Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0682/11
Data do Acordão:10/19/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
TERCEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO
Sumário:I - Com a entrada em vigor da Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, foi extinto, no contencioso tributário, o terceiro grau de jurisdição, que de acordo com o disposto no artigo 120.º do ETAF apenas afectou os processos instaurados a partir da sua entrada em vigor, o que ocorreu no dia 15 de Setembro de 1997, ex vi da Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho, data em que o Tribunal Central Administrativo iniciou o seu funcionamento e foi instalado.
II - Das decisões do Tribunal Central Administrativo proferidas em 2º grau de jurisdição, nos termos do artigo 38 n.º 1 al. a) do ETAF, não cabe recurso jurisdicional para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. ainda artigo 26º n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal).
III - O artº 142º do CPTA versa o regime do recurso das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição em processos a que se aplica o ETAF de 2002 e CPTA, prevendo no seu nº 3, a possibilidade de recurso das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo ou que não conheçam do mérito da causa.
IV - Não é de admitir, ao abrigo de tal norma, recurso de decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo em segundo grau de jurisdição e que teve por objecto acto jurisdicional praticado no processo judicial tributário regulado pelo Código de Procedimento e Processo Tributário (artº 279º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Nº Convencional:JSTA000P13366
Nº do Documento:SA2201110190682
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I – A…, com os sinais dos autos, veio recorrer para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que, por sua vez, absolvera a Fazenda Pública da instância por inimpugnabilidade do acto sindicado.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) A "venda" foi um mero expediente de que as partes se serviram para corrigir uma situação anómala;
b) Resultante de ela ter figurado na venda representada pela Drª B…,
c) A verdade é que tal "venda" foi um mero expediente destinado a corrigir a situação anómala resultante de a ora recorrente se ter considerado herdeira, de C…, não o sendo realmente;
d) Se ela tivesse outorgado directamente na escritura nunca esta situação se tinha dado;
e) Os direitos da Fazenda Nacional já foram satisfeitos e mais que satisfeitos (a recorrente pagou de imposto sucessório a taxa mais elevada do que pagariam os mais herdeiros e estes vieram a pagar a sisa);
f) O acórdão violou o nº 1 do Artº 876.° e alínea a) do Artº 879.° do C.C. (a contrario)
II- O despacho de admissão do recurso (fls.147) é do seguinte teor: «Por legal e tempestivo admito o recurso interposto a fls. 144, o qual sobe de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo – artº 142, nº3, al. d) do CPTA.»
Em contra alegações oportunamente apresentadas em juízo, a Fazenda Publica, suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, em terceiro grau de jurisdição, de acordo com o ETAF aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Mais alegou que recurso do art. 142° do CPTA não é aplicável aos processos tributários, pelo menos aqueles que não são processados nos termos desse Código e que, mesmo que se considerasse o disposto na alínea d) do nº 3 do artigo 142° do CPTA, a admissibilidade deste recurso - recurso de decisões que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa - apenas é possível no que se reporta às decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição.
Notificada a recorrente para, querendo, se pronunciar sobre a suscitada questão prévia – cfr. despacho do relator de fls. 171 - nada foi requerido.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de da inadmissibilidade do recurso admitido com fundamento no artº 142º, nº 3, al. d) do CPTA, sustentando que o tribunal não pode eleger a espécie do recurso, em substituição da recorrente.
III- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
Importa antes do mais conhecer da questão prévia da admissibilidade do recurso.
Como é sabido o despacho de admissão de recurso não vincula o tribunal superior - art. 685º-C nº 5 do Código de Processo Civil, o qual poderá não tomar conhecimento do recurso quando entenda que ele não é admissível.
É o que sucede no caso subjudice em que estamos perante um recurso de decisão tomada pelo Tribunal Central Administrativo Sul em segundo grau de jurisdição.
Com efeito o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção do D.L. n.º 229/96, de 29 de Novembro extinguiu, no contencioso tributário, o terceiro grau de jurisdição, pese embora tivesse salvaguardado, o art. 120° daquele diploma legal, que tal extinção "apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor".
Assim, relativamente aos processos iniciados anteriormente ao início de vigência (Que ocorreu em 15.09.1997 – art. 114º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e Portaria nº 398/97 de 18 de Junho.) do Decreto-Lei nº 229/96, manteve-se a possibilidade de recurso para a secção de contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisões do Tribunal Central Administrativo proferidas em segundo grau de jurisdição.
Ora, no caso dos autos o processo de impugnação deu entrada em 23.06.2006, portanto muito depois da entrada em vigor do diploma que determinou a extinção do 3º grau de jurisdição no contencioso tributário .
Sendo que resulta do artº 26º, al. b) do ETAF que compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos dos acórdãos da Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos, proferidos em 1.º grau de jurisdição.
Assim e de harmonia com a redacção do referido artº 26º, al.b) do ETAF forçoso é concluir que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, porque proferido já sobre sentença do TAF de Lisboa, isto é, em segundo grau de jurisdição, não era susceptível de sindicância através de recurso jurisdicional.
É certo que o despacho que admitiu o recurso - fls. 147 - invocou o disposto no artº 142º, nº 3, al. d) do CPTA.
Porém, como bem salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer de fls. 178, o tribunal não pode eleger a espécie do recurso, em substituição da recorrente.
E, como notoriamente resulta do seu requerimento de fls. 145 e das sua alegações, a recorrente não interpôs o recurso ao abrigo do disposto no artº 142º, nº 3, al.d) do CPTA.
Acresce dizer que o artº 142º, nº 3, al. d) nunca seria aplicável à decisão objecto do recurso, porque proferida em processo judicial regulado pelo Código de Procedimento e Processo Tributário (cf. arts. 279, nº 1 e 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário) e ainda porque proferida em segundo grau de jurisdição.
Com efeito o Código de Procedimento e Processo Tributário prevê, no seu Título V (arts. 279 e seguintes) um regime de recursos jurisdicionais unitário para todos os processos nele regulados, nomeadamente recursos dos actos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário (artº 279º, nº 1).
Mantendo-se regimes de recursos jurisdicionais distintos para os meios processuais que não são regulados pelo Código de Procedimento e Processo Tributário (meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária e recursos contenciosos dos actos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação – arts. 279º, nº 2 e 97º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário) (Cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pags. 678 e 679, e João António Valente Torrão, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, pag. 946.).
Ora o artº 142º do CPTA versa o regime do recurso das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição em processos a que se aplica o ETAF de 2002 e CPTA (Ver neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II pag. 742 e Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. II, pag. 704.).
No nº 1 daquele normativo estabelece-se a regra de que são recorríveis jurisdicionalmente as decisões que, em primeiro grau de jurisdição , tenham conhecido do mérito da causa nos processos de valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre.
E o nº 3 identifica as situações em que há lugar a recurso, independentemente do valor da causa e que constituem, portanto, um desvio à regra geral do nº 1.
Prevendo-se aqui a possibilidade de recurso das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo ou que não conheçam do mérito da causa.
O que não abrange o caso dos autos em que é posta em causa decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo em segundo grau de jurisdição e que teve por objecto acto jurisdicional praticado no processo judicial tributário regulado pelo Código de Procedimento e Processo Tributário (artº 279º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Daí que, em face do exposto, seja de concluir pela procedência da suscitada questão prévia, não sendo de admitir o recurso.
IV- Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em não tomar conhecimento do presente recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs.
Lisboa, 19 de Outubro de 2011. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.