Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0242/18.2BESNT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MAIS VALIAS
DESPESA
ALIENAÇÃO DE BENS
IMÓVEL
Sumário:I - Para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 5 anos e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas no art. 10º nº 1 al. a) do CIRS - art. 51º al. a) do mesmo diploma legal.
II - Despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.
III - Não se pode considerar como despesa necessária inerente à alienação as despesas suportados com o pagamento de indemnização a que o Recorrente e Outros foram condenados e encargos com o referido processo comercial arbitral, pois que, não são dedutíveis na determinação do rendimento colectável (mais-valias) em IRS, na medida em que, estas despesas só foram necessárias na sequência do incumprimento de obrigações por parte do Recorrente e Outros no âmbito do contrato mencionado nos autos, além de que, como bem refere a decisão recorrida, tendo o Impugnante sido tributado de acordo com o rendimento-acréscimo decorrente da venda do imóvel em questão nos presentes autos, inexistiu qualquer violação do princípio capacidade contributiva, nos termos do n.º 1 do art.º 4.º da LGT e n.º 1 do art.º 104.º da CRP, e com o princípio do rendimento líquido.
Nº Convencional:JSTA000P28474
Nº do Documento:SA2202111100242/18
Data de Entrada:09/28/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 242/18.2BESNT (Recurso Jurisdicional)


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 28-03-2021, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.º 2016 5004773168, referente aos rendimentos de 2015.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1) O ora recorrente não se conforma com a tese sufragada pela sentença recorrida na parte em que considera não subsumíveis no conceito de encargos com a valorização dos bens e indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens as três despesas efectivamente incorridas, conforme factos dados como provados m), n), o) e p).
2) O recorrente suportou despesas, que inclui na sua declaração substitutiva de IRS, relativas a: i) indemnização paga, em sede de processo comercial arbitral, a uma entidade parceira do Impugnante, através de cujo pagamento foi possível fazer cessar uma relação contratual que tinha por objecto o bem imóvel gerador da mais valia e que culminaria na sua alienação no âmbito dessa parceria a um Fundo de Investimento; ii) as custas processuais suportadas pelo Impugnante no supra aludido processo comercial arbitral; iii) os honorários suportados pelo Impugnante à sociedade de advogados que o representou no mesmo supra referido processo comercial arbitral.
3) Entende o recorrente que a sentença, salvo o devido respeito, parte de uma premissa errada quando refere que nenhuma das despesas acima aludidas se subsume em despesas para valorização do bem, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRS.
4) Se é certo que nenhuma das referidas despesas valorizou materialmente o bem imóvel, já não se pode dizer o mesmo quanto a uma valorização económica do mesmo.
5) Sendo de frisar, a este propósito, que mesmo antes da alteração legislativa que conduziu à redação actual da norma do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS - introduzida pelo art.º 2.º da Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015 - já a doutrina e jurisprudência interpretavam a norma então em vigor de forma a nela se contemplar a possibilidade de serem dedutíveis, para efeitos de cálculo da mais valias, despesas que houvessem contribuído para uma valorização económica do bem (vide Prof. Dr. Manuel Faustino citado na motivação e o acórdão deste STA de 21.03.2012, processo n.º 0587/11), acima igualmente referenciado.
6) A indemnização paga pelo Impugnante (bem assim as custas processuais e os honorários) - independentemente de ter sido motivada por um incumprimento contratual e accionamento parcial de cláusula penal - levou a que o Impugnante se desvinculasse de um negócio através do qual a alienação do mesmo bem iria ocorrer, ainda que em moldes diferentes, para uma entidade terceira.
7) Alienação essa que, ainda que o Fundo de Investimento a constituir fosse ter como interveniente também o Impugnante, não deixaria de ser integralmente tributada em sede de mais valias de IRS pelo valor total da venda do bem que seria de € 4.150.00,00 (assim gritantemente inferior ao valor pelo qual o bem vem, a final, a ser alienado).
8) Este bem imóvel estava indissociavelmente ligado a um negócio estabelecido entre Impugnante e B............, S.A., e não seria passível de ser vendido livremente no mercado imobiliário a um terceiro, como acabou por ser, sem que essa relação contratual cessasse (visto que sendo um contrato promessa de compra e venda de bem imóvel estava legalmente sujeito a execução específica, artigo 830.º, n.º 3 do CC).
9) A mera existência deste negócio entre Impugnante e B............, S.A. condicionava sobremaneira o valor de mercado do bem, que não era transaccionável fora daquele quadro negocial.
10) Pelo que, a mera desvinculação contratual do Impugnante e da B............, S.A. foi o que indiscutivelmente conduziu, sem nenhum outro factor externo, à possibilidade de recolocar o bem no mercado e, assim, permitir a sua alienação pelo valor por que vem a ser alienado, € 12.620.00,00, isto é, cerca de 3 vezes mais do que o valor pelo qual seria alienado no quadro daquele contrato (€ 4.150.000,00).
11) Não pode, pois, deixar de concluir-se que o bem foi economicamente valorizado, objectiva e comprovadamente, com o mero acto de pagamento da indemnização à B.............
12) Já as custas processuais do processo arbitral e os honorários da Sociedade de Advogados que representou o impugnante foram ambas despesas indissociáveis da existência daquele litígio pelo que hão-de ser, também, tidas como fazendo parte da despesa do pagamento da indemnização, assim igualmente dedutíveis.
13) E nem se assevere que o facto de a despesa paga pelo Impugnante ter sido decorrência de um pagamento de uma indemnização por incumprimento contratual, por accionamento de cláusula penal, é obstáculo à sua dedutibilidade pois a verdade é que o valor da indemnização nem sequer foi por aplicação cega da cláusula penal, antes apenas metade da mesma, por a B............ ter contribuído para o incumprimento contratual gerador da obrigação de pagamento de indemnização, o que demonstra a necessidade do recurso ao Centro de Arbitragem para dirimir o diferendo.
14) A sentença recorrida violou o disposto no art.º 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS ao não admitir que as despesas incorridas pelo Impugnante tenham contribuído para a valorização do bem, o que deve conduzir à sua anulação.
15) A sentença recorrida decidiu, ainda, não aceitar a dedução das despesas acima identificadas por, também, entender que não são enquadráveis na parte final da alínea a) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRS (“indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens”).
16) Resulta dos factos provados - pontos m), n), o) e p) - que o Impugnante alienou o imóvel referenciado nos autos e que suportou a quantia de € 223.146,32.
17) As referidas despesas dizem respeito a uma indemnização paga pela resolução de um contrato que tinha por objecto o bem alienado, e com as custas e honorários suportados no processo arbitral no qual foi decidido o valor da indemnização a suportar pelo Impugnante.
18) Tratou-se, pois, de uma indemnização comprovadamente paga pela resolução de um contrato relativo ao bem que gerou a mais valia tributada, estando por isso contemplado na parte final do art.º 51º, al. a) do CIRS.
19) No que diz respeito à indemnização paga, a interpretação restritiva adoptada pela sentença para justificar a rejeição da despesa, não tem qualquer sustentação legal, porquanto a norma em causa não distingue entre tipos de contratos que habilitem à dedução de despesas.
20) Não é seguramente a invocação de uma reforma do IRS operada em 2014 e que conduziu à redação actual do art.º 51.º do CIRS, através da qual se acolheu um alargamento da dedutibilidade de despesas, que permite inferir que o legislador quis, afinal, restringir a dedutibilidade.
21) A Lei não distingue, ou estabelece regimes diferentes, consoante o valor indemnizatório pago seja a título de indemnização por accionamento (parcial) de cláusula penal, se foi em sede arbitral ou por acordo entre as partes…
22) As únicas exigências que a Lei faz são tenha sido paga uma indemnização - e foi - e que que essa indemnização tenha ocorrido para a renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos, relativos aos bens geradores da mais valia - que também foi o caso.
23) Ora, não oferece qualquer dúvida que as três despesas parcelares foram efectivamente incorridas pelo Impugnante já que tais factos constam do elenco dos factos provados.
24) Também não oferece dúvidas que o pagamento da indemnização foi o que permitiu fazer cessar o contrato que havia sido celebrado entre Impugnante e B............, S.A. e que levaria à alienação do bem imóvel gerador da mais valia a uma entidade distinta (um Fundo de Investimento).
25) Ou seja, se o referido contrato continuasse em vigor, o imóvel não poderia ser alienado ao terceiro adquirente, pois estava sujeito a execução específica atento o disposto no art.º 830.º, n.º 3 do Código Civil, norma que não é passível de afastamento por mera vontade das partes.
26) A resolução contratual - ilícita ou não, geradora de obrigação indemnizatória ou não - foi condição sine qua non da alienação concreta geradora da mais valia tal qual como seria o pagamento de uma indemnização a um arrendatário de uma fracção autónoma para que se pudesse proceder à venda de um imóvel livre de ónus ou encargos (que é o caso de aplicação mais comum desta norma, ainda que obviamente não o único).
27) A diferente natureza do contrato estabelecido entre Impugnante e B............, S.A. não é motivo válido para que se possa excluir a aplicabilidade da parte final da alínea a) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRS.
28) Como decorre do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, o legislador prevê que a indemnização por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS confere o direito a fazer acrescer ao custo de aquisição o montante indemnizatório despendido.
29) A despesa cujo montante deve acrescer ao valor de aquisição:
i) É uma indemnização;
ii) Foi paga pelos Impugnante;
iii) Foi paga pela renúncia onerosa de um direito (promitente comprador - direito de aquisição – art.º 441º e 874º do Código Civil);
iv) É um direito inerente (direto de aquisição) a um contrato relativo ao bem que gerou a mais valia, motivo pelo qual o valor da indemnização deve acrescer ao valor de aquisição para apurar a mais valia.
30) O legislador não fez qualquer restrição quanto ao tipo de contratos, nem quanto à fonte concreta de onde brota o pagamento da indemnização, que pode bem ser por acordo entre as partes ou ser imposta judicialmente, motiva ou não por incumprimento contratual.
31) Tem, assim, plena aplicação ao caso o brocardo latino ubi lex non distinguit, nec interprete distinguire potest, na medida em que nada na formulação trazida pelo legislador nos permite identificar uma intenção diversa (mais restritiva) da que encontrou consagração legal, menos ainda quanto a redação actual da norma foi dada no âmbito de uma reforma que deu mais abrangência ao direito de dedução de despesas, o que obriga a chamar à colação o elemento histórico de interpretação.
32) Admitir como encargos a acrescer ao valor de aquisição algumas indemnizações (aos arrendatários) e não admitir indemnizações de outra natureza relativas ao imóvel alienado não possui qualquer respaldo legal, até porque a lei não faz qualquer restrição. Destarte, o valor da indemnização paga pelo Impugnante, por aplicação da parte final do art.º 51º, al. a) do CIRS deve acrescer ao valor de aquisição do imóvel.
33) Já as outras despesas (custas processuais e assistência jurídica) foram inerentes ao processo arbitral e por isso indispensáveis para a alienação. Estas despesas foram indissociáveis da alienação porque sem elas a alienação no valor de € 12.620.000,00 não ocorreria. Sem elas não havia alienação nestes termos porque o indemnizado teria direito à execução específica impedindo a alienação.
34) Só a inclusão de todos os encargos referidos fará com que a tributação seja feita de acordo com a capacidade contributiva (art.º 4.º, n.º 1 da LGT e art.º 104.º, n.º 1 da CRP) e de acordo com o princípio do rendimento líquido [apenas o montante líquido constitui (verdadeiro) rendimento para o pagamento de impostos].
35) No plano dos princípios constitucionais, a dedução de custos e encargos para a determinação da mais-valia sujeita a imposto decorre do princípio geral de tributação do rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando, assim, à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido. (Neste sentido entre muitos outros - Acórdão do STA de 21.03.2012, proferido no processo n.º 0587/11).
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. não deixarão de doutamente suprir, deve o presente recurso ser julgado provido e, em consequência ser a sentença anulada, a declaração de substituição ser admitida e efetuada a respetiva liquidação de IRS de 2015 em conformidade com o declarado pelos contribuintes em 22.02.2017, nomeadamente no que diz respeito às despesas e encargos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (€ 223.146,32), mais se condenando a AT a devolver aos impugnantes o montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal desde a data do pagamento até efectivo e integral pagamento.

JUSTIÇA.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da sentença recorrida que recusou abrigo à pretensão dos Recorrentes no entendimento de que o pagamento das quantias de €131.866,95 (corresponde à quota-parte do Impugnante), de €2.669,02 e de €16.912,37, pagas a título, respectivamente, de indemnização, de custas processuais e de serviços de assistência jurídica na sequência de litígio relacionado com a resolução de um contrato celebrado com a C............, SGPS, S.A. e a D............, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., não constituem despesa necessária e efectivamente praticada, inerente à alienação do mesmo imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51º al. a) do CIRS.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

a) Pelo menos, entre 2011 e 2015, o Impugnante, A…………, e E............, eram titulares do direito de usufruto, e F............, G………… e H…………, eram titulares da nua propriedade, todos sobre as frações autónomas do prédio urbano sito na Avenida ………, n.ºs …… a ……, e Praça ………, n.ºs …… e ……, freguesia de São José, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …… da dita freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……, da freguesia de Santo António, que provém do artigo ……, da freguesia de São José (extinta) (facto não controvertido, e confirmado pelo documento n.º 5 junto à petição inicial, por confronto com o documento de fls. 29 a 35 do registo no SITAF n.º 005917982);

b) No dia 11-07-2011, o Impugnante, E............, F............, G………… e H………… e I…………, na qualidade de Primeiros Contraentes, a «B………… (SGPS), S.A.», posteriormente denominada de «C............, SGPS, S.A.», na qualidade de Segunda Contraente, e a «D…………, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.», na qualidade de Terceira Contraente, celebraram um contrato, onde foram acordadas as seguintes cláusulas contratuais:
«(…)
Primeira
(Objecto)
Um - Pelo presente contrato, os Primeiros Contratantes obrigam-se e prometem transmitir a propriedade do Prédio, livre de ónus, encargos e de quaisquer pessoas e bens, ao FIIF que terá os Primeiros Contratantes e a Segunda Contratante como únicos participantes e que vem caracterizado na cláusula sexta, pelo valor de €4.150.000 (quatro milhões, cento e cinquenta mil euros).
Dois - A transmissão da propriedade do Prédio a favor do FIIF, operar-se-á pela subscrição de parte do capital do FIIF pelos Primeiros Contratantes no exacto valor de € 4.150.000 (quatro milhões, cento e cinquenta mil euros) e pela sua realização em espécie.
Segunda
(O Prédio aquando da sua transmissão)
Um - O Prédio será transmitido para o FIIF totalmente devoluto, obrigando-se os Primeiros Contratantes a promover, a expensas suas, a denúncia dos contratos de arrendamento que vêm referidos no Considerando e) e a realizar o despejo das respectivas fracções autónomas, bem como de quaisquer outras partes do prédio que, com título ou sem ele, estejam ou venham a estar ocupadas, até à data limite de 31 de Dezembro de 2013.
Dois - O Prédio será transmitido com a emissão do alvará de licença de construção do novo edifício que vem referido no Considerando c). Todos os custos com a emissão da licença de construção, taxas, TRIU, honorários com os projectos de licenciamento e de execução da arquitectura e das especialidades serão debitadas pelos Primeiros Contratantes ao FIIF, até aos montantes máximos definidos no estudo económico anexado ao presente contrato, Anexo IV, aquando da transmissão do prédio para este.
Terceira
(Fontes de Financiamento do FIIF)
Um - A Segunda Contratante obriga-se a concorrer para o desenvolvimento do Projecto com €4.150.000 (quatro milhões, cento e cinquenta mil euros), fazendo entrar no FIIF, em consonância com as necessidades de tesouraria deste, como subscrição do capital inicial, no primeiro ano, e como subscrição de aumentos de capital, nos anos seguintes, os montantes que permitam satisfazer os custos do Projecto e as normais despesas do FIIF, até ao total acima referido de € 4.150.00.
Dois - A Segunda Contratante obriga-se a subscrever, em qualquer das modalidades previstas no número anterior, o número de unidades de participação necessário a que o património do FIIF iguale, pelo menos, o valor de €5.000.000, na constituição do mesmo.
(…)
Quarta
(Escritura Pública de Transmissão da Propriedade do Prédio)
Um - A transmissão da propriedade do prédio para realização do capital do FIIF, a subscrever pelos Primeiros Contratantes, terá lugar com a constituição do FIIF, no prazo de cento e oitenta dias a contar da verificação cumulativa dos seguintes factos:
a) Admissão pela CML da comunicação prévia para a construção do novo edifício;
b) Cessação de todos os contratos de arrendamento que tenham por objecto uma fracção autónoma ou uma qualquer parte do Prédio e efectivo despejo dos correspondentes espaços, tornando-se o Prédio totalmente devoluto de pessoas e bens;
Dois - O prazo de cento e oitenta dias previsto no número um desta cláusula destina-se à constituição do FIIF, pelo que a verificação de um e outro dos factos nesse número enunciados deverá ser, de imediato, comunicada às demais contratantes pela contratante que primeiro tome conhecimento das mesmas.
(…)
Sexta
(O FIIF e os seus Participantes)
Um - A Terceira Contratante, quando for notificada de que se encontram verificados os factos enunciados nas alíneas a) e b) do n° um da cláusula quarta, dará início ao processo de constituição de um fundo de investimento imobiliário fechado, de subscrição particular, nos termos previstos no RJFII (Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário aprovado pelo Decreto-lei n° 60/2002, de 20 de Março e posteriores alterações.
Dois- O FIIF será constituído com o capital de € 5.000.000 (cinco milhões de euros), o qual será aumentado uma ou mais vezes, até € 8.300.000 (oito milhões e trezentos mil euros), sendo os aumentos, apenas, subscritos pela Segunda Contratante para os efeitos previstos no n° um da cláusula terceira, compromisso este que, desde já, é assumido entre os Primeiros Contratantes e a Segunda Contratante.
Três - O FIIF terá como únicos investidores/participantes os Primeiros Contratantes que, no seu conjunto, deterão 50% do capital do Fundo e a Segunda Contratante (ou sociedade que com ela esteja em relação de grupo ou de domínio) que virá a deter os outros 50%, sendo a parte dos Primeiros Contratantes realizada em espécie, com a transmissão da propriedade do Prédio, e a parte da Segunda Contratante realizada com entradas em dinheiro que concretizem subscrições do capital inicial ou de aumentos de capital feitos ao valor nominal de acordo com o calendário a que se referem os n°s um e dois da cláusula terceira.
Quatro - O FIIF adoptará o Regulamento de Gestão que será submetido aos Primeiros Contratantes antes de o processo de autorização para a constituição do Fundo dar entrada na CMVM e cujas comissões de gestão e de depósito deverão estar em conformidade com os valores previstos no Estudo Económico que constitui o Anexo IV e esgotará o objectivo que preside à sua constituição quando se mostrar consumado e liquidado, bem como distribuídos os resultados do Projecto identificado no Considerando c).
Quinto - O FIIF recorrerá às empresas que são participadas da Segunda Contratante, ou pertençam ao mesmo grupo económico, para a prestação de serviços de mediação e marketing imobiliários e para a prestação de serviços de gestão, coordenação e fiscalização da construção e projectos, observando os valores estimados no estudo económico anexado ao presente contrato (Anexo IV).
Sexto - Atento o facto de os Primeiros Contratantes se encontram actualmente em contacto com a entidade “…………, Sociedade de Advogados, R.L., ou a qualquer sociedade que resulte da cisão desta, ou ainda a qualquer advogado que faça parte daquela sociedade” que manifestou interesse em arrendar/adquirir a totalidade do Prédio, depois de concluída a nova construção, fica desde já acordado que, caso o Fundo, depois de iniciada a construção do novo edifício, venha a celebrar negócio com essa entidade, seja mediante arrendamento, seja mediante venda do imóvel, os respectivos honorários de comercialização serão devidos aos Primeiros Contratantes. Nesta eventualidade, a Segunda Contratante abdica dos honorários de comercialização referidos no número cinco da presente cláusula, sendo eles quantificados em conformidade com os valores estimados no estudo económico anexado ao presente contrato (Anexo IV).
Sétimo - Os Primeiros Contratantes e a Segunda Contratante obrigam-se, reciprocamente, a observar o pacto de preferência que estabelecem, desde já, e que produzirá efeitos quando se tornarem participantes do FIIF, o qual confere aos participantes o direito de preferência na alienação das unidades de participação dos outros e restringe a alienação a terceiros, a qual só será permitida se e quando nenhum dos participantes quiser preferir.
Oitavo - O direito de preferência estabelecido no n.º anterior será exercido da seguinte forma:
i) O titular de unidades de participação que pretenda transmiti-las, em parte ou na totalidade, a terceiros não participantes, notificará a Terceira Contratante dessa sua intenção, por carta registada com aviso de recepção expedida com, pelo menos, 30 (trinta) dias de antecedência relativamente à data da projectada transmissão, identificando o transmissário e demais termos e condições em que se propõe realizar a transmissão;
ii) No prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da recepção da notificação referida no número anterior, a Terceira Contratante dará conhecimento da projectada transmissão aos Primeiros Contratantes e à Segunda Contratante a excepção do putativo alienante das unidades de participação em questão) devendo estes, se pretenderem exercer o seu direito de preferência, comunicar tal facto, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, directamente ao participante proponente, com cópia para a Terceira Contratante;
iii) O exercício do direito de preferência tem de abranger a totalidade das unidades de participação a transmitir, podendo vários beneficiários do direito de preferência aqui previsto exercê-lo em conjunto, na proporção que entre si acordarem;
iv) Decorridos os prazos atrás indicados sem que nenhum dos beneficiários do referido direito de preferência haja comunicado ao participante proponente que pretende exercer o seu direito de preferência, ou em que tenha comunicado pretender exercê-lo apenas quanto a parte das unidades de participação em causa, o participante transmitente é livre de proceder à transmissão das unidades de participação nos termos e condições notificados à Terceira Contratante nos termos da alínea i).
v) Os direitos de preferência regulados pelo presente artigo não se aplicam à transmissão mortis causa de unidades de participação detidas pelos Primeiros Contratantes.
Nono - Se for exercida a preferência por mais de um participante, serão entre eles rateadas as alienadas unidades de participação, na proporção das que cada um tiver. Para efeitos do disposto nesta alínea, entende-se por participante um participante individual ou um conjunto de participantes coligados nos termos da alínea iii) do n.º anterior.
Décimo - Não se encontram abrangidas pela preferência prevista nos números sete e oito precedentes, sendo desde já aceite pelos Contratantes, que a transmissão das unidades de participação, assim como a cessão da posição contratual quer da Segunda Contratante quer da Terceira Contratante, podem ser realizadas, no caso dos Primeiros Contratantes, a favor de uma sociedade de que eles sejam sócios detentores da maioria absoluta, nos caso das Segunda e Terceira Contratantes a favor de sociedades em que uma ou outra esteja em relação de grupo ou em relação de domínio, seja na posição de dominante seja na posição de dominada.
(…)
Oitava
(Incumprimento)
Um - O incumprimento do presente contrato por facto imputável aos Primeiros Contratantes ou por facto imputável à Segunda Contratante confere à outra destas partes não faltosa o direito a exigir uma indemnização cujo valor se fixa, a título de cláusula penal, em € 1.500.000 (um milhão quinhentos mil euros).
Dois - O incumprimento pela Terceira Contratante das obrigações por si assumidas no presente contrato, por facto que lhe seja imputável, terá como consequência o seu afastamento de sociedade gestora do FIIF.
Três - Na eventualidade de os Primeiros Contratantes não estarem em condições de cumprir a data prevista n° um da cláusula segunda por não terem cessado um ou mais dos contratos de arrendamento que impendem sobre o Prédio ou por não terem logrado alcançar a desocupação total deste, as Partes desde já acordam prorrogar aquela data para seis meses mais tarde, ou se a situação se mantiver mesmo com esta prorrogação, acrescentar-lhe ainda, outros seis meses (até 31 de Dezembro de 2014).
Quatro - Perante uma situação de incumprimento do presente contrato por o Prédio não ter sito totalmente desocupado na data acordada no n° um da cláusula segunda e posteriores prorrogações, assiste à Segunda Contratante o direito potestativo de comprar o Prédio para si ou para um Fundo de Investimento Imobiliário ou Sociedade de Investimento Imobiliário de que seja participante ou sócia, pagando aos Primeiros Contratantes um preço que se calcula deduzindo ao valor de € 4.150.000, os valores constantes da tabela anexa ao presente contrato como custo/indemnização a pagar para a desocupação das várias fracções autónomas do Prédio (Anexo VI).
Os Primeiros Contratantes desde já aceitam que, se no termo do prazo para a desocupação do Prédio previsto no número um da cláusula segunda apenas faltar alcançar acordo com um ocupante, o montante constante daquela tabela (Anexo VI) deverá ser reforçado em € 100.000 (cem mil euros).
§ 1º - Se, malgrado terem desenvolvido todas as diligências que situações deste tipo aconselham como necessárias e convenientes, os Primeiros Contratantes não conseguirem desocupar o imóvel dentro do prazo consagrado no número um da cláusula segunda e eventuais prorrogações, tal facto não confere à Segunda Contratante o direito à indemnização prescrita no número um da cláusula oitava.
§ 2° - Na eventualidade de ocorrer a rescisão do presente contrato por facto que decorra da situação prevista no antecedente § 1º, os Primeiros Contratantes, desde já, atribuem à Segunda Contratante ou a qualquer uma das entidades a que se refere o número quatro desta cláusula o direito de preferência na compra e venda que venham a contratar com um terceiro, no prazo de um ano a contar da data em que a rescisão se tenha verificado.»
(provado pelo documento n.º 5 junto à petição inicial);
c) Em data que o Tribunal não consegue precisar, o contrato identificado na alínea anterior foi resolvido pelo Impugnante e pelos restantes contraentes (facto não controvertido e confirmado pelo documento n.º 4 junto à petição inicial);
d) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 05-06-2015, F............, G…………, H…………, E............ e o Impugnante venderam a «J…………, Lda.», pelo preço global de €12.620.000, as frações autónomas do prédio urbano identificado na alínea a) do probatório, nos seguintes termos:

«a) Pelo preço de um milhão seiscentos e vinte mil euros, correspondendo ao usufruto o valor de duzentos e quarenta e três mil euros e à nua propriedade o valor de um milhão trezentos e setenta e sete mil euros, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo - loja, com entrada pelo número ……. - comércio, com o valor patrimonial correspondente de € 130.150,00:

b) Pelo preço de dois milhões de euros, correspondendo ao usufruto o valor de trezentos mil euros e à nua propriedade o valor de um milhão e setecentos mil euros, a fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão direita - loja, com entrada pelos números …… a …… - comércio, com o valor patrimonial correspondente de € 145.560,00;

c) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito e esquerdo - escritório com o valor patrimonial correspondente de € 283.930,00;

d) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao segundo andar esquerdo - escritório - e arrecadação, com o valor patrimonial correspondente de € 179.650,00;

e) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar direito - consultório médico - e arrecadação, com o valor patrimonial correspondente de € 135.680,00;

f) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela leira “E”, correspondente ao terceiro andar esquerdo - escritório - e duas arrecadações, com o valor patrimonial correspondente de € 166.600,00;

g) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “G”- correspondente ao terceiro andar direito - escritório – e arrecadação, com o valor patrimonial correspondente de € 122.580,00;

h) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao quarto andar esquerdo - habitação, com o valor patrimonial correspondente de € 160.360,00;

i) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao quarto andar direito - habitação, com o valor patrimonial correspondente de € 122.090,60;

j) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra "J", correspondente ao quinto andar esquerdo - habitação, com o valor patrimonial correspondente de € 161.120,00;

l) Pelo preço de um milhão de euros, correspondendo ao usufruto o valor de cento e cinquenta mil euros e à nua propriedade o valor de oitocentos e cinquenta mil euros, a fração autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao quinto andar direito - habitação, com o valor patrimonial correspondente de € 132,650,00;

(…)»

(provado por documento, de fls. 29 a 35 do registo no SITAF n.º 005917982);

e) Em 22-02-2017, o Impugnante e E............ apresentaram, no estado de casados, a declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2015 (provado por documento, a fls. 5 do registo no SITAF n.º 005917982);

f) Na declaração identificada na alínea anterior, foi preenchido o anexo G, relativo a mais valias e outros incrementos patrimoniais, com a informação relativa à alienação onerosa do imóvel identificado na alínea a) do probatório, nos seguintes termos:

[Imagem]

(provado por documento, a fls. 13 do registo no SITAF n.º 005917982);
g) Na sequência da declaração modelo 3 de IRS identificada na alínea anterior, ao Impugnante e a E............ foi emitida a liquidação de IRS n.º 2016 5004773168, referente aos rendimentos de 2015, onde foi apurado um valor a pagar de €338.344,62 (provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial);

h) Em 26-07-2016, ao Impugnante e a E............ foi emitida a nota de cobrança n.º 2016 4831367, com o acerto da liquidação de IRS n.º 2016 5004773168, onde se apurou um saldo a pagar de €338.344,62 até 31-08-2016 (provado por documento, a fls. 112 do registo no SITAF n.º 005917982);

ii i) Em 30-08-2016, foi paga a quantia de €338.344,62 (provado por documento, a fls. 112 e 113 do registo no SITAF n.º 005917982);

j) Na sequência da resolução do contrato identificado na alínea c) dos probatório, foi instaurado, no ACL - Centro de Arbitragem Comercial, o processo n.º 17/2015/INS/ASB, em que era demandante a «C............, SGPS, S.A.» e demandados o Impugnante, E............, F............, G…………, H………… e I…………, onde foi prolatada decisão de 28-11-2016, condenando os referidos demandados, solidariamente, no pagamento do «montante de €750.000,00, acrescido de juros à taxa supletiva legal aplicável a obrigações comerciais vencidos desde 11 de Fevereiro de 2015 e vincendos até integral e efectivo pagamento» e no pagamento de «encargos directamente resultantes do processo arbitral (honorários dos Árbitros e encargos administrativos)» na proporção de 75% (provado pelo documento n.º 4 junto à petição inicial);
k) Na decisão identificada na alínea anterior, podemos ler:
«(…)
10.7. Apurar se existiu incumprimento definitivo do Contrato
10.7.1 Incumprimento e Resolução do Contrato
O Contrato foi resolvido através da carta enviada em 19 de Dezembro de 2014 por F………… à Demandante, e recebida por esta em 22 de Dezembro de 2014 (alíneas MM e NN dos factos não controvertidos).
A Demandante alega que essa resolução (e demais comportamentos dos Demandados) consubstanciou um incumprimento definitivo do Contrato, ao passo que os Demandados alegam que a resolução foi fundada atento o anterior incumprimento definitivo do Contrato pela Demandante.
Em qualquer caso, nenhuma das partes pôs em causa a eficácia da resolução. Ou seja, as partes aceitam que o Contrato se extinguiu através da referida resolução, divergindo apenas quanto à licitude desse acto (e correspondentes consequências).
Resta agora, à luz do supra exposto, determinar a quem assiste razão.
Alega a Demandante não ter existido qualquer acordo nos termos do qual se tenha comprometido a adiantar ou reembolsar os montantes indemnizatórios necessários à desocupação das últimas fracções do locado.
No entanto, esse acordo existiu e foi celebrado válida e eficazmente, conforme decorre das respostas às Questões 1 a 3.
Alega também a Demandante que mesmo se tal acordo tivesse existido e fosse válido e eficaz, o seu incumprimento nunca teria a importância suficiente para conduzir à resolução fundada do Contrato.
No entanto, se é certo que a obrigação em questão se afigura acessória, daí não decorre que o seu incumprimento não possa redundar num incumprimento definitivo.
Note-se que o Contrato dos autos não era de execução instantânea e que tinha em vista a criação de uma parceria duradoura ao longo da qual a Demandante teria de ir cumprindo obrigações financeiras relevantes. Neste tipo de contratos os possíveis incumprimentos não devem ser analisados isoladamente e mesmo a violação de uma obrigação lateral pode legitimar uma resolução, dependendo do contexto em ocorre e do que esse incumprimento possa significar para a parceria.
(…)
Da perspectiva dos Demandados, a conduta e a credibilidade da Demandante ao longo da execução do Contrato não são, obviamente, irrelevantes, já que as partes ficam ligadas uma à outra durante um período alargado de tempo e têm o direito a esperar uma colaboração leal mútua. Assim, não é de arredar à partida a possibilidade de o incumprimento de uma obrigação acessória revestir importância suficiente para justificar a resolução do Contrato.
Em todo o caso, alega ainda a Demandante que nunca teria existido incumprimento definitivo, já que não foram acordados os termos do referido adiantamento e que, ainda que assim não fosse, o seu comportamento apenas poderia ser qualificado como uma situação de mora.
Contrapõem os Demandados que a resolução foi lícita nos termos do artigo 808°, n° 1, do Código Civil, já que foi concedido à Demandante um prazo razoável para o cumprimento e que esse prazo foi incumprido.
Nesta matéria assiste razão à Demandante.
Nos termos do artigo 805° do Código Civil:
"1- O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2 - Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito,
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
(…)”
Ora, reitera-se, não se provou que a referida obrigação de reembolso tivesse um prazo certo (não sendo sequer equacionável in casu a aplicação das citadas alíneas b) e c) do artigo 805°, n° 2).
Assim, a Demandante só estaria em mora quanto à mencionada obrigação de reembolso depois de interpelada para a cumprir.
No seu depoimento, F………… não confirmou cabalmente ter exigido tal reembolso logo após os primeiros pagamentos aos inquilinos. A esse respeito, afirmou ter procurado saber junto da Demandante no final de Agosto ou início de Setembro de 2014 como seria “ressarcido”, mas referiu também o seguinte: “Eu não posso dizer com toda a certeza que lhes fui pedir o dinheiro, não posso” (…). A carta dos Demandados de 22 de Outubro de 2014 também não inclui uma tal interpelação, já que apesar de aí se referir a obrigação de adiantamento dos montantes em questão pela Demandante, não se fixa qualquer prazo para o reembolso desses montantes. O “prazo” ali mencionado foi fixado para que a Demandante comunicasse o que tivesse por conveniente sobre o teor da carta, não para directamente cumprir uma obrigação contratual (…).
Analisada a correspondência trocada entre as partes, constata-se que a primeira carta na qual os Demandados exigem à Demandante o referido reembolso - ou seja, a carta em que a interpelaram para cumprir essa obrigação - é a carta de 27 de Novembro de 2014 (alínea KK dos factos não controvertidos). Nessa carta, é fixado à Demandante um prazo nos seguintes termos: "Face ao que antecede, vimos interpelá-los expressamente para, em cumprimento do acordado, nos reembolsarem o valor de €1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros) - correspondente ao valor das indemnizações pagas aos arrendatários e que adiantámos - até ao próximo dia 10 de dezembro, sob pena de, não o fazendo, incumprirem definitivamente o contrato que celebrámos, com as consequências nele previstas.".
A mora da Demandante iniciou-se então quando terminou o referido prazo, em 10 de Dezembro de 2014.
De acordo com o artigo 804°, n° 1, do Código Civil, "a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor".
No entanto, o credor só tem direito à resolução do contrato depois de a mora se converter em incumprimento definitivo nos termos do artigo 808°, n° 1, do mesmo Código.
Desconsiderando aqui o caso da perda objectiva do interesse na prestação, que não foi alegada pelos Demandados, significa isto que os Demandados só poderiam resolver o Contrato se, depois de iniciada a mora da Demandante (ou seja, depois de 10 de Dezembro de 2014), fixassem um prazo razoável à Demandante para que esta cumprisse a obrigação de reembolso e esta incumprisse tal prazo.
(…)
Ora, depois de 10 de Dezembro de 2014, momento a partir do qual poderia afirmar-se que a Demandante entrou em mora, os Demandados não fizeram nenhuma interpelação admonitória para efeitos do artigo 808º, nº 1, e parecem ter assumido que a sua missiva daquela data corresponderia à referida interpelação.
Com efeito, a primeira carta enviada pelos Demandados após 10 de Dezembro de 2014 foi a carta de 19 de Dezembro de 2014, na qual resolveram o Contrato.
Assim, constata-se que não existia incumprimento definitivo do Contrato quando os Demandados o resolveram.
Note-se ainda que idêntica conclusão seria alcançada se, como defendem os Demandados, se entendesse que a carta de 27 de Novembro de 2014 incluía uma interpelação admonitória nos termos e pata os efeitos do artigo 808°, n° 1, do Código Civil.
É que o referido artigo 808°, n° 1, exige que o prazo dado ao devedor seja “razoavelmente fixado”. Ora, não pode a este respeito ignorar-se a circunstância de os Demandados terem pedido o reembolso de montantes que ainda não tinham sido desembolsados e que não vieram a sê-lo antes da resolução do Contrato.
Como afirma a Demandante, os Demandados mentiram quando afirmaram que haviam adiantado €1.300.000.00 (só haviam adiantado €580.000,00) e agiram contra as regras impostas pela boa fé quando exigiram o reembolso desse montante sem o terem ainda desembolsado na íntegra. Como se referiu, nada indica que essa conduta tivesse como objectivo algum enriquecimento ilícito, mas o certo é que traduz uma pressão ilegítima sobre a Demandante numa fase em que esta atravessava graves dificuldades financeiras.
No caso concreto, a desrazoabilidade do prazo não assenta exactamente na sua duração, mas sim nas circunstâncias em que o mesmo foi fixado e nos fundamentos invocados pelos Demandados a esse respeito.
Ou seja, também por este motivo haveria de concluir-se que os Demandados resolveram ilicitamente o Contrato.
Diga-se ainda (embora os Demandados não tenham avançado esse argumento) que a Demandante não se opôs ao cumprimento da referida obrigação em termos que permitissem, sem mais, qualificar tal oposição como um incumprimento definitivo.
(…)
Ora, se é verdade que na carta de 11 de Novembro de 2014 a Demandante propôs uma nova alteração ao Contrato em termos que iriam prejudicar os Demandados, não é menos verdade que se tratou de uma proposta e que, como se sublinhou, foi imediatamente precedida de uma confissão da existência do acordo em questão.
Mesmo a postura da Demandante na reunião de 10 de Dezembro de 2014, que já foi de afastamento em relação ao acordado, não pode ser, com segurança, vista como um ponto final na relação contratual. Note-se que do depoimento de F………… decorre que, no seu entendimento, L………… nem sequer conheceria a carta de 11 de Novembro de 2014 e teria ficado surpreendido com o seu teor quando confrontado com a mesma (pp. 75-80). Embora este comportamento fosse apto a minar a confiança dos Demandados na Demandante, não significava, sem mais, que a posição da Demandante já era irredutível. A comunicação seguinte enviada pela Demandante aos Demandados ocorre já depois da resolução, pelo que não é, neste ponto, determinante.
Reitera-se, então, a ilicitude da resolução do Contrato pelos Demandados.
Desta ilicitude da resolução decorre também que os Demandados incumpriram definitivamente o Contrato. Com efeito, ao contrário do que sucedeu com a Demandante, a resolução consubstanciou uma recusa categórica, clara e definitiva de manutenção do Contrato. Note-se que a carta de resolução foi acompanhada de um comando injuntivo que confirma uma intenção de total desvinculação entre as partes: “A partir da presente data devem V. Exas. abster-se, de divulgar a existência de qualquer parceria com os proprietários por mim representados, de promover qualquer forma de divulgação ou comercialização do prédio, e bem assim de promover a aprovação de qualquer projecto e/ou obtenção de quaisquer licenças para a realização de trabalhos no mesmo". Além disso, na carta dos Demandados de 22 de Janeiro de 2015 reitera-se que a resolução do Contrato foi “consumada em 22/12/2014, com a receção por V. Exas da nossa carta de 19/12/2014" (alínea PP dos factos não controvertidos). Ou seja, os Demandados não deixaram margem para dúvidas de que no seu entender o Contrato estava extinto desde a recepção da carta de resolução e que nada mais havia a cumprir.
Tendo os Demandados incumprido definitivamente o Contrato, resta agora apreciar as consequências desse acto, em especial no que respeita à aplicação da cláusula penal.
10.7.2 Cláusula Penal
A constatação de que os Demandados resolveram ilicitamente (e, consequentemente, incumpriram definitivamente) o Contrato não conduz, automática e necessariamente, à aplicação da penalidade prevista na cláusula 8ª do Contrato.
Com eleito, a cláusula 8ª, n° 1, do Contrato estabelece que "O incumprimento do presente contrato por facto imputável aos Primeiros Contratantes ou por facto imputável à Segunda Contratante confere à outra destas partes não faltosa o direito a exigir uma indemnização cujo valor se fixa, a título de cláusula penal, em €1.500.000 (um milhão quinhentos mil euros)" (realce nosso).
Embora tal redacção não seja esclarecedora quanto ao que é em concreto exigível a quem pretende executar a referida cláusula, veicula a ideia de que esse direito pressupõe uma conduta contratualmente correcta.
Além disso, e como referiu a Demandante no requerimento de 25 de Novembro de 2016, o exercício de qualquer direito pode ser impedido ou limitado se se revelar violador da boa fé em termos que consubstanciem abuso do direito.
Assim, sempre seria necessário apurar se, em concreto, o exercício do direito conferido pela referida cláusula é legítimo à luz das regras gerais que impõem aos contraentes uma conduta respeitadora da boa fé.
(…)
Vejamos então se, no caso concreto, a Demandante pode ou não exercer o direito previsto na referida cláusula penal.
A este respeito, não pode ignorar-se o facto de a Demandante não ter agido em conformidade com as obrigações por si assumidas nem, em geral, com os ditames da boa fé, impostos, designadamente, pelo artigo 762° do Código Civil.
Recorde-se que toda esta situação nasce por iniciativa da Demandante. Foi a Demandante quem propôs a alteração do projecto. Foi a Demandante quem propôs o aumento dos valores a pagar aos inquilinos que ainda ocupavam o prédio acenando com perspectivas de aumento de rendibilidade. Foi a Demandante quem propôs que esses valores fossem por si adiantados e posteriormente contabilizados como custos do projecto. Foi a Demandante quem, devido às suas súbitas dificuldades financeiras, não adiantou esses montantes e encorajou os Demandados a fazê-lo. Foi a Demandante quem, depois de os Demandados terem feito parte dos pagamentos aos inquilinos, veio propor uma nova forma divisão desses custos, nos termos da qual os Demandados ficariam prejudicados. Foi ainda a Demandante quem, por fim, negou aquilo que antes tinha afirmado a este respeito, procurando escudar-se na falta de formalização dos seus compromissos.
Tudo isto num cenário em que a Demandante e o grupo no qual esta estava inserida entraram em crise profunda. Recorde-se a este respeito que em 10 de Dezembro de 2014, foi publicado o anúncio da nomeação de um Administrador Judicial Provisório da Demandante, no âmbito de um Processo Especial de Revitalização (“PER"), já antes requerido pela Demandante. Ora, apesar de a Demandante ter reunido em 10 de Dezembro 2014 com o representante dos Demandados, não lhe transmitiu sequer que dera início ao referido PER (alíneas UU e VV dos factos não controvertidos), bem sabendo que os Demandados estavam, naturalmente, preocupados com o futuro da Demandante (depoimento de …………, pp. 155-1 56). Esta situação foi, aliás, expressamente referida pelos Demandados na carta de resolução.
Seria agora incompreensível e contraditório que a Demandante, que deu o dito por não dito e que minou a confiança do seu parceiro negocial numa altura em que ela mais seria necessária, pudesse prevalecer-se de forma irrestrita do comportamento menos sensato que estimulou nessa contraparte.
Visto por outra perspectiva, é compreensível (ainda que não justificasse uma resolução nos termos ocorridos e muito menos a transmissão de informação enganadora à Demandante) que os Demandados se tenham “alarmado” e resolvido o Contrato quando a Demandante estava apenas em mora. Com efeito, perante o colapso do grupo empresarial em que se integrava a Demandante e perante a sua mudança de atitude, entende-se a precipitação dos Demandados.
Em termos coloquiais, pode afirmar-se que ambas as partes estiveram mal e que foram mutuamente desleais na execução e resolução deste Contrato.
Não estão em causa incumprimentos longínquos nem totalmente desconexos. O fundamento da resolução, apesar de ilícito nos termos acima explanados, parte ele próprio desta conduta ilícita da Demandante.
Não é então possível desligar totalmente a conduta dos Demandados aquando da resolução do Contrato de todo este anterior iter impulsionado pela Demandante. Fazê-lo equivaleria a desconsiderar múltiplos factos que influenciaram a conduta ilícita dos Demandados e que são da responsabilidade da Demandante.
Existiria uma situação de grave desequilíbrio se o acto final dos Demandados (ilícito, é certo) desse origem à plena aplicação de uma cláusula penal, e os antecedentes actos da Demandante (também eles ilícitos) fossem juridicamente irrelevantes.
Por outras palavras, dificilmente poderia a Demandante ser vista como uma parte "não faltosa", nos termos e para os efeitos da cláusula penal prevista na cláusula 7ª do Contrato.
Independentemente da letra da referida cláusula, estar-se-ia sempre perante uma situação de abuso do direito, relevante nos termos e para os efeitos do artigo 334° do Código Civil.
Mais precisamente, o caso vertente é reconduzível à modalidade de abuso do direito vulgarmente conhecida por tu quoque.
(…)
Em suma, depois de ter contribuído relevantemente para um contexto de instabilidade contratual, não pode a Demandante, mesmo perante o incumprimento por parte dos Demandados, actuar como se se tivesse comportado de forma contratualmente leal.
Assim, apesar de os Demandados terem resolvido o Contrato ao arrepio do disposto no artigo 808° do Código Civil, seria ilegítimo que a Demandante pudesse agora exercer o direito a exigir na íntegra o montante previsto na referida cláusula penal. Entende este Tribunal que uma decisão que permitisse o exercício irrestrito da referida cláusula penal neste contexto de infidelidade contratual mútua seria violadora dos artigos 334° e 762° do Código Civil por resultar num desequilíbrio que repugnaria à ordem jurídica.
No seu requerimento de 25 de Novembro de 2016, a Demandante defende que, estando em causa um contrato sinalagmático, a parte que pretende invocar a referida cláusula penal, só não o poderá fazei se tiver também ela cometido um incumprimento "da mesma gravidade, com o mesmo grau de reprovação". Com efeito, se a Demandante tivesse cometido um incumprimento “da mesma gravidade, com o mesmo grau de reprovação", não teria, pura e simplesmente, direito a exigir o pagamento de qualquer quantia ao abrigo da cláusula penal.
A actuação da Demandante não foi leal e esse comportamento teve impacto real na execução do Contrato, como se viu, mas não consubstanciou um incumprimento definitivo nem atingiu um patamar que possa simplesmente desculpar a actuação dos Demandados. Apesar de pressionados pelo comportamento da Demandante e pelo contexto por esta criado, os Demandados poderiam ter agido de outro modo. Designadamente, podiam não ter posto imediatamente termo ao Contrato e, certamente, deviam ter-se abstido de veicular informações enganadoras sobre os pagamentos já realizados.
Destarte, o Tribunal entende ser necessário restringir - mas não impedir - o exercício do direito previsto na referida cláusula penal. Quanto à medida dessa restrição, afigura-se equilibrado, no contexto supra descrito e que aqui se dá como reproduzido, determinar que a Demandante terá apenas direito a obter das Demandadas metade do valor previsto na cláusula penal, ou seja, €750.000,00. Fica dessa forma satisfeita a função da cláusula, atribuindo-se indemnização à Demandante, sem que, todavia, se atraiçoe o princípio da boa fé, enformador de todo o sistema jurídico e positivado nos artigos 334° e 762° do CC. Conforme requerido pela Demandante nos artigos 56° e 57° da P.I., e novamente no pedido final aí deduzido, ao referido montante acrescem juros vencidos desde 11 de Fevereiro de 2015, data da interpelação referida em QQ dos factos assentes, e vincendos até integral e efectivo pagamento à taxa supletiva legal aplicável a obrigações comerciais.
(…)»
(provado pelo documento n.º 4 junto à petição inicial);
l) No processo n.º 17/2015/INS/ASB, que correu termos no ACL - Centro de Arbitragem Comercial, o Impugnante e E............ foram representados por advogados pertencentes à «………… – Sociedade de Advogados, RL.» (provado pelo documento n.º 4 junto à petição inicial);
m) Em 06-06-2016, o Impugnante pagou à «…………– Sociedade de Advogados, RL.» a quantia de €5.579,19, pela «[p]restação de serviços de assistência jurídica no âmbito do nosso dossier “…………”», relativo ao processo que correu termos em tribunal arbitral, a que se referem as faturas n.ºs FAC1.2016.01332 e FAC1.2016.01336, emitidas em 29-04-2016 (facto não controvertido e provado pelo documento n.º 8 junto à petição inicial);

n) O Impugnante pagou à «………… – Sociedade de Advogados, RL.» as quantias de €7.331,61 e de €4.001,57, pela «[p]restação de serviços de assistência jurídica no âmbito do nosso dossier “…………”», relativo ao processo que correu termos em tribunal arbitral, a que se referem as faturas n.ºs FAC1.2016.01991 e FAC1.2016.03444, emitidas em 30-06-2016 e 30-09-2016 (facto não controvertido, alegado no artigo 28.º da petição inicial e no artigo 18.º da contestação, e confirmado pelo documento n.º 8 junto à petição inicial);

o) O Impugnante e E............, em 21-06-2016, pagaram ao ACL - Centro de Arbitragem Comercial um valor total de €2.669,02, a título de custas com o processo n.º 17/2015/INS/ASB (facto não controvertido, alegado no artigo 26.º da petição inicial e no artigo 18.º da contestação, provado pelo documento n.º 7 junto à petição inicial);

p) Em cumprimento da decisão arbitral prolatada no processo n.º 17/2015/INS/ASB, que correu no ACL - Centro de Arbitragem Comercial, o Impugnante e E............ pagaram, em 30-12-2016, à «C………… (SGPS), S.A.» o valor de €131.866,95, «a título de capital, juros e encargos da arbitragem» (provado pelo documento n.º 6 junto à petição inicial);

q) No dia 22-02-2017, o Impugnante e E............ apresentaram declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2015 (provado pelo documento n.º 9 junto à petição inicial);

r) Na declaração identificada na alínea anterior, foi preenchido o anexo G, relativo a mais valias e outros incrementos patrimoniais, com a informação da alienação onerosa do imóvel identificado na alínea a) do probatório, nos seguintes termos:

[Imagem]

(provado pelo documento n.º 9 junto à petição inicial);
s) Em 02-08-2017, o Impugnante e E............ apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 2016 5004773168, pedindo, a final, a anulação da mesma e a admissão da declaração modelo 3 de IRS, de substituição, referente aos rendimentos de 2015, nomeadamente no que se refere às despesas e encargos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis no valor de €223.146,32 (provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial);

t) Através do ofício n.º 6708, de 09-03-2018, da Direção de Finanças de Lisboa, o Impugnante e E............ foram notificados de que, em 07-03-2018, o Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, proferiu despacho de concordância, no sentido do projeto de indeferimento da reclamação graciosa identificada na alínea anterior, determinando ainda a notificação do Impugnante e de E............, para efeitos de exercício do direito de audição prévia, com os seguintes fundamentos:
«(…)
III. FACTOS
1. Na consulta ao sistema informático, constam as seguintes Declarações Modelo 3 de IRS referente ao período de 2015:

[Imagem]

2. O reclamante apresentou em 30/05/2016, a Declaração Modelo 3 de IRS n.º 1503-2015-J3377-99 (fls. 164 ss), tendo declarado no Anexo G a venda da sua parte de 7,5% do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …… da Freguesia 110666, pelo valor de € 1.893.000,00 e o valor de aquisição de € 283.000,50, com € 294.844,32 de despesas e encargos.
3. Tal deu origem à Liquidação aqui reclamada, que apurou um valor a pagar de € 338.344,62 (Nota de Cobrança n.º 2016 4831367, no valor de € 338.344,62, que se encontra paga (fls. 172).
4. Em 24/07/2016 foi despoletado o procedimento de Gestão de Divergências (fls. 170), tendo o reclamante sido notificado, relativamente ao Anexo G, da necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição do imóvel alienado ou afetação a atividade.
5. O reclamante apresentou a documentação solicitada, tendo o processo sido findo sem correções.
6. Não há conhecimento que, até à presente data, tenha sido apresentada impugnação judicial (fls. 173).
7. Em 22/02/2017 o reclamante entregou uma declaração de substituição (1503-2015-J4599-89), alterando os valores de despesas e encargos que havia inicialmente inscrito no Anexo G, relativos ao prédio alienado, tendo esta ficado não liquidável.
8. Efetivamente, o reclamante adquiriu 1/2 do usufruto do prédio aqui em causa, por doação de sua esposa, E............ (NIF ………), em 21/01/2011, a qual ficou com outro 1/2 (fls. 158 ss).
9. Por escritura de compra e venda de 05/06/2015, pelo valor total de € € 10.727.000,00 os filhos do reclamante, alienaram a nua propriedade do prédio em causa a J………… LDA (NIF ………), tendo no mesmo acto o reclamante e a esposa alienado o usufruto do mesmo, pelo valor de € 1.893.000,00, totalizando a venda € 12.620.000,00 (fls.126 a129 e 154 a 156).
10. Anteriormente a esta alienação o reclamante e os demais comproprietários, haviam celebrado em 11/07/2011 com a C............ (SGPS), S.A. - NIF ……… e a D…………, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. – NIF ……… um contrato que contemplava a promessa de venda do prédio aqui em causa, livre de ónus e encargos e de quaisquer pessoas e bens, a um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado a constituir entre eles, pelo valor de € 4.150.000,00 (fls. 19 verso ss).
11. O contrato possuía ainda uma cláusula penal, mediante a qual o incumprimento do mesmo por facto imputável aos primeiros contratantes ou à segunda contratante, conferia à outra destas partes não faltosa o direito a exigir uma indemnização no valor fixado de €1.500.000,00 (fls. 24 verso).
12. Por os comproprietários terem procedido à resolução unilateral do referido contrato, facto que a promitente compradora considerou ilícito, foi a questão dirimida em sede do Centro de Arbitragem Comercial, para cuja decisão, de fls.9 ss, remetemos.
13. De forma sumária, a questão que aqui se colocava prendia-se com a responsabilidade pelo pagamento de € 1.300.000,00 de indemnização pelo despejo dos inquilinos do prédio, cujo adiantamento do montante para o pagamento os comproprietários alegavam ser da responsabilidade da “C…………”, o que não se veio a verificar tendo, alegadamente, sido suportado por aqueles.
14. Ficou demonstrado, em sede de decisão do Centro de Arbitragem, que em julho de 2014 a demandante (promitente compradora) teria transmitido aos demandados (promitentes vendedores) que se encontrava momentaneamente impossibilitada de pagar as indemnizações e que teria encorajado os demandados a adiantar os montantes necessários à desocupação do prédio, garantindo-lhe que seriam reembolsados brevemente, tendo estes aceitado essa alteração ao acordo, não obstante não ter ficado demonstrada a existência de um acordo quanto ao prazo certo para esse reembolso.
15. Terá ficado também demonstrado que, quando em 27/11/2014 os demandados exigiram o reembolso do montante de € 1.300.000,00 até 10 de dezembro de 2014, tinham apenas desembolsado € 580.000,00 e que só desembolsaram os remanescentes € 720.000,00 em 31/12/2014.
16. Refere ainda a decisão que teria ficado demonstrado que devido as dificuldades financeiras da demandante, em julho de 2014 esta havia comunicado aos demandados que não poderia adiantar imediatamente os montantes correspondentes às indemnizações a pagar aos últimos inquilinos, tendo igualmente ficado demonstrado que as dificuldades financeiras da demandante, assim como a crise no Grupo ………… originaram a saída dos administradores que acompanhavam o projeto e que, em virtude disso, a demandante propôs uma alteração ao acordo nos termos em que apenas suportaria 25% dos custos das referidas indemnizações, porém não ficou demonstrado que devido a essas dificuldades financeiras estaria definitivamente impossibilitada de cumprir o contrato.
17. Também ficou provado que os contactos entre os promitentes vendedores e a empresa M………… para a venda do prédio se iniciaram em fevereiro de 2015 e que os preços no sector do mercado imobiliário registaram um aumento significativo na segunda metade de 2014 e início de 2015.
18. Entendeu o Centro de Arbitragem Comercial que, tendo contribuído relevantemente para um contexto de instabilidade contratual, não poderia a demandante, mesmo perante o incumprimento por parte dos demandados, actuar como se se tivesse comportado de forma contratualmente leal.
19. Assim, apesar de os demandados terem resolvido o contrato ao arrepio do disposto no art. 808° CC, seria ilegítimo que a demandante pudesse agora o direito a exigir na íntegra o montante previsto na referida cláusula penal, entendendo o tribunal que uma decisão que permitisse o exercício irrestrito da referida cláusula penal neste contexto de infidelidade contratual mútua seria violadora dos arts. 334º e 762º CC por resultar num desequilíbrio que repugnaria à ordem jurídica.
20. Considera que a atuação da demandante não foi leal e esse comportamento teve impacto real na execução do contrato, mas não consubstanciou um incumprimento definitivo nem atingiu um patamar que possa simplesmente desculpar a atuação dos demandados. Apesar de pressionados pelo comportamento da demandante e pelo contexto por esta criado, os demandados podiam ter agido de outro modo, designadamente poderiam não ter posto imediatamente termo ao contrato, bem como deveriam ter-se abstido de veicular informações enganadoras sobre os pagamentos já realizados.
21. A decisão arbitral considerou o pedido parcialmente julgado procedente a favor da demandante, considerando-se que esta apenas teria direito a obter por parte dos demandados metade do valor previsto na cláusula penal (€ 750.000,00), acrescida de juros e de 75% dos encargos resultantes do processo arbitral.
(…)
V. ANÁLISE DO MÉRITO
1. Nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS “constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”, ou seja, consideram-se mais-valias a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (artigo 10.º, n.º 1, al. a) CIRS).
2. Nos termos do n.º 4 da al. a) do artigo 10.º do CIRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.
2.1. No que respeita aos valores de realização, no caso da alienação de imóveis, nos termos do disposto nos arts. 43º e 44º CIRS, considera-se o valor da contraprestação constante do contrato, ou, quando superior, o valor por que o bem houver sido considerado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
2.2. Quanto aos valores de aquisição a título oneroso de imóveis, considera-se nos termos do art. 46º CIRS, o valor que tiver servido para liquidação do imposto municipal dobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou, não havendo lugar à liquidação deste, o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida.
3. Refere o art. 51º, al. a) CIRS que “Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º.
4. Pretende o reclamante que se considere como despesa e encargo, a acrescer ao montante já declarado nos campos 4001 e 4002 do Anexo G o montante total de € de encargos pagos, correspondente a € 131.866,95 (indemnização paga à C………… SGPS, S.A. (fls. 100), € 2.669,02 de custas do Centro de Arbitragem (fls. 101 e 102) e € 16.912,37 de custos com a prestação de serviços de assistência jurídica (fls. 103 a 109).
5. A questão do que constituem “despesas necessárias”, tal como enunciado no art. 51º referido, deverá ter como base o facto de serem despesas indissociáveis da operação de venda de um imóvel que o alienante comprovadamente suportou para a sua realização, e que deverão, de forma inequívoca conter uma conexão com a transacção concreta que originou a mais-valia tributável, ou seja, aquelas sem as quais a aquisição ou alienação não são possíveis, fazendo parte da essência da própria aquisição ou alienação.
6. Assim, e no espírito do disposto na al. a) do art. 51º referido, sejam despesas inerentes à aquisição e alienação, sejam indemnizações pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos, é nosso parecer que qualquer destas despesas deverá possuir uma indispensabilidade e indissociabilidade para a transacção que gerou a mais-valia, pelo que, analisando as despesas que o reclamante pretende ver consideradas, não nos parece que as mesmas possuam as características que permitam a sua consideração como encargo e consequente dedutibilidade na determinação do rendimento colectável a título de mais-valia em sede de IRS, uma vez que estas despesas foram resultado de uma sanção imputada ao reclamante e demais comproprietários por incumprimento de um contrato anterior.
7. Efetivamente, estão aqui em causa as despesas suportadas com a indemnização arbitrada pelo tribunal (Centro de Arbitragem Comercial) que o reclamante e demais comproprietários foi condenado a pagar, em virtude de ter incumprido o contrato promessa a que estava obrigada, bem como os encargos daí decorrentes (custas de tribunal e com prestação de serviços jurídicos).
8. Embora o contrato promessa inicialmente celebrado tivesse como objeto a fração cuja venda foi a geradora da mais-valia, a verdade é que o ato da venda em si (com comprador diferente daquele com quem havia sido prometida a venda) em nada foi dependente da referida indemnização, não existindo entre estes dois actos, como atrás referido, uma relação de indispensabilidade e indissociabilidade.
9. Existiu sim, um cumprimento inicial do contrato celebrado pelo reclamante e demais comproprietários, cuja cláusula penal foi invocada pelo então promitente-comprador, o que lhe permitiu, posteriormente, proceder à alienação aqui geradora da mais-valia, mas tal não teve qualquer relação de interdependência.
10. Assim, as despesas que o reclamante pretende ver consideradas não poderão ser aceites para efeitos de despesas e encargos do Anexo G, pelo que é nosso parecer que a pretensão do reclamante não poderá ser atendida.
11. Acrescenta-se, ainda, que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.
(…)»
(provado por documento, de fls. 115 a 127 do registo no SITAF n.º 005917982).

*
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e dos processos administrativos tributários apensos, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, bem como pela posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.”
«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da sentença recorrida que recusou abrigo à pretensão do Recorrente no entendimento de que o pagamento das quantias de €131.866,95 (corresponde à quota-parte do Impugnante), de €2.669,02 e de €16.912,37, pagas a título, respectivamente, de indemnização, de custas processuais e de serviços de assistência jurídica na sequência de litígio relacionado com a resolução de um contrato celebrado com a C............, SGPS, S.A. e a D............, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., não constituem despesa necessária e efectivamente praticada, inerente à alienação do mesmo imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51º al. a) do CIRS.

Nas suas alegações, o Recorrente defende que suportou despesas, que inclui na sua declaração substitutiva de IRS, relativas a: i) indemnização paga, em sede de processo comercial arbitral, a uma entidade parceira do Impugnante, através de cujo pagamento foi possível fazer cessar uma relação contratual que tinha por objecto o bem imóvel gerador da mais valia e que culminaria na sua alienação no âmbito dessa parceria a um Fundo de Investimento; ii) as custas processuais suportadas pelo Impugnante no supra aludido processo comercial arbitral; iii) os honorários suportados pelo Impugnante à sociedade de advogados que o representou no mesmo supra referido processo comercial arbitral, sendo que se é certo que nenhuma das referidas despesas valorizou materialmente o bem imóvel, já não se pode dizer o mesmo quanto a uma valorização económica do mesmo, pois que o imóvel em apreço estava indissociavelmente ligado a um negócio estabelecido entre Impugnante e B............, S.A., e não seria passível de ser vendido livremente no mercado imobiliário a um terceiro, como acabou por ser, sem que essa relação contratual cessasse (visto que sendo um contrato promessa de compra e venda de bem imóvel estava legalmente sujeito a execução especifica, artigo 830.º, n.º 3 do CC), pelo que, a mera desvinculação contratual do Impugnante e da B............, S.A. foi o que indiscutivelmente conduziu, sem nenhum outro factor externo, à possibilidade de recolocar o bem no mercado e, assim, permitir a sua alienação pelo valor por que vem a ser alienado, € 12.620.00,00, isto é, cerca de 3 vezes mais do que o valor pelo qual seria alienado no quadro daquele contrato (€ 4.150.000,00).

Já as custas processuais do processo arbitral e os honorários da Sociedade de Advogados que representou o impugnante foram ambas despesas indissociáveis da existência daquele litígio pelo que hão-de ser, também, tidas como fazendo parte da despesa do pagamento da indemnização, assim igualmente dedutíveis, o que significa que a sentença recorrida violou o disposto no art.º 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS ao não admitir que as despesas incorridas pelo Impugnante tenham contribuído para a valorização do bem, o que deve conduzir à sua anulação.

Só a inclusão de todos os encargos referidos fará com que a tributação seja feita de acordo com a capacidade contributiva (art.º 4.º, n.º 1 da LGT e art.º 104.º, n.º 1 da CRP) e de acordo com o princípio do rendimento líquido [apenas o montante líquido constitui (verdadeiro) rendimento para o pagamento de impostos].

Que dizer?

O art. 10º nº 1 al. a) do Código do IRS aponta que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário, sendo que a al. a) do nº 4 do mesmo preceito legal refere que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, no casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1.

Tal significa que as mais-valias envolvem quaisquer rendimentos acrescidos ao património do contribuinte, v.g. por via da transmissão onerosa de bens imóveis, ainda que alheias à actividade ou vontade da entidade em cujo património tal valorização se irá afinal repercutir, sendo inequívoco, para efeitos de tributação em IRS, que se considera mais-valia sujeita a imposto a diferença positiva entre o valor de transmissão e o valor de aquisição resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.

Por seu lado, o art. 51º al. a) também do Código do IRS (na redacção vigente à data dos factos, dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) determina que, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º.

Assim, são mais-valias tributáveis os ganhos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis (art.10º nº 1 al. a) do CIRS - redacção vigente à data do facto tributário - 2015) e o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos 44º a 52º do CIRS (artigo 43º nº 1 do CIRS), verificando-se que o saldo atrás referido, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas no artigo 10º nº 1 al. a) do CIRS, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor (artigo 43º nº 2 do CIRS).

Diga-se ainda que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de realização no caso de alienação de imóvel, o valor da respectiva contraprestação e, no caso de ser superior o valor tido em conta para efeitos de liquidação do IMIT, ou não havendo lugar a esta o valor que devesse ser, caso fosse devida (artigo 44º nº 1 al. f) e 2 do CIRS) e no caso do art. 10º nº 1 al. a) do CIRS, se o imóvel tiver sido adquirido a título oneroso considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação de IMT (art. 46º do CIRS), para além de que sempre que entre a data de aquisição e a data de alienação tenham decorrido mais de 24 meses o valor de aquisição ou equiparada de direitos reais sobre os e bens referidos no art. 10º nº 1 al. a) do CIRS é corrigido pela aplicação de coeficientes, nos termos estatuídos no art. 50º do CIRS.

Avançando, e como já ficou enunciado, para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 5 anos e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas no art. 10º nº 1 al. a) do CIRS - art. 51º al. a) do mesmo diploma legal.

Ora, a questão controvertida nos presentes autos traduz-se em saber se os montantes relacionados com a i) indemnização paga, em sede de processo comercial arbitral, a uma entidade parceira do Impugnante, através de cujo pagamento foi possível fazer cessar uma relação contratual que tinha por objecto o bem imóvel gerador da mais valia e que culminaria na sua alienação no âmbito dessa parceria a um Fundo de Investimento; ii) as custas processuais suportadas pelo Impugnante no supra aludido processo comercial arbitral; iii) os honorários suportados pelo Impugnante à sociedade de advogados que o representou no mesmo supra referido processo comercial arbitral, constituem uma despesa necessária inerente à alienação do imóvel identificado nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51.º/a) do CIRS.

Quanto às despesas inerentes à alienação, o Ac. deste Tribunal de 18-11-2009, Proc. nº 0585/09, www.dgsi.pt, refere que:

“…

No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.

Ora, o qualificativo “inerente”, logo etimologicamente - in re - contém, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.

De outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação.

Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”.

A posição dos recorrentes fica-se pela necessidade da despesa, não se atribuindo então, rigorosamente, àquela expressão, qualquer sentido útil.

E, pelo contrário, há-de entender-se que ela não só traz em si um quid significante acrescentativo, como é mesmo a verdadeira subordinante do preceito.

Não basta, pois, como aliás se refere na sentença, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento; é necessário que elas dele sejam indissociáveis.

Ora, não é a hipótese das despesas em causa, que apenas são conexas à alienação, não são dela inseparáveis: aquela podia perfeitamente ter lugar sem elas, ainda que por um valor diferente. …”.

Nesta sequência, temos que despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.

Com este pano de fundo, deparamos, in casu, com uma despesa que teve em vista como que a desoneração do imóvel alienado para ser entregue livre de ónus ou encargos, situação que não se vislumbra como indissociável da alienação.

Na verdade, embora tal despesa esteja conexionada com a venda não é inerente a esta, é-lhe exterior, tanto assim que nem sequer havia impedimento legal a que o imóvel tivesse sido vendido noutros moldes.

Com efeito, é o próprio Recorrente que aponta que a indemnização paga pelo Impugnante (bem assim as custas processuais e os honorários) - independentemente se ter sido motivada por um incumprimento contratual e accionamento parcial de cláusula penal - levou a que o Impugnante se desvinculasse de um negócio através do qual a alienação do mesmo bem iria ocorrer, ainda que em moldes diferentes, para uma entidade terceira, alienação essa que, ainda que o Fundo de Investimento a constituir fosse ter como interveniente também o Impugnante, não deixaria de ser integralmente tributada em sede de mais valias de IRS pelo valor total da venda do bem que seria de € 4.150.00,00 (assim gritantemente inferior ao valor pelo qual o bem vem, a final, a ser alienado), ou seja, tal como se referiu, o bem poderia ter sido vendido, embora por valor bem distinto daquele que acabou por ser vendido, reclamando o Recorrente que, afinal, também acabou por ser uma mais valia para a AT, na medida em que possibilitou a recolocação do bem no mercado e, assim, a sua alienação em condições bem mais vantajosas.

No entanto, a lei não contempla este tipo de despesas, nas condições descritas, sendo que também não está em causa o pagamento de indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, na medida em que, como refere o Recorrente, tratou-se de uma situação de incumprimento contratual e accionamento parcial de cláusula penal, que conduziu à condenação no pagamento do valor apontado, o que é bem diferente da realidade contemplada na norma em apreço.

Por outro lado, citando Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, 2.ª edição Almedina, pág. 140) e Paula Rosado Pereira (Estudos sobre o IRS, Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, 2005, pág. 108) exemplos de despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação são as relativas a registos e escrituras-públicas e a comissão paga ao agente imobiliário que intermediou a venda.

Além disso, como se retira da anotação ao artigo 51º do CIRC (Códigos Anotados & Comentados, IRS, Edição Julho 2015, Coordenação Prof.ª Doutora Glória Teixeira e Mestre Patrícia Anjos Azevedo, Lexit, o Informador Fiscal, página162/163 “Na esteira da tributação tendencial de rendimentos reais e efectivos este artigo confere relevância fiscal aos seguintes encargos e despesas na determinação dos ganhos (mais-valias) sujeitas a imposto:

(…)

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição, nas situações a que se refere o art. 1º, n.º 1 alínea a) - v.g. o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e os encargos notariais e de registo predial suportados com a aquisição do imóvel alienado - e, na redacção dada pela Lei 82-E/2014, de 31 de Janeiro, nas situações a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo.

c) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações a que se referem as alíneas), b) e c) do art.º 10.º - considerando-se como tais aquelas que se mostrem inequivocamente conexas com a transacção concreta na origem da mais-valia tributável (v.g. comissões de mediação imobiliária ou de corretagem) e não sendo enquadráveis, nesta vertente, quaisquer outras como encargos com processos judiciais de despejo de ocupantes de um imóvel”.

Assim, não se pode considerar como despesa necessária inerente à alienação as despesas suportados com o pagamento de indemnização a que o Recorrente e Outros foram condenados e encargos com o referido processo comercial arbitral, pois que, não são dedutíveis na determinação do rendimento colectável (mais-valias) em IRS, na medida em que, estas despesas só foram necessárias na sequência do incumprimento de obrigações por parte do Recorrente e Outros no âmbito do contrato mencionado nos autos, além de que, como bem refere a decisão recorrida, tendo o Impugnante sido tributado de acordo com o rendimento-acréscimo decorrente da venda do imóvel em questão nos presentes autos, inexistiu qualquer violação do princípio capacidade contributiva, nos termos do n.º 1 do art.º 4.º da LGT e n.º 1 do art.º 104.º da CRP, e com o princípio do rendimento líquido.

Tal equivale a dizer que a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido nos termos da declaração de voto que segue)

Não concordo com a decisão que obteve vencimento, porque não acompanho o enquadramento que foi dado às questões a decidir e porque do enquadramento que faço deriva que não caberia ao Supremo Tribunal Administrativo decidir.

O Recorrente contesta que os encargos sejam «encargos com a valorização dos bens» e que a indemnização por incumprimento contratual em que foi condenada não seja «indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens». Sendo, por isso, a interpretação e aplicação destes segmentos da alínea a) do artigo 51.º do CIRS que aqui está em causa.

Sucede que o Recorrente faz assentar a conclusão de que os encargos se subsumem a estes segmentos do referido dispositivo legal em pressupostos de facto que não foram relevados na sentença recorrida.

Assim, o Recorrente começa por dizer que é errada a premissa segundo a qual a desvinculação da sua parceria contratual no negócio de constituição do fundo de investimento fechado não valorizou o bem (pág. 4 das doutas alegações do recurso e 3.ª e 4.ª conclusões).

Sendo que a questão de saber se derivou da desvinculação do negócio anterior a valorização económica do bem em causa é uma questão de facto, porque não deriva de considerações jurídicas nem reclama a mediação do direito.

Adiante, o Recorrente alega que o bem imóvel estava indissociavelmente ligado ao negócio estabelecido com a B............, S.A., porque não poderia ser vendido livremente sem que essa relação contratual cessasse (pág. 7 das doutas alegações de recurso e 8.ª a 10.ª).

Sendo que a questão de saber se os compromissos anteriores contendem com compromissos contratuais posteriores tem a ver com a interpretação do conteúdo das declarações de vontade contratual e é, nessa medida, também uma questão de facto (questão de direito seria a de saber quais as regras jurídicas a observar nessa interpretação e, designadamente, se valeria a vontade real ou a vontade declarada).

Ora, se a decisão judicial recorrida faz assentar o julgamento em premissas (de facto) com que não concorda e que pretende sejam revistas no presente recurso, devo concluir que o presente recurso não tem por fundamento apenas matéria de direito.

E se o recurso não tem por fundamento apenas matéria de direito, o Supremo Tribunal Administrativo não é o tribunal competente em razão da hierarquia para dele conhecer – artigo 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Pelo que, a meu ver, seria de julgar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Sul.

Nuno Bastos