Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02566/14.9BEBRG
Data do Acordão:05/03/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
VENDA DE IMÓVEL
REINVESTIMENTO
Sumário:I - Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
II - O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de "numerus clausus" em matéria de incidência fiscal (norma de incidência negativa). Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma, sendo tributáveis como rendimentos de categoria "G".
III - Os motivos subjacentes à exclusão da tributação em I.R.S. das mais-valias cujos valores de realização sejam reinvestidos em habitação própria e permanente assentam na intenção do legislador de favorecer a aquisição de habitação própria e facilitar a mudança de casa. Por outras palavras, o objectivo geral do regime de exclusão da incidência consiste em não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino (cfr.artº.10, nº.5, do C.I.R.S.).
IV - Para que opere a exclusão tributária prevista no artº.10, nº.5, do C.I.R.S. (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo), será necessário que o ganho seja reinvestido na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P30944
Nº do Documento:SA22023050302566/14
Data de Entrada:12/14/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Braga, exarada a fls.116 a 121-verso do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação pelo recorrido, AA, intentada e tendo por objecto acto de liquidação de I.R.S., referente ao ano de 2010 e no montante a pagar, após acerto de contas, de € 10.927,79.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.131 a 139 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Salvo melhor entendimento, para a FP, a douta sentença de que recorre errou na interpretação e aplicação da alínea a), do nº5, do artigo 10º, do CIRS.
2-Para que haja exclusão de tributação do ganho imobiliário, o legislador fixou condições (cumulativas) na alínea a), do nº5, do artigo 10º, do CIRS, sendo que, ao recurso que a FP apresenta interessa o reinvestimento na aquisição de outro imóvel.
3-Devem os sujeitos passivos declarar a intenção de efectuar o reinvestimento e devem declarar o reinvestimento efectuado – artigo 57º, nº3, do CIRS.
4-O reinvestimento efectuado terá que ser declarado e mencionado na competente declaração de rendimentos do IRS, anexo G, porquanto, a exclusão de tributação ao abrigo do artigo 10º, nº5, alínea a), do CIRS, não corresponde a um benefício fiscal que caduca com o decurso do tempo, mas é um benefício fiscal cuja atribuição está dependente do reinvestimento – máxime que o produto da alienação de habitação própria e permanente seja utilizado, no prazo de 36 meses, na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino (habitação própria e permanente).
5-Nos casos em que, como no caso dos presentes autos, não foi declarado o reinvestimento e a liquidação impugnada resultou dessa omissão, o sujeito passivo terá que alegar e provar o reinvestimento.
6-Sem prova do reinvestimento, inexistirá benefício fiscal.
7-Da literalidade da norma ínsita no artigo 10º, nº5, alínea a), do CIRS, para que haja exclusão de tributação, é necessário que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
(i) O ganho obtido provenha da venda da habitação própria e permanente do sujeito passivo e/ou do seu agregado familiar;
(ii) O produto daquela venda seja utilizado para a aquisição da propriedade de outro imóvel destinado também à habitação própria e permanente do sujeito passivo e/ou do seu agregado familiar;
(iii) O produto obtido com a venda da habitação própria e permanente seja utilizado na aquisição da nova habitação no prazo dos 36 meses posteriores à sua obtenção.
8-Da letra da lei deve, naturalmente, partir a interpretação, mas, esta não deve cingir-se unicamente à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso – nº1, do artigo 9º, do CC.
9-Na interpretação da lei, a determinação do sentido e alcance da lei devem partir do pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – nº 2, do artigo 9º, do CC.
10-Volvendo à norma de exclusão da tributação em analise, se o legislador não quisesse exigir como condição/requisito de exclusão da tributação a aquisição de outro imóvel tê-lo-ia feito expressamente, porquanto, não teria utilizado o vocábulo «outro» e teria-se-ia exprimido de outra forma.
11-Para a FP, o legislador exige e, quis exigir, a aquisição de outro imóvel, dado que, o legislador não colocou como condição a aquisição da propriedade de imóvel, mas, como escreveu “a aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel”.
12-Esta interpretação da norma de exclusão da tributação, para além de ser aquela que encontra reflexo na letra da lei (o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados), é também aquela que, de acordo com a doutrina e jurisprudência, encontra eco na finalidade da norma, pois que,
- Para Rui Duarte Morais in Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, pag.114, “o objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias”.
- Para José Guilherme Xavier de Bastos in IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, “o objectivo do regime de exclusão da incidência é pois, o de não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel que fora dado o mesmo destino.”
- Conforme consta de Acórdão do TCA Sul de 2 de Março de 2010 (proc.3734/10), “(ora) fazendo apelo aos elementos sistemático e teleológico, somos a considerar que com esta norma de exclusão, o legislador, à semelhança de outras normas que existem no nosso ordenamento jurídico-tributário, pretendeu excluir de tributação em IRS o produto da realização da venda da habitação própria e permanente do sujeito passivo, desde que esse produto fosse utilizado na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino (…)”.
- Conforme referido no aludido Acórdão do TCA Sul de 2 de Março de 2010, “protege-se o direito fundamental e constitucionalmente consagrado do direito de habitação de cada indivíduo, isentando de tributação as operações que visem a alteração dessa habitação, a substituição dos prédios a ela destinados, ainda que no sentido da progressiva melhoria da sua qualidade, mas, não naturalmente, os negócios sobre a restante propriedade imobiliária do sujeito passivo”
13-Da letra e da razão de ser da norma de exclusão de tributação em análise – alínea a), do nº.5, do artigo 10º, do CIRS – resulta que o imóvel transmitido e o imóvel adquirido terão que ser imóveis diferentes (o que não sucedeu no caso dos autos).
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.144 a 146-verso do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.117 a 118-verso do processo físico):
1-Por Escritura Pública de partilha de bens comuns na sequência de divórcio, celebrada em 18-09-2009, no Cartório Notarial ..., em ..., foi adjudicado à Impugnante, além do mais, o prédio urbano, composto por casa com dois pavimentos, dependência e logradouro, destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...89, com o valor patrimonial de 23.970,00 € e atribuído de 54.922,86 € – facto não controvertido e conforme a fls. 6 a 8/verso do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
2-Por Escritura Pública de compra e venda, celebrada em 21-10-2010, no Cartório Notarial ..., em ..., a Impugnante transmitiu, entre outros, a propriedade plena daquele bem imóvel ao seu ex-sogro BB, pelo preço declarado de 24.868,95 € – facto não controvertido e conforme a fls. 9 a 10/verso do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
3-Em virtude da transmissão aludida no ponto antecedente, a Administração Fiscal procedeu, por impulso do novo proprietário, ex-sogro da Impugnante, à avaliação do imóvel nos termos do CIMI, tendo-lhe sido fixado, em 19-09-2011, o valor patrimonial tributário de € 86.040,00 – facto não controvertido e conforme a fls. 11 a 13/verso do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
4-Em 08-02-2012, a Impugnante apresentou declaração de substituição de rendimentos modelo 3 de IRS, do ano de 2010, nela relevando a transmissão do prédio urbano identificado em 2), fazendo constar como valor de realização o montante de € 86.040,00, como data da venda 2010-10, como valor de aquisição o montante de € 24.868,95, e como data da aquisição 2000-08, e como valor de realização que pretende reinvestir € 86.040,00 – cfr. fls. 18-21/verso do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
5-Da declaração modelo 3 de IRS aludida no ponto antecedente, contavam dois dependentes, com os NIF’s ... e ... – cfr. fls. 18 do processo administrativo apenso;
6-Na sequência da entrega da declaração de rendimentos mencionada em 4), foi emitida a liquidação de IRS n.º ...53, no montante a pagar de € 1.507,09 – cfr. documento n.º ... junto com a contestação, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
7-Por Escritura Pública de compra e venda celebrada em 12-08-2013, no Cartório Notarial ..., em ..., pelo preço declarado de € 86.040,00, a Impugnante adquiriu o prédio urbano, composto por casa com dois pavimentos, dependência e logradouro, destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...89, com o valor patrimonial de € 86.040,00, ali constando “(…) que o imóvel acima identificado se destina exclusivamente a sua habitação própria permanente. (…)” – facto não controvertido e conforme a fls. 15-16 do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
8-Nas declarações modelo 3 de IRS entregues por referência aos anos de 2011, 2012 e 2013, a Impugnante não declarou a aquisição/reinvestimento do imóvel aludido no ponto antecedente – cfr. documentos n.ºs ..., ... e ... juntos com a contestação, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
9-Por esse motivo, a Administração Fiscal, em 24-09-2014, procedeu à reliquidação da declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2010, aludida em 4), mediante o englobamento dos rendimentos da categoria G ali constantes, tendo sido emitida a liquidação n.º ...87, no valor de € 12.434,88, a qual, com os devidos acertos, estorno e juros compensatórios, resultou no montante a pagar de € 10.927,79, dali constando, enquanto data limite de pagamento, 05-11-2014 – cfr. documentos n.º ... e ... juntos com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
10-A petição inicial dos presentes autos deu entrada no Serviço de Finanças ... em 31-10-2014 – cfr. fls. 12 do suporte electrónico dos autos;
Mais se provou que:
11-A Impugnante, no exercício de 2010, tinha dois filhos dependentes;
12-A Impugnante e os filhos dependentes, anteriormente à alienação aludida em 2), habitavam no artigo urbano ...89, da freguesia ..., concelho ...;
13-Após a aquisição aludida em 7), a Impugnante e os filhos dependentes, retomaram a habitação no artigo urbano ...89, da freguesia ..., concelho ....
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…No que respeita aos factos provados, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base na conjugação dos documentos e informações oficiais, não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo apenso, bem como na posição assumida pelas partes em juízo, nos respectivos articulados, tudo conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada.
A convicção do Tribunal alicerçou-se, ainda, no que concerne aos pontos 11) a 13) dos factos considerados provados, na apreciação crítica e conjugada, à luz das regras da experiência, da prova testemunhal produzida nos autos, concretamente da testemunha CC, ex-cunhado da Impugnante e que habitava na mesma localidade de ..., na qual se localizava o imóvel subjacente ao cálculo da mais valia aqui objecto de impugnação, e que, inclusive, procedeu à submissão da declaração modelo 3 de IRS identificada em 4) dos factos considerados provados, o qual apresentou discurso objectivo e circunstanciado, decorrente do conhecimento familiar dos intervenientes no negócio, seus pai, irmão e ex-cunhada, fazendo relacionar a venda ao seu pai (ex-sogro da Impugnante) com o divórcio ocorrido com o seu irmão, e com a transferência de património tendente à sua salvaguarda, atenta a existência de dívidas no seio conjugal.
De igual modo, confirmou a existência de dois dependentes (relevados na competente declaração periódica de rendimentos), e da residência da Impugnante e dos dependentes antes e após a venda no artigo urbano que subjaz ao cálculo da mais valia em causa nos autos, sito em ..., e que o frequentava aquando das festividades e celebrações familiares, maxime aniversário dos sobrinhos.
Por outro lado, e não menos importante, o depoimento em causa mostra-se corroborado com os demais elementos documentais que integram os autos, de que são exemplo o atestado de residência junto como documento n.º ... da petição inicial, e a escritura de partilha por divórcio, dali se extraindo a existência de passivo conjugal. Finalmente, importa realçar que a existência quer dos dois dependentes, quer da residência da Impugnante (e dos dependentes) em momento anterior à venda e posterior à aquisição naquele exacto imóvel, não se mostra propriamente questionada pela Administração Fiscal, que apenas reliquidou o imposto em falta por não ter sido declarado o reinvestimento, que não por qualquer outro motivo, por exemplo, relacionado com o (não) preenchimento do pressuposto da habitação própria e permanente.
Foi, assim, análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados e não provados – cfr. art.º 74º e 76º, n.º 1, ambos da LGT e art.º 362º e ss. do C.C. …".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou o acto de liquidação de I.R.S. objecto do processo (cfr.nº.9 do probatório supra), tudo devido a vício de errónea qualificação da matéria colectável de que padece o acto tributário impugnado, mais considerando prejudicado o conhecimento do outro esteio da impugnação, a sua errónea quantificação.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a exclusão de tributação ao abrigo do artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S., tem como um dos requisitos a aquisição de outro imóvel com o mesmo destino (habitação própria e permanente) por parte do sujeito passivo. Que no caso dos autos tal requisito não se verifica, dado que a impugnante e ora recorrida adquiriu o exacto imóvel alienado. Que a sentença recorrida violou o regime previsto no artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S. (cfr.conclusões 1 a 13 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec. 7/18.1BEPDL; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.482/11.5BELRS; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.221 e seg.).
"In casu", a questão posta à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, na parte em que considerou subsumível no artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S. (na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), as mais-valias apuradas com a venda do imóvel que fora habitação própria e permanente da ora recorrida, imóvel esse que viria a ser, novamente, comprado no prazo de trinta e seis meses pelo mesmo sujeito passivo, assim concluindo que se encontravam reunidos os pressupostos da isenção/exclusão de tributação em sede de I.R.S.
A mais-valia, enquanto categoria de rendimento designada por incrementos patrimoniais em sede de I.R.S., deve definir-se pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização. Tal regra está em linha com o princípio da tributação do rendimento real em que assenta a tributação do rendimento nesta cédula de imposto (cfr.artºs.10, nºs.1, al.a), e 4, al.a), 44 e 46, todos do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2009; ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.1646/13.2BELRA; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.7/18.1BEPDL; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.482/11.5BELRS; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.443 e seg.; Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, nº.2, Almedina, Reimpressão, 2018, pág.103 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. Edição, Almedina, 2010, pág.134 e seg.).
O artº.10, do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2010 (Lei 64-A/2008, de 31/12 - OE 2009), sob a epígrafe "Mais-valias", previa e estatuía o seguinte, nos segmentos que interessam ao presente processo:
1-Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis […];
[…]
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1 […].
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição […] nos casos previstos nas alíneas a) […] do n.º 1;
[…]
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a)Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, […] exclusivamente com o mesmo destino situado em território português […];
[…];
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a)Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;
[…]
7 - No caso do reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido;
[…]

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de "numerus clausus" em matéria de incidência fiscal (norma de incidência negativa). Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.7/18.1BEPDL; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.482/11.5BELRS; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Paula Rosado Pereira, ob.cit., pág.88 e seg.; Rui Duarte Morais, ob.cit., pág.136 e seg.).
"In casu", resulta do probatório que a impugnante/recorrida alienou, em 21/10/2010, o artigo urbano ...89 da freguesia ..., concelho ..., imóvel que constituía a sua habitação própria e permanente, imóvel esse que recomprou, com data de 12/08/2013, tendo-o destinado, igualmente, à habitação própria e permanente do seu agregado familiar (cfr.nºs.2, 7, 12 e 13 do probatório supra).
Haverá agora que examinar se tal factualidade é abarcada pela previsão da norma de exclusão de tributação constante do artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2010 e supra assinalada.
Os motivos subjacentes à exclusão da tributação em I.R.S. das mais-valias cujos valores de realização sejam reinvestidos em habitação própria e permanente assentam na intenção do legislador de favorecer a aquisição de habitação própria e facilitar a mudança de casa. Por outras palavras, o objectivo geral do regime de exclusão da incidência consiste em não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 1/07/2020, rec.114/15.2BELLE; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.482/11.5BELRS; Rui Duarte Morais, ob.cit., pág.142; André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, pág.168; José Guilherme Xavier de Basto, ob.cit., pág.412 e seguintes).
Recorde-se que o aludido artº.10, nº.5, do C.I.R.S., enquanto norma de incidência (negativa), a matéria sobre que versa está sujeita ao princípio da legalidade tributária (cfr.art.8, nº.1, da Lei Geral Tributária), bem como, eventuais lacunas que encerre não são susceptíveis de integração analógica (cfr.artº.11, nº.4, do mesmo diploma), ou seja, os conceitos jurídicos utilizados no analisado artº.10, nº.5, estão proibidos, pelo legislador, de serem estendidos a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.
Como tem sublinhado a jurisprudência deste Tribunal, a qual subscrevemos (cfr.artº.8, nº.3, do C.Civil), para que opere a exclusão tributária prevista no artº.10, nº.5, do C.I.R.S. (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo), será necessário que o ganho seja reinvestido na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 17/09/2014, rec.250/14; ac.S.T.A-2ª.Secção, 14/11/2018, rec. 1077/11.9BESNT; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/10/2021, rec.929/12.3BEALM).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se, contrariamente ao Tribunal "a quo", que não se encontram reunidos os pressupostos da norma constante do artº.10, nº.5, al.a), do C.I.R.S., pelo que o acto de liquidação de I.R.S., impugnado nos autos, não pode ser realizado com exclusão da tributação dos ganhos da dita transmissão onerosa do imóvel, visto que a impugnante/recorrida adquiriu o mesmo imóvel e não a propriedade de outro diferente.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e revoga-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, MAIS ORDENANDO A BAIXA DOS AUTOS AO T.A.F. DE BRAGA para que conheça do restante fundamento da presente impugnação (errónea quantificação da matéria colectável), se a tal nada mais obstar.
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Condena-se a impugnante/recorrida em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), porque vencida, mais se dispensando do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 3 de Maio de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.