Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0215/11.6BELLE
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28250
Nº do Documento:SA2202110060215/11
Data de Entrada:07/20/2021
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………… e mulher, Oponentes e Recorrentes nos autos com processo à margem referenciados e aí melhor identificados, tendo sido notificados do Acórdão proferido nos autos e não se conformando com o mesmo, vêm interpor RECURSO DE REVISTA PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o que fazem nos termos do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Alegaram, tendo concluído:
A – O presente Recurso de revista é admissível nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.º 2 e 285.º, n.º 1, ambos do CPPT.
B – Por se encontrar em causa, nos presentes autos, a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, qual seja, a desconsideração da verificação da existência de acto nulo (liquidação que serve de título executivo à presente execução) por consequente ao Deferimento de Reclamação Graciosa apresentada pelos Recorrentes, em clara violação do art. 124.º do CPPT e n.º 2 do art. 608 do CPC, aplicável ex-vi, alínea e) do art.º 2.º do CPPT.
C – O Tribunal recorrido violou a lei substantiva por erro de julgamento (ao sobrepor a verificação de caducidade da dedução de oposição perante uma liquidação nula) na interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente as disposições enunciadas nos artigos 13.º, 103.º, 104.º, 266.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 4.º, 5.º, 8.º, 9.º, n.º 2, 55.º, 99º e 100.º da LGT,
D – Além de ter fundamentado a sua decisão, tão só no formalismo processual da citação da liquidação e no decurso do tempo, obliterando os argumentos expendidos pelos recorrentes e que constam do Acórdão, mormente, o deferimento da Reclamação Graciosa com a consequente notificação que iria ser emitida nova liquidação e a existência de duas liquidações de IRS, sobre o mesmo exercício sem embargo de se considerar que a primeira liquidação é nula,
E – Violações que fundamentam o presente recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º, 123.º, n.º 2, 124.º e 285.º do CPPT.
F – Deflui do Acórdão recorrido que a aferição prévia e imediata da caducidade do direito de acção, impede que o Tribunal se debruce sobre o mérito da causa, impedindo a discussão de qualquer questão jurídica, mesmo que de conhecimento oficioso.
G – Pensamento que transparece no Ac. recorrido – “Ou seja, a apreciação de outras questões e a eventual intempestividade do meio processual em causa impede o início da respectiva lide e a discussão nessa sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso”.
H – Sem embargo do mesmo Ac. dar por assente que os recorrentes alegaram que devido ao deferimento da Reclamação Graciosa apresentada sobre a nota de liquidação que serve de base à presente execução esta teria de ser anulada, com a consequente extinção do processo executivo por parte do Serviço de Finanças de Portimão. E se ao contribuinte é exigido saber como se comportar perante um erro crasso e ostensivo da administração tributária, que ordena que este aguarde a emissão do Documento Único de Correcção, que é emitido, sem que o processo executivo reclamado seja extinto.
I – E sendo certo que as afirmações proferidas pelos recorrentes são corroboradas pela vasta documentação existente nos autos, certo seria que o título executivo da execução objecto da presente oposição seria nulo, obrigando assim à extinção da execução. O certo é que existem duas execuções, tendo como executados os mesmos sujeitos passivos, relativas ao mesmo imposto (IRS) e do mesmo exercício 2001, devendo-se esse facto, tão só, ao desrespeito por parte da administração tributária do vertido no artigo 100.º da LGT, que foi assim violado.
J – Cenário agravado, pela circunstância da execução adveniente da nova liquidação que emerge do documento único de correcção, ter sido impugnada pelos recorrentes junto do TAF de Loulé, proc. n.º 288/13.7 BELLE, onde obtiveram ganho de causa, tendo esta sido anulada. Desse Aresto recorreu a Fazenda Nacional, estando este processo a correr os seus trâmites no Tribunal Central Administrativo Sul, Secção de contencioso tributário, 2.º Juízo, 2.ª Secção, sendo que deste facto, foi dado conhecimento nos presentes autos, conforme requerimento de 17 de Dezembro de 2019.
L – Por tudo o dito, se coloca a questão de saber se a caducidade do direito de acção deve preceder todas as questões, mormente, quanto à aferição se se está perante actos nulos e, se esta mesma caducidade se sobrepõe a situações em que a relação material controvertida atenta contra normas constitucionais e princípios fundamentais do direito tributário, mormente, sobre a existência de duas liquidações sobre o mesmo facto, sem embargo, de a primeira ser nula mas que pelo raciocínio do acórdão recorrido, torna-se apta a alterar a capacidade contributiva dos recorrentes. Questões que justificam a apreciação por parte do Supremo tribunal de Justiça, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
M – Sendo assim entendimento dos recorrentes que o Tribunal recorrido violou a lei substantiva aplicável, especificamente, os artigos 13.º, 103.º, 104.º, 266.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 4.º, 5.º, 8.º, 9.º, n.º 2, 55.º, 99º e 100.º da LGT,
N – Consta do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT que o Tribunal apreciaria, primeiramente, os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos impugnados. Ora, como aduzido, os recorrentes reclamaram graciosamente da primeira liquidação (em que se suporta a presente execução), a qual foi deferida, ficando a aguardar o documento de correcção, que foi emitido. Logo, estamos perante um acto consequente – acto que tem como pressuposto o acto anulado ou revogado – sendo assim um acto nulo.
O – E sendo nulo, não produz qualquer efeito jurídico, independentemente da respectiva declaração de nulidade, pelo que estamos em crer que fica colocada em crise a argumentação ínsita no acórdão recorrido, visto que, só existirá caducidade do exercício dum direito de defesa, se se está perante um acto definitivo e executório válido.
P – Aliás, só assim se entende, a possibilidade de a nulidade poder ser invocada a todo o tempo, podendo, igualmente, ser declarada a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou tribunal.
Q – Nulidade essa que ora se Requer seja declarada, por parte deste Supremo Tribunal Administrativo.
R – Verifica-se ainda, que o Acórdão Recorrido padece de erro de julgamento, porquanto, prefere e dá primazia à excepção da caducidade sobre a nulidade do acto. Em abono da verdade, a manter-se a decisão recorrida, legitima-se que uma execução, cujo título (seu suporte) se subsuma numa liquidação nula, ou seja, num acto que não produz quaisquer efeitos, tenha na realidade efeitos directos na capacidade contributiva dos sujeitos passivos.
S – Por outro lado, premeia o desrespeito por parte da administração tributária da ei (cfr. art. 100.º da LGT), porquanto, a administração tributária tem o dever de reconstituir a legalidade do acto ou da situação jurídica objecto do litígio, como consta do art. 100.º da LGT, o que como demonstrado, não foi feito.
T – Por fim, não sequer se aventa a possibilidade de uso do princípio de Aproveitamento do acto de liquidação, visto que, a administração tributária, emitiu nova liquidação, em substituição da reclamada, não tendo, porém, anulada essa primeira liquidação, nem extinto o inerente processo executivo, processo esse, que é alvo da presente oposição.
U – Pelo exposto, o Acórdão recorrido não se poderá manter, maxime no que respeita à verificação da caducidade e na desconsideração da verificação da existência de acto nulo (cfr. art. 124.º do CPPT), nos termos supra expostos, devendo ser anulado, com todas as consequências legais daí extraídas, devendo assim ser substituído por outro conforme com a correcta aplicação dos preceitos legais.

Não foram produzidas contra-alegações.

Dá-se por reproduzido, para todos os legais efeitos, o probatório fixado no acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
A questão que foi apreciada pelo acórdão recorrido reside em saber se a oposição à execução fiscal foi decidida atempadamente ou não.
E tal questão foi decidida por apelo à jurisprudência dominante, independentemente de analisar que questões pretendiam os oponentes discutir no âmbito desta sua oposição.
E, na verdade, esta questão que os recorrentes aqui colocam, a de saber se a nulidade do título executivo seria ou susceptível de permitir aos oponentes deduzir a sua oposição a todo o tempo não faz qualquer sentido uma vez que as questões respeitantes às nulidades do título executivo devem ser arguidas no lugar e momentos próprios.
Ou seja, ao contrário dos actos administrativos nulos, que podem ser impugnados a todo o tempo, as invalidades do processo executivo têm momentos e meios próprios para serem arguidas, pelo que, face aos circunstancialismos concretos que rodearam a decisão recorrida, não se mostra evidente que a mesma tenha errado.
Assim, o recurso não pode ser admitido.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pelos recorrentes, com t.j. máxima.
D.n.
Lisboa 06 de Outubro de 2021


Jorge Aragão Seia

Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento como adjuntos.

Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.