Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:036/20.5BALSB
Data do Acordão:12/09/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
CIVA
CÁLCULO PRO RATA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas.
II - Por acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
III - Essa interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia é igualmente aplicável quando a questão seja a de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
IV - Perante a factualidade dada como assente nos dois arestos afigura-se-nos que embora as situações de facto revelem pontos em comum - estamos perante sujeitos passivos que desenvolvem actividade em que realizam operações isentas e operações sujeitas a tributação - certo é que as situações divergem no que respeita à comprovação dos custos com a disponibilização dos veículos objecto dos contratos de locação financeira, o que por si só, em face da argumentação invocada em cada uma das decisões judiciais, constitui fundamento para terem perfilhado soluções jurídicas diversas da questão jurídica que foi enunciada.
Nº Convencional:JSTA000P26886
Nº do Documento:SAP20201209036/20
Data de Entrada:04/09/2020
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO Z......................, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
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Processo n.º 36/20.5BALSB (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)



Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 384/2019-T - que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IVA referente a Dezembro de 2012, na sequência de correcções realizadas pela AT, em que para cálculo do montante do IVA dedutível relativo aos “custos de utilização mista”, se atendeu ao “coeficiente de imputação específico” preconizado na circular nº 30108/2009 de 30 de Janeiro, corrigindo-se a percentagem utilizada pelo sujeito passivo de 17% para 10%, e apurando-se imposto em falta no montante de € 3.830.098,42, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, com base em oposição de acórdãos, apontando como acórdão fundamento, o Acórdão do S.T.A. de 15-11-2017, proferido no Proc. nº 0485/17, disponível em www.dgsi.pt.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão Recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

D. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

E. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

F. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

G. No acórdão fundamento, a Autora corrigiu os valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2010), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado ter observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

H. No acórdão recorrido, na declaração periódica de IVA de Dezembro de 2012, a Recorrida incluiu no numerador e no denominador da fracção representativa do cálculo pro rata os valores respeitantes à globalidade das amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, aplicando por essa via uma percentagem de pro rata de 17%, o que se traduziu na dedução em sede de IVA dos gastos de natureza mista no montante de € 9.301.667,59.

I. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.

J. No acórdão recorrido, por força de uma acção inspectiva, OI201400028, com incidência no ano de 2012, foi proposta a correcção à percentagem da dedução de IVA de 17% para 10%, apurando imposto em falta de € 3.830.098,42.

K. No acórdão fundamento, a Autora imputa aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

L. No acórdão recorrido, a ora Recorrida imputa vícios de violação de lei ao acto de liquidação adicional de IVA contestado n.º 2015 010817400 e respectivos juros compensatórios, por entender, à semelhança do que acontece no Acórdão fundamento, que «o artigo 23.º do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objectivas que são fornecidas pelo n.º 4 do artigo 23.º […]», recusando dessa forma a aplicação do Ofício-circulado n.º 30108/2009.

M. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

N. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

O. Melhor dizendo, a questão jurídica controvertida traduz-se em saber se na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, na actividade de locação financeira, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor da transmissão das viaturas bem como o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros.

P. No concerne aos pressupostos da dita isenção, julgou o Tribunal arbitral cuja decisão se contesta o transcrito que consta nas alegações supra e para cuja leitura se remete.

Q. Por relação ao decidido em sede arbitral, considerou diferentemente o STA, cujo excerto com interesse consta nas alegações supra e para cuja leitura se remete.

R. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral concluído que se deve concluir, face à prova produzida, que: «O que interessa considerar, neste contexto, é se o contrato de locação financeira de automóveis poderá ser tido essencialmente como um contrato de concessão de crédito ou é composto por prestações distintas que se traduzam na disponibilização de um veículo e no financiamento da aquisição, a ponto de se poder entender que os custos gerais que tenham sido realizados possam ser imputáveis em certa medida à actividade de aquisição e disponibilização de veículos. Na situação do caso, a prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a actividades distintas. […] E, nesse sentido, é de entender que os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.»

S. Sobre esta problemática, que o Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, já repetida, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

T. Aí se concluiu no Acórdão Fundamento que essa restrição, ideia também patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

U. Em sede de decisão arbitral, os senhores árbitros optaram por evitar proceder ao apuramento vaticinado no Acórdão do TJUE, lavrado no processo C-183/13, doutrina entretanto acolhida e secundada pelos Tribunais nacionais – de que é exemplo o acórdão Fundamento -, que consta em apurar, por recurso às provas carreadas nos autos, se, para efeitos de estabelecer um único pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mistas – contabilização somente da parte da renda correspondente aos juros - a utilização desses bens e serviços foi sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira (e não tanto pela aquisição de veículos).

V. O tribunal arbitral, ao arrepio do decidido pelo TJUE sobre esta matéria no Acórdão Banco Mais e, bem assim, ao arrepio do que vem sendo decidido pelo STA, entendeu ancorar a sua decisão na doutrina acolhida no Acórdão do TJUE C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, onde foi julgado que sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações,

W. E que, por essa razão, «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.»

X. Salvo o devido respeito, no Acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd estava em causa uma sociedade financeira do Reino Unido - que também realizava operações de leasing automóvel -, mas cujo direito do Reino Unido, diferentemente do que acontece em Portugal, obrigava à desagregação das rendas de leasing em duas operações para efeitos de IVA.

Y. Aí, a componente do juro estava isenta de imposto e apenas a componente da amortização era tributada, sendo que, a somar a isto, as autoridades fiscais locais também excluíam a componente de amortização do pro rata, por entenderem que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente juro do financiamento, que era o cerne da actividade.

Z. Estando a componente juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado mais gravoso para os contribuintes e não tão rigoroso quanto o assumido a nível nacional, uma vez que para o cálculo da percentagem de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componente juros.

AA. Ora, tal raciocínio não pode ser aplicado à situação em concreto, porquanto o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente juro; componente, essa, que, de acordo com o Acórdão do TJUE C-183/13, e que é secundado pelo Acórdão Fundamento, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel – ponto 34 do Acórdão TJUE C-183/13.

BB. Conforme afirma Sérgio Vasques, no voto de vencido lavrado no processo arbitral n.º 442/2019-T: «No essencial, o TJUE previne que não se pode dar por adquirido que os custos mistos não tenham qualquer relação com a componente amortização das rendas de leasing e que há sempre que olhar ao caso concreto. A maior cautela do TJUE neste processo explica-se pelo diferente quadro legal e factualidade. Por um lado, no Reino Unido as rendas de leasing são quebradas em duas operações tributáveis, sendo que a componente juro está isenta, com o resultado de que a exclusão do pro rata da componente amortização tem um impacto mais gravoso do que se essa componente fosse tributada como sucede em Portugal. Por outro lado, diferentemente do que sucedia no processo Banco Mais, no processo VW Financial Services o tribunal de reenvio tinha já comprovado que os custos mistos (ou gerais) eram aproveitados por ambas as componentes de amortização e juros, o que impõe maior cautela.»

CC. Salvo o devido respeito, cabia ao tribunal arbitral aferir - o que não fez -, por recurso à prova carreada para os autos, e tal como prescreve o Acórdão Fundamento, se a utilização dos bens e serviços de natureza mista era (ou não) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, o que, salvo o devido respeito, não ficou provado.

DD. A tese defendida pela ora Recorrente entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade”– v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

EE. Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Directiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a actividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

FF. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

GG. No Caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

HH. Deste modo, seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível.

II. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

JJ. No entanto, no cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são directamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível.

KK. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

LL. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»

MM. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»

NN. De resto, o acórdão Fundamento está em consonância com os mais recentes Acórdãos do STA, precisamente sobre a presente matéria, com os n.ºs 52/19.0BALSB e 7/19.4BALSB, ambos decididos no ano de 2020.

OO. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

PP. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

QQ. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça.


O recurso foi admitido por despacho de 07-09-2020.

Foi cumprido o disposto no artigo 25º nº 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

O Recorrido “Banco Z…………….., S.A.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

A. O presente recurso para uniformização de jurisprudência foi interposto pela AT contra o acórdão arbitral proferido no processo n.º 384/2019-T - o Acórdão Recorrido -, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do RJAMT e no artigo 152.º do CPTA, por entender que o mesmo se encontra em contradição com a decisão proferida pelo STA em 15 de novembro de 2017, no âmbito do processo n.º 0485/17 – o Acórdão Fundamento –;

B. Contrariamente ao aventado pela AT nas suas Alegações, não só não se verifica, no caso concreto, a “identidade substancial das questões fácticas” que constitui pressuposto de admissibilidade de um recurso desta natureza, como também não existe verdadeira oposição entre os julgados;

C. Não existe identidade das situações fácticas subjacentes porque no Acórdão Fundamento está em causa a autoliquidação de IVA em conformidade com o entendimento da AT vertido no Ofício-Circulado, ao passo que o Acórdão Recorrido versa sobre a anulação da Liquidação Adicional, emitida na sequência de um procedimento de inspeção tributária, sendo por isso falso que o Recorrido tenha, por qualquer forma, conformado a sua atuação com o entendimento da AT;

D. Partindo de tal pressuposto – i.e., do facto de estar em causa uma situação de autoliquidação –, o Acórdão Fundamento considerou que, “no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA”,

E. Ao passo que o Acórdão Recorrido, com base na prova documental e, sobretudo, testemunhal, produzida pelo Requerente em audiência ocorrida em 3 de março de 2017, no âmbito do processo n.º 1668/15.9BEPRT, ora Recorrido, concluiu que “a prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a atividades distintas”, que “o Banco não pod[e] ser entendido como um mero intermediário financeiro, à semelhança do que acontece numa concessão de crédito” e ainda “que os serviços inspetivos, no âmbito do procedimento de inspeção, não coligiram a informação, designadamente mediante a consulta dos contratos, que permitisse compreender a estrutura de custos, proveitos e meios afetos à atividade de locação financeira.” (cf. p. 22 do Acórdão Recorrido)

F. E é com base nestas não despiciendas diferenças factuais que as decisões em confronto contêm juízos aparentemente distintos;

G. Por um lado, o Acórdão Fundamento concluiu, num enquadramento factual que pressupôs uma autoliquidação em que o sujeito passivo se conformou, pelo menos num primeiro momento, com o entendimento da AT, que o mesmo não havia cumprido o ónus que sobre se impunha com vista à almejada anulação do ato tributário;

H. Já no Acórdão Recorrido o que se decidiu foi que a conduta da AT, através da emissão da Liquidação Adicional, não é conforme nem com a jurisprudência do Acórdão Banco Mais, nem com a jurisprudência nacional, designadamente com as decisões que, tal como o Acórdão Recorrido, acolheram a decisão proferida pelo TJUE;

I. O que significa que a fundamentação do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento é, na verdade, compatível e complementar;

J. Isto porque que o Acórdão Banco Mais, citado e seguido no Acórdão Fundamento, concluiu que “O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.” (sublinhado do Recorrente)

K. E o Acórdão Recorrido concluiu, complementando a análise do TJUE, que a AT não fez qualquer prova no sentido exigido pelo Acórdão Banco Mais;

L. Se alguma divergência existir entre os identificados julgados, ela será circunscrita aos respetivos efeitos, pois o Acórdão Fundamento foi favorável à AT, negando o peticionado reembolso das quantias pagas, ao passo que o Acórdão Recorrido foi favorável ao sujeito passivo aqui Recorrido, determinando a anulação do ato tributário;

M. Mas tal não basta para concluir que os identificados julgados se encontram em oposição, pelo que, também com este fundamento deve ser recusado o recurso interposto pela AT, por falta de verificação dos respetivos pressupostos legais, previstos nos artigos 25.º, n.ºs 2 e 3 do RJAMT, e 152.º do CPTA;

N. Subsidiariamente e por mera cautela haverá que notar que, caso se encontrassem verificados os pressupostos processuais para o efeito, se imporia ainda assim a improcedência do recurso porque, no caso concreto, a AT não procurou sequer obter informação sobre as “especificidades” da atividade do Recorrido que alega justificarem a aplicação dos critérios por si preconizados, nem em termos gerais, nem especificamente no que respeita ao ano de 2012;

O. Tal como não demonstrou nem concretizou a alegada existência de distorções significativas na tributação, que no entendimento da AT justificaria a aplicação da doutrina administrativa acolhida no Ofício-Circulado;

P. Pelo contrário, a prova – sobretudo, testemunhal – produzida pelo Requerente e Recorrido permitem concluir precisamente que “o Banco não pod[e] ser entendido como um mero intermediário financeiro, à semelhança do que acontece numa concessão de crédito” (cf. p. 22 do Acórdão Recorrido)

Q. Desta forma, e à revelia do disposto nos artigos 174.º da Diretiva IVA e 23.º, n.º 4, do Código do IVA, a AT impôs uma “fórmula” distinta de apuramento do pro rata de dedução, restringindo-o, apenas porque estava em causa o exercício de atividades de leasing, e sem qualquer demonstração das razões de facto que, no caso concreto, levariam a tal imposição;

R. A AT não arguiu sequer que existiam no caso concreto distorções significativas de tributação e previu num Ofício-Circulado uma possibilidade que, estando prevista no artigo 173.º, n.º 2, da Diretiva IVA, simplesmente não foi transposta para a legislação doméstica, tal como se defendeu no Acórdão Recorrido e, no entender do Recorrido, se deverá concluir no âmbito do presente recurso.

Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelos IRFP, e o Acórdão Recorrido ser mantido,

Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de não se tomar conhecimento do mérito do recurso.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

“…

A) A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

B) A Requerente é sujeito passivo misto para efeitos de IVA na medida em que na sua actividade realiza operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA.

C) A Requerente aplica o método pro rata na dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados em operações sujeitas e isentas de imposto com e sem direito a dedução e o método de afectação real relativamente à aquisição de bens ou serviços que estão afectos à realização de operações que conferem direito à dedução.

D) Na declaração periódica de IVA de Dezembro de 2012, a Requerente incluiu no numerador e no denominador da fracção representativa do cálculo pro rata os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, no montante global de € 324.622.013,48;

E) A Requerente aplicou assim uma percentagem de pro rata de 17%, apurando deduções relativas a gastos comuns no âmbito da locação financeira no montante de € 9.301.667,59;

F) A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito geral, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI2014..., com incidência no ano de 2012.

G) O Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito do procedimento inspectivo propôs a correcção à percentagem de dedução de IVA que incidiu sobre gastos comuns de 17% para 10%, apurando imposto em falta no montante de € 3.830.098,42 (€ 9.301.667,59 - € 5.471.658,17).

H) A correcção aritmética encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

A correcção aritmética encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

III. 2 IVA

III.2.1 Apuramento da percentagem de dedução definitiva € 3.830.098,42 (art.º 23º do CIVA)

O A... é uma instituição financeira que para além da atividade bancária também desenvolve a atividade de locação financeira, factoring e aluguer de longa duração (ALD), compreendendo desta forma simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos do n.º 27 do art.º 9º do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e operações sujeitas.

Para efeitos de dedução da IVA suportado nas aquisições de bens e serviços de acordo com o art.º 23º do CIVA, o sujeito passivo utiliza o método da afetação real e relativamente a gastos que abrangem as atividades em que não é possível uma alocação direta, calculou, em 2012, uma percentagem de dedução específica de 17%. Esta percentagem corresponde à proporção entre a soma das operações tributadas com as isentas com direito a dedução, e a totalidade das operações realizadas. O Banco apresentou o seguinte cálculo do pro rata de dedução de IVA definitivo de 2012:

Descrição Montante

Numerador

Operações tributadas 423.845.799,56

Operações isentas com direito à dedução 285.301.693,18

Operações não sujeitas com direito à dedução 0,00

Total 709.147.492,74

Denominador

Operações tributadas 423.845.799,56

Operações isentas com direito à dedução 285,301.693,18

Operações não sujeitas com direito à dedução 0,00

Operações isentas sem direito à dedução 3.719.265.574,85

Total 4.428.413.067,59

Pro rata 17%

Porém, da análise da demonstração do apuramento com a indicação das contas NCA e do PCI verificou-se que no valor das operações tributadas foi incluído o valor da faturação de locação financeira, conforme a seguir se evidencia:

Conta

(PCI)

(A) Descrição

(B) Operações

Tributadas

(C) Operações isentas com direito a dedução

(D) Numerador

(E)=(C)+(D) Operações isentas sem direito a dedução

(F) Denominador

(G)=(C)+(D)+(F)

80 Juros 39.747.276 95.661.017 135.408.292 2.812.224.299 2.947.632.592

82 Comissões 23.792.452 4.018.419 27.810.872 641.802.544 69.613.416

83 Lucros em operações 96.835 174.542.126 174.638.961 254.027.963 428.666.924

89 Outros proveitos e lucros 34.428.100 11.080.131 45.508.231 11.011.837 56.520.069

87 G. Extr.

Faturação de locação financeira não incluída nas constas acima indicadas 325.761.137 325.781.137 325.781.137

Total 423.845.800 285.301.693 709.147.493 3.719.265.575 4.428.413.068

(E) / (G)

Pro rata 17%

80 Juros 39.747.276 95.661.017 135.408.292… 2.812.224.299 ...947.632.592

82.Comissões..23.792.452……4.018.419……27.810.872…….641.802.544……..669.613.416

83Lucros…em operações..96.835……..174.542.126……..174.638.961……254.027.963………..428.666.924

89….Outros proveitos e lucros 34.428.100 11.080.131 45.508.231 11.011.837 56.520.069

87.G. Extr.

Faturação de locação financeira não incluída nas constas acima indicadas 325.761.137 325.781.137 325.781.137

Total..423.845.800…..285.301.693….709.147.493….3.719.265.575……………4.428.413.068

(E) / (G)

Pro rata 17%

(…)

Desenvolvendo o A... uma atividade que envolve operações que permitem a dedução do imposto suportado a montante, como sejam a locação operacional e financeira, mobiliária e imobiliária em caso de renúncia à isenção, e outras que não a possibilitam, designadamente, a concessão de crédito e locação de bens imóveis, isentas sem direito a dedução nos termos do art.º 9º do CIVA, para efeitos de apuramento da parcela dedutível de imposto contido nos recursos adquiridos de utilização mista, terá de se observar o previsto no art.º 23º.

“1. Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.

2. Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas da tributação.

(…)”

Retirando-se das disposições deste artigo que:

O seu âmbito de aplicação limita-se às situações em que coexistem operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem tal direito e às quais são alocados, indistintamente, bens e serviços adquiridos com imposto. De facto, tratando-se de inputs exclusivamente afetos a operações com direito a dedução do imposto, apresentando-se uma relação direta e imediata com essas operações, o imposto incorrido é objeto de dedução integral, nos termos do art.º 20.º do CIVA. E, a contrario, caso os recursos adquiridos se destinarem exclusivamente a operações tributáveis, mas isentas, ou a operações não sujeitas, o imposto neles contido não será dedutível.

Os sujeitos passivos podem optar, para efeitos de dedução do imposto que onerou os bens e serviços de utilização conjunta nos outputs com e sem direito a dedução, pela aplicação do método da afetação real ou pelo método da percentagem de dedução ou pro rata, de utilização supletiva, o qual tem por objetivo determinar o grau de utilização desses bens e serviços naqueles grupos de operações.

Deste modo, a alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º estabelece que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

No entanto, refere a alínea b) do n,º 1 do art.º 23.º do CIVA que, quando o sujeito passivo no exercício da sua atividade efetue operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar à dedução.

Mesmo nos casos em que se aplica o método da afetação real, haverá IVA suportado em bens e serviços utilizados tanto em operações que dão direito a dedução como em operações sem direito a dedução, pelo que se impõe a sua repartição e o consequente apuramento da parceria dedutível, não podendo por isso deixar de ser aplicado ao imposto contido nessas aquisições uma percentagem de dedução que deverá refletir a medida efetiva em que aqueles bens e serviços são usados para a realização das operações com direito a dedução e das isentas sem aquele direito.

A percentagem de dedução resulta, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA “(…) de uma fração que comporta no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.” Logo, da utilização deste método resulta imposto dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante das operações que permitem a dedução.

E envolvendo o seu apuramento o universo das operações sujeitas a imposto, ambos os membros da fração dão constituídos pelo respetivo valor tributável determinado a de acordo com as regras estabelecidas no art.º 16.º do CIVA. Assim, na situação em análise, e decorrente da especificidade da atividade desenvolvida, a percentagem de dedução tem na sua base de cálculo valores tributáveis que, correspondendo à contraprestação obtida ou a obter do adquirente ou destinatário, refletem os juros e outros rendimentos obtidos, como acontece nas operações de crédito, enquanto outros correspondem ao somatório de duas parcelas, juros obtidos e capital reembolsado, como se verifica nas operações de locação financeira (alínea h), do n.º 2 do art.º 16.º).

Destarte, na aferição da adequação do método utilizado pelo sujeito passivo haverá que ter em consideração as especificidades da atividade de locação financeira por si desenvolvida.

A atividade do locador restringe-se, assim, a uma atividade financeira, servido de intermediário entre fornecedor e locatário na transação de bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona, e os juros por si suportados consubstanciam o resultado financeiro da atividade do locador. Tratando-se de um financiamento, o pagamento do serviço ao locador é composto por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada” e os juros, que constituem a remuneração do locador,

Logo, a componente “capital” corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado e, não constitui, por consequência, contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, mas integra o valor tributável nos contratos de locação financeira, porque de outra forma nunca o Estado recuperaria o valor que lhe foi reclamado na altura da aquisição do bem, por via do mecanismo de dedução. E isto é a verdadeira essência do imposto, cujo nome é exatamente “sobre o valor acrescentado”. O “ganho” ou, se se quiser, “a margem” de cada operador, é que é a parcela sobre a qual efetivamente recai o encargo do IVA, porque o remanescente é um mero reembolso da dedução do imposto que efetuou nos seus inputs.

E, no mesmo sentido da não adequação do pro rata geral aplicado para medir o grau de utilização do conjunto de bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito vão as instruções vertidas no Ofício-Circulado n.º 30108, de 2009-01-30, do qual se destaca:

“7. (…) a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.

9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de citérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.”

Deverá então ser utilizado um rácio cujas variáveis sejam homogeneizadas, a fim de se tornarem coerentes entre si, que se tornará numa percentagem específica à realidade a que vai ser aplicada e não será mais do que um coeficiente de imputação dentro do método de afetação real, de acordo com o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA.

Consequentemente, e decorrente da natureza das operações efetuadas pelo A..., o método do pro rata previsto no n.º 4 do art.º 23.º, por si utilizado, tem na sua base de cálculo grandezas que, refletindo realidades bem diversas, lhe retiram rigor para atingir o objetivo que lhe subjaz, que é o de determinar a parcela dedutível do imposto contido nos bens e serviços de utilização mista, sendo o falta de coerência das variáveis nele utilizadas suscetível de provocar vantagens ou desvantagens injustificadas, logo passível de conduzir a “distorções significativas de tributação.”

Deste modo, e atendendo às especificidades da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, a percentagem de dedução ou pro rata genérico, apurada nos termos daquele normativo, não tem mérito para medir o grau de consumo que as duas categorias de operações, com e sem direito a dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados e, consequentemente, não pode ser utilizada para determinar a parcela dedutível do IVA liquidado a montante.

Pelo que antecede, no cálculo da percentagem de dedução apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros rendimentos, pelo que se subtraiu ao valor apurado pelo sujeito passivo o valor do capital contido na faturação da locação financeira (incluído no numerador e denominador) no montante de € 461.808.530,85, donde resulta uma alteração da percentagem de dedução, conforme a seguir se demonstra:

Rubricas………….Banco

(1) Valor referente a Capital

(2) Valor tributado apurado através da discriminação das contas de ganhos

(3) Administração Tributário

(4) = (1) - (2 )- (3)

Numerador

Operações tributadas 423.845.799,56 324.622.013,48 190.008,53 99.033.777,55

Operações financeiras “isentas” com direito à dedução 285.301.693,18 285.301.693,18

Total 794.147.492,74 384.335.470,73

Denominador

Operações tributadas 423.845.799,56 324.622.013,48 190.008,53 99.033.777,55

Operações financeiras “isentas” com direito à dedução 285.301.693,18 285.301.693,18

Operações isentas sem direito à dedução 3.719.265.574,85 3.719.265.574,85

Total 4.428.413.067,59 4.103.601.045,58

Pro rata 17% 10%

Assim sendo, será corrigida a percentagem de dedução de IVA que incidiu sobre os gastos comuns de 17% para 10%, apurando-se imposto no montante de € 3.830.098,42 (€ 9.301.667,59 - € 5.471.569,17) de harmonia com o disposto no n.º 3 do art.º 23.º do CIVA e conforme se demonstra no Anexo 8.

O sujeito passivo, em sede de direito de audição, não se pronunciou sobre a correção proposta, pelo que a mesma se mantém na totalidade (cfr. ponto IX),

I) Na sequência da inspecção tributária foi emitida a nota de liquidação adicional sob o n.º 2015..., com a inscrição dos valores corrigidos e o montante de imposto a pagar no total de € 3.718.567,30, e a demonstração de acerto de contas sob o n.º 2015..., com a menção de juros compensatórios no montante de € 279.554,00;

J) A nota de liquidação de IVA contém a seguinte fundamentação: “Liquidação efectuada com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária”;

L) A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, com o seguinte teor:

Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD

Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas o apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

M) Em 24 de Abril de 2015, o B..., S. A. emitiu a pedido da Requerente a garantia bancária sob o n.º..., no valor de € 354.064,61, para evitar o prosseguimento do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de juros compensatórios relativos a IVA no ano de 2012;

N) Em 24 de Abril de 2015, o B..., S. A. emitiu a pedido da Requerente a garantia bancária sob o n.º..., no valor de € 4.706.096,79, para evitar o prosseguimento do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de IVA relativo ao ano de 2012;

O) O B..., S. A. efectuou as notas de lançamento a débito relativas à prestação de garantia bancária que constam do documento n.º 8 anexo à petição que aqui se dão como reproduzidas e que, à data da apresentação do pedido arbitral ascendiam a € 129.904,44 relativamente à garantia bancária n.º..., e € 9.816,21 relativamente à garantia bancária n.º...;

P) A operação de aquisição de viaturas no âmbito da concessão de crédito é efectuada através dos balcões do Banco, envolvendo a utilização de custos gerais de funcionamento do Banco.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e ainda com base na produção de prova testemunhal em audiência.

A testemunha ………………., indicada pela Requerente, refere que a actividade de locação financeira exige a afectação de meios materiais e humanos e a sua conjugação numa perspectiva empresarial, com uma estrutura de rendimentos totalmente diferente da de um mero “intermediário”. Para exemplificar, esclareceu que a locação financeira automóvel diverge da locação financeira para aquisição de um equipamento ou de um imóvel, sendo que da diversidade das operações em que o Banco se vê envolvido resultam custos, o emprego de meios e proveitos que variam e que nem sempre são repercutidos ao cliente na mesma medida. A estrutura de custos depende também do peso que cada tipo de contrato tem na carteira.

Considerou ainda que o Banco não é um mero intermediário financeiro nos contratos de locação financeira, à semelhança do que acontece numa concessão de crédito, desde logo porque é o proprietário do bem e ao longo do contrato tem que assumir uma série de responsabilidades e de recursos que consome na sua gestão. E estas responsabilidades podem manter-se no final do contrato, quando o cliente não exerce a opção de compra, pois, consoante os casos, pode impôr-se a necessidade de alugar um armazém, para guardar e conservar equipamentos, ou um parque de estacionamento para guardar e manter em bom estado as viaturas. Mesmo quando é exercida a opção de compra, há o processo de transmissão da propriedade. Há ainda os casos de incumprimento, em que o contrato é rescindindo e o Banco retoma a posse do bem. Aí, também o Banco passa a ter todos os encargos inerentes à conservação do bem, assume riscos, porque há bens de mais fácil escoamento no mercado e outros de difícil colocação. O ALD tem particularidades diferentes, a estrutura do contrato não é exactamente a mesma, tanto que na parte dos proveitos o ALD tem uma TAEG de 6,4%, enquanto no Leasing são 5%. Em conclusão, pode dizer-se que no ALD, no Leasing e na concessão de crédito a relação custos/proveitos é completamente diferente, porque são actividades que partem de pressupostos distintos.

A testemunha assinalou ainda que a margem de ganho do Banco é a diferença entre os custos e os proveitos, sendo que o juro é apenas uma das componentes dos proveitos, havendo a considerar outros proveitos, como as comissões e as eventuais mais valias que o Banco realiza na venda dos bens quando não é exercida a opção de compra. Numa análise global correcta, teriam de levar-se em conta as diferentes especificidades de cada tipologia de contrato, com juros, sem juros, bem assim os “inputs” da actividade, tudo o que o Banco tem de investir ou despender, pois há recursos como electricidade, telefones, equipamentos que não podem ser imputados directamente a uma actividade. Daí não haver qualquer duplicação quando nuns casos se usa o método da afectação real e noutros o pro rata.

A testemunha refere ainda que, no âmbito da inspecção, os serviços apenas solicitaram elementos contabilísticos relativamente à actividade de locação financeira, designadamente no âmbito do apuramento do pro rata, sendo que desses elementos nunca poderia resultar qualquer informação conducente à conclusão sobre o modo concreto como era desenvolvida a actividade de locação financeira, pois não foram consultados quaisquer tipos de contratos, seja de locação financeira, seja de ALD, sendo que o Banco tem várias tipologias desses contratos. Logo, a análise feita pela Inspecção Tributária não lhe permitiu ter uma visão qualitativa ou da essência da actividade, mormente no que concerne à estrutura de custos, proveitos e meios afectos à actividade, que não são iguais para todos os operadores e, mesmo dentro do mesmo operador, não são iguais todos os anos.”


Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“(…)
«1) Foi emitida, pela Área de Gestão Tributária do IVA – Gabinete do Subdiretor-Geral dos Impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n.º 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado n.º 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23.º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23.º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n.º 3 art. 23.º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o nº 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23.º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).
2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em Dezembro de 1996, então com a designação B…………, SA, tendo sido indicado como objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).
3) A impugnante, no exercício da sua actividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).
4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respectivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).
5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).
6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.
7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.
8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).
9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).
10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).
11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).
12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).
13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.
14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afectação real, relativo à actividade de locação financeira e à actividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo directo e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à actividade tributada e à actividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).
15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre Janeiro e Novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).
16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respectivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).
17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).
18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207)»
No mesmo acórdão, ainda no âmbito do julgamento da matéria de facto, ficou ainda registado:
«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.º 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objecto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).
Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa».”

«»

2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 384/2019-T - que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IVA referente a Dezembro de 2012, na sequência de correcções realizadas pela AT, em que para cálculo do montante do IVA dedutível relativo aos “custos de utilização mista”, se atendeu ao “coeficiente de imputação específico” preconizado na circular nº 30108/2009 de 30 de Janeiro, corrigindo-se a percentagem utilizada pelo sujeito passivo de 17% para 10%, e apurando-se imposto em falta no montante de € 3.830.098,42, por alegada oposição com o decidido no Acórdão do S.T.A. de 15-11-2017, proferido no Proc. nº 0485/17, disponível em www.dgsi.pt.

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. nº 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:

A Recorrente sustenta que a decisão arbitral recorrida encontra-se em oposição com o citado aresto deste Tribunal, na medida em que, enquanto no Acórdão fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, no acórdão enveredou-se pelo caminho oposto, existindo ainda identidade das situações de facto e da questão de direito apreciada em cada uma das decisões, as quais expressamente perfilharam soluções opostas, no que respeita à questão de saber se na aplicação do método pro-rata de dedução do imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, na actividade de locação financeira, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo, o valor da transmissão das viaturas bem como o valor da renda e não apenas a parte correspondente aos juros, de modo que, entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão fundamento.

Em termos de delimitação da questão objecto dos julgados em cada uma das decisões em confronto, aproveitando a síntese feita pelo Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto, refira-se que no acórdão que serve de fundamento deixou-se exarado que as instâncias haviam enunciado a questão decidenda como “a de saber se o acto impugnado padece de ilegalidade, em virtude de não dever ser considerada a forma de cálculo do pro rata de dedução relativo aos custos comuns às actividades isenta e tributada levadas a efeito pela impugnante, conforme a instrução administrativa da AT (ofício n° 30.108, de 30/01/2009) concretamente no que respeita à desconsideração da parte relativa a amortização de capital das rendas atinentes aos contratos de leasing e ALD financeiro” e na sequência do reenvio prejudicial dirigido ao TJUE e da pronúncia deste (proc. C-183/13), veio o STA, no acórdão fundamento, a entender que «…a norma do art. 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, aquela regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA, quando ali se estabelece que, «os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços», de modo que, no acórdão fundamento o STA equacionou as seguintes questões: «As questões aqui a decidir reconduzem-se, portanto, às que se prendem (i) com a determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante de custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista (afectos a operações tributadas e a operações isentas), (ii) (…) e (iii) com a aplicação do regime do ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução de IVA, entendendo-se que «Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado» e ainda que foi «…, por aplicação da jurisprudência do TJUE que o acórdão proferido nesta Secção do STA, em 03/06/2015 (fls. 803/821), transitado em julgado, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos» (sublinhados nossos) e quanto à repartição do ónus da prova considerou-se no acórdão fundamento, para além de considerandos de ordem geral, que «Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)». Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA” (sublinhados nossos).

Por seu lado, na decisão arbitral recorrida está em causa o apuramento do IVA relativo ao mês de Dezembro de 2012, em cuja declaração periódica o sujeito passivo incluiu no numerador e no denominador da fracção representativa do cálculo pro rata os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, no montante global de € 324.622.013,48 euros, estando ainda assente que o sujeito passivo aplicou uma percentagem de pro rata de 17%, apurando deduções relativas a gastos comuns no âmbito da locação financeira no montante de € 9.301.667,59 euros.

Na sequência de uma acção inspectiva foi proposta correcção à percentagem de dedução de IVA que incidiu sobre gastos comuns de 17% para 10%, tendo na sequência da sua aprovação sido apurado imposto em falta no valor de € 3.830.098,42, sendo que na fundamentação de tal correcção a AT considerou, para além do mais, que «A actividade do locador restringe-se, assim, a uma actividade financeira, servido de intermediário entre fornecedor e locatário na transacção de bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona, e os juros por si suportados consubstanciam o resultado financeiro da actividade do locador», motivo pelo qual a AT concluiu, apoiando-se na doutrina administrativa do ofício circulado nº 30108 de 30/01/2009, no sentido da não adequação do pro-rata geral aplicado para medir o grau de utilização do conjunto de bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e operação que não conferem esse direito, entendendo, desse modo, que «o método do pro rata previsto no n.º 4 do art.º 23.º, por si utilizado, tem na sua base de cálculo grandezas que, reflectindo realidades bem diversas, lhe retiram rigor para atingir o objectivo que lhe subjaz, que é o de determinar a parcela dedutível do imposto contido nos bens e serviços de utilização mista, sendo a falta de coerência das variáveis nele utilizadas susceptível de provocar vantagens ou desvantagens injustificadas, logo passível de conduzir a “distorções significativas de tributação.”».

Mais se entendeu que «Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD» para se concluir que «… no cálculo da percentagem de dedução apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros rendimentos, pelo que se subtraiu ao valor apurado pelo sujeito passivo o valor do capital contido na facturação da locação financeira (incluído no numerador e denominador) no montante de € 461.808.530,85».

Diga-se ainda que a CAAD deu igualmente como assente que «A operação de aquisição de viaturas no âmbito da concessão de crédito é efectuada através dos balcões do Banco, envolvendo a utilização de custos gerais de funcionamento do Banco» (ponto P) da matéria de facto).

Depois, na decisão arbitral recorrida enunciou-se a questão decidenda nestes termos: «A questão que vem colocada é a de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o proveito ou rendimento do locador» e especificou-se: «Na situação do caso, a prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a actividades distintas», apontando-se também que «O que interessa considerar, neste contexto, é se o contrato de locação financeira de automóveis poderá ser tido essencialmente como um contrato de concessão de crédito ou é composto por prestações distintas que se traduzam na disponibilização de um veículo e no financiamento da aquisição, a ponto de se poder entender que os custos gerais que tenham sido realizados possam ser imputáveis em certa medida à actividade de aquisição e disponibilização de veículos».


Como foi referido, a actividade de locação financeira exige a afectação de meios materiais e humanos e a sua conjugação numa perspectiva empresarial, não podendo o Banco ser entendido como um mero intermediário financeiro, à semelhança do que acontece numa concessão de crédito. Além de que as responsabilidades e os recursos utilizados divergem consoante haja ou não lugar a opção de compra, pois em caso de rescisão ou incumprimento do contrato o Banco passa a assumir os encargos inerentes à conservação dos bens locados.
Por outro lado, a margem de ganho da locação financeira não se reconduz ao pagamento de juros, constituindo antes a diferença entre os custos e os proveitos, em que intervêm diversos outros factores como as comissões ou mais valias provenientes da venda dos bens quando não seja exercida a opção de compra. Concluindo-se ainda que os serviços inspectivos, no âmbito do procedimento de inspecção, não coligiram a informação, designadamente mediante a consulta dos contratos, que permitisse compreender a estrutura de custos, proveitos e meios afectos à actividade de locação financeira, para então concluir que: «… face à prova produzida, que os custos gerais se reportam a bens e serviços utilizados para efectuar tanto operações que conferem direito à dedução como operações que não conferem direito à dedução, deve ser estabelecido um pro rata de dedução, em conformidade com as disposições relevantes da Directiva IVA, na linha do entendimento expresso no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd. E, nesse sentido, é de entender que os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço da disponibilização dos veículos, não podendo ser aplicado um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».

Com este pano de fundo, se é certo que em ambos os casos estamos perante instituições de crédito e sujeitos passivos mistos para efeitos de IVA, na medida em que nas suas actividades realizam operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, e que não permitem a dedução de IVA, importa notar que enquanto no acórdão fundamento não ficou demonstrado que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”, facto que foi relevado pelo STA no sentido de que “Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado”, já na decisão arbitral recorrida ficou provado que “A operação de aquisição de viaturas no âmbito da concessão de crédito é efectuada através dos balcões do Banco, envolvendo a utilização de custos gerais de funcionamento do Banco” (alínea P) do probatório), sendo realçado pela referida decisão que “Na situação do caso, a prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a actividades distintas”.
A partir daqui, perante a factualidade dada como assente nos dois arestos afigura-se-nos que embora as situações de facto revelem pontos em comum - estamos perante sujeitos passivos que desenvolvem actividade em que realizam operações isentas e operações sujeitas a tributação - certo é que as situações divergem no que respeita à comprovação dos custos com a disponibilização dos veículos objecto dos contratos de locação financeira, o que por si só, em face da argumentação invocada em cada uma das decisões judiciais, constitui fundamento para terem perfilhado soluções jurídicas diversas da questão jurídica que foi enunciada. - neste sentido Ac. deste Tribunal (Pleno) de 30-09-2020, Proc. nº 01/20.2BALSB, www.dgsi.pt.
Assim, tal como ali se concluiu, o que determinou a divergência nas decisões foi a divergência verificada no julgamento da matéria de facto, o que significa que não podemos, pois, afirmar que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa que serviria de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que, não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do recurso.




3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.




Lisboa, 09 de Dezembro de 2020

Pedro Vergueiro (Relator)

O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento - os Senhores Conselheiros Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Anabela Ferreira Alves e Russo

Pedro Nuno Pinto Vergueiro