos correspondentes juros compensatórios, no valor de € 2.647,94.

L) No dia 19 de janeiro de 2021, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação de reapreciação de reembolso apresentada em 25/05/2017, na sequência da conversão do pedido de reapreciação em reclamação.

M) A Requerente efetuou, no dia 10 de março de 2021, o pagamento voluntário do IVA e dos respetivos juros compensatórios, na sequência do processo de execução fiscal que lhe foi instaurado.

3.2. Factos não provados

Não existem outros factos relevantes para a decisão da causa

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:

291. O Tribunal considera provados, com base nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos das testemunhas, os seguintes factos com interesse para a matéria em apreciação:

•A Requerente é um sujeito passivo de IVA em Portugal que tem residência em ...;

•A Requerente não possui estabelecimento estável e nem representante fiscal nomeado em Portugal;

•A Requerente encontra-se enquadrada no CAE 26110 (fabricação de componentes eletrónicas);

•Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, desde 1.01.2011, e trimestral até essa data;

•A Requerente insere-se no grupo internacional B…, cuja atividade se desenvolve ao nível da construção, fornecimento, instalação de equipamentos na área das energias renováveis, designadamente equipamentos eólicos;

•Em Portugal a Requerente produz torres eólicas e fundações respectivas;

•Para a sua produção em Portugal a Requerente subcontrata duas empresas nacionais: a C…, S.A. e a L…;

•Todos os contratos de venda da Requerente são efetuados a partir de ...; •No decurso de 2013 e 2014, a Requerente foi objeto de duas ações inspetivas externas, as quais tiveram origem numa informação dos serviços inspetivos da DSIFAE, que mencionava a deteção de insuficiências de comprovação documental da isenção nas operações, pois, relativamente às exportações, não se encontravam acompanhadas dos correspondentes documentos alfandegários, e, relativamente às transmissões intracomunitárias, não se encontravam acompanhadas de documentos de transporte, existindo apenas declarações dos clientes comunitários que correspondem a outras sociedades do grupo B…, a confirmar a realização das aquisições intracomunitárias;

•Na sequência das ações inspetivas realizadas, foram efetuadas correções em sede de IVA no montante total de € 2.236.864,14, em 2009, e no montante total de € 1.138.583,37, em 2010, com fundamento na alegada insuficiência de comprovação dos pressupostos da isenção de IVA;

•A Requerente apresentou reclamação graciosa (RG n.º …2014…) junto da Direção de Finanças de Lisboa, a 30/06/2014, no âmbito das liquidações adicionais relativas aos períodos 0909T e 0912T;

•A reclamação referida no número anterior teve decisão de indeferimento, através de despacho proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto, no exercício de competência delegada, a 23/07/2015;

•Da decisão referida no número anterior, a Requerente, a 26/08/2015, apresentou o consequente recurso hierárquico;

•A 27/10/2015, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, o procedimento de recurso hierárquico referido no número anterior foi remetido à Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado;

•A 12/09/2016, através de despacho do Subdiretor-Geral da área de gestão tributária do IVA, no exercício de competência delegada, recaiu sobre o pedido de recurso hierárquico decisão de indeferimento;

•Com vista à suspensão dos processos de execução fiscal, a Requerente apresentou duas garantias bancárias (cf. comprovativos que se protesta juntar como documento n.º ...).

•A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações adicionais;

•A Requerente realizou, nos períodos de 0909T e 0912T, as transmissões intracomunitárias identificadas no quadro constante da pag. 17 da resposta da Requerida, num montante total de € 9.702.517,78;

•A Requerente realizou, nos períodos de 1003T, 1006T, 1009T e 1012T as transmissões intracomunitárias identificadas no quadro constante da pag. 25 da resposta da Requerida, num montante total de € 5.085.778,00.

VI-FACTOS NÃO PROVADOS

292. A Requerente não provou a saída efetiva de território da União Europeia dos bens a que se referem as faturas identificadas no quadro constante do art.º 205º do pedido de pronúncia arbitral.

7 – Apreciando

7.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto arbitral invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão arbitral fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

A decisão arbitral recorrida julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando a liquidação de IVA sindicada, no entendimento de que, não obstante não ter sido efetuada prova da exportação através de DAU, o sujeito passivo lograra comprovar a efectiva saída das mercadorias do espaço fiscal europeu para efeitos de isenção de IVA.

Entendeu a decisão arbitral recorrida que “(…) a Requerente juntou, para todas as vendas que pretende ver isentas, para além dos documentos que atestam materialmente a saída dos bens do território aduaneiro da União, uma declaração emitida pelo expedidor a confirmar a saída dos bens, independentemente de saber se todas as formalidades alfandegárias foram respeitadas.//Ora, resulta da jurisprudência já citada do TJUE que não é essencial, para que um sujeito passivo possa beneficiar da isenção prevista no artigo 146.º, nº 1, al. a) da Diretiva, que o mesmo cumpra rigorosamente a legislação aduaneira, sem prejuízo de ter que fazer a prova da saída das mercadorias do território da União Europeia. (…) Ao basear a recusa da isenção no não cumprimento, por parte da Requerente, de uma obrigação formal, que é a apresentação do documento de “certificação de saída” emitido pela estância aduaneira competente, nos termos da legislação aduaneira em vigor, a Autoridade Tributária impôs àquela uma condição não conforme com o artigo 29º, nº 8 do CIVA, ferindo os atos tributários de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito.(…)”.

A decisão arbitral fundamento, por seu turno, no que ao segmento das liquidações respeitantes às exportações respeita (fls. 94 e ss do acórdão arbitral), considerou que não foi exibida prova da “saída efectiva dos bens de território comunitário”, pois que a Requerida ou não apresentou os DAU ou apresentou-os sem a validade da autoridade alfandegária do porto de saída dos bens. Acresce que a Requerida também não apresentou a documentação alfandegária de entrada dos bens no território dos países terceiros, nos quais se localizariam os parques eólicos a que se destinavam os bens. Limitou-se a exibir declarações de receção dos bens nos países de destino, as quais foram emitidas por sociedades pertencentes ao mesmo grupo económico. Consta, aliás, do probatório fixado no acórdão arbitral fundamento como “facto não provado” que 292. A Requerente não provou a saída efetiva de território da União Europeia dos bens a que se referem as faturas identificadas no quadro constante do art.º 205º do pedido de pronúncia arbitral.

Contrariamente à posição expressa pelo Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA entendemos que as diversas ilações de facto retiradas pelas decisões arbitrais em confronto dos meios de prova, também diversos, apresentados pelas respectivas requerentes para demonstrar a saída de bens do território europeu, afastam a existência de oposição juridicamente relevante para efeitos de uniformização de jurisprudência, pelo que não haverá que conhecer do mérito do recurso.

É certo que as normas em causa são as mesmas e a questão decidenda também o é. Não é, contudo, idêntico ou sequer similar o circunstancialismo de facto presente num e noutro aresto, designadamente, mas não apenas, quanto à forma como as requerentes pretenderam comprovar a efectiva expedição para fora do território europeu e que originou, num e noutro aresto, juízos diversos quanto à prova produzida.

Não há, assim, entre os arestos em confronto oposição juridicamente relevante.

Concluindo:

O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (n.º 2 do art. 25.º do RJAT).

Não há oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto se, não obstante a identidade da questão decidenda e das normas aplicadas, a decisão recorrida julgou demonstrada a efectiva saída dos bens exportados do território europeu e a decisão fundamento a julgou não provada, assentando os diversos juízos probatórios em circunstâncias de facto também diversas.

Termos em que não se conhecerá do mérito do recurso.


- Decisão -


8 – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, de 24 maio de 2023. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.